Segundo Painel
SEGUNDO PAINEL - INTERNALIZAÇÃO DAS NORMAS QUE NÃO DEMANDAM APROVAÇÃO LEGISLATIVA — TARDE
O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Rosinha) - Retomamos os trabalhos do seminário. Nesta tarde, o painel tem por título Internacionalização das normas que não demandam aprovação legislativa.
Convido para coordenar os trabalhos deste 2º Painel o Ministro Bruno de Risios Bath, Chefe da Divisão do MERCOSUL do Ministério das Relações Exteriores.
Convido ainda para fazer parte da Mesa o Sr. Valdir Vicente de Barros, Coordenador da Seção Brasileira do Fórum Consultivo Econômico e Social; o Sr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores; o Sr. João Ricardo Carvalho de Souza, Consultor Legislativo da Câmara dos Deputados; e o Dr. Márcio Garcia, Diretor-Adjunto do Departamento de Cooperação Jurídica Internacional do Ministério da Justiça.O SR. COORDENADOR (Bruno de Risios Bath) — Boa tarde. Para mim, é uma grande honra aceitar o convite para ser o moderador deste painel.
Como Chefe da Divisão do MERCOSUL do Itamaraty, tenho a incumbência de tratar do dia-a-dia das questões ligadas ao MERCOSUL. Todavia, por falta de tempo, tenho tido poucas oportunidades de participar de discussões mais aprofundadas sobre temas que têm implicações de mais longo prazo e, de certa forma, de natureza mais estratégica. Para mim, esta é uma excelente oportunidade. Estou certo de que aprenderei muito aqui.
Sem mais delongas, passo a palavra ao Dr. Valdir Vicente de Barros, Coordenador do Fórum Consultivo Econômico e Social.1. O Papel do Foro Consultivo Econômico-Social do MERCOSUL e seu Funcionamento
O SR. VALDIR VICENTE DE BARROS - Prezadas autoridades da Mesa, senhoras e senhores, primeiramente, gostaria de me apresentar: sou o Coordenador do Foro Consultivo, representante dos trabalhadores. O Foro Consultivo Econômico e Social - Seção Brasileira - é composto por dois coordenadores: o representante dos empresários, Dr. Edmundo Pacheco, Presidente da Federação do Comércio de Santa Catarina, e eu, que represento a Confederação Geral dos Trabalhadores, por indicação das centrais sindicais brasileiras.
Esse Foro, na estrutura do MERCOSUL, representa a sociedade civil, discute e apresenta sugestões. A Comissão Parlamentar Conjunta representa o Parlamento no âmbito regional.
A atuação da sociedade civil, especialmente das centrais sindicais e da representação dos empresários, teve papel muito importante quando da criação do MERCOSUL e da assinatura do Tratado de Assunção. Quando foi assinado esse Tratado, os temas dele constantes eram meramente comerciais. Não havia absolutamente nada que se referisse ao social. Não havia sequer um subgrupo que cuidasse dos problemas das relações de trabalho. Houve uma mobilização das centrais sindicais dos países envolvidos, cada uma pressionando os respectivos governos, para que fosse criado um grupo de trabalho que discutisse os problemas sociais e os de relações de trabalho, já que se tratava de um mercado comum.
Essa mobilização provocou a criação do Sub-Grupo 11. Naquela ocasião, só haviam 10 Sub-Grupos. O Sub-Grupo 11 passou, então, a discutir os problemas sociais e de relações de trabalho, nele haviam 08 Comissões, uma das quais cuidava da harmonização das convenções internacionais da OIT, de forma que os países integrantes do MERCOSUL ratificassem as convenções mais importantes. Entretanto, não havia um assento para que a sociedade civil se pronunciasse nas discussões do MERCOSUL.
Quando houve a mudança do perfil do MERCOSUL, com a assinatura do Protocolo de Ouro Preto, foi criado o Foro Consultivo Econômico e Social. Esse Foro tem o papel de se fazer ouvir nos debates do MERCOSUL, visando a sua transformação num verdadeiro mercado comum e não um espaço de discussão de problemas comerciais. Essa integração nada mais é do que a perseguição de um dispositivo da nossa Constituição — art. 4º, parágrafo único — que diz:
"A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações".
A criação do Foro Consultivo Econômico e Social foi estabelecida no Protocolo de Ouro Preto, como havia dito, e assinada pelos Presidentes dos países integrantes do MERCOSUL, em dezembro de 1994, tendo sido definido como órgão de representação dos setores econômicos e sociais e integrado por igual número de representantes de cada Estado Parte — art. 28 do Protocolo de Ouro Preto. O Foro tem função consultiva e se manifestará mediante recomendação ao Grupo Mercado Comum.
O processo de construção do Foro partiu da criação de seções nacionais. O Foro, na verdade, é regional e não discute os problemas isolados de cada país. Ele discute os problemas da sociedade civil do MERCOSUL. Não havia como se formar esse Foro sem a iniciativa da sociedade civil de cada país. Então, foram criadas as seções nacionais, que, em conjunto, formaram o Foro Regional.
A primeira reunião desse Foro deu-se no dia 31 de maio de 1996, quando foram aprovados o Regimento Interno e outros aspectos de seu funcionamento. Por ser parte integrante do MERCOSUL, o Regimento foi homologado pelo Grupo Mercado Comum no mês de junho.
Em outubro desse mesmo ano, o Foro realizou sua primeira plenária, que aprovou o Plano de Trabalho Anual. As seções nacionais se organizaram, formaram o Foro, que elaborou um Regimento Interno, que foi submetido ao Grupo Mercado Comum e aprovado. Então, existe um Regimento que norteia os debates e decisões do Foro.
O Foro é integrado por representantes de entidades empresariais, de trabalhadores e do Terceiro Setor — no nosso caso, os consumidores e representantes de cooperativas — e por sociedades acadêmicas, científicas, organizações não governamentais e outras, com igual número de representantes por país.
De acordo com as definições do Protocolo de Ouro Preto, o Foro manifesta-se por meio de recomendações, quando consultado, e por iniciativa própria, conforme prevê o Regimento. Quando o Foro é consultado, há posições de bancadas que podem ser apresentadas ao GMC. Quando são de iniciativa do Foro, as decisões são por consenso; ou seja, o Foro faz uma recomendação de iniciativa própria por consenso e a envia ao GMC.
Dentre as principais atribuições do Foro, destacam-se as de acompanhar, analisar e avaliar o impacto econômico e social derivado das políticas de integração nas diversas fases de sua implementação nos âmbitos setorial, nacional ou regional. Cabe também ao Foro propor normas e políticas econômicas e sociais em matéria de integração, bem como contribuir para maior participação da sociedade no processo, promovendo a integração do MERCOSUL e difundindo sua dimensão econômica e social.
Têm havido muitas reuniões ordinárias e seminários em diversos países, a fim de que a sociedade participe dos debates do Foro e do MERCOSUL. Os grandes encontros que o Foro proporcionou foram os fronteiriços. Fizemos um encontro na Tríplice Fronteira e outro entre Rivera e Santana do Livramento, onde as entidades de fronteira dele participaram, apresentaram sugestões e expuseram as dificuldades que passaram a enfrentar depois do MERCOSUL.
Havia problemas na fronteira seca entre Rivera e Santana do Livramento. A divisão é uma praça. De um lado, fala-se espanhol; de outro, português. Lá houve problemas de integração devido a regras novas. Isso tudo foi apresentado na ocasião. Há problemas também de transportes; ou seja, uma aduana funciona em determinado horário, enquanto outra, em outro horário. Em determinadas fronteiras, um caminhão com grãos chegava às 17h, quando uma fronteira já havia fechado, enquanto a outra fechava às 16h. Então, ele teria de esperar o dia seguinte para chegar até a outra fronteira. Esses debates foram travados. O pessoal das fronteiras abordavam esses problemas.
Havia também problemas com relação a roubo de automóveis. Roubava-se um carro num lado e se dirigia para o outro. O dono via seu carro roubado, mas não podia fazer nada, pois ele já estava em outro país. Isso foi levado ao Foro pela sociedade civil.
O plenário do Foro é seu principal órgão de decisão e está integrado por 36 delegados, sendo nove de cada país: quatro de trabalhadores, quatro de empregadores e um do terceiro setor. As decisões do Foro têm de ser equilibradas. Não há voto majoritário. Os votos são iguais por bancada. A coordenação administrativa do plenário é exercida pela seção nacional de um país, a cada seis meses.
A Presidência do MERCOSUL é rotativa. Cada país a assume durante seis meses. Então, o Foro também exerce a coordenação regional naquele país onde se estiver exercendo a Presidência do MERCOSUL. O Foro só dispõe do financiamento das organizações que a integram. Cada vez que um membro do Foro Consultivo desloca-se para determinado lugar, sua organização paga todas as despesas. As despesas de secretaria, material e publicações são da responsabilidade das entidades que integram o Foro. Não há um orçamento para o Foro Consultivo.
O Foro, durante seus sete anos de existência, realizou 23 reuniões plenárias ordinárias nas sedes dos países ocupantes da coordenação pro tempore. Também foram realizadas outras reuniões. Haverá agora uma reunião, que não é ordinária, com a Comissão Parlamentar Conjunta no Uruguai, nos dias 8 e 9 de setembro.
Destacamos algumas recomendações que consideramos importantes.
O Foro fez uma recomendação para que o MERCOSUL tivesse posição homogênea nas discussões sobre a ALCA — a Recomendação GMC nº 1. Também fez recomendação sobre barreiras não tarifárias e entraves burocráticos no comércio intraMERCOSUL; sobre negociações do MERCOSUL com os demais países que integram a ALADI — um número muito grande de países; e sobre medidas unilaterais de governos que possam afetar o mercado intrazonas.
O Foro manifestou-se quanto a políticas de promoção de emprego. Com relação ao consumidor, o MERCOSUL criou normas para a sua defesa a nível regional, e o Foro se pronunciou, usando como base o Código de Defesa do Consumidor brasileiro, também se posicionou sobre as relações da União Européia com o MERCOSUL, sobre a transparência e a participação nessas negociações. No ano de 1999, manifestou-se acerca da crise que atingia o MERCOSUL.
O Foro pronunciou-se também com relação à ratificação das Convenções 138 e 182 da OIT, que se referem à proibição de trabalho infantil.
Recomendou a criação de uma Reunião Especializada de Cooperativas, porque considera que as cooperativas na região estão muito desenvolvidas e bem organizadas. O Brasil tem organizações poderosas de cooperativas; por isso, propusemos a criação dessa Reunião Especializada, que foi aceita pelo GMC. As cooperativas discutem seus assuntos no âmbito do MERCOSUL.
Apresentamos também, recomendação no âmbito das negociações MERCOSUL/Chile, outra recomendação sobre a ALCA: (a ALCA II). Com relação a situação atual e futura do MERCOSUL também tomamos posição. Nas negociações entre MERCOSUL e União Européia, propomos uma posição homogênea do MERCOSUL, o que foi muito importante, o exemplo é a posição tomada quanto ao protecionismo europeu na agricultura, o MERCOSUL tem posição fechada. Nos pronunciamos também quanto à criação do Grupo Ad Hoc de Integração Fronteiriça. Sobre fronteiras muito em breve será posto em pratica o Estatuto de Fronteira, que vai garantir o livre trânsito de pessoas nas zonas fronteiriças.
Uma novidade é o programa de consolidação da União Aduaneira, Objetivos 2006. Sobre isso o Foro já se pronunciou.
O Foro reúne-se regularmente com o Grupo Mercado Comum para entre outros assuntos trocar informações sobre negociações intraMERCOSUL e extraMERCOSUL.
No que diz respeito às relações externas, MERCOSUL-União Européia, o Foro desenvolve um programa de cooperação com o Comitê Econômico e Social Europeu — CES, há mais de cinco anos.
Com a Comunidade Andina de Nações — CAN, o Foro também tem mantido contatos. Lá os Conselhos são separados. Há o Conselho Consultivo Laboral Andino e o Conselho Consultivo Empresarial Andino. O Foro usando sua experiencia conseguiu fazer com que esses dois conselhos se reunissem em conjunto. E, hoje, já se discute a criação de um Foro com base no modelo do MERCOSUL.
No que se refere à internalização de normas, é importante que a sociedade tome conhecimento das que foram internalizadas, e quais as que não foram e por que não foram. Existem muitas normas do MERCOSUL que hoje não tem mais sentido. Por exemplo, o Protocolo Multilateral de Seguridade Social. Esse protocolo não foi internalizado e se for, não vai ser cumprido porque não tem mais condições de ser em virtude das reformas nos sistemas de previdência social dos quatro países.
Do nosso ponto de vista o debate sobre a internalização das Normas MERCOSUL deve ser acompanhado pela sociedade. Se a sociedade não acompanhar essa internalização, essas normas tendem ao fracasso.
Isso é mais ou menos o que tínhamos a falar sobre o Foro. Quanto ao MERCOSUL,em geral esperamos uma integração não somente de comércio, mas uma integração de fato onde seja levado em conta a cultura, os costumes da região e que possa haver livre trânsito de pessoas, e de mercadorias, que haja justiça social e que possamos, nos confrontos com outros blocos comerciais disputar em igualdade de condições.
Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Bruno de Risios Bath) - Agradeço a exposição ao Sr. Valdir Vicente de Barros, Coordenador Titular da Seção Brasileira do FCES.
Passo a palavra ao Dr. Antônio Paulo Cachapuz de Medeiros, Consultor Jurídico do Itamaraty, que apresentará o tema "Incorporação Direta das Normas MERCOSUL pelos Ordenamentos Jurídicos dos Estados Partes".