Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 93, DE 1971 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 93, DE 1971

Autoriza o Governo da República Federativa do Brasil a aderir ao Protocolo sobre o Estatuto dos Refugiados, adotado em Nova York, em 31 de dezembro de 1967, e a substituir ressalvas à Convenção de 1951, sobre o mesmo Estatuto.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS
DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES

Em 20 de setembro de 1971

     A Sua Excelência o Senhor General-de-Exército Emílio Garrastazu Médici,

     Presidente da República.

     Senhor Presidente:

     Tenho a honra de submeter à alta consideração de Vossa Excelência o texto do Protocolo sôbre o Estatuto dos Refugiados, adotado em Nova York, a 31 de janeiro de 1967.

     2. O problema dos refugiados ocasiona, para o país que os recebe, questões de natureza humanitária, financeira e principalmente, jurídica. Um Estado tem jurisdição tanto sôbre seus nacionais como sôbre os estrangeiros; a êsses concede menos direitos que àqueles; a condição dos estrangeiros varia conforme sua nacionalidade ou a existência de reciprocidade no país estrangeiros em relação aos seus próprios nacionais.

     3. Essa condição, entretanto, não pode ser preenchida pelo refugiado que, estando fora do país de sua nacionalidade ou residência, se encontra impossibilitado de valer-se da proteção diplomática de qualquer país e, portanto, e um estrangeiro em qualquer país em que se encontre.

     4. Tanto a Liga das Nações como as Nações Unidas se preocuparam com o problema. A Liga patrocinou a conclusão de alguns Acôrdos sempre limitados a certas espécies de refugiados e que tiveram aplicação restrita. Por sua parte, as Nações Unidas, em 1948, incumbiram a um de seus órgãos o estudo da questão. Em 1949, foi criado um Comitê ad hoc encarregado de preparar um projeto de convenção relativo as pessoas desprotegidas. Êsse projeto, após haver sido submetido a uma conferência diplomática reunida em Genebra, tornou-se, em 28 de julho de 1951, a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados.

     5. A Convenção é, um código de direitos mínimos a serem concedidos aos refugiados, nos mais variados campos de atividade. Equipara-se, em certas circunstâncias, aos nacionais, em outras, aos estrangeiros em geral bem como prevê a concessão de papéis de identidade ou documentos de viagem àqueles que dêles não disponham.

     6. O Brasil fiel à sua tradição humanitária, assinou a Convenção em 15 de julho de 1952 e a ratificou em 15 de novembro de 1960, depois de aprovada pelo Congresso Nacional, mediante o Decreto Legislativo nº 11, de 1960.

     7. O artigo 1º da Convenção, em sua alínea a, inciso 2º, define o refugiado como a pessoa vítima dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951, que estando fora do país de sua nacionalidade ou sua residência, não possa valer-se da proteção dêsse país ou voltar ao país de sua residência, caso não possua nacionalidade.

     8. O Comitê que elaborou o projeto opinou pela impossibilidade de os Governos assumirem compromissos em relação a refugiados cuja origem e número eram ignorados. Entretanto, desde 1951, ocorreram convulsões que causaram o aparecimento de novos refugiados fora do âmbito da Convenção. Com o propósito de alargar a aplicação da Convenção, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados recomendou a adoção de um Protocolo modificativo à Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, que pela Resolução nº 2.198, em sua Vigésima Primeira Sessão, em fins de 1966, a aprovou e solicitou ao Secretário Geral da Organização que o encaminhasse aos Estados-Membros.

     9. O Protocolo sôbre o Estatuto dos Refugiados, em seu artigo 1º, parágrafo 2º, suprime da definição da palavra "refugiado", tal como é empregada na Convenção de 1951, a frase "em conseqüência dos acontecimentos ocorridos antes de 1º de janeiro de 1951", ficando portanto, os direitos previstos na Convenção estendidos aos refugiados que apareceram após àquela data. No parágrafo 3º do mesmo artigo declara que será aplicado sem nenhuma restrição geográfica, serão respeitadas as restrições já feitas e não retiradas e no artigo 7º permite que as Partes mantenham as reservas feitas à Convenção, as quais ficam estendidas ao Protocolo.

     10. Ao depositar seu Instrumento de Ratificação, o Govêrno brasileiro declarou, conforme lhe facultava a alínea b do artigo 1º, que aplicaria a Convenção somente aos refugiados em conseqüência dos acontecimentos ocorridos na Europa e faz reservas aos artigos 15 e 17 da mesma, nos quais é concedido aos refugiados o tratamento da noção mais favorecida no que diz respeito ao direito de associação sem fins políticos ou de atividade profissional assalariada. O Congresso Nacional, ao aprovar a Convenção, formulou essas reservas. Alegou a Comissão de Justiça da Câmara que, ao dar o Brasil êsse tratamento aos refugiados, em tais campos, os estaria assimilando aos portugueses, que gozam de estatuto especial ex vi do Tratado de Amizade e Consulta de 1953.

     11. Tal como formulada, a reserva parece indicar que o Brasil não concede direito de associação e do exercício de atividade assalariada. Nessas condições, o Govêrno brasileiro poderia retirar as reservas aos artigos 15 e 17, parágrafo 1º, substituindo-as por uma declaração interpretativa no sentido de que o tratamento preferencial concedido aos portugueses, em virtude do Tratado de Amizade e Consulta e do artigo 199 da Emenda Constitucional nº 1, de 1969, não deverá ser levado em conta, para fins de aplicação dos artigos15 e 17, parágrafo 1º da Convenção. Vale dizer que os refugiados gozarão do tratamento concedido aos estrangeiros em geral.

     12. Já a reserva ao parágrafo 2º do artigo 17 parece dever ser mantida, pois colide com o artigo 353 da Consolidação das Leis do Trabalho, que exige dez anos de residência para assimilação do estrangeiro ao brasileiro, para fins de apuração do critério de proporcionalidade de dois terços de brasileiros, na mesma empresa, enquanto o parágrafo referido só exige três anos.

     13. Quanto à reserva feita ao parágrafo 3º do artigo 17, poderá ser retirada, pois se trata, conforme está redigida, de mera recomendação.

     14. Havendo a maioria dos acontecimentos que causaram o aparecimento de refugiados, após 1 de janeiro de 1951, ocorrido tanto na Europa como em outras partes do mundo, nada há que, desaconselhe a ampliação, pelo Brasil, do âmbito da Convenção aos acontecimentos verificados na Europa ou alhures, conforme prevê o artigo 1º, b, 2.

     15. O Ministério da Justiça e o Ministério do Trabalho e Previdência Social foram consultados sôbre essa posição e concordaram plenamente com o Itamaraty.

     16. Nessas condições, submeto um projeto de Mensagem Presidencial a fim de que Vossa Excelência, se assim houver por bem, encaminhe o Protocolo sôbre o Estatuto dos Refugiados ao Congresso Nacional, de conformidade com o artigo 44, inciso I da Constituição, solicitando a competente autorização para que o Brasil possa a êle aderir, bem como retirar as reservas feitas aos artigos 15 e 17, parágrafos 1º e 3º da Convenção de 1951 e substitui-las por uma declaração interpretativa, nos moldes acima enunciados.

     Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito. - Mário Gibson Barboza.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 26/11/1971


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 26/11/1971, Página 7195 (Exposição de Motivos)