Artigo 12 Maristela Basso

As Fontes Jurídicas  do Mercosul

Maristela Basso
Professora Livre-Docente de Direito Internacional
da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo - USP
(Largo São Francisco)

  
1.  O Direito do Mercosul

Mais uma vez volto ao estudo das fontes do direito do Mercosul, haja vista a evolução e o desenvolvimento que temos presenciado nos últimos anos. O Tratado de Assunção de 1991 , como é sabido,  não enumerou as fontes do Direito do Mercosul e também não estabeleceu a hierarquia entre as diversas normas que integram seu ordenamento jurídico.  

Contudo, desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção, e mesmo antes dos aperfeiçoamentos introduzidos pelos documentos que se seguiram, começamos a trabalhar numa primeira classificação do Direito do Mercosul em: (a) direito originário ou primário (constante do Tratado de Assunção e seus Anexos), e (b) direito derivado ou secundário (decorrente das Decisões do Conselho do Mercado Comum e das Resoluções do Grupo do Mercado Comum - arts. 10,13 e  16 do Tratado de Assunção).

O Protocolo de Brasília Para a Solução de Controvérsias , que se seguiu, enumerou as fontes a serem observadas pelo Tribunal Arbitral "Ad Hoc" quando chamado a decidir uma controvérsia, são elas, de acordo com o art. 19: "(1) as disposições do Tratado de Assunção, os acordos celebrados no âmbito do mesmo, as decisões do Conselho do Mercado Comum, as resoluções do Grupo Mercado Comum, bem como os princípios e disposições de direito internacional aplicáveis na matéria; (2) o Tribunal tem a faculdade de decidir uma controvérsia "ex aequo et bono", se as partes assim o convierem".

Como se vê, o Protocolo de Brasília estabeleceu a hierarquia normativa do Direito do Mercosul a ser observado pelos Tribunais Arbitrais "Ad Hoc".. Porém, se de um lado se fixou a hierarquia a ser seguida pelos Tribunais Arbitrais, de outro, como observou Miguel Ekmekdjian, os demais órgãos do Mercosul ficaram "huérfanos de una disposición que señalara los diferentes niveles de jerarquía normativa" .

O Protocolo de Ouro Preto, de 1994, consagrou o Capítulo V às "Fontes Jurídicas do Mercosul". De acordo com o seu art. 41, as fontes são:

"I. O Tratado de Assunção, seus protocolos e os instrumentos adicionais ou complementares;
II. Os acordos celebrados no âmbito do Tratado de Assunção e seus protocolos;
III. As Decisões do Conselho do Mercado Comum, as Resoluções do Grupo Mercado Comum e as Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, adotadas desde a entrada em vigor do Tratado de Assunção."

Essa enumeração não é taxativa, mas meramente enunciativa , o que eqüivale a dizer que ao examinarmos o ordenamento jurídico do Mercosul podemos recorrer também, por exemplo, aos princípios gerais de direito internacional e de direito da integração,  aos laudos arbitrais proferidos pelos tribunais arbitrais "ad hoc", assim como à doutrina, aos princípios gerais de direito comuns aos ordenamentos nacionais, aos costumes,  etc.

Mais recentemente, o Protocolo de Olivos, celebrado em 18 de fevereiro deste ano de 2002,  ainda em fase de aprovação nos parlamentos dos Estados-membros, da mesma forma que os documentos fundacionais que o antecederam, determina em seu art. 34 o "direito aplicável", pelos Tribunais Arbitrais "Ad hoc" e o Tribunal Permanente de Revisão:

"Art. 34
1. Os Tribunais Arbitrais "Ad Hoc" e o Tribunal Permanente de Revisão decidirão a controvérsia com base no Tratado de Assunção, no Protocolo de Ouro Preto, nos protocolos e acordos celebrados no marco do Tratado de Assunção, nas Decisões do Conselho do Mercado Comum, nas Resoluções do Grupo Mercado Comum e nas Diretrizes da Comissão de Comércio do Mercosul, bem como nos princípios e disposições de Direito Internacional aplicáveis à matéria. 
2. A presente disposição não restringe a faculdade dos Tribunais Arbitrais Ad Hoc ou a do Tribunal Permanente de Revisão, quando atue como instância direta e única conforme o disposto no art. 23, de decidir a controvérsia ex aequo et bono, se as partes assim concordarem."

Como se vê, não apenas a estrutura institucional do Mercosul vem se desenvolvendo, desde a celebração do Tratado de Assunção,  como também seu arcabouço jurídico, tanto pela perspectiva interna da organização (seus regulamentos,  atos internos e relação entre os órgãos &mdashinterna; corporis),  quanto pela  perspectiva externa, do direito que vai sendo criado com vistas a construção e consolidação do bloco, conforme passamos a examinar.

2.  Classificação das Fontes Jurídicas

No quadro atual de desenvolvimento do Mercosul, podemos classificar as suas fontes jurídicas da seguinte forma:

a)  Fontes de Direito Originário
b)  Fontes de Direito Derivado
c)  Fontes Complementares.

Examinemos, ainda que em largos traços, cada uma delas.

2.1.   Direito Originário

O Direito Originário (ou primário) compreende o Tratado de Assunção, seus protocolos e Anexos, assim como os Protocolos de Brasília,  e de Ouro Preto (em breve se somará a esses o Protocolo de Olivos).

O Tratado de Assunção é um tratado "marco-fundacional" que contém regras de (a) caráter pragmático, na medida em que foram e devem ainda ser implementadas e desenvolvidas pelos órgãos do Tratado, inicialmente, e hoje da Organização Mercosul, os quais receberam competência normativa (Conselho e Grupo Mercado Comum, inicialmente), bem como (b) normas de caráter obrigatório, dirigidas aos Estados partes, como, por exemplo, os arts. 4o e 7o  .  

2.2.   Direito Derivado

O Direito Derivado (ou secundário) pode ser dividido em "atos típicos e atípicos", sendo que estes últimos ainda podem ser subdivididos em "atos internos e sui generis".
Debrucemo-nos por alguns instantes sobre as suas especificidades.
 
a)  Atos Típicos

Podemos considerar como  "atos típicos" as "decisões do Conselho, as resoluções do Grupo e as diretrizes e propostas da Comissão de Comércio", conforme disposto no art. 41,III, do Protocolo de Ouro Preto.

O Protocolo de Ouro Preto não define o alcance e as caraterísticas desses atos normativos, limitando-se a determinar a competência normativa de cada órgão (atos típicos) e a hierarquia entre eles, isto é, o Conselho dita "decisões", o Grupo, "resoluções", e a Comissão de Comércio, "diretrizes". As "resoluções" e "diretrizes" têm um nível inferior e se destinam, geralmente, a desenvolver e executar as "decisões" do Conselho.      

b)  Atos Atípicos

Os atos atípicos são aqueles que não estão enumerados no art. 41 do Protocolo de Ouro Preto, e compreendem aqueles que têm efeitos meramente interno (atos internos) e outros que pela sua natureza podem ser considerados sui generis.

Na categoria dos atos internos podemos incluir (a) os relacionados à organização e funcionamento das instituições e órgãos do Mercosul, como, por exemplo, os regulamentos internos; (b) os projetos normativos preparatórios, como as propostas de decisões do Grupo ao Conselho; as propostas da Comissão de Comércio ao Grupo; as recomendações da Comissão Parlamentar Conjunta ao Conselho por intermédio do Grupo  e as recomendações do Foro Consultivo Econômico-Social ao Grupo .

Dentre os atos considerados "sui generis" podemos elencar os programas de trabalho ou de ação que o Conselho e o Grupo podem elaborar , bem como os informes e prestações de contas. Também se incluem nessa categoria, os informes e prestações de contas da Secretaria Administrativa ao Grupo .

2.3.  Fontes Complementares

Como dito acima, as fontes enumeradas pelo Protocolo de Ouro Preto (art. 41) e o art. 34 do Protocolo de Olivos não são taxativas, razão pela qual podem ser completadas com outras do direito internacional geral e regional, assim como, principalmente, do direito da integração, da doutrina, dos costumes e das decisões arbitrais e futuro Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul.  

Examinemos algumas dessas fontes com vistas a nos darmos conta da contextura do atual Direito do Mercosul.

a)  Princípios do Direito Internacional Geral e Regional

 A Organização Internacional Mercosul  se submete às regras do direito internacional geral, isto é, ao direito dos tratados, às regras sobre imunidades e privilégios, etc. Observa Luiz Olavo Baptista que "a Carta das Nações Unidas é a base da ordem jurídica internacional contemporânea, estabelecendo os princípios pelos quais se assenta a atuação dos Estados nessa órbita, e em algumas outras matérias de interesse de todo o gênero humano...Vários tratados foram celebrados dentro desse quadro, dos quais os que nos interessam mais de perto são, de um lado, aqueles relativos ao comércio internacional, como os Acordos de Bretton Woods, os da OMC, e a ALADI, e de outro lado, os relativos à atividade diplomática e aos tratados, como as Convenções de Viena" .

O Mercosul também se submete às regras do direito internacional regional latino-americano, em especial aos acordos concluídos pelos Estados-membros entre si, ou seja, os acordos anteriores à vigência do Tratado de Assunção, ou que lhe sejam posteriores mas vinculam a alguns dos membros do Mercosul entre si ou com terceiros países.

Da mesma forma, têm grande importância os Tratados de Montevidéu da ALALC (1960), e da ALADI (1980), assim como os acordos chamados 4+1, que celebrados antes do Protocolo de Ouro Preto, vinculavam os quatro Estados-partes do Tratado de Assunção a outros países.

Os acordos anteriores ao Tratado de Assunção, celebrados pelos quatro Estados-membros, devem se adaptar ao Mercosul, o que eqüivale a dizer que devem ser eliminadas as incompatibilidades e contradições com o Direito do Mercosul.    

b)  Princípios do Direito da Integração

É muito importante a observância dessa fonte complementar, e nela se incluem não apenas os princípios gerais do direito internacional de cooperação, como também os acordos celebrados pelo Mercosul com outros blocos econômicos, países, grupos de países ou organizações internacionais. Estamos nos referindo, por exemplo, ao "Acordo de Cooperação Interinstitucional entre o Mercosul e as Comunidades Européias" (1992); o "Acordo de Associação Entre a União Européia e o Mercosul" (1995);  o "Acordo Marco Sobre Comércio e Investimentos Entre o Mercosul e os Estados Unidos" (1991); o "Acordo de Complementação Econômica Entre o Mercosul e o Chile" (1996) e o "Acordo de Complementação Econômica Entre o Mercosul e a Bolívia" (1997), dentre outros.
Esses acordos, com o reconhecimento da personalidade jurídica do Mercosul a partir do Protocolo de Ouro Preto (art. 34), ficaram subordinados às normas de direito originário, mas prevalecem sobre as de direito derivado.  

No que se refere aos princípios do Direito da Integração aplicados ao Mercosul, são valiosos os laudos arbitrais já proferidos pelos Tribunais arbitrais "Ad Hoc". A análise dos mesmos revela a reflexão aprofundada acerca dos princípios fundamentais sobre os quais deve se assentar a constituição do Mercado Comum do Sul. Dentre eles, destacamos aqueles que serviram de base à decisão dos árbitros no sexto Tribunal Arbitral "Ad hoc" que julgou a controvérsia suscitada pelo Uruguai contra o Brasil acerca da proibição brasileira de importação de pneus recauchutados, cuja decisão foi proferida em 09 de janeiro de 2002 .

Nesse laudo, especificamente, tratou-se de alguns princípios fundamentais, dentre os quais os da limitação da reserva de soberania e da proporcionalidade. Isto porque são freqüentes as práticas dos Estados, que se envolvem em um projeto de cooperação e integração econômica, no sentido de restringir o comércio recíproco ou alterar o fluxo comercial até então existente  por meio de medidas de caráter administrativo, financeiro, cambial ou de qualquer natureza. Como se sabe, as restrições são admitidas excepcionalmente para a proteção de certos bens, elas não são admitidas e lícitas se o bem pode ser protegido de maneira igualmente eficaz por medidas menos restritivas das trocas dentro do bloco e se o bem ou bens já estavam em circulação.

Sem dúvida a reflexão feita nesse laudo, assim como nos anteriores e a  nos que lhe seguem, nos permite hoje ter uma visão mais clara acerca do conteúdo, significado e extensão de certos princípios que são caros ao Mercosul.

O princípio da proporcionalidade não pode ser afastado daquele da reserva de soberania, uma vez que integra a noção mesma de Estado de Direito. Adequação dos meios e a necessidade de intervenção são elementos fundamentais e encontram-se automaticamente incorporados ao ordenamento do Mercosul. Razão  pela qual, restrições  adotadas fora do alcance do art. 50 do Tratado de Montevidéu de 1980 não são admitidas. Neste sentido são oportunas as lições de Roberto Ruiz Diaz Labrano quando afirma que " además las medidas inconsultas o unilaterales adoptadas, como políticas económicas, monetarias y financieras, pueden producir contramedidas por parte de los Estados afectados para balancear o equilibrar la situación produciendo distorsiones. Estas medidas llevan a una situación de imprevisibilidad e inestabilidad que restringe la posibilidad de establecer políticas de cierto alcance" .

Outro princípio importante para o Mercosul e que deve ser referido é o da razoabilidade que eqüivale a dizer que as ações das autoridades dos Estados-membros não podem exceder o necessário para alcançar os objetivos propostos. Em outras palavras, essas ações não podem ser arbitrárias e não podem ferir os princípios da livre circulação. O princípio da razoabilidade deve nortear as ações dos Estados porque naquele está incorporado a segurança jurídica do processo de integração, a proteção dos valores tutelados pelos Tratados fundacionais do Mercosul, assim como a prudência, a causalidade e a proporcionalidade já referidas.
Para Dromi, Ekmekdjian e Rivera, "la razonabilidad de la norma consiste en que elige, entre varias alternativas existentes para resolver el tema planteado, la opción menos perjudicial u onerosa para los particulares involucrados, efectuando una mejor composición de los intereses, respetando siempre — por supuesto — la letra y el espíritu  de la norma superior" .

O princípio da previsibilidade comercial  também deve ser referido. A certeza jurídica,  clareza e objetividade são condições imprescindíveis e regras gerais para as atividades comerciais dos Estados-membros e são elementos essenciais para a confiança no mercado comum. 

Fundamental, sob qualquer perspectiva que se estude os princípios, é a primazia dos princípios políticos sustantivos da integración.

Os princípios aqui expostos da "proporcionalidade", "limitação da reserva de soberania", "razoabilidade" e da "previsibilidade comercial",  fundamentam o Mercado Comum do Sul. São elementos fundamentais da cooperação entre os Estados-membros, da reciprocidade em condições de igualdade, do equilíbrio entre as vantagens e obrigações que decorrem da integração e da formação gradual do mercado compartilhado. Esses princípios compõem o tecido substancial, filosófico e político do Mercosul e prevalecem sobre os direitos internos dos Estados-membros.

O Tratado de Assunção, como bem observou Luiz Olavo Baptista, "consiste em tratado internacional cujo objetivo declarado é a criação de um Mercado Comum (definido de modo vago), e para isso estabelece os procedimentos necessários"  .

Valiosas  e oportunas são as palavras de Belter Garrê Copello quando afirma que " los tratados-marco fijan objetivos comunes a ser concretados en forma evolutiva y mediante programas conjuntos; tienen escasas normas básicas obligatorias; y sus textos contienen sobre todo enunciaciones programáticas, principios genéricos no desarrollados en detalles y orientaciones sobre políticas a seguir. Son esos tratados-marco los utilizados para poner en marcha empresas colectivas como es el caso de los procesos de integración económica" . 
 
c)  Decisões dos Tribunais Arbitrais do Mercosul

Sem dúvida é fonte do Mercosul os laudos dos tribunais arbitrais constituídos de acordo com o Protocolo de Brasília . A tendência no Mercosul é a de que os precedentes se tornem interpretações autênticas dos textos. Reforça esse argumento o fato de que os árbitros indicados pelos Estados-membros, e integrantes das listas de árbitros nacionais, são internacionalistas habituados às arbitragens internacionais.

Até maio de 2002, oito foram os Tribunais Arbitrais "Ad Hoc"  constituídos para apreciar questões trazidas pelas Estados-membros e cada um deles reiterou os princípios e fundamentos do anterior e representa um passo adiante na consolidação do Mercosul e na definição de seu Direito.

Passo importante será a entrada em funcionamento do Tribunal Permanente de Revisão, uma vez aprovado e ratificado o Protocolo de Olivos, o qual reforça o Mercosul, aperfeiçoa o sistema existente e passa a ser a última instância no Sistema de Solução de Controvérsias. As decisões do Tribunal Permanente serão fontes fundamentais do Direito do Mercosul. Sem dúvida, Olivos faz brotar a Organização Mercosul como um todo, fazendo prosperar a continuidade e o aprimoramento do processo de integração regional. Consolida-se, mais uma vez, a vontade política dos países de manter e ampliar seu investimento no bloco e torna-se inquestionável a consciência política multilateral do bloco.    

d)  Jurisprudência dos Tribunais Nacionais

A jurisprudência dos tribunais internos também pode desempenhar papel importante na consolidação do Mercosul e integra o seu Direito. Nesse sentido, merece destaque a Suprema Corte de Justiça Argentina cujas decisões ("Ekmekdjian c/ Sofovich" e os posteriores "Servini de Cubría s/amparo", "Fibraca Constructora S.C.A  c/ Comisión Técnica Mixta de Salto Grande" e o "Cafés La Virginia S.A  s/apelación" ), dentre outros,  formam uma jurisprudência progressista que, certamente, contribuirá para o fortalecimento do Mercosul.

Também, no Brasil, algumas decisões de nossos juízes e tribunais começam a chamar atenção, como, por exemplo, aquela proferida no mandado de segurança impetrado por Leben Representações Comerciais, empresa importadora de laticínios do Rio Grande do Sul, pleiteando o reconhecimento do direito de efetuar importações de leite embalado no Uruguai, similar ao produto nacional, sem o correspondente recolhimento do ICMS, com fundamento no Tratado de Assunção. Nesse caso, o juiz de primeira instância decidiu que a legislação interna não pode dispor em sentido contrário ao Tratado, a menos que esse fosse denunciado. Disse ainda o juiz gaúcho que o tratado é título de direitos subjetivos para os indivíduos .

O Tribunal de Justiça do Estado de  São Paulo, julgando uma ação monitória fundada em documentos redigidos em espanhol, entendeu ser desnecessário a tradução para o português de documentos provenientes dos países membros do Mercosul, frente o Decreto Federal n. 2.067, de 12.11.1996 (DOU de 13.11.96), o qual deu vida efetiva ao Protocolo de Cooperação e Assistência Jurisdicional no Mercosul .
 
e) Princípios Gerais de Direito Comuns aos Estados Membros

Estamos nos referindo àqueles princípios amplamente aceitos e reconhecidos no âmbito dos direitos internos dos Estados-membros do Mercosul como, dentre outros, o da boa-fé nas negociações, o da legalidade e segurança jurídica, o de que os pactos devem ser cumpridos, o do enriquecimento ilícito. A tradição romano-germânica dos Estados-membros faz com que tenhamos uma base jurídica comum e de possível harmonização legislativa .
 
f)  A Doutrina

 É fonte complementar do Direito do Mercosul não apenas os estudos dos especialistas (nacionais e estrangeiros) em direito internacional, como também,  em especial, os estudos de direito da integração.

3.  A Pirâmide Jurídica do Mercosul

Se imaginarmos a pirâmide jurídica do Mercosul, veremos em sua base o direito originário, isto é, seus tratados constitutivos e protocolos adicionais.

Logo depois, encontraremos os acordos celebrados com terceiros países, ou entre os Estados-membros do Mercosul, os quais devem estar em consonância com o Tratado de Assunção e seus documentos complementares.

As normas de direito derivado vêm logo após, e não podem contradizer o direito originário. As decisões do Conselho prevalecem sobre as resoluções do Grupo e estas últimas sobre as diretrizes da Comissão de Comércio.

Finalmente, encontramos os atos atípicos que se submetem aos típicos.

4.  Relações com os Ordenamentos Jurídicos Nacionais

O art. 42 do Protocolo de Ouro Preto determina que "as normas emanadas dos órgãos do Mercosul terão caráter obrigatório e deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país".

Certamente, esta obrigatoriedade deve ser entendida nos limites das competências de cada órgão, de tal forma que as decisões têm maior nível hierárquico.

Contudo, ao aprovar o Protocolo de Ouro Preto, o Congresso Nacional, no Decreto Legislativo 188, deixou claro que: "São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer atos que possam resultar em revisão do referido protocolo, assim como quaisquer atos complementares que, nos termos do art. 49,I da Constituição Federal, acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional".

Dessa forma, entende-se que as normas emanadas do Mercosul que representam encargos econômicos ou obrigações para o patrimônio nacional devem ser objeto de aprovação  pelo Congresso Nacional. Da mesma forma, as normas que ampliam e modificam as estruturas do Mercosul também se submetem a essa condição.
Como se vê, a obrigatoriedade para os Estados-membros, prevista no art. 42 do Protocolo de Ouro Preto, reside na sua implementação. Trata-se, portanto, de obrigação de meio, isto é, existindo os instrumentos legislativos que permitam a sua entrada em vigor no ordenamento jurídico interno, o Poder Executivo tem a obrigação - decorrente do Protocolo de Ouro Preto - de por meio de decretos, colocá-las em vigor imediatamente. Como observou Luiz Olavo Baptista, "poderíamos até mesmo falar em ato regulamentar coletivo ou harmonizado" .

Em maio de 1998, o Supremo Tribunal Federal deixou claro seu entendimento ao afirmar que "o Protocolo de Medidas Cautelares adotado pelo Conselho do Mercado Comum (Mercosul),por ocasião de sua VII Reunião, realizada em Ouro Preto/MG, em dezembro de 1994, embora aprovado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo n. 192/95), não se acha formalmente incorporado ao sistema de direito positivo interno vigente no Brasil, pois, a despeito de já ratificado (instrumento de ratificação depositado em 18/3/97), ainda não foi promulgado, mediante decreto, pelo Presidente da República" (grifos no original) . 

Para Pedro Dallari "na estrutura atual do Mercosul, as deliberações emanadas de suas instâncias não se constituem, por si só, em normas jurídicas em sentido estrito, mas sim em determinações políticas que vinculam os Estados-partes à promoção de adequação nos respectivos ordenamentos jurídicos internos" .

É importante também observar que as normas de direito derivado que possuírem caráter meramente administrativo, ou executivo, não interferindo na ordem pública do ordenamento interno, não precisam passar pelo procedimento de aprovação previstos pelas legislações de cada país, como, por exemplo, a Dec. N. 03/91 que fixou os "Termos de Referência Para os Acordos Setoriais".

Como se vê, o Direito do Mercosul está em formação e sua pirâmide em constante evolução.

A importância desse tema fica clara quando começamos a ver as discussões suscitadas em nossos tribunais e as primeiras decisões envolvendo o direito dos indivíduos frente a esse novo arcabouço jurídico. Contudo, somente o tempo poderá revelar se o atual Direito do Mercosul é suficientemente sólido e adequado para estimular e fortalecer suas instituições.