Integra em áudio e texto do Discurso do Presidente
Aúdio do Discurso do Presidente
Veja a íntegra do discurso de Chinaglia
2008: ANO DA CONSTITUIÇÃO CIDADÃ
Com este Ato, instituindo o ano de 2008 como o "Ano da Constituição Cidadã", a Câmara dos Deputados dá início às comemorações dos 20 anos da promulgação da Constituição em 05 de outubro de 1988.
Nos próximos doze meses realizaremos diversos eventos e atividades visando refletir sobre as conquistas e circunstâncias históricas do processo constitucional, em seus mais variados aspectos.
A convocação da Constituinte, no final de 1985, foi um momento decisivo no processo de democratização do país e um dos resultados das lutas travadas por diversos setores da sociedade desde o golpe militar de 1964.
É preciso lembrar, para demarcar a importância desse momento, que a nossa história constitucional não apresenta uma evolução linear na direção do constitucionalismo democrático e social representado pela Constituição de 1988. Nossa primeira Constituição, de 1824, outorgada por D. Pedro I após a dissolução da Constituinte em 1823, instituía o regime monárquico, o poder moderador acima dos outros poderes, e estabelecia o voto censitário para as eleições legislativas, tudo contra as aspirações de vários constituintes que preferiam um regime monárquico liberal. Vigeu por 65 anos, durante todo o Império, e, não podemos esquecer, manteve o crime hediondo da escravidão.
Com a abolição desta pela Lei Áurea em 13 de maio de 1888 e a proclamação da República em 15 de novembro de 1889, nossa segunda Constituição, de 1891, incorporou os princípios e mecanismos chaves das democracias liberais e instituiu o federalismo, inspirada pelo modelo norte-americano. Foi vivenciada, no entanto, por uma coalizão oligárquica de militares e líderes regionais, contestada em muitas lutas sociais, como a de Canudos, o movimento tenentista e a coluna Prestes.
A revolução de 1930 abriu canais para as reivindicações democráticas no Brasil, consolidadas na Constituição de 1934, que incorporou, pela primeira vez, um constitucionalismo social de inspiração social-democrata europeu. Porém, logo ela seria revogada pelo golpe de 1937, que instaurou o Estado Novo, e que seria regulado pela Constituição do mesmo ano, a chamada "polaca", de clara inspiração autoritária e que nos aproximava perigosamente do fascismo. Restringia direitos fundamentais e permitia, por exemplo, ao Presidente da República dissolver a Câmara dos Deputados.
Com o fim da ditadura em 1945, promulgou-se nova Constituição em 1946, que retomou as linhas mestras do liberalismo político clássico da Constituição de 1934, incorporando, porém, as conquistas sociais do Estado novo. Ainda assim, vigeu sob restrições sérias do ponto de vista da democracia, como a proibição posterior do Partido Comunista Brasileiro e a manutenção da proibição do voto do analfabeto.
A República de 46 teria fim com o golpe militar de 1964, que outorgaria uma Constituição em 1967, recrudescida em seu autoritarismo com a emenda de 1969, considerada de fato como uma nova Constituição.
Assim, somente em 1988, após longos 24 anos, voltaríamos ao regime democrático. A "Constituição Cidadã", assim chamada pelo presidente da Assembléia Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, inaugurou um novo período político-jurídico ao restaurar o Estado Democrático de Direito, ampliar as liberdades civis e os direitos e garantias fundamentais e instituir um verdadeiro Estado Social.
Participaram da construção deste novo regime atores que surgiram de nosso desenvolvimento econômico e político e das lutas sociais durante o regime autoritário, como o novo sindicalismo dos anos setenta que impulsionou a luta contestatória em momentos chaves de desafio ao regime, o crescimento de um eleitorado oposicionista nos grandes centros urbanos, cada vez menos controlável pelos métodos políticos tradicionais e, por fim, entre outros, a crescente mobilização no meio rural, clamando por justa distribuição de recursos.
Mencione-se, por fim, a insatisfação de facções civis no seio do próprio regime, que permitiram a negociação da transição, culminando na eleição da Assembléia Constituinte em 1985.
A confluência destas tendências é visível em nossa carta, que consagra a liberdade de organização sindical, a livre formação dos partidos, estabelece os princípios para implementação da reforma agrária, elenca de forma minuciosa direitos sociais e até mesmo estabelece formas de participação direta da população no processo político, por meio da iniciativa popular, do referendo e do plebiscito.
Fruto da negociação entre diversas forças políticas, nossa Constituição se enquadra no modelo de transições pactuadas, a exemplo da espanhola, da portuguesa, ou mais recentemente da polonesa. Além disso, se inseriu em uma onda de democratização que avançou pelo mundo ibero-americano, que abrangeu países como Argentina, Bolívia, Peru, Uruguai, Chile e tantos outros, rompendo com o mito conservador de que a América Latina estaria condenada ao autoritarismo.
Gostaria de ressaltar que nos debates e lutas em torno da elaboração do texto constitucional de 1988 a sociedade participou ativamente.
A primeira vitória foi assegurar, no Regimento da Constituinte, que poderiam ser apresentadas emendas populares. A regra estabelecida exigia a assinatura de, pelo menos, trinta mil eleitores para que uma emenda popular pudesse tramitar. A mobilização foi impressionante.
Foram apresentadas 122 emendas populares, reunindo 12 milhões de assinaturas. Considerando-se que o eleitorado da época era de aproximadamente 70 milhões e ainda que cada eleitor pudesse subscrever apenas três emendas, constata-se que algo como uns dez por cento da população participou do processo.
Os cidadãos brasileiros apresentaram diretamente à CCJ entre março de 1986 e julho de 1987, setenta e duas mil e setecentas e dezenove sugestões, incorporadas ao processo constituinte. Além disso, ao lado das propostas dos integrantes da Assembléia Nacional, houve milhares de outras iniciativas de organizações não governamentais, de sindicatos, de partidos políticos, de diversos grupos organizados, totalizando onze mil novecentas e oitenta e nove sugestões.
É importante registrar que todo esse processo de elaboração da Constituição Federal está registrado no acervo do Centro de Documentação e Informação da Câmara dos Deputados, inclusive cada uma das milhares das sugestões.
Esse processo resultou em uma "Constituição Cidadã" que contém muitos dispositivos inovadores, que incorporou conquistas democráticas e apontou desdobramentos em termos da elaboração de leis e de políticas públicas específicas. Surgiram novos temas, reconhecendo a pluralidade e diversidade de atores sociais que se expressaram no decorrer da elaboração da nova Carta Magna.
O texto constitucional é concebido assim como um compromisso político que passa a ser desenvolvido continuamente pelas forças políticas e sociais, em cada questão democraticamente disputada. Os conteúdos sociais da Constituição Federal, por exemplo, criaram um novo patamar de demandas, a partir do qual vão trabalhar para sua efetivação os diversos setores da sociedade nacional.
Temos hoje um País diferente daquele que se engajou no processo constituinte. As diferenças se apresentam não somente em termos populacionais ou econômicos. Cabe destacar a grande produção legislativa voltada para a proteção e o desenvolvimento de setores antes marginalizados ou carentes de tratamento mais apropriado, que surge em desdobramento a dispositivos já colocados no texto constitucional. Assim, foram aprovados o Estatuto da Criança e do Adolescente, legislação referente aos deficientes físicos, aos idosos, cota eleitoral para incentivar a inclusão de mulheres como candidatas a cargos legislativos, políticas públicas específicas para tratar de questões de gênero, da população indígena, para a proteção e a promoção da igualdade racial, para o meio ambiente, entre outros.
É certo, contudo, que ainda precisamos avançar na regulamentação de diversas normas constitucionais, lembrando sempre que o Poder Legislativo se coloca como espaço para onde convergem as diferentes propostas forjadas pela e na sociedade, que aqui ganham forma em instrumentos legais ampla e abertamente discutidos, dentro do tempo necessário para que tais sínteses sejam produzidas.
Senhoras e Senhores, a Câmara dos Deputados espera que as atividades de celebração dos vinte anos da promulgação da "Constituição Cidadã" constituam uma oportunidade para a reflexão sobre a democracia que estamos construindo no País e sirvam para a preservação da memória constitucional brasileira.
Finalmente, quero encerrar dizendo que a percepção tanto das lutas sociais quanto do próprio papel dos movimentos sociais, e eu diria, principalmente, a percepção do papel do Poder Legislativo muda conforme os momentos da história.
E faço a referência para homenagear o Poder legislativo de então, quando o então presidente da Câmara dos Deputados caracterizou, em palavras tão sábias quanto sucintas, que trair a Constituição é trair a própria pátria. E disse mais, ao homenagear os que foram assassinados, exilados, torturados, foi a forma mais eloqüente de defender a democracia e também o Parlamento.
Eu quero agora me referir ao parlamento dos dias atuais. Este parlamento não é diferente daquele nem dos outros. Nós continuamos a ser a representação popular legitimada pelo voto popular, com as qualidades, os vícios e os defeitos, porém com o mesmo dever e obrigação de defender o poder em nome do povo brasileiro.
E, para podermos ter a condição de falarmos em nome do povo brasileiro, nós temos de trabalhar muito e bem.