2007 - Relat. Ativ. - jan a março

Atividades do MERCOSUL

Principais debates e fatos - janeiro a março de 2007


Veja também:  CE - janeiro a março de 2007


 

O objetivo deste primeiro relatório de atividades do ano de 2007 é apresentar a Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul e sua Representação Brasileira aos parlamentares integrantes da 53ª Legislatura, e pontuar algumas das questões que nortearam a agenda de trabalho do bloco no período compreendido entre o segundo semestre de 2003 e o segundo semestre de 2006. Os últimos acontecimentos da Política Internacional e Regional, que têm como centro o Mercosul, são enfocados em artigo abrangente que integra o presente documento.

A COMISSÃO PARLAMENTAR CONJUNTA DO MERCOSUL E A REPRESENTAÇÃO BRASILEIRA

Dos aspectos legais

A Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul (CPCM), formada por Representações Nacionais de cada um dos Estados Partes, é o braço parlamentar de um projeto de integração regional, o bloco econômico do Mercosul, criado pelo Tratado de Assunção, de 1991, e cuja estruturação institucional se deu pelo Protocolo de Ouro Preto, de 1994.

A CPCM tem por finalidades examinar temas prioritários encaminhados pelo Conselho do Mercado Comum (CMC), emitir Recomendações a esse Conselho e acelerar os procedimentos para a pronta recepção pelos respectivos ordenamentos jurídicos dos Estados Partes da Normativa Comunitária, o que facilita a entrada em vigor das normas ditadas pelos órgãos decisórios do Mercosul, conforme previstos nos artigos 22 a 26 do Protocolo de Ouro Preto.

No plano Legislativo brasileiro, a Resolução nº 1 (1996-CN) estrutura e dispõe sobre a Representação Brasileira na Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, em composição paritária da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, integrada por dezesseis titulares e igual número de suplentes, sendo oito deputados e oito senadores, com mandato de dois anos, designados na forma estabelecida nos respectivos Regimentos Internos, sempre ao início da primeira e da terceira Sessões Legislativas Ordinárias de cada Legislatura.

Em especial, a Resolução nº 01 (1996-CN) determina que a Comissão do Mercosul emita relatórios sobre temas pertinentes ao Bloco e subsidie, dessa forma, o estudo das demais Comissões incumbidas de seu parecer.

Das reuniões

A CPCM reúne-se por convocação das Presidências das Representações Nacionais no território daquela que estiver exercendo a Presidência semestral Pro Tempore, em sistema de rodízio por ordem alfabética. Cada Estado Parte obriga-se a realizá-las sempre que convocadas.

Além das reuniões gerais convocadas pela Presidência Pro Tempore, cada Representação Nacional obedece ao calendário de suas próprias reuniões ordinárias, convocadas pelo parlamentar que as preside para discutir temas a ela encaminhados, quando, então, são assessoradas pelos consultores e servidores nacionais.

No caso brasileiro, além das reuniões ordinárias, a Representação Nacional também reúne-se para emitir relatórios às proposições Mercosul que tramitam no Congresso Nacional, bem como promover audiências públicas, seminários e outros encontros para discutir outros temas que tenham algum tipo de vinculação à questão dos blocos econômicos e integração regional.

Assim, é importante a liberação de parlamentares membros das Representações Nacionais e servidores das mesmas, como contrapartida de cada Congresso dos Estados Partes do Mercosul à realização das reuniões convocadas pela Presidência Pro Tempore em exercício.

Da contribuição orçamentária e de recursos humanos para o funcionamento da Representação Brasileira na CPCM e no Parlamento do Mercosul

Quando da assinatura do Protocolo de Ouro Preto, ficou decidido que cada país membro do bloco criaria uma Representação Nacional, com uma Secretaria Administrativa de responsabilidade dos respectivos Congressos Nacionais.

Também ficou decidido que se criaria uma Secretaria Parlamentar Permanente da CPC, com sede em Montevidéu, Uruguai, e que sua manutenção seria coberta pela contribuição financeira anual de cada Congresso Nacional em nome do respectivo Estado Parte.

No caso do Brasil, o Congresso Nacional dividiu a participação das suas Casas, atribuindo ao Senado Federal a obrigatoriedade do pagamento anual no valor de U$ 20.000,00 dólares americanos, destinados à cobertura de despesas com a manutenção da Secretaria Parlamentar Permanente da CPC, e à Câmara dos Deputados a obrigação de manter em funcionamento a estrutura administrativa para dar apoio logístico ao quadro de parlamentares membros da Representação Brasileira na CPC, tanto nas reuniões realizadas no território nacional quanto nos territórios dos Estados Membros, sempre que convocadas pela Presidência Pro Tempore.


AGENDA DE TRABALHO DO MERCOSUL

Com a posse do Presidente Luís Inácio Lula da Silva, o Mercosul ganhou mais visibilidade como um dos três principais tópicos da agenda externa brasileira. O Consenso de Buenos Aires, definido em 2003, pela conjunção dos novos governos no Brasil e na Argentina, visava a reorientação do processo de integração regional, submerso então em profunda estagnação e, até mesmo, retrocesso. A orientação permitiu procurar maior ênfase nas dimensões política e social do bloco, que viriam a completar a dimensão comercial predominante nas relações intra e extra Mercosul.

É importante ressaltar que as linhas de ação que orientaram as negociações e buscaram o aprofundamento do processo de integração foram traçadas pela Decisão CMC nº 26/03, “Programa de Trabalho do Mercosul 2004-2006”, assinada durante a XXV Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada na cidade de Montevidéu, em 15 de dezembro de 2003. O documento refletiu o empenho dos países membros em aprofundar a união aduaneira. Dividido em três partes (Mercosul Institucional, Mercosul Social e Mercosul Econômico-Comercial), o Programa de Trabalho refletiu, ainda, o momento de maior preocupação com o fortalecimento da dimensão política e social e suas implicações práticas no funcionamento efetivo do Bloco.


MERCOSUL INSTITUCIONAL

O estabelecimento do Parlamento do Mercosul e o Fortalecimento Institucional são os dois itens da pauta Mercosul Institucional no Programa de Trabalho 2004-2006.

Em 2003, retornam à agenda de trabalho demandas e debates sobre as assimetrias no bloco e isso levou os Estados Parte a uma confirmação sobre a necessidade de aprofundar o Mercosul no que diz respeito às suas feições e funcionamento institucional. A necessidade de buscar novos avanços no processo de integração para atender demandas estruturais decorrentes inclusive da própria dinâmica de formação do bloco e atender reclamações sociais e demandas políticas da cidadania regional fizeram com que começasse a ser repensada a dinâmica da governança do bloco.

Em dezembro de 2004, durante a XXVII Reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada na cidade de Ouro Preto, Minas Gerais, com a assinatura da Decisão CMC nº49/04, Parlamento do Mercosul, o avanço nas discussões sobre aperfeiçoamento institucional do Bloco ganhou estatus de permanente e condição de relevância. Na ocasião foram retomados pontos do debate sobre a importância de acelerar a internalizarão da normativa Mercosul, outra questão essencial para a credibilidade do processo de governança e, portanto, estreitamente vinculado à formatação institucional.

Internalização da Normativa Mercosul

Transcorridos 15 anos da assinatura do Tratado de Assunção, uma das grandes debilidades do bloco ainda reside no déficit de incorporação das normas, acordadas por seus órgãos decisórios: Comissão de Comércio (CCM), Grupo Mercado Comum (GMC) e Conselho Mercado Comum (CMC). A insegurança jurídica fragiliza a imagem do Mercosul frente a terceiros países e outros blocos, tornando-o pouco atraente para investimentos externos; e, no interior do próprio Bloco produz incertezas e conspira contra qualquer projeção de longo prazo relacionada com a construção de um espaço comunitário.

A Secretaria Mercosul (SM) vem realizando levantamento sistemático do estado da incorporação das normas Mercosul já negociadas e assinadas em todos os órgãos decisórios, cabendo à Secretaria de Apoio Parlamentar Permanente (SAPP) auxiliar a Secretaria Mercosul no levantamento das normas que necessitam aprovação parlamentar para sua incorporação aos ordenamentos jurídicos dos Estados Parte.

Alto percentual de normas e acordos, assinados pelos órgãos decisórios, ainda não foi encaminhado pelos Poderes Executivos aos Legislativos Nacionais. A Representação Brasileira na CPCM tem feito constantemente contatados o Ministério das Relações Exteriores e a Casa Civil, da Presidência da República, na tentativa de imprimir maior rapidez ao processo de encaminhamento das normas já assinadas e prontas para a análise do Congresso Nacional.

No ano de 2003, objetivando dinamizar a validação dos acordos internacionais pelos congressos nacionais e democratizar o processo decisório do bloco, a Comissão Parlamentar Conjunta firmou Acordo Interinstitucional com o Conselho do Mercado Comum no qual o Conselho se compromete a enviar todas as normas que requeiram aprovação congressual à consulta da CPCM, no momento de sua negociação, e em contrapartida a Comissão se compromete a dar uma tramitação mais ágil e mais rápida, a toda matéria com parecer favorável. Esse mecanismo, denominado “consulta parlamentar”, foi posteriormente incluído entre as competências do Parlamento do Mercosul.

Parlamento do Mercosul

A assinatura da Decisão CMC nº 49/04 deu início ao processo de constituição do Parlamento do Mercosul. A norma conferiu à Comissão Parlamentar Conjunta a condição de comissão preparatória do novo órgão, estabelecendo como data limite 31 de dezembro de 2006 para sua instalação. O Protocolo Constitutivo do Parlamento foi aprovado pela Decisão CMC nº 23/05, assinada em Montevidéu, em dezembro de 2005.

O mecanismo de consulta parlamentar foi um dos pontos já acordados e reproduzidos no Protocolo do Parlamento. Segundo o Artigo 4, inciso 12 do Protocolo, é estabelecido o prazo máximo de cento e oitenta (180) dias corridos para que os Congressos Nacionais dos Estados Partes se manifestem sobre as normas que tenha sido adotadas pelo Conselho do Mercado Comum consoante a parecer emitido pelo Parlamento Regional, no momento de sua negociação. O mesmo inciso ressalva que, se dentro do prazo desse procedimento preferencial, o Parlamento do Estado Parte não aprovar a norma, esta deverá ser reenviada ao Poder Executivo, que a encaminhará à reconsideração do órgão correspondente do Mercosul. Os Parlamentos nacionais ficam responsáveis em adotar as medidas necessárias para a instrumentalização do procedimento acima referido, em conformidade com suas respectivas normas regimentais.

O mecanismo consulta visa não apenas acelerar os tramites legislativos, como também diminuir o número de normas assinadas e não encaminhadas aos legislativos nacionais por problemas técnicos, ou seja, problemas ou falhas durante seu processo de negociação. Por esse mecanismo, o Parlamento do Mercosul contribuirá para solucionar a grave fragilidade de que padece o bloco, que se traduz, precisamente, no baixo índice de normas da integração efetivamente incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais.

O Parlamento poderá, ademais, contribuir para melhorar a qualidade técnica das normas do Mercosul, cujas debilidades têm sido amplamente identificadas por técnicos e acadêmicos. A falta de consulta e debate com setores sociais afetados e com outras instâncias governamentais interessadas, precisamente pela falta de um espaço específico para esse fim, muito contribui para o déficit qualitativo da normativa no Mercosul.

Nesse contexto, vale lembrar que o Parlamento constituirá o espaço público, por excelência, onde debates concernentes às normas em negociação terão um centro normalizado. A visibilidade e a transparência que a existência de um Parlamento, como lócus de debate político, conferirá ao Mercosul contribuirão, de inúmeras maneiras, para o aperfeiçoamento e consolidação do bloco.

Também no tocante à falta de efetividade normativa que atinge o bloco, em virtude do não encaminhamento à aprovação legislativa, pelos Executivos, dos instrumentos jurídicos firmados, o Parlamento conta, entre suas competências, com a possibilidade de solicitar relatórios dos órgãos decisórios do Mercosul (Art. 4, inciso 4) e de convidar representantes dos órgãos do Mercosul para informar sobre determinados aspectos da integração (Art. 4, inciso 5).

No que diz respeito ao processo de adoção de decisões, o Parlamento representa substancial avanço em relação à Comissão Parlamentar Conjunta, na medida em que delibera por meio do voto individual dos membros das delegações, enquanto que a Comissão decide por consenso, como se fosse uma “assembléia de Estados”, fator que não permite a expressão da pluralidade ideológica característica de um órgão de representação popular.

A decisão tomada pelos negociadores, no sentido de adotar duas fases para a implementação do Parlamento, traduz a dificuldade com que se defrontaram, em razão das enormes assimetrias existentes entre os países membros do Mercosul em termos de população, extensão geográfica e PIB.

Assim, até 31 de dezembro de 2010, a integração do Parlamento será paritária, com 18 representantes por país, designados pelos respectivos congressos nacionais. A partir daí, passará a vigorar o critério da “representação cidadã”, a ser determinado mediante Decisão do Conselho do Mercado Comum, por proposta do Parlamento, sendo que o Parlamento deverá estar integrado por representantes eleitos pelo voto universal, direto e secreto, de acordo com a legislação eleitoral de cada Estado Parte.

O Parlamento do Mercosul será, sobretudo, um espaço para debates, seminários e audiências públicas sobre os temas da integração. Servirá de “caixa de ressonância” para os anseios e preocupações dos diversos setores da sociedade civil e, ao mesmo tempo, constituirá canal de comunicação entre as populações e as instâncias negociadoras da integração. A participação da sociedade civil assegurará a transparência do processo de construção do bloco e contribuirá para que as normas do Mercosul passem por amplo debate, antes de sua adoção pelo órgão decisório, o que enseja seu aperfeiçoamento e facilita a posterior incorporação aos ordenamentos jurídicos internos dos Estados Partes.

A Sessão Solene para a Constituição do Parlamento do Mercosul foi realizada no Plenário do Senado Federal Brasileiro, no dia 14 de dezembro de 2006, com a presença dos Excelentíssimos Senhores Presidente da República Federativa do Brasil; Presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados brasileiros; Presidentes das Seções Nacionais da CPCM, e Presidente da Comissão de Representantes Permanente do Mercosul. A primeira Sessão Ordinária do Parlamento do Mercosul deverá acontecer no dia 7 de maio de 2007, na cidade de Montevidéu, no Uruguai, país que cedeu as instalações para o funcionamento do Parlamento Regional, conforme decidido na Sessão Solene de sua constituição, realizada nas dependências do Congresso Nacional brasileiro.


MERCOSUL SOCIAL

A agenda Mercosul Social preocupou-se em afirmar as conquistas políticas e sociais básicas dos cidadãos do Mercosul, bem como aprofundar o bem-estar social no território dos países membros. Nesse sentido propôs a ampliação da participação da sociedade civil nas discussões de temas relacionados ao aprofundamento da integração regional. O Foro Consultivo Econômico e Social e a Comissão do Mercosul contribuíram nessa tarefa pela realização ou participação em seminários, audiências públicas e encontros que ajudaram aos membros da sociedade civil a tomar conhecimento e apresentar propostas sobre os principais itens da agenda Mercosul no período, traduzindo muitas das demandas recolhidas em tais eventos em Recomendações que foram elevadas à consideração do Conselho do Mercado Comum.

Os temas circulação de mão de obra, promoção dos direitos dos trabalhadores, residência de nacionais, regularização migratória para cidadãos do bloco, e direitos humanos têm integrado a pauta de trabalhos da agenda social.

Entre 2004 e 2006, foram aprovadas algumas normas visando atender demandas da cidadania do Mercosul. Dentre elas podemos destacar:

(1) criação da Reunião de Altas Autoridades sobre Direitos Humanos e a assinatura do Protocolo de Assunção sobre o compromisso com a promoção e proteção dos direitos humanos no Mercosul. Seu objetivo é a elaboração de uma Carta de Direitos Humanos do Mercosul;
(2) criação do Grupo de Alto Nível para definir a “Estratégia Mercosul de Crescimento e Emprego” que, além de elaborar as bases conceituais, metodológicas e operativas para a implementação da estratégia e garantir o respeito e cumprimento dos princípios e direitos trabalhistas; também coordena as discussões acerca da definição das políticas sociais e trabalhistas do bloco com o empresariado e os trabalhadores da região;
(3) criação do Foro Consultivo de Municípios, Estados Federais, Províncias e Departamentos do Mercosul cuja função é propor medidas destinadas à coordenação de políticas para promover o bem-estar e a melhoria da qualidade de vida dos habitantes dos municípios, Estados Federados e Departamentos da Região;
(4) criação do Observatório da Democracia do Mercosul que, em conjunto com o Centro Mercosul de Promoção do Estado de Direito e a Comissão de Representantes Permanentes do Mercosul, contribuirá para o fortalecimento dos objetivos do Protocolo de Ushuaia sobre o Compromisso Democrático, acompanhará os processo eleitorais dos Estados Parte e realizará atividades e estudos vinculados à consolidação da democracia na região.

Quanto ao tema circulação de pessoas, os acordos sobre regularização migratória e residência para nacionais, assinados entre os Estados Parte, Bolívia e Chile, e o “Visto Mercosul” encontram-se em processo de internalização. No Brasil, apenas o Acordo para criação do “Visto Mercosul” ainda está tramitando no Congresso Nacional. Todos os demais já foram transformados em decreto legislativo e incorporados ao ordenamento jurídico nacional.

Em seu último encontro, realizado em janeiro passado, na cidade do Rio de Janeiro, o Conselho do Mercado Comum aprovou a Decisão CMC nº 03/07, Instituto Social do Mercosul, cujos objetivos são: contribuir na consolidação da dimensão social como um eixo fundamental no desenvolvimento do bloco; auxiliar na superação das assimetrias; colaborar tecnicamente no desenho das políticas sociais regionais; sistematizar e atualizar indicadores sociais regionais; intercambiar boas práticas em matéria social; promover mecanismos de cooperação horizontal e identificar fontes de financiamento. A assinatura da norma demonstra a preocupação dos países membros com a necessidade de avançar no desenvolvimento da dimensão social no Mercosul, como uma forma de fortalecer o processo de integração e promover um enfoque total no desenho e implementação das políticas sociais na região.

Por fim, cabe ressaltar a iniciativa do governo uruguaio de criação do espaço de debates SOMOS MERCOSUL durante sua presidência Pro Tempore, no segundo semestre de 2005. A iniciativa visa propiciar uma maior inclusão dos atores sociais no processo decisório. SOMOS MEROCUSUL é um programa de ações público-privadas com ênfase nas dimensões social, política e cultural, completando a dimensão econômica-comercial, até o momento, foco do processo de integração.


MERCOSUL ECONÔMICO-COMERCIAL

De 1991 até 2003, os assuntos econômico-comerciais foram os principais temas na pauta de trabalhos do Mercosul. Mesmo com a mudança de orientação política nos governos dois maiores sócios do bloco regional e, posteriormente, também no Uruguai, que proporcionou a inclusão de temas políticos e sociais na agenda comum, os temas de comércio continuaram com forte presença nas agendas interna e externa da região.

A retomada, em 2003, da discussão das assimetrias que levaram os países membros a discutir também uma possível reforma institucional do bloco.

Salvaguardas

A partir de 1999, com a desvalorização da moeda brasileira, uma significativa mudança foi sentida nas condições de competitividade comercial intra-bloco. Na ocasião, a Argentina, temendo uma invasão de produtos brasileiros em seu território, passou a defender a adoção de um mecanismo de salvaguarda comercial para o bloco. Seu pleito foi baseado na inexistência de quaisquer mecanismo de coordenação macroeconômica, aliado à falta de harmonização de políticas e instrumento de política industrial e comercial. Por resistência brasileira, a discussão de um mecanismo de salvaguarda estendeu-se até fevereiro de 2006, quando foi assinado o Mecanismo de Adaptação Competitiva, Integração Produtiva e Expansão Equilibrada e Dinâmica de Comércio (MAC) pelo Brasil e Argentina.

Até sua assinatura, vários outros acordos privados foram negociados com a mediação da Comissão Bilateral de Monitoramento de Comércio, criando cotas para as exportações de diferentes setores como têxteis, televisores, linha branca, calçados e vinhos. Mesmo após a assinatura do MAC, os arranjos de restrição voluntária continuaram a ter a preferência do setor empresarial de ambos os países. Até o presente momento, o MAC ainda não foi acionado pelo setor produtivo de nenhum dos dois países.

Tanto o MAC quanto o Acordo Automotivo foram negociados bilateralmente, entre Brasil e Argentina, cogitando-se, apenas, posteriormente, a extensão de seus benefícios aos dois outros integrantes do bloco, Paraguai e Uruguai, que de imediato demonstraram descontentamento com a forma bilateral de negociação.

Assimetrias

Em 2003, após as presidências Pro Tempore do Paraguai e Uruguai, o tema assimetrias retornou à pauta de trabalho do Conselho do Mercado Comum. Em seus encontros, as delegações dos países membros propuseram, de início, a adoção de instrumentos destinados à promoção comercial conjunta e a melhoria do comércio intra-zona. Contudo, a iniciativa do Conselho não refletiu melhoria prática no fluxo de comércio. As manifestações de descontentamento dos sócios menores com o rumo tomado pelo processo de integração continuaram crescentes. Na convicção dos negociadores do Uruguai e do Paraguai prejudicam particularmente suas economias:
(1) a persistência de barreiras ao comércio intra-zona e a não entrada em vigor da livre circulação de bens; enfatiza-se ainda a existência de barreiras não-tarifárias e uma certa arbitrariedade na aplicação desses instrumentos; coloca-se em evidência a necessidade de respeitar e cumprir o que está definido no Artigo 1 do Tratado de Assunção;
(2) o desvio de comércio em prejuízo das economias menores promovido pela definição e pelo nível da TEC que contempla basicamente as necessidades dos países maiores.

Foi em dezembro de 2006, durante a Reunião de Brasília, após a apresentação por parte do Paraguai e Uruguai de propostas de trabalho, que as assimetrias deixaram de receber tratamento conceitual, passando-se à busca de soluções concretas. A iniciativa dos sócios menores deu cumprimento ao previsto no item 13.3 da Ata da XXX Reunião Ordinária do CMC, a saber:

“(...) os países com economias de menor tamanho relativo deverão apresentar, em um prazo de 60 dias, suas necessidades e propostas para superar assimetrias e facilitar o acesso a mercados (...).”

O documento paraguaio atribuiu a condição assimétrica do país ao fato desse ser o único integrante do Mercosul em condição mediterrânea e de menor desenvolvimento econômico relativo. O texto sugeriu que a superação das assimetrias implica na implementação de um conjunto de ações e estratégias sustentáveis, tais como: políticas comunitárias de incentivo ao desenvolvimento, programas de apoio à competitividade, acesso a mercados regionais e mundiais, e aprofundamento institucional visando à consolidação do processo de integração regional.

Em seu documento, o Uruguai expôs os fatores que adicionam desvantagens assimétricas para o país no âmbito do Mercosul e os impactos negativos que o Bloco vêm ocasionando em sua estratégia de desenvolvimento, em contraste com as expectativas dos benefícios que esperava obter do processo de integração. No diagnóstico do Uruguai, têm sido maiores os custos que os benefícios colhidos pela sua adesão ao processo de ajustamento comercial para a integração. Para o Uruguai, a principal fonte de assimetria do país é a seu tamanho, pelo qual, precisamente aderiu ao bloco para que sua economia pudesse obter ganhos de escala. Esse benefício – para ser logrado – requer investimentos produtivos conjuntos e uma efetiva integração de mercados internos, objetivos estratégicos que, na leitura uruguaia, jamais saíram do papel.

O Governo Uruguaio ressaltou que o Mercosul não tem cumprido objetivos prioritários da estratégia de negociações internacionais. O bloco não garante a obtenção de condições estáveis e imprescindíveis ao acesso a mercados, nem na região nem no resto do mundo; as negociações intra e extra-zona feitas até agora não têm conteúdos que gerem impactos significativos e positivos para as economias e sociedades dos membros.

Constam, no documento, como propostas para a superação das assimetrias, o aprofundamento institucional; o aperfeiçoamento do Protocolo de Olivos; a retomada de compromissos defendidos na estratégia de Relançamento do Mercosul, Decisão CMC nº 32/00, relativa à eliminação das barreiras não tarifárias e a adoção de novas medidas não restritivas ao comércio; a harmonização de políticas públicas, a elaboração de políticas de coordenação macroeconômica e financeira; e a implementação de uma política comum de competitividade, baseada na promoção da complementação e especialização das cadeias produtivas, dentre outras. O documento Uruguay e o Mercosur, cuja leitura é recomendável, pode ser acessado no site www.mercosur.org.uy/documentos oficiais (Mercosur/LXV GMC/DI Nº 16/06).

Pela primeira vez, desde a criação do Mercosul, foram registradas intenções por parte de membros plenos de firmar acordos bilaterais fora do formato 4 + 1. O Uruguai chegou a solicitar aos demais membros a flexibilização das negociações externas através da incorporação da bilateralidade no marco das negociações conjuntas ou individuais. Na verdade, o Governo Uruguaio pretendia obter autorização para negociar um Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos. Essas intenções foram encaminhadas à Presidência Pro Tempore brasileira, em setembro de 2006, por carta, assinada pelo Presidente Tabaré Vasquez. O documento justificava a necessidade do país em expandir suas fronteiras, ressaltando, mais uma vez, as dificuldades do Uruguai em matéria comercial, tendo em vista as falhas do processo de integração regional.

Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul (FOCEM)

As críticas dos paises menores à desigual distribuição dos custos e benefícios da integração, assim como as manifestações no sentido de procurar caminhos alternativos, inclusive pela assinatura de tratados de livre comércio fora do bloco, influenciaram na aprovação da Decisão CMC nº 27/03, Criação do Fundo de Convergência Estrutural do Mercosul - FOCEM e em sua rápida incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais.

O FOCEM, importante instrumento para começar a diminuir assimetrias, tem caráter redistributivo: os países maiores aportam mais recursos. O Fundo conta com um orçamento de US$ 100 milhões, sendo 70% de recursos provenientes do Brasil, 27% da Argentina, 3% do Uruguai e 1% do Paraguai. O total orçamentário para a execução de projetos pilotos deverá ser integralizado de forma progressiva, no prazo de três anos. Até o momento, apenas Brasil e Paraguai depositaram as contribuições referentes ao ano de 2006.

Pelas regras do FOCEM, os recursos orçamentários poderão ser alocados em quatro tipos de programas: promoção da convergência estrutural; desenvolvimento da competitividade; promoção da coesão social; e fortalecimento da estrutura institucional. Além dos Estados Parte, a Secretaria Mercosul também está autorizada a apresentar projetos. A execução de onze projetos-piloto já foi aprovada pelo Conselho do Mercado Comum, em sua última reunião, realizada no Rio de Janeiro.

Dupla cobrança de Tarifa Externa Comum (TEC)

Os países membros, principalmente o Brasil, têm feito grande esforço no sentido de eliminar a dupla cobrança de TEC no bloco, tida como outra medida importante na superação das assimetrias.

As delegações integrantes do Conselho do Mercado Comum, conscientes da necessidade de aperfeiçoar a Política Tarifária Comum do Mercosul, estabeleceram no Programa de Trabalho 2004-2006 a necessidade de elaboração de uma proposta para eliminar a dupla cobrança da TEC, garantindo o pagamento único de tarifa para as mercadorias que circulam dentro da união aduaneira.

Na situação tarifária atual do bloco ainda existem diversas exceções à TEC. Hoje, apenas os bens originários, ou seja, aqueles que cumprem todos os requisitos estabelecidos pelo Regime de Origem Mercosul podem circular livremente dentro da união aduaneira. Os demais necessitam voltar a pagar a TEC ao cruzar outra fronteira dentro do bloco. A eliminação da dupla cobrança depende, dentre outras coisas, da entrada em vigor do Código Aduaneiro do Mercosul, cujo projeto da nova versão já está em estudo, devendo ser apresentado ainda este ano à consideração do Conselho do Mercado Comum.

As delegações têm trabalhado intensamente no tema, existindo uma previsão de completa eliminação da dupla cobrança para o ano de 2008.

Agenda externa

Apesar do elevado número de iniciativas de negociações lançadas entre 2004 e 2006, foram concluídos apenas acordos com a Comunidade Andina, com a Índia, e com a União Aduaneira da África Austral (SACU); e assinado Acordo de Complementação Econômica entre o Mercosul e Cuba. Nesse último caso, consolidou-se a multilateralização das preferências já negociadas em acordos bilaterais dos países do bloco com Cuba, no âmbito da ALADI.

Em relação à União Européia, uma das principais frentes da agenda externa do Mercosul por sua relevância em termos econômicos e em projeções de política internacional, a retomada das negociações foi apenas aparente. Em novembro passado, representantes dos dois blocos tentaram reativar as negociações pela apresentação de propostas em pacote, e não mais isoladamente por setor, ou capítulo, como vinha sendo feito. Aparentemente, a iniciativa não seguiu adiante. Os representantes dos blocos aguardam a conclusão das negociações da Rodada de Doha para a retomada das negociações bilaterais.

Pode-se considerar como o item mais relevante da agenda de negociações externas, nesse período, a assinatura do Protocolo de Adesão da Venezuela ao Mercosul, no dia 04 de julho de 2006, em Caracas, Venezuela. A incorporação venezuelana conferiu ao Mercosul uma nova dimensão política e maior peso comercial, tendo em vista a expansão do bloco para o norte do continente e o potencial energético agregado. Com a adesão, o Mercosul passou a constituir um bloco regional com mais de 250 milhões de habitantes, área de 12.7 milhões de Km2, PIB superior a um trilhão de dólares e comércio global superior a US$ 300 bilhões.

Dentro da lógica proposta pelo Programa de Trabalho 2004-2006, ou seja, conseguir tratamento diferenciado para as economias menores (Paraguai e Uruguai), o Protocolo de Adesão inclui um Anexo com duas listas de produtos daqueles países, que poderão entrar na Venezuela com tarifa zero, tão logo o instrumento esteja vigente.

Para a adesão da Venezuela, foram negociados os seguintes termos: (1) adesão ao Tratado de Assunção, Protocolo Ouro Preto e Protocolo de Olivos; (2) Adoção da Tarifa Externa Comum do Mercosul, mediante definição de um cronograma de convergência; (3) Adesão ao Acordo de Complementação Econômica nº 18 (ACE 18) e seus protocolos adicionais; Adoção do acervo normativo do Mercosul, incluindo normas em incorporação; (4) adoção dos instrumentos internacionais celebrados no marco do tratado de Assunção; (5) definição da modalidade de incorporação aos acordos celebrados pelo bloco com terceiros países ou grupo de países, bem como sua participação nas negociações externas.

Na última reunião do Conselho do Mercado Comum, realizada em 18 de janeiro, no Rio de Janeiro, foi acordada a necessidade de redobrar os esforços para permitir ao Grupo Ad Hoc de Trabalho, criado pelo Artigo 11 do Protocolo de Adesão, acelerar suas ações a fim de assegurar o cumprimento dos compromissos contidos no referido Protocolo.

A íntegra do Protocolo, bem como dos demais documentos citados no decorrer do texto, poderão ser acessados pelo site: www.mercosul.org.uy.

As informações aqui prestadas, de forma sintética, foram obtidas por pesquisa realizadas nos documentos e sites oficiais do Mercosul. Também foram utilizados como fonte de pesquisa documentos de trabalho produzidos por assessores e funcionários da Representação Brasileira na Comissão Parlamentar do Mercosul, muitos deles disponíveis na página web da Representação Brasileira www.camara.gov.br/mercosul.


Em poucas palavras: integração ou divisão?
Se a geografia é a mãe da história, quem será a madrasta da geografia?

Das muitas perguntas que sobrevoam o espaço regional nestes últimos meses plenos de acontecimentos – novidades no tabuleiro do xadrez internacional que ainda carecem de decantação para uma análise mais definitiva, mas que já permitem aproximações indicativas dos próximos movimentos, algumas indagações não deveriam ser passadas por alto.

Em primeiro lugar, vamos a referir-nos a duas opiniões de personagens destacados na alta política brasileira. Sem entrar no mérito ou demérito que a evocação das suas trajetórias evoca em diferentes públicos segundo as circunstâncias de cada momento, o inegável é que tanto o ex-deputado José Dirceu quanto o ex-ministro Rubens Ricúpero, cada um em seu território, sabem do que falam quando falam.

Dirceu, em artigo Decisões Estratégicas (Jornal do Brasil, 15/03/07, www.camara.gov.br/mercosul/clipping) marca de entrada que “o novo tempo da política externa brasileira” está signado pela “soberania dos interesses nacionais”, reconhecendo, no entanto, que “o projeto de desenvolvimento nacional passa pela integração latino-americana”. Seu artigo busca articular e propõe avaliar conjuntamente a visita do presidente Bush ao Brasil (8 de março) e a do ministro da Fazenda Guido Mantega à Argentina na semana seguinte. Com a visita de Bush, nessa leitura, o Brasil teria alcançado uma parceria bilateral de primeiro nível em questão estratégica – ”o mundo dos próximos 20 anos, para ficar no curto prazo, estará dominado pela questão energética e a ambiental, pelo aquecimento global e suas conseqüências” e o etanol é “um dos eixos da transição energética em curso no planeta, apenas amplia o espaço de autonomia para acelerar a integração sul-americana”.

“Em sua visita à Argentina, o ministro Guido Mantega fez dois anúncios e uma previsão. Anunciou que o Brasil concorda com a criação do Banco do Sul e propôs que o BNDES e a CAF (Corporación Andina de Fomento) sejam a base para o início de suas operações. Além disso, retomou a agenda das trocas comerciais entre o Brasil e a Argentina, sem o dólar como moeda. Teremos uma moeda contábil; o comércio será direto entre o peso e o real. Medida que, acredito, deverá ser estendida a Uruguai e Paraguai e, depois, a toda América do Sul. Essas duas medidas têm alcance estratégico para a consolidação e ampliação do Mercosul, rumo a um mercado comum sul-americano e a uma União de Nações Sul-Americana, a exemplo da União Européia”.

Ricúpero, por sua vez, em “Desenganos e traições” (FSP, 18/03/07, B3) afirma que dos três eixos que dominaram a agenda da política externa brasileira do governo Lula, apenas um dá sinal de vida: “o das negociações da OMC”, já que nos outros dois, um lugar no Conselho de Segurança da ONU e o Mercosul, “o Brasil quer mas não pode ou pode mas não quer”.

Embora discordemos da avaliação e julgamento que faz sobre o Mercosul e seus personagens – atribuindo adjetivos redutores às figuras presidenciais de Kirchner “malicioso”, Tabaré “infiel” e Chávez “atrevido”, ainda que sejam “conceitos” sedutores para o ganho de adesões fáceis na ótica dos “interesses nacionais brasileiros”, o que de fato surpreende é o que conta sobre “eflúvios” que emanam de Genebra destilando “suspeitas e intrigas”. Em poucas palavras, o Brasil estaria se preparando para fechar acordo com os Estados Unidos e a União Européia, “isolando a Índia, a Argentina e outros membros do G 20”.

Entre os fatos que respaldam a afirmação, o ex embaixador conta que “a surpresa teria sido criada” pelo chanceler Celso Amorim que afirmou, em recente reunião do G20, que a exigência do teto máximo de US$ 12 bilhões para os subsídios dos Estados Unidos “não estava mais na mesa”. Amorim teria dito no Grupo estar convencido de que “o pior acordo agora seria melhor do que o melhor em Cancún”. A referência à reunião onde nasceu o G20 teria sido infeliz, pois “o aglutinador do grupo fora precisamente o acordo súbito entre a UE e os EUA”.

De acordo com Ricúpero, “o que é esse aceitável pior acordo, ninguém sabe”, pois “é preciso provar com fatos que ele é melhor do que nenhum acordo”, sem o qual, “não faltará quem desconfie de que o presidente e seus ministros buscam um êxito externo a qualquer preço”. A inquietante pergunta acompanha-se de outra – até que ponto esse acordo não consiste, na prática, em trocar o Brasil do futuro pelo do passado?- e de uma afirmação contundente: a única acusação que conta e que se deveria temer seria a de que traímos nossos próprios interesses.

Nos países do Prata, a imprensa registra afirmações do Nobel de Economia Joseph Spligtz que avalia a viagem de Bush como uma tentativa maior de “romper a cooperação regional e dividir a América Latina”; o analista uruguaio Alberto Methol Ferré volta a afirmar que o objetivo dos Estados Unidos “é africanizar a nossa região”. Na tribuna da Câmara Federal (08/03/07), em discurso quase solitário, o deputado Dr. Rosinha questionou os verdadeiros motivos pelos quais o presidente norte-americano aboliu do mapa da sua viagem à Região países como a Argentina, o Equador e a Bolívia. E, outra vez no Prata, sobrevoam perguntas pelos verdadeiros motivos de a negociadora principal dos EUA na OMC, Susan Schwab, ter decidido descolar-se da visita de Bush e não ir a Montevidéu: ficou em São Paulo para costurar detalhes de uma “jogada desesperada” para salvar a Rodada de Doha?

Não é nossa intenção, nem esse espaço permitiria, análise mais profunda de tantos elementos em jogo. Mas não é possível continuar passando por alto tantos “detalhes” e continuar afirmando que o Mercosul é plataforma de conformação de um “interesse regional” para buscar uma melhor inserção internacional de cada país integrante e do conjunto dos envolvidos no Pacto. A crise da integração regional é, sem qualquer sombra de dúvida, profunda; até mesmo em seus símbolos o Mercosul apresenta rendimentos decrescentes. Juntar os cacos e refazer alguma estratégica crível para todos os atores envolvidos no Pacto fundacional e seus subsequentes Acordos é tarefa maior e urgente. Para isso, em nossa opinião, e por mais que haja relutâncias em reconhecê-lo (relutâncias maiores associadas aos setores econômicos de maior concentração), somente mediante o plena e efetivo funcionamento do Parlamento do Mercosul será possível tentar algum resgate dessa história, filha da geografia que, por sua vez, teria na Política a sua madrasta? A Política Internacional, não há que duvidar, é, no mínimo, matriz de matrizes: avó ou madrasta, ou ainda, avó e madrasta. Por isso, inclusive, não é matéria para amadores.

Haver chegado a 15 anos de um Acordo Regional que, de últimas, tem-nos permitido conhecer-nos mais de perto e formar negociadores e técnicos que, mesmo por obrigação moral, têm que buscar o norte dos interesses conjuntos da Região, custou muito, muitíssimo dinheiro e esforços humanos. Agora, em contraste com o US$ 1 milhão mensal que consome o modelo intergovernamental apenas em viagens e diárias dessa governança itinerante, e o custo estimado entre US$ 50 e US$ 100 mil dólares de cada Norma Comunitária e sua escassa penetração para beneficio do tecido social comunitário, quem poderá acreditar na seriedade da vontade política dos governantes de turno se, como no caso brasileiro, destinam-se apenas US$ 20 mil dólares anuais para o funcionamento da Secretaria Parlamentar do Mercosul, visto que outros parlamentos e associações parlamentares de figura regional e intercontinental – com escassa ou nula representatividade - absorvem cifras dezenas de vezes superiores a aquela “simbólica contribuição” do Congresso brasileiro?

A cidadania regional está cada vez mais atenta e cobra resultados pelo financiamento, mediante tributos e mais, que coloca em mãos dos tesouros nacionais e que estes destinam às atividades internacionais. Apesar dos pesares – e estes são muitos e profundos -, acreditamos que a função Parlamentar, no âmbito dos Três Poderes que conformam o modelo de Democracia Representativa, é a mais transparente e a que melhores condições oferece de mediar os interesses do povo nela representado.

Zélia M. Stein,
Brasília 20/03/07
Mestre em Relações Internacionais. Professora de História.
Assessora da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul.