Artigo 08 Liliam Chagas

A CONSOLIDAÇÃO DA ARBITRAGEM NO MERCOSUL:
o sistema de solução de controvérsias após oito laudos arbitrais

Liliam Chagas de Moura
Diplomata na Divisão do Mercado Comum do Sul,
Ministério das Relações Exteriores do Brasil

   

Este texto busca explicar o mecanismo de solução de controvérsias em vigor no Mercosul, a partir de comentários sobre seu funcionamento e resultados. Com pouco mais de uma década de existência, o sistema criado para resolver as controvérsias entre os quatro países que integram o Mercosul demonstra utilidade e eficácia, consolidando-se paulatinamente como instrumento relevante para o processo de integração regional. No caso do Brasil, o sistema arbitral introduzido pelo Protocolo de Brasília é pioneiro, dada a inexistência de solução de controvérsias no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração e o fato de que, no antigo sistema do GATT, que antecedeu o Entendimento para Solução de Controvérsias da OMC, os pareceres não eram obrigatórios, mas de caráter persuasivo.

Quanto aos aspectos inovadores do Protocolo de Brasília, como a obrigatoriedade do laudo arbitral para os Estados Partes, parecem guardar sintonia com o grande ímpeto político e sentido histórico que cercaram a criação do Mercosul, no início dos anos 90. O grau de determinação política envolvido na criação de um mercado comum sem precedentes no continente sul-americano haveria de comportar um mecanismo que assegurasse o objetivo comum contra eventual afastamento do que fora acordado.

I - Do Tratado de Assunção ao Protocolo de Olivos

O sistema de solução de controvérsias do Mercosul é constituído pelo Protocolo de Brasília (PB), de 1991, e pelo Procedimento Geral de Reclamações perante a Comissão de Comércio do Mercosul, Anexo do Protocolo de Ouro Preto (POP), de 1994. O Tratado de Assunção (TA), em vigor desde 29 de novembro de 1991, estabeleceu (art. 3) um sistema de solução de controvérsia para vigorar durante o período de transição, até 31 de dezembro de 1994. Tratava-se de um esquema simplificado, descrito no Anexo III do TA, que previa solução dos conflitos por meio de negociações diretas. Na impossibilidade de uma solução negociada, a controvérsia poderia ser submetida ao Grupo Mercado Comum (GMC), órgão executivo com capacidade de iniciativa, o qual poderia convocar grupo de especialistas, para assessoramento técnico. Se não fosse alcançada solução nessa fase, a controvérsia seria elevada ao Conselho do Mercado Comum, órgão superior, para as recomendações pertinentes.

Este sistema inicial conheceu apenas uma controvérsia, iniciada pelo Paraguai contra a Argentina, relativa a uma taxa estatística cobrada na importação, e foi resolvida no âmbito do GMC, em abril de 1993, com solução alcançada mediante a assinatura de acordo de cooperação econômica no marco da ALADI.

Os negociadores do Tratado de Assunção vislumbraram a seguinte evolução para a solução de controvérsias no Mercosul: 1º) 120 dias após a entrada em vigor do Tratado os Estados Partes deveriam aprovar um mecanismo de solução de controvérsias para a período de transição (até 31/12/1994); 2º) até o final do período de transição, os Estados Partes deveriam adotar um sistema permanente de solução de controvérsias. O Protocolo de Brasília, portanto, foi negociado e aprovado para vigorar durante o período de transição para a criação de um mercado comum. Relacionado ao fato de o período de transição estar sendo muito mais prolongado do que aquele vislumbrado no TA, o Protocolo de Brasília permanece válido e continuará a ser aplicado até a entrada em vigor plena do Protocolo de Olivos, que o revogará.

O Protocolo de Brasília foi negociado ao longo de 1991 e aprovado na primeira reunião do CMC, realizada em Brasília, em 17 de dezembro de 1991. Foi, portanto, a primeira norma aprovada pelo Mercosul - a Decisão nº 1/91 - e foi objeto de aprovação legislativa nos quatro países, tendo sua vigência iniciada em 16 de julho de 1993, após o depósito do quarto instrumento de ratificação. O procedimento de solução de controvérsias estabelecido serviria para resolver as controvérsias que surgissem sobre a interpretação, a aplicação ou o não cumprimento das disposições contidas no Tratado de Assunção, dos acordos celebrados no âmbito desse, das Decisões do Conselho e das Resoluções do GMC.

A Decisão nº 9/94 do CMC, de agosto de 1994, criou a Comissão de Comércio do Mercosul, novo órgão com capacidade decisória. O Protocolo de Ouro Preto, de 17 de dezembro de 1994, que definiu a estrutura institucional, incluiu as diretrizes aprovadas pela CCM no rol de fontes jurídicas do sistema de solução de controvérsias (art. 43 do POP). Além de ampliar o âmbito de aplicação, o Protocolo de Ouro Preto também confirma o Protocolo de Brasília como norma aplicável para reger as controvérsias entre os sócios.

Na reunião do Conselho do Mercado Comum realizada em Ouro Preto, em dezembro de 1994, os Ministros decidiram fixar a sede dos tribunais arbitrais ad hoc na cidade de Assunção, aprovando, com esse fim, a Decisão nº 28/94. O Regulamento do Protocolo de Brasília foi aprovado somente em dezembro de 1998, pela Decisão nº 17/98 do Conselho.

No contexto da chamada agenda de relançamento do Mercosul, os Governos decidiram aprovar o aperfeiçoamento do Protocolo de Brasília e encomendaram, mediante a Decisão CMC 25/00, de junho de 2000, propostas para regulamentar a fase posterior à emissão do laudo arbitral; critérios para a conformação das listas de especialistas e árbitros; maior estabilidade dos árbitros; alternativas para uma interpretação uniforme das normas e agilização dos procedimentos. As discussões para melhorar o sistema de solução de controvérsias nas direções apontadas acima ocorreram no marco do Grupo Ad Hoc de Assuntos institucionais e, posteriormente, num Grupo de Alto Nível criado pelo GMC para tal fim, instância da qual resultou o Protocolo de Olivos, assim denominado por ter sido aprovado durante a reunião extraordinária do Conselho do Mercado Comum, em 18 de fevereiro de 2002, na Quinta de Olivos, residência oficial do Presidente da República Argentina. As inovações trazidas ao sistema de solução de controvérsias pelo Protocolo de Olivos são amplamente descritas e comentadas em outros artigos dessa coletânea, importando apenas salientar que Olivos não representa a revisão do sistema de solução de controvérsias referida no artigo 44 do Protocolo de Ouro Preto, que encomenda a adoção de um sistema permanente antes de culminar o processo de convergência da tarifa externa comum, prevista para 2006. 

II - O sistema de Solução de Controvérsias do Protocolo de Brasília

O Protocolo de Brasília estabelece um sistema de arbitragem "ad hoc" e contém características clássicas da arbitragem entre Estados - negociações diplomáticas e etapa jurisdicional. Trata-se de solução de controvérsias entre Estados, ou seja, não é diretamente acessível a pessoas físicas ou jurídicas. Quando a controvérsia envolve dois ou mais membros do Mercosul o procedimento será tramitado pelo Capítulo II (negociações diretas) e III (intervenção do GMC), etapas obrigatórias antes de passar ao Capítulo IV, que regulamenta a etapa arbitral, com a constituição de tribunal arbitral ad hoc, criado caso a caso, para resolver as controvérsias abrangidas pelo âmbito de aplicação do Protocolo (interpretação, aplicação ou não cumprimento das normas do Mercosul). Em suma, as controvérsias entre Estados passarão por negociações diretas, intervenção do GMC e, não existindo solução nessas duas fases, após transcorridos os prazos legais, qualquer uma das partes poderá solicitar a constituição de um tribunal arbitral ad hoc.

Quando a controvérsia tiver origem na reclamação de um particular, o Governo do país onde estiver sediado o particular poderá acionar o sistema pela via do Capítulo V do PB (reclamação de particular). Para tanto, deverá determinar a procedência da denúncia de violação de uma norma e a existência ou ameaça de um prejuízo ao particular em questão. As controvérsias originadas em particulares deverão ser sobre medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, um âmbito de aplicação mais restrito, sendo esta uma diferença essencial entre as controvérsias Estado x Estado das controvérsias Particular x Estado. Também os procedimentos diferem: nas controvérsias iniciadas como "reclamação de particulares", o Estado que patrocina a reclamação poderá optar por realizar negociações diretas ou, alternativamente, elevar o caso diretamente ao GMC. Uma vez no GMC, as delegações avaliarão os fundamentos que embasaram a aceitação da reclamação por um dos Estados Partes, a qual somente será rejeitada pelo GMC se houver consenso nesse sentido (regra do consenso negativo). Se a mesma não for rejeitada, o GMC convocará de imediato um grupo de especialistas, responsável por emitir um parecer sobre a procedência da reclamação no prazo improrrogável de 30 dias. Os três especialistas são escolhidos a partir dos nomes previamente depositados na SAM pelos Estados Partes e um deles não poderá ser nacional dos Estados partes no litígio. Outra distinção relevante diz respeito à previsão de que, no caso dos particulares, deve haver um prejuízo ou ameaça de prejuízo para que o Governo do país onde estiver sediado o particular possa levar o caso à controvérsia.

Se o parecer do Grupo de Especialistas elevado ao GMC concluir pela procedência da reclamação do particular formulada contra um Estado Parte, qualquer outro Estado Parte poderá requerer-lhe a anulação da medida questionada. Se não for atendido em 15 dias, poderá recorrer ao procedimento arbitral estabelecido no Capítulo IV.

A rationale para a submissão de uma controvérsia originada de particular a procedimento distinto daquele previsto para as controvérsias entre Estados seria a de realizar, ao mesmo tempo em que se permite ao particular uma via garantida de expressão de suas dificuldades, uma filtragem, selecionando para arbitragem somente os casos de maior envergadura econômica ou jurídica. Conforme essa fórmula, os problemas enfrentados por apenas uma empresa, por mais legítima que possa ser a reclamação, poderão ser resolvidos a partir de um parecer favorável à empresa por parte do grupo de especialistas, situação que poderá constranger o Estado cuja conduta estiver causando dano à empresa do país vizinho a modificar tal prática, evitando-se, assim, um enfrentamento dos Estados envolvidos perante um tribunal arbitral.

O quadro abaixo apresenta as principais diferenças entre as controvérsias tramitadas pelos Capítulos II e III daquelas iniciadas pelo Capítulo V do Protocolo de Brasília:

Cap. II e III ( entre Estados )

Cap. V ( Reclamação de Particular)

Âmbito de aplicação:

Interpretação, aplicação ou não cumprimento do Tratado de Assunção, acordos, Decisões do CMC, Resoluções do GMC e Diretrizes da CCM

 Negociações diretas

¯ 15 dias

Intervenção do GMC

¯ 30 dias

Procedimento arbitral

Máximo 90 dias

 

Âmbito de aplicação:

Sanção ou aplicação de medidas legais ou administrativas de efeito restritivo, discriminatórias ou de concorrência desleal, em violação do TA, acordos, Decisões do CMC, Resoluções do GMC e Diretrizes da CCM

Apresentação ao Estado Parte

¯ sem prazo

Consultas com o EP demandado

Ou

Elevar diretamente ao GMC

¯ sem prazo

GMC avalia a procedência

¯ 1ª reunião subsequente

Grupo de Especialistas

¯ 30 dias

Parecer ao GMC, pedido de

medidas corretivas

¯ 15 dias

Procedimento arbitral

Máximo 90 dias

Este texto busca explicar o mecanismo de solução de controvérsias em vigor no Mercosul, a partir de comentários sobre seu funcionamento e resultados. Com pouco mais de uma década de existência, o sistema criado para resolver as controvérsias entre os quatro países que integram o Mercosul demonstra utilidade e eficácia, consolidando-se paulatinamente como instrumento relevante para o processo de integração regional. No caso do Brasil, o sistema arbitral introduzido pelo Protocolo de Brasília é pioneiro, dada a inexistência de solução de controvérsias no âmbito da Associação Latino-Americana de Integração e o fato de que, no antigo sistema do GATT, que antecedeu o Entendimento para Solução de Controvérsias da OMC, os pareceres não eram obrigatórios, mas de caráter persuasivo.

a) Negociações diretas

Quando não são iniciadas como reclamação na CCM ou através do Capítulo V do PB, as controvérsias passam necessariamente, como pré-requisito para chegar à fase arbitral, pela etapa de negociações diretas (cap. II) e intervenção do GMC (cap. III), ambas reguladas por prazos fixos, que somente podem ser alterados mediante acordo entre as partes. A existência dos prazos impede a obstrução de uma controvérsia, que poderá seguir à revelia da parte demandada.

As negociações diretas cumprem a dupla função de, por um lado, propiciar oportunidade para, mediante negociação, conciliar interesses conflitantes e resolver o contencioso e, por outro lado, facilitar o conhecimento dos fatos e do embasamento jurídico da queixa. Fica claro, no entanto, a ênfase dada à fase das negociações, já que as partes numa controvérsia "procurarão resolvê-la, antes de tudo, mediante negociações diretas" (art.2). Não há limite para a quantidade de encontros e contatos das partes nesta fase, desde que ocorram dentro do prazo de 15 dias. Este prazo máximo, no entanto, não impede que a parte demandante resolva manter uma controvérsia nesta fase por período mais prolongado. Na prática, se durante uma reunião de "negociações diretas" surgirem alternativas para resolver o contencioso, o demandante poderá aguardar a solução aventada, antes de prosseguir à próxima fase.

Em análise sobre a "obrigação de consultar" no sistema GATT/OMC, Celso Lafer afirma:

"São sempre uma oportunidade para as partes embasarem as avaliações jurídicas de suas posições através de um processo de "intelligence gathering", na dupla acepção que a palavra "intelligence" comporta: a da organização e seleção de informações pertinentes e a da possibilidade de aprender o relevante, para a compreensão de uma situação que está ensejando um potencial contencioso econômico".

No Mercosul, a fase das "consultas" ou "negociações diretas" constitui etapa prévia à segunda e terceira fase do procedimento e caracteriza-se por uma "obrigação de fazer".

b) Intervenção do GMC

O GMC é o órgão executivo do Mercosul, integrado por delegações governamentais dos quatro Estados Partes, com capacidade decisória. O GMC aprova Resoluções e todas suas decisões são tomadas por consenso. Uma vez realizadas as negociações diretas, na hipótese de não ter havido solução para a controvérsia, a parte demandada poderá submetê-la à consideração do GMC, segunda etapa formal do procedimento de solução de controvérsias. O Regulamento do Protocolo de Brasília determina que a controvérsia deve ser remetida ao GMC, por escrito, com dez dias de antecedência à realização das reuniões, normalmente duas por semestre.

Nesta fase os demais sócios do Mercosul tomam conhecimento do objeto da controvérsia e podem manifestar posição com relação ao tema. A controvérsia poderá permanecer por até 30 dias sob consideração do GMC, sendo que muitas vezes é necessário convocar uma reunião extraordinária para permitir que o GMC dê por concluída sua intervenção. Uma reunião extraordinária terá que ser convocada pela Presidência Pro Tempore para tratar de controvérsias sempre que um Estado Parte solicitar. Se não há solicitação de reunião extraordinária, a controvérsia entrará na agenda da reunião ordinária subsequente, e terá permanecido de três a quatro meses na fase do GMC.

O GMC tem a faculdade de requerer o assessoramento de especialistas, se assim julgar necessário, os quais serão selecionados da lista de especialistas depositada pelos Estados Partes na sede da SAM. Nesse caso, os custos da assessoria serão divididos pelas partes na controvérsia ou da forma que o GMC determinar. Este procedimento, previsto no artigo 4 do PB, ainda não foi utilizado pelo GMC.

As hipóteses para que uma controvérsia seja resolvida na fase do GMC são duas: a) que o GMC formule, por consenso, recomendações aos Estados Partes na controvérsia visando à solução do conflito (neste caso o país demandado estará admitido a prática de alguma violação, já que participa da decisão); ou b) que durante o período em que a controvérsia permaneça sob análise do GMC haja cessação da violação ou da prática que motivou a controvérsia. Dos casos iniciados até o presente, nenhum deles foi resolvido por recomendação do GMC, o que demonstra a improbabilidade de que um Estado demandado admita violação ou inobservância das regras nesta fase do procedimento, uma vez que, quando a controvérsia chega nesta fase, já ocorreram normalmente diversas tentativas de solução do problema pela via diplomática (que na verdade prosseguem durante a fase de intervenção pelo GMC). No entanto, 38% das controvérsias não avançaram além da etapa do GMC, seja porque foram resolvidas ou porque não houve decisão do demandante de passar à fase arbitral.

A fase de intervenção do GMC configura, junto com a negociação direta que a antecede, etapa política do procedimento de solução de controvérsias, permitindo tempo para que os litigantes busquem uma solução capaz de evitar a fase arbitral. Se, por um lado, nunca há consenso para resolver um caso no GMC, por outro lado esta etapa permite uma maturação das posições e revela como os demais países se posicionam frente ao assunto, situação que poderá levar um Estado a modificar uma conduta que prejudica os sócios. Uma das modificações introduzidas pelo Protocolo de Olivos diz respeito a esta fase, que passará a ser opcional.

c) Procedimento arbitral

A fase arbitral constitui a terceira e última fase do sistema e está regulada no capítulo IV do Protocolo de Brasília. Após concluída a intervenção do GMC, qualquer dos Estados partes na controvérsia poderá solicitar a constituição de um tribunal arbitral ad hoc para analisar a controvérsia. A solicitação é realizada diretamente ao Diretor da Secretaria Administrativa do Mercosul, com cópia ao Coordenador Nacional do GMC do Estado Parte demandado.

O tribunal será constituído por três árbitros, dois indicados por cada uma das partes e um terceiro, que presidirá os trabalhos, escolhido pelas partes de comum acordo dentre os nomes que integram as listas de árbitros registradas na SAM. O procedimento de escolha dos árbitros deverá ocorrer em prazo de 15 dias. Para tanto, cada país do Mercosul indicou uma lista de dez árbitros. Se um país não tiver nomeado seu árbitro no prazo, este será designado pela SAM dentre os nomes da lista desse Estado Parte, pela ordem em que estão listados.

O artigo 12 do PB determina que cada Estado Parte indique uma segunda lista de árbitros, a ser utilizada nos casos em que não há consenso entre as partes para a escolha do terceiro árbitro. Para esse fim, cada Estado Parte indicou quatro nomes, dois seus nacionais e dois estrangeiros, totalizando 16 nomes que poderão ser sorteados para presidir um determinado tribunal. Caso não haja consenso para a escolha do terceiro árbitro, este será definido por sorteio, realizado pela SAM, a pedido de qualquer uma das partes. O tribunal arbitral ad hoc ficará constituído no momento em que o terceiro árbitro aceitar sua designação.

c.1) Os tribunais arbitrais ad hoc

O Protocolo de Brasília determina, em seu artigo 8, como obrigatória o reconhecimento da jurisdição dos tribunais ad hoc constituídos conforme os procedimentos nele definidos, não havendo, portanto, necessidade de acordo especial entre as partes. O PB define qual é o direito aplicável: Tratado de Assunção e seus Protocolos (direito originário) e as normas do Mercosul (direito derivado), admitindo, ainda, a utilização dos princípios e disposições de direito internacional aplicáveis à matéria. O artigo 19.2 prevê explicitamente que, se as partes aceitarem, o tribunal arbitral poderá decidir uma controvérsia por eqüidade, o que ainda não ocorreu.

O Protocolo de Brasília faculta ao tribunal arbitral decidir sobre i) suas regras de procedimento; ii) fixar sua sede em algum dos Estados Partes; iii) ditar medidas provisórias a pedido da parte interessada; iv) prestar esclarecimentos sobre o laudo emitido. O tribunal arbitral deve pronunciar-se por escrito em prazo de 60 dias, prorrogáveis por um prazo máximo de 30 dias. O laudo deve ser adotado por maioria, fundamentado e assinado por todos os árbitros. A votação é confidencial e os membros não poderão fundamentar votos dissidentes.

Os laudos dos tribunais arbitrais são inapeláveis, obrigatórios para os Estados Partes a partir da notificação e terão força de coisa julgada (art.21). Os laudos deverão ser cumpridos em 15 dias, ou no prazo determinado pelo tribunal. Não está previsto recurso sobre o laudo, o qual é definitivo, embora possam ser solicitados esclarecimentos sobre o laudo ou uma interpretação sobre a forma com que o mesmo deverá ser cumprido, nos 15 dias subseqüentes à notificação. O tribunal ad hoc terá que prestar os esclarecimentos solicitados em prazo de 15 dias.

III- Reclamações na Comissão de Comércio do Mercosul

O Protocolo de Ouro Preto previu um instrumento adicional de solução de controvérsias no Mercosul, as reclamações na Comissão de Comércio. A CCM, como visto acima, foi criada em 1994 com a função de assistir o Grupo Mercado Comum e para ser o órgão responsável pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum acordados pelos Estados Partes para o funcionamento da união aduaneira. Dentre as funções definidas no POP, está a de considerar reclamações originadas nos Estados Partes ou em demandas de particulares, quando tratarem de temas em sua área de competência. O texto que regulamenta a apresentação das reclamações está definido no Anexo do Protocolo de Ouro Preto, sob o título "Procedimento Geral para Reclamações perante a Comissão de Comércio do Mercosul".

As reclamações na CCM podem ser apresentadas pelas Seções Nacionais dos Estados Partes, com um mínimo de uma semana de antecedência à realização da reunião. Na reunião em que a reclamação é apresentada, se não for adotada decisão, a CCM remete os antecedentes a um Comitê Técnico, convocado especialmente para analisar a reclamação. O Comitê Técnico tem sido integrado por funcionários governamentais dos quatro Estados Partes, indicados conforme o assunto da reclamação, e tem a função de apresentar um parecer conjunto à CCM, no prazo máximo de 30 dias corridos. Na impossibilidade de um parecer conjunto, as conclusões individuais dos peritos governamentais serão levadas em consideração pela CCM. Na primeira reunião subseqüente ao recebimento do parecer conjunto, ou das conclusões dos peritos, a CCM tratará do tema. Se não for alcançado consenso nesta reunião, a CCM encaminhará os antecedentes ao Grupo Mercado Comum, que deverá pronunciar-se sobre a reclamação no prazo de 30 dias corridos.

Se houver consenso quanto à procedência da reclamação, seja na CCM ou GMC, o Estado reclamado deverá tomar as medidas recomendadas no prazo que for indicado. Se não houver consenso na CCM ou, posteriormente, no GMC, ou se o Estado reclamado não tomar as medidas aprovadas dentro do prazo, o país reclamante poderá recorrer diretamente ao procedimento arbitral previsto no Capítulo IV do Protocolo de Brasília.

Foram apresentadas à CCM, até o presente, um total de 15 reclamações: oito pela Argentina, três pelo Brasil, uma pelo Paraguai e três pelo Uruguai. Das 15 apresentadas, dez haviam sido objeto de consulta na Comissão de Comércio e três evoluíram até chegar ao procedimento arbitral.

O procedimento de reclamações na CCM, além de ser mais apropriado para abrigar contenciosos comerciais relacionados às matérias tratadas na Comissão de Comércio, constitui uma segunda via para a arbitragem, de tramitação mais lenta, pois prevê uma pré-avaliação do contencioso realizada por peritos governamentais em representação dos quatro sócios, e não apenas das partes. Está indicado, ademais, àqueles casos em que o reclamante não está seguro quanto à procedência da reclamação, quanto à existência de uma violação da normativa, caso em que as discussões no Comitê Técnico poderão ser indicativas da potencialidade de êxito numa eventual arbitragem.

Dentre as carências identificadas pelos Estados Partes no procedimento de reclamações na CCM, a principal consiste na inexistência de parâmetros para a forma de apresentação da reclamação à CCM, dando margem à apresentação de casos pouco detalhados, sem cópia da legislação pertinente, prejudicando a apreciação da reclamação no plenário da CCM.

IV — Controvérsias iniciadas pelo Protocolo de Brasília

Desde a entrada em vigência do Protocolo de Brasília, os Estados Partes deram início a 21 controvérsias, três originadas em reclamações de particulares, portanto tramitadas pelo Capítulo V do PB, e 18 iniciadas por negociações diretas (Cap. II). As três controvérsias originadas de particulares foram recepcionadas pelo Governo do Uruguai: setor papeleiro (1996), contra a Argentina; imposto de exportação sobre insumos de cigarros (2001), contra o Brasil; e imposto de importação intrazona (2001), contra o Paraguai. Nos três casos o GMC constituiu Grupo de Especialistas para emitir parecer sobre a procedência da reclamação: no primeiro caso o Grupo referendou a solução encontrada pelas partes e no segundo e no terceiro caso os pareceres dos especialistas concluíram pela procedência da reclamação.

A análise do desenvolvimento das 21 controvérsias propicia algumas conclusões:

A Argentina foi o país que mais iniciou controvérsias, com nove, seguida pelo Uruguai, com seis; o Brasil, com quatro e o Paraguai, com duas;

O Brasil foi o país mais demandado nas controvérsias, com nove, seguido pela Argentina, demandada em seis; o Uruguai, em três e o Paraguai, em duas;

Nove, das 21 controvérsias, chegaram à arbitragem (43%);

Oito controvérsias não tiveram seguimento após à intervenção do GMC (38%);

Em dois casos foi solicitada a constituição de tribunal arbitral, mas não houve designação dos árbitros (10%);

Dois casos foram resolvidos antes da fase arbitral (10%);

Os temas tratados em sete controvérsias foram objeto de consultas na Comissão de Comércio (33%);

Seis casos tiveram início como Reclamação na Comissão de Comércio (29%), ou seja, das 15 reclamações já apresentadas, seis evoluíram até a solicitação de arbitragem, das quais três foram objeto de tribunais ad hoc.

a) Controvérsias que chegaram à fase arbitral

Passaram-se oito anos entre a aprovação do Protocolo de Brasília e a realização da primeira arbitragem no Mercosul. Dentre as razões que poderiam justificar esse longo período sem que os Estados Partes tenham lançado mão do recurso arbitral ao seu dispor pareceria relevante ressaltar razões de natureza política, no sentido de que os Estados Partes concentraram esforços, nos primeiros anos da integração, no estreitamento dos vínculos e à negociação das regras que regeriam o espaço econômico ampliado. Em um segundo momento, à medida que o Mercosul produziu volume considerável de normas obrigatórias e que o livre comércio entre os quatro países quintuplicou o intercâmbio comercial intrazona, começaram a surgir os contenciosos na área comercial, e o recurso ao sistema de solução de controvérsias passou a ser uma opção natural e segura de resolver os conflitos.

O quadro a seguir apresenta as oito controvérsias que ensejaram a constituição de tribunais arbritrais ad hoc conforme os procedimentos do Protocolo de Brasília. 

Casos

Partes

Duração

Da arbitragem

Árbitros

Decisão

Pedido de esclareci-

mento

Cumprimento do laudo

Comunicados

Decex 37/97 e 7/98 (licenciamento de importações)

 

 

Argentina

X

Brasil

04/11/1998 a

28/04/1999:

5 meses,

24 dias

Guillermo Michelson Irusta

João Grandino Rodas

Juan Carlos Blanco

( Presidente )

 

Laudo de 28/04/99.

Decisão:

- Licenciamento automático é permitido, sem significar entraves ao comércio.

- Licençiamento não- automático somente se amparado no Art. 50 do TM 1980.

- Prazo até 31/12/99 para retirada das LNAs não justificadas pelo Art.50 do TM 80.

 

Brasil notificou a Argentina, em 05/01/2002, a realização de modificações nas exigências de licenciamento não automático, no âmbito do SISCOMEX, para as importações provenientes dos países do Mercosul.

Subsídios à produção e exportação de carne de porco

 

 

 

 

 

Argentina

X

Brasil

 

 

 

 

 

 

15/07/1998 a

27/09/1999:

1,2 ano

 

Atilio Aníbal Alterini

Luiz Olavo Baptista

Jorge Peirano Basso

(Presidente)

Laudo em 27/09/99:

- Não considera subsídios os mecanismos questionados (regulação de estoques públicos, ACC,ACE).

- Financiamento do PROEX somente nas exportações de bens de capital para o Mercosul.

Argentina solicita esclarecimen-tos em 13/10/99

TA presta os esclarecimen-tos em 27/10/99

Decisão não ensejou modificações na legislação brasileira.

Aplicação de medida de salvaguarda a produtos têxteis

Brasil

X

Argentina

 

 

 

 

 

 

 

 

13/10/1999 a

10/03/2000:

4 meses, 25 dias

José Carlos de Magalhães

Raúl E. Vinuesa

Gary N. Horlick

(Presidente — EUA)

Laudo em 10/03/2000.

Considerou que a Resolução 861/99 do Ministério da Economia, Obras e Serviços Públicos da Argentina não é compatível com o Anexo IV do Tratado de Assunção nem com a normativa Mercosul em vigor. Prazo de 15 dias para adequar a legislação.

Argentina pede esclarecimento em 23/03/2000.

 

TA presta esclarecimentos em 7/04/2000.

Argentina revogou a medida de salvaguarda mediante a publicação da Resolução ME 265/00, em 13/04/2000.

Aplicação de direitos antidumping às exportações brasileiras de frangos inteiros

Resolução Nº 574/2000 do Ministério da República Argentina

Brasil

X

Argentina

24/01/2001 a

21/05/2001:

3 meses, 27 dias

Tércio Sampaio Ferraz Júnior

Enrique Carlos Barreira

Juan Carlos Blanco

(Presidente)

Laudo em 21/05/2001:

-Não há normas específicas vigentes no Mercosul que regulem o antidumping no comércio intrazona.

- O procedimento referido na Resolução 574/2000 não constitui descumprimento da regra de livre circulação de bens no Mercosul.

Brasil solicita esclarecimen-to do laudo em 5/06/2001

 

TA presta esclarecimen-to em 18/06/2001

Decisão não ensejou modificações na legislação argentina.

 

Restrições ao acesso ao mercado argentino de bicicletas de origem uruguaia

 

 

Uruguai

X

Argentina

17/05/2001 a

29/09/2001:

4 meses,12 dias

Ricardo Olivera Garcia

Atilio Aníbal Alterini

Luís Martí Mingarro

(Presidente &mdashEspanha;)

escolhido por sorteio

Laudo em 29/09/01.

- A Resolução argentina, de 23/01/01, que aplica tratamento de extrazona às bicicletas uruguaias infringe a normativa Mercosul.

- Argentina deve permitir o livre acesso, com tratamento de intrazona, às bicicletas exportadas pela empresa Motociclo S.A que tenham certificado de origem Mercosul.

Argentina e Uruguai solicitaram esclarecimen-

do laudo.

Argentina cumpriu o laudo mediante a publicação da Instrução Geral AFIP 96/01, de 16/11/2001.

Obstáculos ao ingresso de produtos fitossanitários argentinos no mercado brasileiro. Não incorporação das Resoluções GMC Nºs 48/96, 87/96, 149/96, 156/96 e 71/98, que impede sua entrada em vigor no Mercosul.

Argentina

X

Brasil

 

14/11/2001 a

19/04/2002:

5 meses, 5 dias

Héctor Masnatta

Guido Fernando Silva Soares

Ricardo Olivera Garcia

(Presidente)

Laudo em 19/04/2002.

- Existe descumprimento por parte do Brasil da obrigação de incorporar as Resoluções do GMC ao seu ordenamento jurídico interno.

- Brasil deverá incorporar as Resoluções em um prazo máximo de 120 dias.

 

O Brasil incorporou as referidas Resoluções por meio do Decreto nº 4.074, publicado em 8/01/2002, e Instrução Normativa Interministerial nº 49, de 20/08/2002.

 

Proibição de importação de pneumáticos remoldados ("Remolded") procedentes do Uruguai

Uruguai

X

Brasil

27/08/2001 a

09/01/2002:

4 meses, 13 dias

 

 

Ronald Herbert

Maristela Basso

Raúl Emilio Vinuesa

(Presidente)

Laudo em 09/01/2002.

  • Considerou a Portaria nº 8/2000 da Secex/MDIC incompatível com a normativa Mercosul.
  • Prazo de 60 dias para cumprir o laudo.
 

O Brasil revogou a proibição de importação de pneus "remoldados", originários dos Estados Partes do Mercosul, mediante a publicação da Portaria Secex nº 2/02, em 11/03/2002.

Aplicação do Imposto específico interno (IMESI) à comercializa-ção de cigarros procedentes do Paraguai

Paraguai

X

Uruguai

01/11/2001 a

21/05/2002:

6 meses, 20 dias

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Evelio Fernández Arevalos

Juan Carlos Blanco

Luiz Olavo Baptista

(Presidente)

Laudo em 21/05/02.

- Decidiu, por unanimidade, que o Uruguai deve cessar os efeitos discriminatórios com relação aos cigarros paraguaios, baseados na condição de país não fronteiriço.

- Decidiu, por maioria, que devem cessar os demais efeitos discriminatórios aplicados por via administrativa com relação aos cigarros paraguaios.

- Prazo de 6 meses para cumprir a decisão.

Paraguai e Uruguai solicitaram esclarecimen-tos em 04/06/02.

TA presta esclarecimento em 19/06/02.

O prazo de 6 meses para cumprimento do laudo expira em 21/11/2002.

A constituição desses oito tribunais arbitrais ad hoc demonstra o êxito do sistema definido no Protocolo de Brasília para a solução de controvérsias no Mercosul. Os tribunais arbitrais estão cumprindo seu papel de resolver os contenciosos levados à sua consideração, produzindo, nesse processo, valioso trabalho de interpretação jurídica independente sobre os direitos e obrigações definidos na normativa regional, e que também funciona como efeito inibidor de condutas unilaterais que ameaçam os objetivos comuns da integração. Nesses oito casos atuaram 16 árbitros, nacionais da Argentina, Brasil, Uruguai e Paraguai, além de dois nomes de extrazona, um norte-americano e um espanhol. Todos os laudos arbitrais emitidos são amplamente fundamentados e revelam a qualidade dos profissionais do direito que aceitaram integrar as listas de árbitros do sistema de solução de controvérsias do Mercosul. As decisões dos tribunais arbitrais foram respeitadas e cumpridas pelos Estados Partes, mais um sinal do reiterado comprometimento dos quatro países com o processo de integração regional em que estão inseridos. Em cinco dos oito casos (62%) a reclamação do país demandante foi considerada procedente, uma foi considerada parcialmente procedente e duas foram consideradas não procedentes. Em seis casos a decisão arbitral provocou a remoção da medida ou alteração de legislação no país demandado. Quanto à duração da fase arbitral, a média, contada a partir da solicitação da arbitragem até a emissão do laudo arbitral, foi de aproximadamente seis meses, sendo que seis dos oito casos tiveram duração inferior a seis meses.

Conforme apontado acima, 43% do total de controvérsias iniciadas pelo Protocolo de Brasília foram objeto de um laudo arbitral. Coincidentemente, essa mesma porcentagem foi revelada em estudo de Robert Hudek e outros (1993), segundo o qual no período de 1948 a 1989 foram apresentadas 207 reclamações no sistema do GATT, das quais 88, ou 43%, foram objeto de decisão de um painel.

b) Ambigüidades procedimentais na fase arbitral

A partir da experiência com esses oito casos arbitrais, surgiram algumas questões que merecem destaque, pois deram margem a condutas e interpretações distintas por parte dos diferentes tribunais ad hoc. Dizem respeito às regras de procedimento dos tribunais, a fixação da sede e da definição do objeto da disputa, questões que o Protocolo de Olivos buscou esclarecer.

O Protocolo de Brasília define que cada tribunal arbitral ad hoc adotará suas regras de procedimentos (art. 15), de forma que nada impede que os procedimentos possam variar nos diferentes tribunais. Embora se verifique uma tendência de repetir as regras adotadas pelos tribunais ad hoc precedentes, não existe obrigação formal nesse sentido e tampouco existem regras modelos a serem observadas. Em dois tribunais ad hoc, por exemplo, os escritos de apresentação e respostas foram apresentados na mesma data, por assim ter sido determinado nas regras de procedimentos, enquanto nos demais casos os argumentos da acusação sempre foram apresentados antes dos da defesa. O conhecimento prévio da forma de atuação dos tribunais, principalmente no tocante a prazos e apresentação de documentos e provas, traria maior previsibilidade em favor das partes em uma controvérsia.

Um segundo tema controverso diz respeito à sede dos tribunais ad hoc. Sobre isto o Protocolo de Brasília, no art. 15, dita que "o Tribunal Arbitral fixará em cada caso sua sede em algum dos Estados Partes". A Decisão nº 28/94 do Conselho determina que "os Tribunais Arbitrais Ad Hoc, a que se refere o Artigo 8 do Protocolo de Brasília, terão como sede a cidade de Assunção. " Os árbitros, no entanto, tendem a interpretar que o Protocolo de Brasília deixa a escolha da sede ao seu arbítrio e têm seguido o Protocolo e não a Decisão. Dos oito casos, três fixaram sua sede em Assunção, três em Montevidéu, um divulgou o laudo na cidade de Colônia, no Uruguai, e outro em São Paulo. A maior parte das audiências com os representantes das partes teve lugar na sede da SAM, em Montevidéu. Há pelo menos duas interpretações sobre o assunto. A primeira delas defende que uma Decisão não modifica um Protocolo, portanto continua válida a liberdade de escolha da sede dos tribunais, pois assim consta no PB. A segunda delas defende que a Decisão 28/94 prevalece sobre o Protocolo de Brasília, interpretação que deriva do artigo 53 do Protocolo de Ouro Preto, o qual revoga todas a disposições do TA que conflitem com o POP ou com as Decisões adotadas durante o período de transição. Se Ouro Preto determina que o teor das Decisões adotadas no período de transição (91/94) prevalece sobre o Tratado de Assunção, as Decisões prevaleceriam também sobre um Protocolo ao TA, como é o Protocolo de Brasília.

Observa-se, ainda, uma nítida preferência dos árbitros por realizarem seus encontros na sede da SAM, em Montevidéu, seja pela localização, seja pelo apoio conferido pelo setor de normativas da Secretaria, que tem entre as suas funções a de prestar apoio aos trabalhos dos tribunais arbitrais ad hoc.

O terceiro ponto a ser destacado diz respeito à definição do objeto da controvérsia. O artigo 28 do Regulamento do Protocolo de Brasília expressa que o objeto das controvérsias ficará determinado pelos textos de apresentação e de sua resposta, não podendo ser ampliado posteriormente. Essa redação, no entanto, ensejou interpretações distintas sobre o momento de definição do objeto da disputa, a partir do qual não mais poderá ser ampliado ou modificado, se é durante o procedimento arbitral ou se durante as etapas anteriores — negociações diretas e GMC, instância na qual já existe entrega de texto escrito. Afinal, se a definição do objeto ocorre somente na última fase do procedimento, as fases ditas "políticas" ficariam esvaziadas de sua importância.

Um comentário final diz respeito à figura do árbitro na solução de controvérsias do Mercosul. Diferentemente do sistema de soluções de controvérsias da OMC, no qual atuam como "painelistas" pessoas com conhecimento e experiência nas regras do comércio internacional, os árbitros do Mercosul devem ser "juristas de reconhecida competência nas matérias que possam ser objeto de controvérsia", qualificação que foi mantida pelo Protocolo de Olivos. Considerando o disposto no art. 15 do Regulamento do PB, de que não poderão atuar como árbitros pessoas que não tenham a necessária independência dos Governos dos Estados Partes, verifica-se outra diferença em relação à OMC, onde é comum a escolha de delegados de missões diplomáticas de membros da OMC para resolver controvérsias entre terceiros países, em função de seus conhecimentos específicos sobre os temas regulados nos acordos multilaterais.

Não há previsão específica, no Protocolo de Brasília ou no seu regulamento, relativa ao período em que um jurista pode permanecer como árbitro, apenas que os Estados Partes podem modificar a qualquer momento os nomes por ele designados, embora essa modificação não possa ocorrer durante a realização de um procedimento arbitral.

No ano em que mais surgiram controvérsias, em 2001, o Grupo Mercado Comum definiu parâmetros para a remuneração dos árbitros e estabeleceu critérios para o reembolso de passagens e diárias. O custo médio de um tribunal arbitral, para cada uma das partes em uma controvérsia, é de aproximadamente de US$ 20 mil dólares. 

V - Conclusão

Embora paradoxal, foi justamente em um período de crise conjuntural no Mercosul, com o surgimento de medidas de efeito restritivo ao comércio ao longo de 1999 e 2000, que o mecanismo de solução de controvérsias ganhou fôlego e credibilidade. Idealizado para oferecer soluções jurídicas quando não for possível uma solução negociada dos conflitos de interesse, o mecanismo regional constituiu instrumento de grande valia, e não seria excessivo afirmar que seu adequado funcionamento ajudou a evitar que a politização dos conflitos comerciais provocasse um retrocesso na união aduaneira. De dimensões e estruturas muito díspares, os sócios do Mercosul transformam-se em iguais no mecanismo de solução de controvérsias, sujeitos a terem condutas modificadas por força de uma sentença arbitral.

Ademais de cumprir o papel para o qual foi criado - de assegurar a observância das regras acordadas - o mecanismo instituído pelo Protocolo de Brasília cumpre outras funções acessórias, não menos importantes, como a de divulgar e consolidar, no âmbito interno de cada país, a dimensão Mercosul na definição das políticas econômicas e comerciais. Além disso, os laudos arbitrais têm suscitado enorme e crescente interesse da comunidade acadêmica, já existindo referência ao Direito do Mercosul como disciplina.

É, sem dúvida, positiva a avaliação que deve ser feita do sistema estabelecido pelo Protocolo de Brasília. Tanto é assim que no momento de negociar modificações, os Estados Partes acordaram aperfeiçoar o que já existe. Com efeito, o ponto de partida para o Protocolo de Olivos foram as disposições do Protocolo de Brasília, algumas das quais mantidas ipsis litteris, e as inovações introduzidas tiveram ampla inspiração nas percepções dos Governos sobre o funcionamento do sistema existente.

O reduzido número de arbitragens concluídas, na média menos de uma por ano desde 1991, precisa ser contextualizado. O fato de nem todas as medidas ilegais gerarem recurso ao Protocolo de Brasília diz mais sobre o Mercosul do que sobre a eficácia do mecanismo de solução de controvérsias. A integração funciona com uma estrutura enxuta de órgãos intergovernamentais, onde as decisões são tomadas por consenso, e com base em estreita cooperação entre os Governos dos quatro países. Todas as condições estão dadas para resolver os problemas pela via da negociação, sem mencionar que a decisão de levar um caso à arbitragem envolve, muitas vezes, considerações de ordem política, dada a importância do relacionamento bilateral entre os sócios do Mercosul. O importante é que, quando um Estado Parte opta por resolver uma questão pela via jurisdicional, a arbitragem existente desempenha seu papel.

Assim como as controvérsias na OMC, os contenciosos comerciais no Mercosul são quase sempre motivo de grande destaque na imprensa e qualquer permanência mais prolongada na esfera pública colabora para a perpetuação de visões equivocadas, como a de que o Mercosul necessita de uma "justiça", de que falta um tribunal supranacional, de que as coisas só se resolvem quando tratadas diretamente pelos Presidentes. Para quem insiste em sustentar que falta ao Mercosul um sistema eficaz de solução de disputas, indica-se a leitura dos oito laudos arbitrais, disponíveis na Internet em português e em espanhol.

Os tribunais arbitrais ad hoc, os árbitros que os integram e os Governos dos Estados Partes fizeram da solução de controvérsias um dos êxitos do Mercosul. Ao enfrentarem com objetividade e determinação as muitas especificidades do processo de integração regional, injetam ânimo construtivo à tentativa pioneira de construir um mercado comum no Cone Sul.