Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 90, DE 1995 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 90, DE 1995

Aprova o texto da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, concluída em 30 de janeiro de 1975, na cidade do Panamá.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS Nº 328/CJ/DAI/DEA-MRE, DE 27 DE AGOSTO
DE 1992, DO SENHOR MINISTRO DO ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES.

     Excelentíssimo Senhor Presidente da República,

     Elevo à consideração de Vossa Excelência o anexo projeto de mensagem pela qual se submete ao referendo do Congresso Nacional o texto da Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional, celebrada no Panamá em 30 de janeiro de 1975, no âmbito da I Conferência Especializada Interamericana sobre Direito Internacional Privado (CIDIP-I), com base em projeto elaborado pela Comissão Interamericana de Juristas (CJI), em 1967.

     2. A Convenção em apreço foi assinado, naquela mesma data, em nome do Governo brasileiro, pelo Professor Haroldo Teixeira Valladão, que  havia exercido por dez anos o cargo de Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores e era justamente considerado uma das maiores autoridades brasileiras em direito internacional privado. Foi também firmada, naquela ocasião e em datas posteriores, por outros dezessete países americanos, tendo sido ratificada por treze deles. Entrou em vigor internacionalmente em 16 de junho de 1976, trinta dias após a data do depósito do segundo instrumento de ratificação, nos termos do seu artigo 10.

     3. Pelas razões que exponho mais adiante, o Governo brasileiro não havia iniciado até hoje os trâmites necessários à ratificação desse importante ato. A arbitragem, especialmente no âmbito comercial, nas últimas décadas, vem angariando crescente prestígio internacional graças às suas características de comodidade, rapidez, confiança, conhecimento técnico, sigilo e possível economicidade. Isto sem considerar as maiores garantias de isenção e independência, quando comparada com as incertezas que podem cercar um processo judicial em países onde a autonomia dos tribunais não seja plenamente respeitada.

     4. Prova disso é o número de instrumentos internacionais multilaterais sobre arbitragem, quer em caráter universal, quer regional, que têm sido celebrados. Ainda anteriormente à II Guerra Mundial forem firmados, sob a égipe da Liga das Nações, o Protocolo de Genebra de 14 de setembro de 1923, relativo à cláusula de arbitragem, e a Convenção de Genebra de 26 de dezembro de 1927, para a execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Após aquele conflito, sob os auspícios da Organização das Nações Unidas, foram elaboradas: a Convenção de Nova York para o reconhecimento e execução de sentenças arbitrais estrangeiras, de 10 de junho de 1958; a Convenção Européia sobre Arbitragem Comercial Internacional, assinada em Genebra em 21 de abril de 1961 (regional); e a Convenção sobre a Solução de Controvérsias Relativas a Investimentos entre Estados e Nacionais de Outros Estados, submetida  pelo Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) aos Governos em 1965, em vigor a partir de 14 de outubro de 1966. Seriam de citar, ainda, o Regulamento de Arbitragem de Comissão das Nações Unidas para o Direito Internacional (UNCITRAL), adotado pela Assembléia-Geral da ONU em 15 de dezembro de 1976, e a Lei Modelo sobre Arbitragem Comercial Internacional, adotada pela UNCITRAL em 21 de junho de 1985 e encaminhado à Assembléia-Geral.

     5. No âmbito da Organização dos Estados Americanos foram elaborados: o projeto de Lei Uniforme Interamericana sobre Arbitragem Comercial, pelo Conselho Interamericano de Jurisconsultos (México, 1956); a Convenção do Panamá, de que aqui se trata; e a Convenção Interamericana sobre a Eficácia Extraterritorial das Sentenças e dos Laudos Arbitrais Estrangeiros, elaborada pela CIDIP-II, em Montevidéu, em 8 de maio de 1979, que complementa a anterior.

     6. No âmbito das organizações não-governamentais, várias são as entidades que se dedicam a resolver por arbitragem os litígios comerciais internacionais, algumas com caráter especializado. Entre as mais importantes poder-se-iam mencionar a câmara de Comércio Internacional, de Paris; a "London Corn Trade Association", a "American Arbitration Association", de Nova York; a "Cattle Food Association ", de Londres; o "Hamburguer Freundschaftliche Arbitrage", de Hamburgo; a "Liverpol Cotton Association Ltd.", a "The Grain and Feed Trade Association" e a "Refined Sugar Association", estas dias últimas de Londres.

     7. O Brasil é parte apenas do Protocolo de Genebra de 1923, o qual, conquanto nunca tenha sido aplicado em seu território, em tese está nele vigente, pois o Governo brasileiro não o denunciou expressamente. Esse instrumento, no entanto, teve seus princípios incorporados na Convenção de Nova York de 1958, que o substituiu entre os países que dela participam, o que não é o caso brasileiro. O Brasil permanece fora dos demais instrumentos supracitados, os quais já foram adotados por grande número de países. A Convenção de Nova York, sem dúvida o mais importante dentre eles, está em vigor para cerca de oitenta países.

     8. Por motivos que aos especialistas não se mostram suficientemente claros, o instituto da arbitragem, previsto na legislação brasileira, tem sido pouquíssimo utilizado no País. Se isto ocorre no que diz respeito às arbitragem internas, com mais razão se verifica quando se trata de arbitragens realizadas no estrangeiro, em virtude do elemento dissuasor representado pela exigência legal do duplo grau de jurisdição, ou seja, a necessidade de homologação judicial do laudo arbitral, tanto no país onde for ele ditado, quanto no Brasil. Esse requisito é que basicamente tem impedido o País de aderir à Convenção de Nova York de 1958, pois seu objetivo é tornar plenamente executáveis os laudos arbitrais independentemente de homologação por autoridade judiciária competente, seja no país em que é proferido, seja naquele em que deve ser executado. Em sucessivos pareceres, entenderas os anteriores Consultores Jurídicos do Itamaraty, Hildebrando Accioly e M. Franchini-Netto, que a Convenção de Nova York conflita com o artigo 15 da Lei de Introdução ao Código Civil. E, muito embora admitissem que uma Convenção Internacional assinada no Brasil e devidamente ratificada deve prevalecer sobre a lei nacional, ponderavam que, especialmente tratando-se de lei tão importante como a de Introdução ao Código Civil, seria difícil que o Congresso Nacional a aprovasse, se não houvesse possibilidade de certa modificação no texto da Convenção, ou de uma ressalva, que resguardasse a aplicação, no Brasil, do que dispõe o artigo 15 da referida lei. Foi o que se tentou fazer. Entretanto, o Serviço Jurídico das Nações Unidas pronunciou-se pela impossibilidade de se acolher a reserva interposta pelo Governo brasileiro.

     9. A plena incorporação do Brasil à Convenção do Panamá vem sendo retardada por força da extensão, a ela, das objeções anteriormente feitas à Convenção de Nova Tork. Extensão, a meu ver, improcedente, porquanto o artigo 4º da Convenção Interamericana atribui às sentenças ou laudos arbitrais não-impugnáveis segundo as leis ou as normas processuais aplicáveis, força de sentença judicial definitiva e permite que sua execução ou reconhecimento seja exigido da mesma maneira que o das sentenças proferidas por tribunais ordinários nacionais ou estrangeiros, segundo as leis processuais do país onde forem executadas e o que for estabelecido a tal respeito por tratados internacionais. Essa remissão às leis processuais do país onde serão reconhecidos ou executados os laudos arbitrais permite harmonizar a Convenção do Panamá com a Lei de Introdução ao Código Civil. O plenipotenciário que a firmou pelo Brasil, Professor Haroldo Valladão, ao tratar do tema em sua obra Direito Internacional Privado (Freitas Bastos, 1978, p. 216-9), não viu incompatibilidade entre suas disposições e as da lei brasileira e até lembrou, no direito internacional vigente no Brasil, o precedente do Código Bustamante, de 1928, que admite amplamente, no artigo 432, a execução de sentenças proferidas por árbitros ou compositores, sempre que o assunto que as motiva possa ser objeto de compromisso pela legislação do país em que a mesma execução se solicite. Assim, segundo Valladão - e no mesmo sentido se manifestou Hildebrando Accioly em mais de um parecer como Consultor Jurídico do Itamaraty -, uma sentença arbitral proferida em outro país americano que tenha ratificado aquele Código poderá ser reconhecida no Brasil, ainda que não tenha sido previamente homologada no país de origem. E são quinze os outros Estados-Partes do mesmo, sendo que para oito deles também se acha em vigor a Convenção do Panamá.

     10. Essa Convenção prevê, no artigo 3º, que, na falta de acordo expresso entre as partes, a arbitragem será efetuada de conformidade com as normas procedimentais da Comissão Interamericana de Arbitragem Comercial (CIAC). Trata-se de organização privada constituída em 1934 com base na Resolução XLI da VII Conferência Internacional Americana, sob os auspícios da Associação Americana de Arbitragem. Tem sede em Nova York e seções nos diversos países americanos. A Seção brasileira é constituída pelo Centro Brasileiro de Arbitragem, que funciona junto à Confederação Nacional do Comércio, no Rio de Janeiro. Suas normas de procedimento têm encontrado inegável aceitação em outros países de continente.

     11. A Convenção do Panamá tem sido apoiada como via de solução de controvérsias pelo Conselho Interamericano de Comércio e Produção (CICYP), pela Federação Interamericana de Advogados, pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tendo este ultimo contribuindo financeiramente para a CIAC. Como acima se disse, já são treze os Estados americanos que ratificaram a Convenção, permanecendo o Brasil, nesse particular até agora, em posição minoritária ou isolada.

Respeitosamente,

CELSO LAFER
Ministro de Estado das Relações Exteriores


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 22552


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 22552, Página 22552 (Exposição de Motivos)