Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 56, DE 1983 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 56, DE 1983

Aprova o Texto do Tratado de Demilitação Marítima concluído entre o Governo da República Federativa do Brasil e a República Francesa em Paris, a 30 de janeiro de 1981.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DF/DAM-II/DAl/PCDL/168/245 (B46) (B16), DE 22 DE JUNHO DE 1981,
DO SENHOR MINISTRO DE ESTADO DAS RELAÇÕES EXTERIORES

     A Sua Excelência o Senhor
     João Baptista de Oliveira Figueiredo,
     Presidente da República.

     Senhor Presidente:

     Tenho a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência o anexo texto do Tratado de Delimitação Marítima entre a República Federativa do Brasil e a República Francesa, que assinei com o meu colega francês, por ocasião da visita de Vossa Excelência a Paris.

     2. O Tratado firmado em 30 de janeiro de 1981, em solenidade que contou com a honrosa presença de Vossa Excelência, encerrou longo ciclo de negociações entre o Brasil e a França, para a determinação dos limites entre o nosso País e o Departamento da Guiana.

     3. O estabelecimento de nossa linha de fronteira com a Guiana Francesa, que agora se completa em seu trecho lateral marítimo, constituiu uma das empresas mais significativas da diplomacia brasileira. Seus antecedentes históricos remontam a meados do Século XVII, assinando-se posteriormente, em 1713, o Tratado de Utrecht, que determinava, em seu art. 8.º , que "... o rei da França abre mão das pretensões tidas sobre as terras chamadas de Cabo Norte, e situadas entre o rio Amazonas e o Oiapoque".

     4. Contudo, novos problemas surgiram na identificação deste último rio, seguindo-se um período de negociações, coroadas com o Tratado de Arbitramento de 1897, quando os dois litigantes acordaram em submeter a questão ao Governo da Confederação Suíça. Finalmente, em 1900, o Presidente do Conselho Federal Suíço, Walter Hauser, emitiu seu Laudo Arbitral, consagrando o talvegue do Rio Oiapoque e o divisor de águas da cumeada da Serra do Tumucumaque como linha de fronteira entre o Brasil e a Guiana Francesa. Tivemos, assim, reconhecida a soberania brasileira sobre uma área de 260.000 quilômetros quadrados, correspondente ao atual Território do Amapá.

     5. Solucionado juridicamente o litígio, o Brasil e a França estabeleceram, em 1955, a Comissão Mista Brasileiro-Francesa Demarcadora de Limites, para os trabalhos de caracterização física da fronteira. De 1955 a 1978, a Comissão realizou quatro Conferências, nas quais foi efetuado o levantamento da fronteira desde o ponto de trijunção ou marco trinacional Brasil-Guiana Francesa-Suriname, até a foz do rio Oiapoque, restando por delimitar o talvegue da baía do Oiapoque, a entrada da mesma baía e o limite lateral marítimo.

     6. Na IV Conferência, realizada em Brasília, de 18 a 21 de setembro de 1978, a Delegação brasileira propôs, como medida preparatória para a definição desse limite, o levantamento hidrográfico e cartográfico da baía do Oiapoque e proximidades pelo navio hidrográfico "Canopus", da Marinha brasileira, o que foi aceito pelos delegados franceses, após a exposição do Comandante do navio sobre os trabalhos a serem efetuados. O "Canopus" realizou as operações previstas em setembro e outubro de 1978, levando a bordo três técnicos franceses convidados a participar dos trabalhos.

     7. De posse dos dados técnicos levantados pelo "Canopus", realizou-se em Paris a V Conferência da Comissão Mista, entre 24 e 28 de setembro de 1979. A Comissão decidiu, naquela ocasião, aceitar e aprovar os mencionados dados técnicos. Decidiu, ainda mais, que a linha de fronteira das águas interiores da baía do Oiapoque, a partir da linha Ponta do Mosquito-Mont Bruyere, seria o talvegue tal como definido pelo navio hidrográfico "Canopus", até a linha de fechamento da baía. Quanto à definição dessa linha de fechamento e da linha lateral marítima, acordou-se em que o prosseguimento das conversações, a respeito fosse efetuado na seguinte Conferência.

     8. A Sexta Conferência da Comissão Mista Brasileiro-Francesa Demarcadora de Limites teve lugar de 19 a 23 de janeiro do corrente ano, em Brasília. Após intensas e cuidadosas conversações, as duas Delegações conseguiram chegar a um ponto de consenso que satisfez a ambas as posições, estabelecendo-se que a linha de fechamento da baía do Oiapoque seria constituída pelo segmento de reta tangente a dois elementos topográficos cujo posição foi determinada na carta náutica brasileira de número 110, 1ª edição, de 27 de abril de 1979, a saber: no lado do Brasil, o contorno norte do Cabo Orange, definido pela linha correspondente ao nível de baixamar média de sizigia, e no lado do Departamento da Guiana, o limite norte do rochedo situado nas proximidades da Ponta de Coumarouman.

     9. A partir dai, a linha de delimitação marítima, inclusive da plataforma continental, foi determinada como sendo a linha loxodrômica que tem o azimute verdadeiro de quarenta e um graus e trinta minutos sexagesimais, e cuja origem foi definida pelo ponto de latitude quatro graus, trinta minutos e cinco décimos Norte, e longitude cinqüenta e um graus, trinta e oito minutos e dois décimos Oeste, constituído pela intersecção entre a linha de fechamento da baía e a linha de fronteira (talvegue) da baía do Oiapoque, estabelecida por ocasião da Quinta Conferência. O azimute e as coordenadas acima foram referidos ao Sistema Geodésico Brasileiro (datum horizontal-Córrego Alegre), o mesmo utilizado na elaboração da carta náutica brasileira de número 110.

     10. Do preparo das posições brasileiras e das negociações sobre o limite lateral marítimo, tendo presente a natureza do assunto, participaram ativamente representantes de nossa Marinha de Guerra, cuja atuação me é grato assinalar.

     11. Do ponto de vista estritamente jurídico, a solução acordada atende plenamente aos princípios e normas do Direito Internacional que regem o assunto. Embora o atual Texto Informal Composto de Negociação da III Conferência da ONU sobre Direito do Mar seja ainda somente um projeto de Convenção, julgou-se conveniente levar em conta os desdobramentos recentes sobre a matéria consolidados no referido documento. Assim, o teor do Tratado está cabalmente de acordo com o disposto no artigo 10(2) do mencionado Texto Informal Composto de Negociações, no sentido de que "uma reentrância só é considerada uma baía (no sentido jurídico do termo) se sua superfície é igual ou superior à de um semicírculo tendo por diâmetro a linha traçada através da entrada da reentrância". Atende, igualmente, aos requisitos do artigo 10(4) e (5), não ultrapassando a linha a distância de 24 milhas.

     12. Para os propósitos do Tratado da lateral marítima, invocou-se parcialmente o método da eqüidistância (dos pontos mais próximos das linhas de base, a partir das quais é medida a extensão dos espaços marítimos de cada um dos dois Estados) em relação à direção geral da costa, elementos esses fundamentados na jurisprudência internacional e na doutrina e prática dos Estados.

     13. Ao se colocarem as Partes de acordo quanto à redação do presente Tratado, a Delegação brasileira teve em mente a conclusão a que chegara o Grupo de Negociação 7, da II Comissão, da atual Conferência da ONU sobre o Direito do Mar, a saber, que em matéria de fixação de limites laterais marítimos impõe-se, acima de todos os fatores a serem levados em conta (como eqüidistância, circunstâncias especiais, solução eqüitativa), o elemento de livre negociação entre as Partes, no exercido de sua soberania.

     14. Estou certo, Senhor Presidente, de que o texto negociado graças às instruções de Vossa Excelência é extremamente vantajoso do ponto de vista do interesse nacional. Com efeito, as soluções nele consagradas possibilitam o atendimento pleno do interesse nacional, mediante fórmula satisfatória para o Brasil e para a França. Tornam, assim, clara e precisa, em relação ao nosso vizinho setentrional e a terceiros, a área marítima reservada à nossa exclusiva exploração de recursos pesqueiros e outros recursos que acaso nela se localizem. Ao mesmo tempo, o presente Tratado permite concluir, de maneira positiva, o ciclo de negociações limítrofes, uma vez que a linha de demarcação marítima com o Departamento da Guiana constituía o único trecho ainda em aberto do perímetro fronteiriço terrestre e marítimo do Brasil, todo ele já definido por tratados ou laudos arbitrais.

     15. A vista do exposto, Senhor Presidente, submeto à alta consideração de Vossa Excelência a anexo projeto de Mensagem ao Congresso Nacional, para que Vossa Excelência, se assim houver por bem, submeta o texto do Tratado à apreciação do Poder Legislativo.

     Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito.

Ramiro Elysio Saraiva Guerreiro


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 16/10/1981


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 16/10/1981, Página 11514 (Exposição de Motivos)