Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 56, DE 1975 - Exposição de Motivos
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DECRETO LEGISLATIVO Nº 56, DE 1975
Aprova o texto do Tratado da Antártida, assinado em Washington, a 1º de dezembro de 1959, e a adesão do Brasil ao referido ato jurídico internacional.
EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DAM-I/141/692 (D), DE 16 DE MAIO DE 1975, DO MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES EXTERIORES
A Sua Excelência o Senhor
General-de-Exército Ernesto Geisel,
Presidente da República.
Sr. Presidente,
Tenho a honra de levar ao conhecimento de Vossa Excelência, em conformidade com as instruções recebidas, que a Embaixada do Brasil em Washington fez entrega, nesta data, de Nota do Departamento de Estado, comunicando a adesão do Governo Brasileiro ao Tratado da Antártida assinado na capital norte-americana, em 1.º de dezembro de 1959, na forma do parágrafo 3.º do Artigo XIII do Tratado, que designou o Governo dos Estados Unidos da América como Governo Depositário.
2. Do referido ato internacional, cujo texto segue em anexo, são partes contratantes doze membros Originários (EUA, URSS, Argentina, Austrália, Bélgica, Chile, França, Japão, Nova Zelândia, Noruega, África do Sul e Grã-Bretanha), bem como seis outros Estados que ao citado Tratado posteriormente emprestaram a sua adesão (Polônia, Tchecoslováquia, Dinamarca, Países Baixos e, muito recentemente, República Democrática Alemã e Romênia).
3. Como tão bem conhece Vossa Excelência, a decisão brasileira foi tomada após um detido e aprofundado exame (o assunto, cabendo registrar, a propósito, a expressa concordância do Brasil com os princípios e normas que, de forma unânime, puderem ser consagrados elo Tratado da Antártida, com repercussões positivas para toda comunidade internacional, a saber: o uso dá Antártica para fins exclusivamente pacíficos e o amplo sistema de inspeção ali previsto para assegurar o cumprimento dos citados objetivos, a liberdade de pesquisa e as facilidades para a cooperação científica na região e a proibição de explosões nucleares e de alijamento de material ou resíduos radioativos na área.
4. Sendo o Tratado da Antártica um instrumento de caráter transitório, nos termos da alínea a do parágrafo 2.º do seu Artigo XII, a participação brasileira no mecanismo do Tratado virá justamente possibilitar que o Brasil, em uma ação conjugada e coordenada com os demais membros do Tratado da Antártida, venha aportar, quando da revisão do Tratado, a sua contribuição positiva para assentamento das regras definitivas, eqüânimes e universalmente aceitas para regular as elações na Antártida.
5. Assim é que o Governo atribui a mais alta relevância ao trabalho concertado de todos os membros do Tratado da Antártida, sem distinções ou discriminações de qualquer espécie, objetivando o encaminhamento e a solução harmônica de todos os assuntos de interesse da Antártida. Nesse contexto, mantém o Brasil disposição inabalável de participar plenamente de todos os mecanismos previstos no Tratado da Antártida, desenvolvendo, portanto, uma linha de ação consentânea com a posição especial e particular de país direta e substancialmente interessado no Continente Austral.
I - O Tratado da Antártida: seu Alcance e Objetivos
6. O Tratado da Antártida foi concluído após o encerramento dos trabalhos científicos realizados durante o Ano Geofísico Internacional em 1957-1958, certame que pretendeu reunir as instituições não governamentais dos países com interesse na Antártida, os quais, por sugestão norte-americana, vieram a ser os únicos admitidos nas negociações que se seguiram em Washington com vistas à assinatura do Tratado da Antártida.
7. Naquela oportunidade, o Governo brasileiro encaminhou protesto ao Governo norte-americano contra o aludido critério de participação adotado para a Conferência de Washington e de cuja implementação decorreu, aliás, a exclusão do Brasil. A posição brasileira, no particular, inclusive nossa reserva de direitos à Antártida, foi claramente expressa naquela oportunidade.
8. O Tratado da Antártida veio, assim a constituir o primeiro, e também o único até o momento, diploma legal para o Continente Antártico, no qual foi admitido um reduzido número de países que passaram a integrar o denominado "Clube Polar". O aludido ato jurídico veio, por outro lado, consagrar os seguintes pontos fundamentais relativamente ao Continente Austral, com ampla repercussão para toda a comunidade internacional:
a) o uso da região para fins exclusivamente pacíficos, ficando ali proibidas todas as medidas de natureza militar (Artigo I), com previsão de um sistema de ampla inspeção para assegurar a execução dessas disposições (Artigo VII); nesse sentido, o Tratado da Antártida veio a cumprir função política da maior relevância ao garantir, já em 1959, a exclusão do Continente Austral da "Guerra Fria", constituindo, outrossim, de forma muito significativa, valioso precedente para futuras negociações que vierem a ser realizadas nos campos do espaço exterior, fundos marinhos, etc.
b) o congelamento das reivindicações territoriais na região antártica para os sete Estados-Membros, que as invocaram com anterioridade à assinatura do Tratado da Antártica (Argentina, Chile, Noruega, França, Grã-Bretanha, Nova Zelândia e Austrália) pelo período de 30 anos, prazo de vigência do Tratado, durante o qual "nenhum ato ou atividade executada ... constituirá fundamento para fazer valer, apoiar ou negar reclamação de soberania territorial na Antártida, nem para criar direitos de soberania nesta região" (Artigos IV e XII); o referido dispositivo, combinado com o amplo sistema de inspeção já mencionado e de liberdade de locomoção dos grupos científicos na região, sem qualquer limitação do conceito de "fronteiras";
c) a adoção de amplas medidas para a realização de pesquisas científicas na área e facilidades para ali ser desenvolvida a cooperação científica internacional (Artigo IX);
d) desnuclearização do Continente, inclusive a proibição de ali serem alijados resíduos radioativos, até que todas as Partes Contratantes, por consentimento unânime, decidam concluir acordos sobre a utilização da energia nuclear com aplicação na região antártica;
e) expiração do prazo de vigência do Tratado "trinta anos após a sua vigência" (alínea a do parágrafo 2 do artigo XII); veja dizer que a vigência do Tratado deverá estender-se por mais 16 anos, de vez que em 1991 "deverá ser revisto o seu funcionamento" nos termos do citado dispositivo; o presente artigo substituiu, portanto, a cláusula de denúncia que, em decorrência, não figura no aludido texto internacional;
f) omissão quanto à exploração econômico-comercial dos recursos naturais existentes na região antártica; na verdade o assunto vem ganhando novas dimensões com as promissoras perspectivas de extração de petróleo e gás natural da plataforma continental na região antártica, o que, ao contrário de outros recursos já detectados no setor continental antártico (minério de ferro, carvão, urânio, etc.) poderia eventualmente vir a ser explorado a curto prazo com a utilização de inovações tecnológicas já disponíveis; o assunto foi objeto de detido estudo por parte de um grupo de peritos em recursos antárticos que analisou os diferentes aspectos da referida exploração, à luz dos dispositivos do Tratado da Antártida, da legislação nacional dos países que invocam soberania territorial na Antártida, da urgência do início dessa exploração ou a conveniência de uma moratória de dez anos no tratamento do delicado tema, dos eventuais efeitos da referida exploração sobre o meio-ambiente e do critério a ser adotado para a participação nos futuros empreendimentos.
II - O Brasil e a Antártida
9. As primeiras demonstrações da atenção brasileira aos assuntos antárticos datam do final do século XIX, constituindo, nesse contexto, significativo testemunho as manifestações havidas no Rio de Janeiro por ocasião da passagem da Expedição Científica Belga à Antártida, as quais culminaram com o feito histórico do hasteamento do pavilhão nacional em território antártico, em 28 de outubro de 1898, pelo belga Adrien de Gerlache de Gomery.
10. A referida gesta, da qual decorreria a conquista de um título histórico à Antártida, foi possibilitada pela ação do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro que, numa demonstração de notável descortino político para a época, tomou a iniciativa de receber a referida missão no Brasil em sessão solene do Instituto, fornecendo inclusive ao seu Comandante a bandeira brasileira que seria içada na Antártida. Tal episódio de hasteamento do pavilhão nacional na Antártida se encontra, aliás, documentado no livro-diário do Comandante Adrien de GerIache de Gomery, intitulado "Quinze meses na Antártida", bem como na obra publicada por seu imediato, Georges Lecointe, denominada "No País dos Pinguins".
11. A esse respeito, merecem especial registro os artigos publicados pela imprensa do Rio de Janeiro sobre a visita da expedição belga, todos eles compilados em revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com amplo noticiário sobre o programa cumprido pela missão belga, havendo pelo menos um deles expendido comentários sobre fenômenos de interesse científico na Antártida, tais como o magnetismo polar, aspectos geológicos e meteorológicos e eletricidade atmosférica (Jornal do Brasil, edição de 23 de outubro de 1897),
12. Na primeira década do século XX, voltaram os brasileiros a manifestar sua preocupação com os temas relacionados com a Antártida, conforme bem o corrobora o tratamento concedido a Jean Baptiste Charcot, ,comandante de duas expedições francesas à Antártida que, em reconhecimento à cooperação recebida do Governo brasileiro ali designou dois acidentes geográficos com os nomes do Barão do Rio Branco e do Almirante Alexandrino de Alencar.
13. Alguns anos mais tarde, já por volta da década dos cinqüenta, voltaram a surgir no Brasil demonstrações de interesse pela Antártida, em nível não governamental, através de obras de autores de reconhecido renome. Cumpre, também, ter presente os pronunciamentos de membros do Congresso, de militares, particulares, órgãos de imprensa e entidades diversas.
14. Pelas referidas manifestações, se pode verificar o interesse que o assunto despertou em círculos de opinião pública no Brasil, sobretudo em relação aos seguintes pontos principais:
a) importância estratégica de que se reveste o sexto continente para o Brasil, dada a nossa extensa linha costeira sobre o Atlântico;
b) relevância dos dados científicos obtidos na Antártida para a previsão de fenômenos meteorológicos, com incidência direta em vários setores de atividades no Brasil dentre os quais a agricultura e a pecuária;
c) perspectivas de participação nacional em uma futura exploração de recursos na Antártida, cujo-potencial começa a ser desvendado, dando lugar a algumas previsões otimistas quanto a um aproveitamento econômico-comercial daquelas riquezas;
d) o Brasil poderia eventualmente apresentar títulos jurídicos para reivindicar uma parcela de território no Continente Antártico, dentre os quais foram salientados os direitos históricos, a teoria da defrontação, teoria das influências (fenômenos meteorológicos) etc.
15. No âmbito das iniciativas tomadas por setores representativos da vida nacional não poderiam deixar de ser aqui registrados os trabalhos e debates realizados no Estado-Maior das Forças Armadas, no Conselho de Segurança Nacional e na Escola Superior de Guerra. Foi também o tema da participação brasileira na Antártida objeto de amplas considerações por parte de alguns ilustres membros do Congresso Nacional, que expenderam vários comentários sobre a relevância político-estratégica do assunto para os interesses brasileiros.
III - Adesão ao Tratado da Antártida
16. A adesão ao Tratado da Antártida, nos termos de seu Artigo XIII, está facultada, sem quaisquer restrições, a todo Estado Membro das Nações Unidas, sendo até o momento, conforme expressado, seis o número de países que já acederam ao referido instrumento multilateral, desde sua entrada em vigor, em 1961.
17. Aos Estados que ingressam no mecanismo do Tratado da Antártida pela via da adesão é garantida plena participação em todas as decisões e atividades nele previstas, desde que "manifestem seu interesse pela Antártida, desenvolvendo ali atividades substanciais de investigação científica, tais como a criação de uma estação científica ou o envio dê uma expedição científica" (Artigo IX, § 2.º).
18. A segunda conseqüência - esta de ordem indireta - da adesão ao Tratado da Antártida está implícita no disconstante do Artigo IV, pelo qual, é outorgado, a título exclusivo, aos membros originários, o "congelamento" de suas reivindicações de soberania territorial sobre a Antártida, bem como o reconhecimento correlato de que "nenhum ato ou atividade que tenha lugar durante a vigência do presente Tratado constituirá base para firmar posição, apoiar ou contestar uma reivindicação de soberania territorial da Antártida" (Artigo IV, § 2).
19. Em ambos os casos citados, porém, a emergência de fatos supervenientes no cenário mundial e as particularidades da própria posição brasileira têm contribuído para minorar sensivelmente tais efeitos que poderiam, assim ser neutralizados com a presença "de jure" e "de facto" do Brasil dentro do mecanismo institucional previsto pelo Tratado da Antártida.
20. Quanto ao primeiro ponto - a obrigatoriedade do estabelecimento de bases ou o envio de expedições científicas - caberia analisá-lo ex contrariu sensu, na medida em que tais atividades não poderiam, na prática, vir a ser realizadas pelo Brasil, sem consideráveis riscos e vultosos gastos, fora do contexto do Tratado da Antártida, isto é, sem o apoio político e logístico dos Estados que já se encontram no Continente Austral, todos eles membros do referido instrumento multilateral. Essa é, aliás, a interpretação recentemente dada ao assunto pelos Governos da Argentina e do Chile, que, em uma Declaração Conjunta sobre a Antártida, manifestaram expressamente que "todos os Estados que realizem atividades na Antártida devem estar ligados pelas mesmas normas jurídicas, sendo aplicáveis em relação às referidas atividades as disposições pertinentes do Tratado da Antártida, especialmente seus Artigos IX e X".
21. Esta foi, também, a interpretação contida na Ata Final da VII Reunião de Consulta do Tratado da Antártida, realizada em Wellington, em 1972, a qual está vasada nos seguintes termos:
"A Reunião considerou a questão de atividades continuadas ou de reivindicações territoriais na área do Tratado da Antártida por Estados que não são Partes Contratantes do Tratado;
Concordou à Reunião em que, em tais circunstâncias seria aconselhável para os Governos consultarem-se mutuamente nos termos do disposto no Tratado com Vistas a estarem habilitados a instar ou a convidar o Estado ou os Estados de referência a aceder ao Tratado, salientando os direitos e benefícios que decorrerão de tal atitude, bem como as responsabilidades e obrigações que os mesmos deverão assumir."
22. No que diz respeito ao segundo aspecto da adesão ao Tratado da Antártida - congelamento das reivindicações territoriais sobre a Antártida em favor dos membros originários do Tratado e a invalidade de qualquer nova pretensão nesse sentido durante a vigência do mesmo Tratado - o mesmo merece igualmente ser qualificado, à luz de seu real significado na atual conjuntura.
23. Preliminarmente, caberia assinalar que dos doze membros originários do Tratado da Antártida, 7 países, dentre os quais a Argentina e o Chile, formularam, em tempo oportuno e em nível oficial, suas reivindicações sobre o Continente Austral, restando, portanto, 5 nações, figurando entre essas os Estados Unidos da América e a União Soviética, que não lançaram mão do recurso à reivindicação. Por outro lado, nenhum dos seis países que aderiram ao referido instrumento multilateral se pronunciou oficialmente quanto à questão das reivindicações de soberania territorial. Em suma dos atuais 18 membros do Tratado da Antártida, 11 (onze) deles não se encontram no grupo dos "territorialistas".
IV - Conveniência da participação brasileira no mecanismo do Tratado da Antártida
24. O que foi até aqui exposto aponta para a existência de um real e justificado interesse do Brasil na Antártida, interesse esse que se traduz, a curto e a médio prazo, em termos de segurança nacional (Estratégia) e, a longo prazo, em função da possibilidade de vir o Brasil a participar do futuro aproveitamento comercial dos recursos já identificados ou por descobrir no Sexto Continente. Merece ainda ser citada, por se tratar de aspecto importante; a conveniência de vir o Brasil a realizar no Continente Austral pesquisa científica de interesse geral e, particularmente, aquelas relacionadas com aspectos meteorológicos e outros, com incidência sobre o território brasileiro. Esse interesse brasileiro na Antártida tem sido compartilhado pelo Itamaraty, Estado-Maior das Forças Armadas, Conselho de Segurança Nacional, Ministérios Militares, Congresso Nacional, associações de classe, cientistas, técnicos, imprensa e particulares.
25. Nessas condições, sendo o Tratado da Antártida o único diploma legal existente para regulamentar as relações na região austral e, dado o caráter de transitoriedade do citado, ato jurídico, em cujos trabalhos de revisão será de todo interesse a participação do Brasil, houve por bem Vossa Excelência determinar o ingresso do Brasil ao Tratado da Antártida, ad referendum do Congresso Nacional.
26. A luz de todas essas considerações, Senhor Presidente, e tendo em vista a competência do Congresso Nacional na apreciação da matéria pactuada no Tratado da Antártida, ex vi do disposto no art. 44, inciso I, encaminho à alta apreciação de Vossa Excelência o anexo projeto de mensagem para que seja o assunto submetido, com caráter de urgência, à apreciação do Congresso Nacional.
Aproveito a oportunidade para renovar a Vossa Excelência, Senhor Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito.
A. F. Azeredo da Silveira.
- Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 14/6/1975, Página 4174 (Exposição de Motivos)