Legislação Informatizada - CARTA RÉGIA DE 5 DE SETEMBRO DE 1811 - Publicação Original

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CARTA RÉGIA DE 5 DE SETEMBRO DE 1811

Approva o plano de uma Sociedade de commercio entre as Capitanias de Goyaz e Pará e concede isenções e privilegios em favor da mesma sociedade.

     Fernando Delgado Freire Castilho, do meu Conselho, Governador e Capitão General de Goyaz. Amigo. Eu o Principe Regente vos envio muito suadar. Tendo subido á minha real presença o vosso officio datado no 1° de Fevereiro deste anno, com o qual remettestes a memoria, que vos dirigiu o Desembargador Ouvidor da Comarca de S. João das Duas Barras, Joqaquim Theotonio Segurado, sobre os osbstaculos que existem para o augmento e prosperidade do commercio entre essa Capitania e a do Pará, e sobre os meios de remover os mesmos obstaculos a beneficio dodito comercio; e tendo eu tomado na minha real consideração este tão importante objecto, que desde muito tempo occupa os meus paternaes desvellos, e sobre o qual já em outras occasiões tenho mandado dar providencias: sou ora servido, á vista da referida memoria e das reflexões que sobre o seu conteudo fazeis no vosso officio, determinar-vos o seguinte, esperando no zelo, intelligencia e efficacia com que vos empregais no meu real serviço, que fareis todos os possiveis esforços para o cabal desempeho das novas providencias que vos incumbo, das quaes devem sem duvida resultar as maiores vantagens a essa Capitania, facilitando as suas relações commerciaes, promovendo a sua riqueza, e a segurança e felicidade desses povos.

     Em primeiro logar, sou servido approvar o plano proposto para o estabelecimento de uma Sociedade de commercio entre essa Capitania e o Pará, de que trata o § 17 da memoria, o qual me parece mui proprio e conveniente apra animar e fazer prosperar o mesmo commercio; sendo esta Sociedade formada segundo as condições do primeiro appenso á memoria, não devendo ser o seu fundo menor de 40:000$000; não se admittindo acções menores de 100$000; não sendo no capital dos 40:000$000 comprehendidas as canoas e os escarvaos com que a Sociedade principiar; pois que o dito capital só deve constar de objectos de commercio e de dinheiro, estabelecindo-se os armazens e os Caixas nos títios indicados; impondo-se estes Caixas as obrigações e os exercicios que alli se declara; e finalmente, praticando-se tudo o que diz o Ouvidor quanto á divisão dos lucros e ás despezas que devem fazer-se por conta da Sociedade. Sómente, pelo que respeita á duração da mesma Sociedade, parece que será mais util estendel-a ao prazo de 15 até 20 annos.

     E porque a verificação deste estabelecimento, attendento ás actuaes circumstancias das duas Capitanias, não póde deixar de encontrar grandes difficuldades, como vós e o referido Ouvidor judiciosamente ponderais, por isso mesmo se faz tanto mais necessaria neste particular toda a vossa efficacia e diligencia, para dispor os animos dos negociantes e capitalista dessa Capitania para esta empreza, fazendo-lhes sentir as vantagens que della lhes resultarão; e que eu me proponho proteger e auxiliar em tudo a Sociedade,mandando desde já pòr em pratica todas as providencias que as circumstancias permittirem, para tornar mais facil a communicação entre as duas Capitanisa, procurando que a navegação do Rio Tocantins e Maranhão seja menos arriscada e trabalhosa, não só por meio das obras a que se vai proceder para a limpeza dos reios e encanamentos necessarios desde Arroyos até Porto Real, mas pelo que mando praticar para impedir que as nações gentias continuem a commetter os insultos e depredações que infelizmente ainda fazem em algumas pragens, e para remover os outros obstaculos, que difficultam aquella navegação.

     Portanto, querendo prover a estes importantes objectos, sou servido mandar declarar a concessão dos seguintes privilegios a favor da sobredita Sociedade e do commercio e navegação dessa Capitania.

     1º Que todos os socios e pessoas por elles empregadas no commercio, navegação dos rios, e na cultura das suas margens e dos sertões, serão isentas do Serviço Militar.

     2° Que áquelles socios que mostrarem Ter nesta Sociedade o valor de 4:000$000, concederei um posto de accesso (servindo elles nas Milicias ou nas Ordenanças), até o posto de Coronel de Milicias ou de Capitão-Mór inclusive e uma sesmaria á borda dos Rios Tocantins, Maranhão e Araguaia, de meia legua de frente e legua e meia de fundo, em qualquer sítio que escolherem, onde o terreno se ache ainda devoluto, e não concedido nem demarcado.

     3° Que as dividas activas desta Sociedade tenham o privilgio de dividas fiscaes para serem cobradas executivamente, comose fossem dividas activas da minha Real Fazenda.

      4° Que a todos os quese forem estabelecer nas margens e sertões dos ditos rios, serão franqueadas as mesmas graças e privilegios que fou servido conceder aos povos da Capitania de Minas Geraes pela minha Carta Régia de 13 de Maio de 1808, dirigida ao Governador e Capitão General daquella Capitania, relativamente ao Rio Doce, tanto a respeito da isenção dos dizimos de suas culturas, e dos direitos de entrada dos generos de commercio nessa Capitania de Goyaz, sendo navegados pelos mencionados rios, como tambem a respeito da moratoria concedida aos devedores da minha Real Fazenda, e do tempo de serviço que poderão haver daquelles Indios, que não querendo, pelos meios brandos e suaves, de que com elles tenho mandado usar, e que agora novamente recommendo, viver tranquillos e sujeitos ás minhas leis, commetterem hostilidades contra os meus fieis vassallos.

     Igualmente sou servido, pelo que toca ás obras e encanamentos dos rios desde Arroyos até Porto Real, que o Ouvidor propõe no § 18 da memoria, approvar o plano, que elle offerece para melhorar a navegação; ordenando que e formem as esquadras coma gente e ferramentas que elle aponta no segundo appenso; e que no tempo das seccas se proceda a execução dos trabahos pelo methodo indicado para se conseguir a limpeaq dos rios, o seu encanamento nos sitios em for necessari, e os córtes das pontes das rochas e dos baixios; não devendo esquecer a providencia de pôr espigões com roldanas de ferro nos sitios dos saltos ou cachoeiras, que o Ouvidor lembra, como muito util para evitar nesta paragens o reisco das canoas, podendo-vos servir de grande socc orro para execução de tudo isto as luzs, actividade, e o patriotismo deste Magistrado.

     Quanto ao procedimento com os Gentios: sou servido determinar-vos que com aquellas nações que não commettem hostilidades, mandeis usar de toda a moderação e humanidade, procurando convencel-as de utilidade que lhes resultará de se conservarem em boa intelligencia e amizade com esses povos; para o que parece conveniente empregar algumas dadivas, e até introduzir com elles alguns christãos que lhes ensinem a agricultura e os officios mecanicos mais necessarios, como aponta o § 19 da memoria.

     Igualmente parece que será util tentar por mio do perdão, o que o desertor do Pará, que vive com a nação Canajá, tem exigido para ella, promettendo que assim tornará á boa fé e antiga harmonia. Acontecendo porém que este meio não corresponda ao que se espera, e que anção Canajá continue nas suas correrias, será indispensável usar contra ella da força armada; sendo este tambem o meio de que se deve lançar mão para conter e repellir as nações Apinagé, Chavante, Cherente e Canoeiro; porquanto, supposto que os insultos que ellas praticam tenham origem no rancor que conservam pelos máos tratamentos que experimentaram da parte de alguns Commandantes das Aldeias, não resta presentemente outro partido a seguir senão intimida-as, e até destruil-as se necessario for, para evitar os damnos que causam. Neste intento vos hei por muito recommendado, não só o enviar os convenientes reforços de Pedestres para o Destacamento do Porto Real, mas toda a vigilancia em dar as providencias que tenderem ao desempenho destas minhas reaes ordens.

     Finalmente, quanto aos dous ultimos obstaculos de que trata a memoria, determino que mandeis proceder aos estabelecimento dos presidios em distancias proporcionaes, como propões o Ouvidor, para assim poderem mais facilmente ser fornecidas as canoas dos necessarios viverews no seu transito; e igualmente que mandeis pôr em pratica a necessaria prevenção de que as canoas levem sermpre um sufficiente provimento dos remedios que a experiencia tem mostrado serem efficazes, especificos para a molestia de sezões, que mais oridnariamente costuma acommetter as tripolações das mesmas canoas.

     Tendo-vos assim participado tudo o que julgo conveniente mandar praticar a bem do commercio e communicação entre essa Capitania e a do Pará, para que o tenhais entendido e façais executar; sómente resta prevenir-vos, de que nesta mesma occasião determinoi ao Governo interino do Pará, que pela sua parte haja de promover tambem o util estabelecimento da Sociedade do commercio entre as duas Capitanias, debaixo dos mesmos principios e condições expendidas nesta cartarégia: dando-lhe ao mesmo tempo as mais positivas ordens para que haja de auxiliar com a tropa que é necessaria o estabelecimento das esquadras, prestando-se a dar todos os mais soccorros que lhe forem requeridos a bem do reciproco commercio e interesses das duas Capitanias.

Escripta no Palacio do Rio de Janeiro em 5 de Setembro de 1811.

Para Fernando Delgado Freire de Castilho


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1811


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1811, Página 101 Vol. 1 (Publicação Original)