Apresentação

APRESENTAÇÃO 

João Guimarães Rosa, Augusto Roa Bastos, Júlio Cortazar e Mário Benedetti. O que tem de comum estes nomes? Todos são escritores respeitados e conhecidos mundialmente. Também, em comum, provêem  de países do MERCOSUL: Rosa é brasileiro, Roa Bastos, paraguaio, Cortazar, argentino e Benedetti, uruguaio. Todos eles, embora de maneira pessoal,  abordam o mundo, e seus mundos, com a mesma preceptiva de engajamento social, atentos aos dilemas e paradoxos das populações mais pobres. Usam, igualmente, a mesma dicção cáustica de condenação veemente à violência histórica e econômica que desde sempre assola a América Latina.

É com grande satisfação que a Comissão Parlamentar Conjunta do Mercosul, Seção Brasileira, traz à comunidade acadêmica, sempre ávida de referências doutrinárias sobre a integração regional em blocos econômicos e seus porquês, uma valiosa e original coletânea de artigos, versando apreciações críticas sobre as inovações institucionais que se quer implementar  a partir do Protocolo de Olivos, de 18 de fevereiro de 2002, ora em fase de apreciação legislativa no Congresso Nacional.

Pela experiência que temos com o Boletim de Integração e demais publicações especializadas que temos patrocinado, o debate jurídico sobre solução controvérsias é de grande interesse e concerne às mais diversas esferas, atuantes direta ou indiretamente no processo de integração. O empenho com que se tem debatido a institucionalização do Mercosul, não só no Brasil, a partir do caudaloso tema da existência ou não de tribunais e do aperfeiçoamento do aparato jurídico, revela a atenção da sociedade e a da comunidade acadêmica à idéia-matriz da construção de blocos econômicos, entendendo-a e assimilando-a como um projeto histórico irrenunciável. 
    
A publicação que ora trazemos à luz, contendo artigos de  especialistas de temas relativos à solução de controvérsias, direito do comércio internacional e direito internacional público e privado,  redigidos por árbitros da lista brasileira para os tribunais arbitrais "ad hoc" do Mercosul, por funcionários graduados e operadores "in pectore" do processo de integração, proporciona uma visão macroscópica das dificuldades e melindres que os temas tratados suscitam, privilegiando o Mercosul real,  atento aos limites do possível.

Convém sempre enfatizar a importância da forma pela qual se compõem juridicamente os litígios nos blocos econômicos, e, de resto, no próprio sistema de comércio internacional.Cuida-se de fator determinante da segurança jurídica, confiabilidade e previsibilidade de todo o processo, provedor da convivência harmoniosa entre os Estados. A ocorrência de controvérsias comerciais é, ao contrário do que faz parecer a leitura jornalística da  política externa, um dado positivo da vida internacional. Somente blocos econômicos bem sucedidos e que apresentam densidade comercial apreciável costumam conflitar.A ausência de conflitos quer significar, no mais das vezes, também ausência de comércio, sem o qual os blocos perdem a sua própria razão de ser. As relações bilaterais entre Estados Unidos e Canadá demonstram claramente isso, conjugando aliados políticos incondicionais, mas desde sempre veementes contendores comerciais, mesmo em tempos do Nafta. 

Com as mudanças trazidas pelo Protocolo de Olivos, sinaliza-se para o fortalecimento do Mercosul e para uma melhor qualidade institucional. São tempos vitais para que decisões corretas sejam tomadas. No vórtice das negociações sobre o livre comércio hemisférico a que somos obrigados, fortalecer a América Latina e dar-lhe espaço e voz internacionais é premente. É importante frisar, nesse sentido, que apesar de todos os seus percalços, o Mercosul tem sido um instrumento de vital importância para o exercício da política externa "altiva e ativa" como quer o Chanceler Celso Amorim, mudando alguns paradigmas tradicionais de nossas relações com a comunidade internacional.

Céticos que somos sobre os bons propósitos de países hegemônicos, sem o respaldo da história e sem a fiança de líderes que nos inspirem, não há como lucidamente confiar em uma ALCA virtual e virtuosa. Precisamos, isto sim, de mais Mercosul, lembrando que não se trata de um projeto juridicamente incompatível com um eventual projeto de livre comércio continental, do Alasca à Patagônia. Em face da liberalização comercial como tônica do discurso dos países ricos, contrastando com o protecionismo escorchante que praticam, é imprescindível priorizar a América do Sul, definindo em agenda inadiável a integração econômica sub-regional. Bem a propósito, lembra-nos o professor argentino Felix Pena, em artigo publicado in Política Externa, vol. 10, n° 1, jun./jul./ago., 2002, p. 22, que um Mercosul consolidado não é contraditório com a idéia da ALCA. Pelo contrário, pode ser uma condição necessária para o êxito de uma real negociação hemisférica e, sobretudo, para sua legitimação social nos países sócios, pois sem o Mercosul, a idéia de livre comércio hemisférico ficaria mais facilmente exposta aos fortes questionamentos sociais.      
 
A urgência de um Mercosul que possa otimizar seus resultados comerciais, como união aduaneira aperfeiçoada e presente no comércio internacional, fazendo valer sua voz de forma uníssona, em negociações  e na relação com organismos internacionais insensíveis aos valores sociais, corresponde a uma expectativa inadiável. Necessitamos resgatar um pan-americanismo de fato, sem a retórica do discurso pelo discurso, la lluvia de palavras en un desierto de ideias, como tem sido o acervo de fracassos das tentativas de integração abaixo dos trópicos. Um Mercosul que transcenda ao pragmatismo dos números, para também contemplar sua dimensão social, com os olhos na realidade econômica e comercial, mas sem perder de vista a dignidade humana e todos os seus anseios.

A emergência das opções que deveremos fazer em breve, a forma como iremos negociar nossas relações com o mundo,  correspondem a um momento crucial para o futuro de nossos países de literatura fantástica, de deserdados e de sonhadores, ou, na memorável expressão de  outro mercosulino de gênio, Eduardo Galeano, de venas abiertas e desangrantes. Como lembrou o então Senador Roberto Requião, que me antecedeu na Presidência da Seção Brasileira da Comissão do Mercosul, em memorável pronunciamento em plenário do Senado da República, necessitamos estimular o comércio fraterno e solidário, numa visão clara da cidadania latino-americana. Ao invés de concentrarmos soldados nas fronteiras com nossos vizinhos, precisamos de intercâmbio de estudantes, de argentinos, uruguaios e paraguaios presentes como força de trabalho em nosso país, e também de brasileiros trabalhando para o progresso dos países vizinhos.Precisamos nos dar as mãos e demonstrar com clareza  nossa solidariedade. 
                                           
A presente publicação, com o objetivo de trazer ao debate as ingentes  questões suscitadas nos recentes entendimentos formalizados na bucólica Residência Oficial de Olivos, em Buenos Aires, seguramente irá contribuir para o desenlace comumente aceitável de numerosos conflitos comerciais que estão por vir, inevitáveis em um comércio intra-regional que seja abundante, dinâmico e fluido.
 
Com a constituição bem sucedida do Mercosul, é certo que  não só as relações comerciais, mas também as relações culturais e artísticas irão se incrementar.Oxalá, com o aumento da produção e intercâmbio da literatura sul-americana que tanto nos orgulha, de Guimarães Rosa, Roa Bastos, Cortazar e Benedetti, tenhamos também no fascinante mundo dos livros, todo um rol de controvérsias, não mais oriundas do comércio de bens e serviços, mas originadas pelo comércio de idéias, indispensáveis à consolidação de nossa identidade comum.