Documento de Referência da Consultoria Legislativa
DIRETORIA LEGISLATIVA
CONSULTORIA LEGISLATIVA
ASSUNTO: Política Espacial Brasileira
CONSULTOR: Elizabeth Machado Veloso
DATA: janeiro de 2010
Política Espacial Brasileira
“O Brasil faz parte do seleto grupo de Nações que mantém atividades de exploração do espaço. No total, doze países suportam políticas para o uso e aproveitamento dos recursos espaciais. Os programas espacias são intrinsecamente de natureza pública, uma vez que os investimentos são altos, os riscos, elevados e os resultados só vêm no longo prazo.
Existem várias características e modelos de um programa espacial, mas a vinculação ao Poder máximo da Nação é um traço comum nos programas mais bem sucedidos, como no caso da Nasa, a agência espacial amerciana. As pesquisas espaciais são consideradas mecanismos privilegiados da ação do Estado em setores estratégicos. Boa parte da tecnologia espacial originou produtos e serviços de alta tecnologia usufruídos hoje pela sociedade, como o air bag e o ultrasom.
Além de estarem relacionadas a várias áreas do conhecimento, como química, biologia, metalurgia, indústria militar, aeronáutica, microeletrônica, informática e novos materiais, as atividades espaciais têm ainda uma dimensão de caráter geopolítico de grande relevância, uma vez que a autonomia no setor garante ao País relevância no cenário político internacional e fortalece a área de defesa e a soberania nacional.
O Brasil tem longa história de dedicação a atividades de pesquisa e desenvolvimento para exploração do ambiente espacial. Em 1961, foi criado o Grupo de Organização da Comissão Nacional de Atividades Espaciais (GOCNAE), mas o avanço foi dado com o lançamento da Missão Espacial Completa Brasileira (MECB), em 1979, que prevê, segundo Pereira (2008), “colocar em órbita um satélite meteorológico de 500 a 700 km. Esse foguete serviria pelo menos à Aeronáutica como artefato militar e serviria à parte civil ou de pesquisa. Serviria também e perfeitamente ao Exército, que tem idéia de realizar um projeto de mísseis para fins militares do alcance da ordem de 300 km”.
Atualmente, as atividades espaciais no Brasil desenvolvem-se com base no Sistema Nacional de Desenvolvimento das Atividades Espaciais – SINDAE, instituído pelo Decreto n.º 1.953, de 10 de julho de 1996. O órgão coordenador, a Agência Espacial Brasileira, foi criado em 1994 para dar caráter mais civil ao programa, em função de pressões de outros países com receio da característica dual dos programas espaciais, que podem ser usados para fins civis e militares. O Brasil também tornou-se signatário do Tratado de Não-proliferação de Armas Nucleares (TNP).
Porém, o programa brasileiro continuou com um braço militar, tendo como órgão de execução o Departamento de Ciência e Tecnologia Aeroespacial (DCTA), órgão subordinado ao Comando da Aeronáutica, do Ministério da Defesa. O DCTA, por meio do Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE) é responsável pelo desenvolvimento de projetos de veículos lançadores de satélites. Ainda na área militar, existem o Centro de Lançamento de Alcântara (CLA) e o Centro de Lançamento da Barreira do Inferno (CLBI). Na parte civil, o órgão executor da política espacial brasileira relativa ao desenvolvimento de satélites é o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Esses órgãos e unidades atuam conforme as diretrizes previstas no Programa Nacional de Atividades Espaciais – PNAE, que traça prioridades até 2014, entre elas, o desenvolvimento do Veículo Lançador de Satélites – VLS; a continuação do projeto dos satélites CBERS, em cooperação com a China; a implantação da infra-estrutura geral de Alcântara e o desenvolvimento de satélites geoestacionários e de satélites de observação por radar de abertura sintética – SAR, além de missões científicas com satélites, balões e foguetes de sondagem.
Entre os projetos futuros do programa espacial brasileiro, estão: o lançamento do Satélite Amazônia 1, de sensoriamento remoto com sensores óticos, previsto para 2010; satélite MAPSAR, de sensoriamento remoto, com radar imageador, para controle de desmatamentos, queimadas, oceanografia e outros, previsto para 2013; satélite LATTES, científico, para estudos geofísicos e astrofísicos, previsto para 2012; satélite EQUARS, científico de pequeno porte para o estudo da Atmosfera Equatorial, que estava previsto para 2008 e o Satélite Monitor e Imageador de Raios X (MIRAX) e a confecção do primeiro satélite astronômico brasileiro, previsto para ser lançado em 2010.
O Brasil possui hoje cinco satélites de comunicação, envolvendo vídeo, dados e telefonia. Foram adquiridos de fornecedores internacionais e lançados fora do País, e prestam especialmente serviços na área de TV. O Brasil não possui um satélite próprio com fins militares, apenas satélites comerciais. Hoje, o país tem nove satélites de operadoras instaladas no país e 31 posições orbitais ocupadas por empresas estrangeiras.
Para 2010, o orçamento previsto na proposta orçamentária para o programa espacial brasileiro é de R$ 353 milhões, contra R$ 415 milhões no ano passado . Segundo o diretor da Agência Espacial Brasileira, Carlos Ganen, para fazer frente a todos os desafios, seria necessário o dobro dos recursos atuais. Países que estavam no mesmo patamar de desenvolvimento que o Brasil destinam muito mais recursos públicos aos seus programas. A China investe mais de US$ 1 bilhão e planeja vôos tripulados à Lua até 2020. A Índia tem orçamento superior a US$ 800 milhões ao ano e a agência espacial russa conta com orçamento da ordem de US$ 2 bilhões.
Fonte: AEB.
OBSERVAÇÕES: 1- No período de 2000 a 2004, os recursos da UG- MCT referem-se àqueles descentralizados por aquele ministério diretamente ao INPE. Esses recursos, a partir de 2005, passaram a ser alocados na UG-AEB para fortalecer a capacidade de coordenação da Agência. 2- Os recursos da UG-MCT, a partir de 2005, referem-se exclusivamente aos aportes de capital para a empresa bi-nacional Alcântara Cyclone Space-ACS
O segredo desse tipo de programa é criar mecanismos que garantam um investimento contínuo nas empresas privadas do setor, de modo a incentivar a pesquisa e a inovação. O setor público não tem colaborado de maneira efetiva no Brasil para essa transferência de recursos, por meio de uma política de repasse contínuo de verbas para aquisição de produtos, componentes e serviços, ao contrário de outros países, nos quais 70% dos recursos da indústria espacial são de origem pública. Estima-se que entre 10% e 20% das atividades do PNAE estejam na indústria nacional, que conta hoje com aproximadamente 600 empresas.
Entre os problemas orçamentários do PNAE, estão a ausência total de receitas do Fundo Setorial Espacial (CT-Espacial) , cujos recursos deveriam vir da exploração comercial das atividades e da venda de órbitas. Outro problema é a isenção tributária para a importação de dispositivos ou equipamentos, quando os mesmos dispositivos, aqui no Brasil, são taxados de várias formas, como PIS, COFINS e ICMS.
Outros desafios do programa espacial brasileiro são: instituir uma legislação que permita a compra diferenciada de produtos de alta tecnologia e a definição de uma política de contratação e formação de recursos humanos para o setor, mais flexível e dinâmica do que a que rege o setor público e a área militar.
Segundo estudo da Unicamp , mais de 80% dos recursos para o desenvolvimento de alta tecnologia em todo o mundo provém do orçamento público, por meio do mecanismo de compras governamentais. Acredita-se que o programa de modernização das Forças Armadas, conhecido como “Estratégia Nacional de Defesa”, lançado pelo governo federal em dezembro de 2008, irá impulsionar também o desenvolvimento de tecnologias sensíveis por meio da indústria, uma vez que estão sendo negociadas transferência de tecnologia em aquisições internacionais, como a compra de caças supersônicos e a construção do submarino nuclear. O plano delimitou três setores estratégicos para a defesa nacional: o espacial, o nuclear e o cibernético, e tem como uma das prioridades a consolidação do Centro de Lançamentos de Alcântara, o desenvolvimento de veículos lançadores e de satélites nacionais .
Recentemente, o Brasil contratou com a Argentina o desenvolvimento de um sistema de controle de atitude e órbita, ao custo de R$ 40 milhões. Há várias outras tecnologias críticas nesta área não dominadas pelo Brasil, como sensores e atuadores espaciais; imageadores ópticos de alta resolução; radares de abertura sintética; nanotecnologias e propulsão líquida, no caso da área espacial.
Em função de cortes orçamentários verificados em governos anteriores, e também, dos ainda insuficientes aportes de recursos que são feitos atualmente, o País não tem conseguido cumprir os acordos internacionais, como na parceria sino-brasileira para os satélites de sensoriamento remoto. Da série de cinco satélites previstos com a China, três são de observação da Terra e distribuem imagens gratuitas para vários países, por meio do INPE. São o CBERS-1, CBERS-2 e CBERS-2B, ou satélite sino-brasileiro de recursos terrestres. Outros dois estão em fase de desenvolvimento: CBERS-3 e CBERS-4. A China não quis renovar o acordo para construção de mais dois satélites da série CBERS, alegando atrasos no cronograma.
Outro acordo relevante, com a Ucrânia, resultou na criação da empresa binacional Alcântara Cyclone Space (ACS), que está sendo capitalizada pelo governo federal, com o objetivo de explorar comercialmente o Centro de Lançamento de Alcântara. Entre os problemas, além da restrição orçamentária, estão conflitos pela posse da terra entre comunidades remanescentes de quilombos, militares e ACS; atrasos na concessão das licenças ambientais; dificuldades enfrentadas pelos próprios ucranianos para concluir o foguete Cyclone IV e falta de articulação entre as instituições federais envolvidas no projeto.
Depois de quase dez anos de assinado, o Acordo de Salvaguarda com os Estados Unidos ainda está pendente de deliberação pelo Congresso Nacional, em razão de pontos polêmicos como a proibição de acesso de brasileiros a base de lançamento e proibição de fiscalização de containeres.
Essas questões levam a uma sucessão de debates e questionamentos sobre os rumos do programa espacial brasileiro, que se intensificaram após o trágico acidente na base de Alcântara, quando 21 técnicos perderam a vida no momento em que o foguete VLS-1 era preparado para o lançamento, em 22 de agosto de 2003.
Desde abril de 2009, o Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados promove reuniões com o objetivo de colher subsídios para uma proposta de revisão da Política Espacial Brasileira, que será consolidada em publicação a ser lançada em 2010. A comunidade virtual do e-democracia, disponível no portal da Câmara dos Deputados , também está discutindo o tema, com o intuito de rever o posicionamento do Brasil no Setor Espacial.
A fragilidade política e orçamentária da atual política Espacial Brasileira é uma crítica constante entre os observadores do programa espacial brasileiro. O arranjo institucional do programa, em que o órgão coordenador das ações está ligado a um ministério (MCT) e não à Presidência da República e ausência de instrumentos legais e políticas de incentivo que assegurem a continuidade das ações de longo prazo de programas de programas dessa natureza, ou seja, de longa duração, que perpassem as políticas de governo para tornar-se numa ação de interesse do Estado brasileiro são problemas por demais conhecidos pelos especialistas da área, e apontados com freqüência pelos executores da política espacial.
As conseqüências são a postergação das metas estabelecidas. Alguns exemplos, apenas para mencionar os principais projetos, são: atraso no lançamento do CBERS-3, inicialmente previsto para 2009 e adiado para 2011 e atraso no lançamento do VLS 1, cujo lançamento do quarto protótipo estava previsto para 2007 – e agora está marcado, para efeito de teste, para 2011.
A Agência Espacial Brasileira planeja lançar três satélites geoestacionários até 2013, para comunicação de dados, sendo o primeiro deles conhecido como SGB, Satélite Geoestacionário Brasileiro. Caso esses artefatos não sejam colocados em órbita, o Brasil poderá perder posições orbitais definidas pela União Internacional de Telecomunicações (UIT) .
Entre as tendências nos programas espaciais mundiais não observadas no País estão: a diversificação de projetos, como o investimento em micro-satélites; a convergência dos vários programas espaciais, tanto civis quanto na área de defesa; os investimentos nos projetos de cunho comercial, como os mercados de lançamento de satélites e de desenvolvimento de satélites nas áreas de telecomunicações e defesa. Em que pese algumas dessas propostas estão previstas na política, as medidas adotadas não são suficientes para colocá-las em prática.
Em todo o mundo, a necessidade crescente de telecomunicações e a evolução tecnológica no setor, como a implantação da TV Digital, estão transformando o setor de satélites numa indústria multibilionária. Segundo dados da Space Foundation (2008) , a atividade espacial mundial, incluindo bens e serviços, indivíduos, corporações e governos, movimentou US$ 257 bilhões, dos quais 35% em serviços satelitais comerciais; 32% em infraestrutura comercial; 26% só do orçamento espacial do Governo dos EUA; 6% dos outros governos; e somente 1% com lançadores e indústria de suporte.
Estima-se que os Estados Unidos detêm 41% do mercado global de satélites, deixando 59% para o restante do mundo, sendo de 1,9% a participação do mercado brasileiro. O desafio dos gestores de políticas públicas é avaliar se esse percentual corresponde às potencialidades do País e atende às necessidades da sociedade brasileira ou se é preciso empreender mais esforços para alavancar as atividades espaciais brasileiras.
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Documento atualizado em 18/01/2010