Legislação Informatizada - DECRETO LEGISLATIVO Nº 11, DE 1960 - Exposição de Motivos

DECRETO LEGISLATIVO Nº 11, DE 1960

Aprova a Convenção de 25 de julho de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados, assinada pelo Brasil a 15 de julho de 1952.

EXPOSIÇÃO DE MOTIVOS DO
MINISTÉRIO DAS RELAÇÕES
EXTERIORES

     Em 30 de julho de 1957.

     DPP/ DAI/124-602.4

     A Sua Excelência o Senhor Doutor Juscelino Kubitschek de Oliveira - Presidente da República.

     Senhor Presidente,

     Tenho a honra de passar às mãos de Vossa Excelência sete cópias autenticadas do texto, em português, da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, concluída em Genebra, sob os auspícios das Nações Unidas, em 25 de junho de 1951, com voto favorável do Brasil que, posteriormente, a assinou, em Nova York, em 15 de julho de 1952.

     2. A Convenção em aprêço exprime, antes de tudo, o índice de novo equilíbrio da moral internacional, pois nesta época, tão marcada pelos excessos da xenofobia, as Nações Unidas lograram concluir instrumento que pode ser havido como a verdadeira Carta dos Refugiados e que além disso, representa a medida mais concreta até hoje tomada pela Organização, em consonância com o espírito da Declaração dos Direitos do Homem em 1948.

     3. Cumpre-me ressaltar, de início, que a presente Convenção é notável sob um tríplice aspecto: aplica-se a número sem precedentes de refugiados, estabelecendo-lhes um conjunto de direitos mínimos e prevê a criação de um órgão das Nações Unidas, que velará pelo cumprimento do estabelecido em suas disposições.

     4. A tudo isto se chegou em consequência dos esforços realizados para que o interêsse humanitário pela situação dos refugiados encontrasse guarida no campo do Direito Internacional. Tal se deve, principalmente, à obra pioneira de Fridtjof Mansen, a qual, projetada logo após a Primeira Guerra Mundial, foi encontrar formulação convencional nos Acôrdos de 1926, 1928, 1933 e 1938. Êstes instrumentos, porém, se bem que representassem apreciável progresso, não passaram de ensaios fragmentários de uma solução para o importante problema dos refugiados.

     5. Precisamente, o maior avanço realizado pela Convenção ora submetida à aprovação do Congresso Nacional reside na grande variedade de pessoas por ela beneficiadas. Enquanto que os acôrdos internacionais anteriores, tão sómente interessavam a certas categorias de deslocados de guerra, a presente Convenção, no momento, contempla todos os refugiados que não se encontrem sob a proteção de qualquer outro organismo das Nações Unidas, além do Alto Comissariado para os Refugiados. Assim, por exemplo, os palestinianos, deslocados de guerra, que recebem assistência de agência especializada das Nações Unidas, estão fora da tutela assegurada pela Convenção. Porém, logo que esta última agência houver cessado de prestar-lhes auxílio, os palestinianos passarão a beneficiar-se do regime geral estabelecido pela Convenção.

     6. Serão todavia, ainda excluídos das vantagens da Convenção todos os refugiados que:

     a) tenham cometido crimes contra a paz, crimes de guerra ou crimes contra a humanidade, no sentido definido pelos instrumentos internacionais pactuados para a prevenção e repressão de tais crimes:
     b) tenham cometido crime grave de direito comum fora do país de refúgio, antes de nesse terem sido admitidos como refugiados; e
     c) tenham se tornado culpados da prática de atos contrários aos fins e princípios das Nações Unidas.

     7. A Convenção trata, em um de seus dispositivos iniciais, de matéria de importância primordial, visto que cuida de definir a figura do refugiado. Consoante ao que as Partes Contratantes decidiram em Genebra, quando da elaboração do instrumento, duas definições de refugiado foram incluídas no texto da Convenção, uma ampliativa e outra restritiva. Ficou, ainda, acordado que, por ocasião da assinatura ou do depósito das ratificações, as Partes declarariam qual das duas definições iam dar preferência.

     8. O ponto de vista desta Secretaria de Estado fixou-se na segunda daquelas conceituações, isto é, na restritiva, entendendo como refugiados as vítimas dos acontecimentos ocorridos no continente europeu antes de janeiro de 1951.

     9. As disposições de fundo da Convenção versam grande variedade de aspectos. Em seus primeiros artigos e estipulado que, salvo o caso específico da existência de disposições mais favoráveis, os Estados contratantes concederão aos refugiados, em sua jurisdição, o mesmo tratamento conferido aos estrangeiros em geral. No que concerne ao sistema vigente no Brasil, onde a figura jurídica do refugiado é ignorada, equiparando-se êste ao estrangeiro, não há dúvida que a ratificação do Estatuto, com sua consequente transformação em lei interna, viria restringir, ao invés de ampliar, os direitos que aqui já goza o deslocado de guerra.

     10. A Convenção prevê que o estatuto pessoal do refugiado seguida a lei domiciliar, ou caso este não possua domicílio, a lei do local de residência. A similitude destas disposições com as consagradas na Lei de Introdução ao Código Civil em muito facilitarão a aplicação do instrumento em território nacional.

     11. Pelo que respeita aos direitos pessoais dos refugiados, a Convenção estabelece três normas de caráter geral: tratamento igual ao concedido pelo país contratante a seus nacionais, tratamento igual ao concedido pelo país contratante aos nacionais do Estado mais favorecido e tratamento igual ao concedido aos estrangeiros.

     12. Nos casos relativos à proteção à propriedade intelectual e comercial, acesso aos tribunais do Estado e insenção da cláusula "judicatum solvi" os refugiados gozarão, por fôrça da Convenção, dos mesmos direitos e privilégios que, por suas leis internas, conferem as Partes Contratantes a seus cidadãos. Da mesma sorte, os refugiados ainda terão a faculdade de reclamar esta igualdade de tratamento em questões relativas à assistência social, racionamento, instrução primária, legislação trabalhista e imposições tributárias.

     13. No que concerne à liberdade de associação profissional, deverão os refugiados receber tratamento idêntico ao conferido aos nacionais do país mais favorecido.

     14. Em questões relativas ao exercício de profissões liberais, à aquisição de bens móveis e imóveis, ao direito de propriedade, à prática de atividades comerciais, industriais e agrícolas, à educação superior e à liberdade de locomoção dentro das fronteiras do Estado, os refugiados beneficiar-se-ão do mesmo regime que disciplina a fruição dêsses direitos por parte dos demais estrangeiros.

     15. A Convenção teve também em vista que um dos mais graves problemas da vida dos refugiados é aquêle representado pela ausência de papéis ou documentos de identidade de tôda a sorte. Previu-se, então, que as Partes Contratantes, sob reserva de suas disposições de ordem pública, deverão emitir em favor dos refugiados sujeitos à sua jurisdição documento hábil que lhes permita a realização de viagem de ida e volta ao exterior.

     16. A Convenção estabelece que os Estados Contratantes, ainda sob reserva de suas disposições de ordem pública, apenas expulsarão de seus respectivos territórios os refugiados indesejáveis após assegurar-lhes as garantias previstas em suas leis internas. Os Estados contratantes também se obrigarão, uma vez autorizada a expulsão, a conceder aos expulsandos prazo razoável para que os mesmos diligenciem sua admissão legal em outro país.

     17. É altamente desejável e assim bem o compreendeu a Convenção, que a situação do refugiado, anômala por princípio, deverá, para o próprio interêsse da comunidade internacional, transformar-se com a assimilação legal do deslocado de guerra ao país que o acolheu. Eis porque a Convenção prevê que os Estados contratantes facilitarão, na medida do possível, o processo de naturalização dos refugiados que preencham as condições previstas nas leis competentes.

     18. A Convenção impõe às Partes contratantes a obrigação de cooperarem com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, a fim de fazer com que seja facilitada a ação dêste último no que concerne às aplicações dos dispositivos pactuados. Assim, cria-se o indispensável vínculo entre aquele órgão e o instrumento internacional estabelecido para definir o estatuto dos refugiados.

     19. Tais são as disposições de fundo mais importantes da Convenção. No entanto, os artigos finais também contêm aspectos dignos de nota. Assim, a fim de facilitar-se a adesão de maior número de Estados, foi permitido que os contratantes opusessem reservas unilaterais a todos os dispositivos da Convenção, salvo aqueles que proíbem discriminação contra os refugiados por motivos de raça, religião ou nacionalidade ou, ainda, com que limitam o direito daqueles de praticarem sua religião ou terem livre acesso aos tribunais do Estado.

     20. A presente Convenção pode pois, verdadeiramente, ser considerada como uma etapa importante na história da cooperação internacional e no desenvolvimento do Direito das Gentes.

     21. Diante do que procede, creio, Senhor Presidente, que a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados merece a aprovação do Congresso Nacional, pelo que a passo às mãos de V. Exª, para o devido encaminhamento, nos têrmos do art. 65, alínea I, da Constituição Federal, caso com isto concorde V. Exª.

     Aproveito a oportunidade para renovar a V. Exª, Sr. Presidente, os protestos do meu mais profundo respeito. - José Carlos de Macedo Soares.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 10/06/1959