Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 27, DE 1992 - Exposição de Motivos
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DECRETO LEGISLATIVO Nº 27, DE 1992
Aprova o texto da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto São José) celebrado em São José da Costa Rica, em 22 de novembro de 1969, por ocasião da Conferência especializada Interamericana sobre Direitos Humanos.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DEA/DNU/SRC/CAI/CJ/138/SHUM/OEA, DE 29 DE OUTUBRO DE 1985,
DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
A Sua Excelência o Senhor
Doutor José Sarney,
Presidente da República.
Senhor Presidente,
Tenho a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência o anexo texto de Convenção Americana sobre Direitos Humanos - Pacto de São José -, celebrada em São José da Costa Rica, a 22 de novembro de 1969, por ocasião da Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos.
2. Em sua primeira parte, o Pacto de São José discrimina, na esfera civil, política, econômica, social e cultural, direitos individuais concernentes à vida, integridade e liberdade físicas, nacionalidade, propriedade privada, acesso às fontes da ciência e da cultura. Dispõe, ainda, sobre o princípio da anterioridade da lei penal e as condições de sua retroatividade; as liberdades de consciência, expressão e culto confessional; a proteção da honra e o direito de resposta; os direitos políticos, o de reunião e o de associação; o princípio da igualdade perante a lei; e a proteção devida pelo Estado a seus súditos e aos estrangeiros encontráveis no âmbito de sua soberania.
3. A segunda parte da Convenção tem caráter instrumentaI e institucional, uma vez que designa a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos como órgãos executores. A CIDH atua como instância preliminar à jurisdição da Corte e goza de amplo poder para requisitar informações e formular recomendações aos governos. O processo ante a Comissão implica pedido de informações ao Estado reclamado, com prazo assinalado, além de investigações, conduzindo à elaboração de relatório. Inoperantes as proposições ou recomendações e esgotados os prazos pertinentes, a CIDH publica suas conclusões sobre o caso concreto. Alternativamente, poderá submeter a matéria à Corte.
4. Tratando-se de órgão judiciário, a Corte não relata, nem propõe, nem recomenda, mas profere sentenças, que o Pacto aponta como definitivas e inapeláveis. Declarando, na fundamentação do aresto, a ocorrência de violação de direito protegido pela Convenção, a Corte determina seja ele de pronto restaurado e ordena, se for o caso, o pagamento de indenização justa à parte lesada. Nos relatórios anuais à Assembléia Geral Ordinária da Organização dos Estados Americanos, a Corte "indicará os casos em que um Estado não tenha dado cumprimento às suas sentenças" (artigo 65 da Convenção). Até o presente momento, a Corte somente emitiu opiniões consultivas. Sua competência só se verifica depois de esgotados todos os recursos de jurisdição interna do Estado onde houver ocorrido um determinado caso a ela submetido.
5. São as seguintes as razões que justificariam a adesão do Brasil à Convenção em tela:
a) participou o Brasil ativamente dos trabalhos preparatórios do Pacto de São José, marcando presença na elaboração dos atuais instrumentos de proteção internacional dos direitos humanos; em diversas ocasiões, desde os anos quarenta, manifestou-se o Brasil em favor da proteção internacional dos direitos humanos, tendo tomado, inclusive, a iniciativa de apresentar projetos em conferências internacionais;
b) a adesão do Brasil à Convenção estaria inteiramente de acordo com a melhor doutrina e a verdadeira tradição jurídico-diplomática brasileiras;
c) o Brasil já retificou outros importantes tratados relativos a aspectos específicos da proteção dos direitos humanos (e.g., a Convenção relativa ao status dos Refugiados, de 1951, Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1966);
d) a adesão do Brasil ao tratado humanitário em apreço estaria totalmente de acordo com a evolução do direito internacional contemporâneo, sempre levado em conta na formulação da política externa brasileira;
e) no campo da proteção internacional dos direitos humanos, os Estados também contraem obrigações internacionais, no exercício pleno de sua soberania, que não pode ser invocada como elemento de interpretação dos tratados; os tratados humanitários não hão de ser interpretados restritivamente à luz de concessões recíprocas, como nos tratados clássicos, uma vez que visam não a estabelecer um equilíbrio de interesses entre os Estados, mas sim a proteger os direitos fundamentais do ser humano;
f) a Convenção tem buscado a compatibilização entre seus dispositivos e os de direito interno, consagrando mecanismos e técnicas que objetivam prevenir ou evitar conflito entre as jurisdições internacional e nacional; é dotada, ademais, de especificidade própria, não se prestando a analogias como os mecanismos clássicos de solução de controvérsias no plano das relações puramente interestatais; e
g) a adesão do Brasil constituiria compromisso ou garantia adicional, nas esferas nacional e internacional, de efetiva proteção contra a violação dos direitos humanos; contribuiria, igualmente, para a proteção da conquista interna da democracia na órbita internacional e para a cristalização definitiva, no plano internacional, da imagem do Brasil como país respeitador e garantidor dos direitos humanos.
6. Cumpre assinalar que deverá ser feita declaração interpretativa sobre os artigos 43 e 48, letra "d", esclarecendo que, no entender do Governo brasileiro, os referidos dispositivos não incluem direito automático de visitas ou inspeções in loco da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), as quais dependem da anuência expressa do Estado.
7. No tocante às cláusulas facultativas contempladas no parágrafo 1º do artigo 45 - referente à competência da CIDH para examinar queixas apresentadas por outros Estados sobre não cumprimento de obrigações - e no parágrafo 1° do artigo 62 - relativo à jurisdição obrigatória da Corte - não seria recomendável, na presente etapa, a adesão do Brasil.
8. No que respeita ao artigo 27, sobre medidas de emergência e suspensão de garantias e, em particular, sobre o parágrafo 3°, que trata da obrigação do Estado-Parte de comunicar a adoção de tais medidas aos demais Estados-Partes, por intermédio do Secretário-Geral da OEA, cabe destacar que se trata de dispositivo-padrão nas convenções sobre direitos humanos, que consta também dos pactos internacionais, elaborados no âmbito das Nações Unidas, em nada afetando o direito que têm os Estados de adotar essas medidas, desde que não haja derrogação de certos direitos básicos, tal como relacionados no parágrafo segundo.
9. À luz do exposto, permito-me propor a Vossa Excelência a adesão do Brasil ao referido instrumento internacional para o que será necessária a prévia aprovação do Congresso Nacional, na forma do artigo 44, inciso I, da Constituição Federal.
10. Nessas condições, tenho a honra de submeter o incluso projeto de Mensagem ao Congresso Nacional, para que Vossa Excelência, se assim houver por bem, encaminhe o texto, em anexo, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos à consideração do Poder Legislativo.
Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito.
Olavo Setúbal
- Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 17/3/1987, Página 188 (Exposição de Motivos)