Artigo 13 Nadia de Araujo

"O papel da tradição do Common Law nos laudos arbitrais do Mercosul:considerações sobre a utilização dos princípios em seu processo decisório"


 Nadia de Araujo

Professora de Direito Internacional Privado, PUC-Rio
Doutora em Direito Internacional, USP
Procuradora de Justiça do Estado do Rio de Janeiro


A provocação da organização deste evento sobre a arbitragem, de uma reflexão acerca da influência do Common Law nos laudos arbitrais do Mercosul, me levou a analisar a maneira pela qual se chega às decisões judiciais naquele sistema e cotejá-la com o resultado já obtido até o presente momento no Mercosul. Quero apenas pontuar alguns tópicos sobre esse tema.Começarei por tentar explicar a relação entre o sistema da Common Law com o sistema de solução de controvérsias do Mercosul, que se dá por meio de arbitragens ad hoc, dentro das regras do Protocolo de Brasília. Essa influência não é direta, mas se dá pela utilização da metodologia do sistema consuetudinário, baseado em uma argumentação jurídica própria e mais detalhada do que a proveniente da tradição do Direito Civil, e que aparece na análise dos laudos do Mercosul.

Convém esclarecer que nesta palestra cuido do sistema da Common Law de forma genérica, e a partir da sua famosa dicotomia com o sistema de Direito Civil. Interessa-me analisar o raciocínio utilizado na aplicação do Direito no ordenamento jurídico. Enquanto o raciocínio romano-germânico parte da norma e é dedutivo — decidindo-se o caso através de sua subsunção à norma--, no Common Law esta análise começa com o caso e é indutivo, pois não parte de verdades pré-estabelecidas e universais, mas deduz generalizações a partir dos casos concretos diante de si.

A interpretação das normas existentes e a solução dos casos concretos no direito da Common Law utiliza um método que submete a questão a perguntas específicas, com o fito de entender qual o alcance da norma. Mais modernamente, na Inglaterra, utiliza-se a purposive construction ou interpretação teleológica, procurando-se determinar qual foi intenção  e o objetivo do legislador ao criar a norma e quais as razões que determinaram a decisão da hipótese anteriormente solucionada, de forma a ser esta a base da solução do atual caso.

Já com relação aos precedentes, que tem força de lei quando originados de tribunal superior, há toda uma técnica argumentativa na Common Law para sua análise, quando se quer aplicar ao caso concreto o que já foi decidido em outra hipótese, consubstanciada no precedente. Isso é feito pelo método do distinguishing, processo em que se estabelece a ratio decidendi, se verifica se os fatos do caso anterior são os mesmos do caso em questão, se os argumentos do caso anterior se aplicam ao presente. Declarações obiter dictum -- aquilo que é dito no caminho --, podem ter grande importância em casos futuros, pois a argumentação em si tem valor, ainda que não façam parte do dispositivo final, por não integrarem os argumentos que resultaram no dispositivo.

Por outro lado, na concepção da Common Law desenvolvida nos Estados Unidos, cujo defensor que mais aclarou o sistema é Oliver Holmes, os juízes primeiro chegariam à decisão e depois estabeleceriam suas razões, desde que promovessem a obediência aos princípios de ordem pública, tendo em conta, portanto de chegar aos objetivos colimados pelo legislador. No seu entender, o direito também tem o sentido de contar a história da nação, e para saber seu conteúdo, é preciso saber sobre o passado e procurar visualizar qual o caminho para o futuro.

Ainda pertinente ao que se vai observar adiante, Benjamim Cardoso em outro clássico da doutrina da Common Law, em seu livro "The nature of the judicial process"  salienta a questão: onde encontra o juiz o Direito no qual baseia sua decisão? E a responde em longas páginas, das quais destacamos apenas uma de suas idéias: de que a interpretação é mais do que dizer o conteúdo da lei e seus objetivos, pois suplementa suas regras, preenche suas lacunas pelo mesmo processo e método através do qual construiu-se o direito consuetudinário. E as mais recentes concepções da Filosofia do Direito, com destaque para o trabalho de Ronald Dworkin atuam como um divisor de águas no debate da teoria do direito, religando as cogitações da filosofia do direito às do campo da filosofia política. Dworkin, a partir de uma teoria hermenêutica do direito aberta à sua dimensão histórica, sublinha a importância do papel dos princípios a partir dos chamados hard cases — casos difíceis ou insólitos, para os quais não é possível encontrar uma solução trivial, ou uma única solução correta, deixando, portanto, a comunidade jurídica perplexa sobre a maneira pela qual eles devem ser resolvidos --, como elemento possibilitador da articulação entre direito e moral, capaz de fundamentar uma crítica contundente à concepção hegemônica do positivismo analítico de H. Hart.

O  professor  Guido Soares, no  seu  livro  "Common  Law — Introdução ao Direito dos Eua"  relata o fato de que o método empregado pelo julgador difere daquele usado pelo juiz de direito continental, pois começa-se pelos casos para determinar o direito aplicável, e só na sua falta, vai-se à lei. Ademais,  os efeitos da decisão ultrapassam as partes em conflito, e passam a incidir sobre um universo mais amplo, ou seja, pautando as decisões futuras. No meu entender, é justamente isso que está ocorrendo no caso do Mercosul, com as decisões dos tribunais arbitrais, consubstanciado na jurisprudência dos sete laudos já proferidos.

Destaque-se ter tido o primeiro laudo papel marcante para os demais, pois incorporou nas razões de decidir uma metodologia  mais  argumentativa,  procurando estabelecer os princípios basilares do Direito da integração como fundamento de sua decisão. Nas decisões seguintes, apesar da falta de continuidade do árbitros, pois sua escolha não se repetiu, sendo diversos para cada dos um dos tribunais ad hoc, sente-se uma certa continuidade na argumentação e na busca de utilização de princípios do Direito da Integração.

Na verdade, a grande contribuição desse sistema mais argumentativo é a utilização dos  princípios na solução das controvérsias. Convém ressaltar que a teoria da argumentação jurídica deve muito ao trabalho pioneiro de Chaim Perelman, filósofo belga que a desenvolveu no início dos anos cinqüenta, centrando suas reflexões em uma racionalidade prática, de forma a descartar o ceticismo do positivismo lógico e o dogmatismo metafísico.  Sustenta sua teoria da argumentação, apontando para um caminho diferente da simples demonstração, até então prevalecente, e como isso escapa à hegemonia das concepções positivistas, cuja insuficiência na aplicação dos negócios humanos havia constatado. Perelman -- em sua obra dedicada ao direito, "Lógica Jurídica — Nova Retórica"-- mostrou como o juiz usa o seu poder discricionário para conciliar o respeito ao Direito e a procura de uma solução justa. Procurou alertar sobre a existência de uma lógica própria ao direito, que não é a lógica formal que orienta o pensamento matemático, mas a lógica do razoável. Para ele, lógico era aquilo que não era arbitrário, e as preferências humanas conseguem ser traduzidas por fundamentos e razões bem formuladas, o que significa deliberar. O mesmo processo ocorreria com o direito, na medida em que tão melhor seria a interpretação dada pelo juiz quanto melhor fosse a fundamentação apresentada.

E a argumentação jurídica aparece, sobretudo, no estudo dos casos difíceis — relativos à interpretação do Direito. Na linha desenvolvida por Manuel Atienza em seu livro "As razões do Direito — Teoria da Argumentação Jurídica", esta aparece em dois momentos: nas decisões dos tribunais em casos concretos, e na dogmática jurídica, quando esta se posiciona sobre casos abstratos. Tudo com o fito de compreender melhor como se chega a uma decisão no caso concreto, mas também dar-lhe uma justificação que a torne mais aceitável aos cidadãos. Nunca é demais trazer à baila o significado da motivação das decisões judiciais — com a devida atenção às práticas argumentativas--, pois esta constitui garantia essencial do Estado Democrático de Direito. A justificação racional das decisões dos magistrados é imprescindível para que estes, agindo em nome do Estado, possam atuar de acordo com os princípios que legitimam a democracia. No Brasil, a Constituição de 1988 alçou o princípio à esfera constitucional, no art. 93, IX,  a exigência de que as decisões judiciais sejam motivadas, antes adstrito ao âmbito processual.

Também estamos vivendo um momento especial, similar ao de outros países, no que toca ao questionamento sobre o funcionamento do sistema jurídico, que tem sido denominado por alguns juristas de pós-positivismo. Isso não significa um  anti-positivismo,  ou seja, que se queira acabar com o sistema clássico de subsunção do caso concreto à lei. O pós-positivismo, debate introduzido nas nossas letras jurídicas por Paulo Bonavides, caracteriza-se por reconhecer o papel crucial dos princípios de direito na compreensão dos sistemas jurídicos contemporâneos, ao advogar uma diferente compreensão das tumultuadas relações entre direito, moral e política. Ao invés de uma defesa intransigente da distinção destes dominíos — como na na matriz positivista — estes são pensados de forma complementar, ainda que em constante tensão.

Destaca-se o papel crucial da argumentação no funcionamento do direito, em especial nos casos difíceis, já mencionados. A relevância dada a essas situações especiais, que os aplicadores do direito encontram na sua prática diuturna, e sem solução imediata com utilização do modelo de subsunção,  impõe uma nova maneira de perceber o papel da hermenêutica jurídica. A solução para esses casos difíceis  demanda a utilização dos princípios.  E a garantia da segurança jurídica deve ser assegurada através de uma cuidadosa argumentação nas decisões judiciais. A abertura interpretativa propiciada pela utilização dos princípios deve ser parametrizada pela argumentação jurídica, sem a qual a discricionariedade judicial poderia transformar-se em um exercício arbitrário do poder de julgar. 

No caso do Mercosul, o árbitro é chamado a decidir casos difíceis relacionados à aplicação não só dos Tratados, mas dos princípios que estes pretendem englobar para promover a integração econômica. E os laudos produzidos pelos árbitros do Mercosul seguiram esse novo padrão, encontrando-se alinhados à essa metodologia de forma instintiva.
O Mercosul sempre  foi muito  criticado pela doutrina especializada pela ausência de um tribunal nos moldes do existente na Comunidade Européia. Havia o temor de que a resolução dos conflitos por tribunais ad hoc traria à jurisprudência uma  fragmentação  indesejável. Todavia, não foi isso o que ocorreu. A análise dos laudos até hoje proferidos mostra justamente o contrário, havendo encadeamento e coerência entre os princípios usados para se chegar às soluções do bloco.

O primeiro laudo cuidava da controvérsia existente entre a Argentina e o Brasil devido a entrada em vigor, neste último, de comunicados que restringiriam o comércio no âmbito do Mercosul. Esta restrição, segundo a Argentina, geraria incerteza e insegurança, e afetaria o fluxo das operações de intercâmbio comercial. No seu julgamento, o Tribunal constatou que o Tratado de Assunção continha disposições que estabeleciam um programa de liberação comercial, o qual deveria ser completado tanto no seu aspecto tarifário quanto não tarifário. Este programa de liberação comercial teria um papel central no tratado e no seu sistema normativo, e atacá-lo representaria solapar os esforços de integração. As partes estariam, assim, obrigadas a completar o abatimento das suas barreiras não tarifárias, mesmo com o adiamento da data de entrada em vigor do mercado comum.

Logo notou-se estar a dificuldade em aplicar as regras do MERCOSUL constante do Tratado de Assunção a respeito, que por seu caráter sintético não esclarecia a situação que se punha, ainda mais se comparadas às similares da Comunidade Européia. Portanto, logo na primeira controvérsia a ser decidida por um tribunal ad hoc a grande questão era definir justamente o que  não  estava escrito: a amplitude, não definidada pelo tratado, da  liberalização  comercial pretendida pelo bloco.

E para resolver o problema posto, seguiram os árbitros uma metodologia de interpretação teleológica, ou seja procurar interpretar o papel dos  princípios que marcam a convivência dos participantes do bloco. No dizer dos árbitros, estribados em Fausto Quadros, expoente da doutrina do direito comunitário europeu, o método teleológico deve procurar garantir que as normas sejam eficazes com relação a seu fim último, que é dar satisfação às exigências do processo de integração, sendo a verdadeira vocação das decisões acerca de instrumentos internacionais dessa natureza a de extrair desses a plenitude dos efeitos buscados e traduzir para esta todas as conseqüências razoáveis da melhor interpretação.

Entre eles, analisaram o princípio da boa-fé e o conceituaram levando em consideração não só a honestidade dos atos e aspectos formais dos textos invocados, mas sobretudo a idoneidade d ação das partes no seu mister de dar cumprimento aos fins e objetivos das normas acordadas, e que deveriam sempre respeitar a pacta sunt servanda. Outro princípio decorrente do processo de integração é o da incompatibilidade com o sistema de medidas unilaterais nas matérias reguladas pelos acordos multilaterais do bloco.

Também se procurou dar prevalência ao princípio do efeito útil, que deve informar todo o processo de integração, verificando-se qual a finalidade das regras estabelecidas, para se chegar ao objetivo principal indicado no preâmbulo do Tratado como sendo o avanço progressivo da integração na América Latina. Entendeu o Tribunal que este princípio seria o corolário da aplicação da interpretação teleológica, pois significaria apontar como caminho, na hora de se efetuar a escolha, entre as várias soluções possíveis segundo os termos do tratado, que melhor servisse à satisfação do objetivo e finalidade do processo de integração.

E como não há regras de liberalização comercial que não contemplem, de alguma  forma, a necessidade de adaptações legislativas de caráter interno, que devem passar pelo processo legislativo de cada Estado, haverá sempre uma grande defasagem entre as necessidades do bloco e o transcurso no  legislativo de cada país dessas regras. Note-se que o formato adotado pelo Mercosul para a internacionalização foi o processo clássico dos tratados, na forma do que dispõe os art. 40 a 42 do Protocolo de Ouro Preto, sem haver similar no bloco do que a Comunidade Européia chamou de seus princípios basilares -- o efeito direto e a primazia do direito comunitário --, no conflito entre este e normas internas, desenvolvidos pela atuação marcante da Corte Européia no labor de estabelecer os critérios para conceituar a integração dos países membros.

Dessa forma,  outra não poderia ter sido a postura dos árbitros diante do caso concreto, senão a de estabelecer, naquele momento, os princípios prevalentes no Direito da Integração como norteadores de sua decisão, de forma a não frustar o funcionamento do bloco como um todo. Para isso, valeram-se do Direito  comparado, em especial das técnicas de criação do hoje famoso Direito Comunitário, criado pelo Tribunal Europeu, quando, na década de sessenta, viu-se diante do mesmo dilema: dar plena efetividade aos princípios da integração econômica ou aguardar passivamente a adaptação progressiva dos estados ao novo sistema. Assim, nesse  primeiro  laudo lançaram os árbitros as bases de como deveria pautar-se a presente e a futura interpretação das normas do Mercosul.

E no corpo do laudo deixam claro que o objetivo maior do Tribunal foi o de identificar as regras jurídicas aplicáveis, guiado pelos fins e objetivos do ordenamento normativo criado pelos membros do bloco. Sendo o Tribunal parte desse ordenamento, cabia-lhe, portanto, interpretar o desejo compatilhado pelos países sobre a regulamentação de suas relações recíprocas pela identificação dos fins e princípios desse novo sistema. A decisão foi parcialmente contrária ao Brasil, que dispôs de prazo para adaptação das normas em desacordo com as regras de integração.

Como o sistema de solução de controvérsias não prevê qualquer tipo de vinculação ou continuidade na atividade dos árbitros, não havia como prever a maneira pela qual agiriam os árbitros nomeados para os casos posteriores. A surpresa surge com a verificação da grande influência das bases lançadas no 1o. laudo para os posteriores, numa clara utilização de um sistema de precedentes, já que os laudos posteriores sempre se referem ao primeiro, e utilizaram os princípios ali estabelecidos. O labor dos diversos tribunais ad hoc, ainda que sem relação entre seus integrantes, logrou construir, pouco a pouco e de forma integrada, o  conceito  de um Direito Comunitário do Mercosul, estabelecendo quais as regras que devem  reger  o bloco.

O segundo laudo tratou de controvérsia entre Argentina e Brasil,  pois havia reclamação em face de regras brasileiras de apoio às exportações em benefício dos produtores de carne de porco.  Foram atacados o Sistema de Estoques Públicos de Milho da CONAB; o Programa de Financiamento de Exportações (PROEX); os mecanismos do ACC (Adiantamento de Contrato de Câmbio) e do ACE (Adiantamento de Contrato de Exportação); e o Crédito Presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A questão jurídica versava sobre a caracterização de tais medidas brasileiras como subsídios incompatíveis com o Mercosul, e ainda sua compatibilização subsidiária com as normas do GATT/OMC.

Neste caso, os árbitros também utilizaram um método de interpretação teleológico, analisando os princípios da integração, consubstanciados no Tratado de Assunção com a situação concreta que se apresentava. A partir dessa análise, o laudo reconheceu que algumas das normas brasileira estavam em desacordo com o sistema de integração proposto, sendo esta decisão aceita pelo Brasil. A metodologia empregada para se chegar à decisão no 2o. laudo, apoiou-se na utilizada no 1o. laudo, e está mais próxima da maneira de decidir da Common Law do que a nossa tradição civilista, com clara utilização de uma argumentação de matiz principiológica. Por exemplo, houve preocupação em definir, no início do laudo, as regras jurídicas com base nas quais se chegou à decisão final, acrescentando-se à legislação do Mercosul — dividida em originária, para os tratados e protocolos, e derivada, para aquelas provenientes dos órgãos permanentes do bloco --, os princípios e disposições do direito internacional aplicáveis à matéria, integrando a ratio decidendi, também, as regras da Organização Mundical do Comércio (OMC), pois estas também regulam as relações comerciais internacionais dos estados membros.

Outro ponto importante neste laudo, diz respeito a eficácia das normas do Mercosul. Apesar de requerem medidas de implementação para obterem eficácia nos ordenamentos jurídicos internos, isto não significa que, antes de realizada esta etapa, tais normas careçam de qualquer valor. Os árbitros lembraram que os Estados são obrigados, em razão do artigo 42, do Protocolo de Ouro Preto, a incorporá-las aos seus respectivos ordenamentos. Assim, pode-se deduzir o reconhecimento de alguma eficácia a estas normas, antes mesmo de sua implementação em todos os Estados, servindo, portanto, nesta fase, como princípios ou como parâmetro de interpretação das regras já implementadas.

Desta forma, em questão preliminar, o Tribunal Arbitral considerou que a parte autora não podia apresentar novas reclamações (o caso do crédito presumido de IPI), mas somente acrescer e especificar elementos aos pleitos que já haviam sido formulados à Comissão de Comércio do Mercosul. No mérito, considerou que havia subsídio apenas no caso do PROEX, o que, inclusive, já havia sido reconhecido e revisto pelo Brasil durante o curso do processo. Quanto aos estoques da CONAB considerou não haver especificidade no benefício, e em relação às Antecipações de Contratos de Câmbio — ACC e às Antecipações de Contratos de Exportação — ACE, entendeu que a Argentina não logrou provar a prática anti-competitiva.

No terceiro  laudo, o Brasil reclamou contra a Argentina, por entender que a resolução nº 861/99 do Ministério da Economia, Obras e Serviços Públicos criava cotas para as importações de produtos têxteis provenientes do Brasil, ditadas unilateralmente e em desacordo com as normas do Mercosul. Novamente trata-se de questão relativa à  incompatibilidade  entre  a  Lei Argentina e os princípios da integração  e,  mais uma vez  o  Tribunal Arbitral, citando o primeiro laudo, usou o critério  teleológico. Entendeu que dar validade àquela norma argentina, na verdade, seria contrário  ao sistema normativo do Mercosul. Fez-se uma análise técnica das etapas do processo de integração, fixando-se o dia 1º de janeiro de 1.999 como o termo final do período de transição. A partir de então, entenderam os árbitros ter-se inaugurado um verdadeiro mercado comum. Por isso, a adoção de qualquer medida de salvaguarda no comércio intra-regional dependeria de norma produzida pelos órgãos do bloco, sendo vedado aos Estados-membros fazê-lo por ato unilateral, considerando que a medida nãopoderia ter sido baixada pela Argentina de forma unilateral.

Assim, pode-se notar uma correlação entre a forma de decidir utilizada nos laudos do Mercosul com o sistema da Common Law,  que aflora da análise dos  laudos  até  então  proferidos, pois foi seguida uma metodologia de caráter principiológica e indutiva, com ênfase na argumentação, e, portanto, mais próxima da tradição do Common Law.

No quarto Tribunal Arbitral ad hoc, instaurado a pedido do Brasil, reclamavasse contra a edição, pelo Ministério da Economia da Argentina, da Resolução ME 574/2000, através da qual foram instituídas medidas antidumping em relação à importação de frangos inteiros congelados provenientes do país. No entender do reclamante, a citada Resolução deveria ser revogada, sob o argumento principal de que não existiriam elementos necessários para a aplicação de medidas antidumping no caso concreto, além de não ter a Argentina respeitado os procedimentos apropriados para a investigação do alegado dumping.

De relevante para nossa análise, veja-se que respondendo à uma questão prévia formulada pela Argentina, o Tribunal Arbitral decidiu que não havia normativa Mercosul vigente que regulasse de forma expressa a investigação de dumping e a aplicação de medidas antidumping no comércio intrazona, fazendo referência expressa à decisão do Segundo Tribunal Arbitral que, ao examinar o tema de incentivos às exportações, levou em conta os compromissos assumidos no âmbito do GATT em relação à matéria. Novamente têm-se o respeito às decisões anteriores, como forma de garantir coerência e continuidade às decisões tomadas pelo sistema de solução de controvérsias do bloco.

A pretensão do Brasil foi negada pelo fundamento de que a própria Resolução e seu procedimento não constituem descumprimento da regra de livre circulação de bens no âmbito do Mercosul.
Paro esta análise com o quarto laudo, ressaltando que os mais recentes, de números cinco, seis e sete também pautaram-se por metodologia idêntica aos anteriores. 

Concluindo, vale destacar frase de  Oliver Holmes, em seu clássico sobre a Common Law, na qual inicia a obra com uma frase que, creio, se adapta bem ao modo de decidir característico desse sistema: "A vida do Direito não tem sido apenas uma questão  de  lógica, mas sim de experiência".  Ressalta o jurista, magistrado por excelência, a característica evolutiva do processo decisório, que ocorre na prática diuturna dos tribunais.  Porque  para Holmes, embora  se  possa  definir o  Direito através de uma série  de proposições auto-suficientes, estas  proposições  não  serão  senão  uma etapa em um processo contínuo de desenvolvimento. 

Acredito que se pode fazer uma correlação entre a compreensão do Direito levada a efeito pelo modelo da Commom Law, e aquela que emerge no Mercosul do labor dos Tribunais Arbitrais, mesmo na ausência de um Tribunal ao estilo do existente na Comunidade Européia. Enquanto um tribunal permanente não é criado, pragmaticamente deve-se utilizar os dispositivos existentes da melhor forma possível. Pode-se dizer que com relação aos laudos  arbitrais já proferidos,  a  postura  dos árbitros designados tem sido a de decidir informados por uma hermenêutica mais ligada a uma matriz principiológica, e portanto   mais afeita ao sistema Common Law do que à nossa tradição de Direito Civil.

Também no âmbito do nosso direito interno, essa metodologia se está espraiando-se por novos campos. Grandes modificações estão por iniciar-se, com a entrada em vigor do Novo Código Civil brasileiro, pois este trará os princípios ao primeiro plano da pirâmide normativa, que regula a vida privada dos cidadãos, assim como  fez  a Constituição de 1988, com os direitos e garantias fundamentais. Saíram os princípios de sua anterior posição acessória para assumir seu lugar no primeiro plano do ordenamento jurídico, quando é preciso escolher, para solucionar um caso concreto, entre a aplicação de regras ou princípios. Assim também no Mercosul tem-se uma jurisprudência na qual as normas do bloco foram interpretadas segundo o conjunto dos princípios da integração para só então estabelecer-se a prevalência de um deles sobre o outro. E esse trabalho interpretativo deve muito de sua metodologia ao sistema desenvolvido na tradição da Common Law.