Mecanismo de Consulta Parlamentar
Internalização de Normas no Mercosul
PRIMEIRO PAINEL - Aprovação de Normas pelo Congresso Nacional
3. Mecanismo de Consulta Parlamentar
O SR. DEPUTADO DR. ROSINHA - O nosso Coordenador Eugênio está me dando um tempo bastante elástico. Mas não vou usar todo esse tempo. Serei breve.
Quero falar um pouco da experiência de trabalho no curto espaço em que estou na Comissão do MERCOSUL e sobre o que vejo de dificuldades em uma Comissão como esta, no sentido de internalizar as normas e o papel do Parlamento nesse contexto.
A Maria Cláudia referiu-se à Comissão Parlamentar Conjunta citando o Tratado de Assunção, no seu art. 24, e o Protocolo de Ouro Preto, no seu art. 22, que cria a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL.
A primeira pergunta que se faz é: a criação da Comissão Parlamentar Conjunta partiu da necessidade de os Parlamentos exigirem presença, ou partiu da necessidade de o Poder Executivo dizer que o Legislativo estava presente? Isso faz diferença.
Os Parlamentos são muito ausentes em relação à política internacional nos países do MERCOSUL, porque não há interesse do Parlamentar na política internacional ou não há interesse daquele que pretensamente o Parlamentar representa.
Se formos debater a política internacional com a sociedade, não obteremos eco. Em geral, o eco no meio da população não é a política internacional. São poucos os parlamentares que se preocupam em debater política internacional, até porque ele se torna muito ausente — fazendo um outro discurso — da chamada base de apoio ao Parlamentar. Isso o leva a se afastar da política internacional.
Nos últimos 20 anos, os modelos econômicos adotados, os tratados internacionais assinados, principalmente na Área de Livre Comércio, afetaram diretamente a população. Hoje, qualquer tratado na Área de Livre Comércio tem tudo a ver com a realidade do dia-a-dia de qualquer um de nós ou de qualquer pessoa que vive em algum país. No entanto, isso não leva a despertar o interesse da população pelo deputado ou pelo debate da política internacional. As últimas eleições no Brasil exemplificam isso. Com exceção do presidente Luís Inácio Lula da Silva, fazendo referência ao MERCOSUL, e do então candidato a presidente, José Serra, negando-o, em certo momento do debate, observamos que não é o que repercute em termos de voto.
O Uruguai vive um processo eleitoral que, felizmente, ganhou força nacional no debate da política do MERCOSUL porque a população começou a se envolver no tema. É importante o envolvimento do Parlamento nesse tema. Na questão do MERCOSUL, os Parlamentos estão pouco envolvidos, de uma maneira geral. No caso do Brasil, há um maior interesse, às vezes, de Parlamentares do Sul, pela fronteira e não pelas relações. Há a compreensão de que a integração seria meramente para debater problemas de fronteira e, então, acaba-se exigindo mais desses parlamentares.
Então, por não ter uma demanda popular, por não ter uma demanda institucional, o Parlamento brasileiro hoje tem um papel limitado, eu diria, no âmbito do debate da política internacional. Ele ganha ênfase, ou está ganhando, em um processo cumulativo nos últimos anos, porque nossa capacidade de intervenção ou de mudança de qualquer acordo internacional que passe pelo nosso Parlamento é limitada.
No caso da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL, quando assumi a Presidência, em maio do ano passado, tínhamos cerca de 26 ou 28 acordos para serem analisados, e hoje temos somente quatro. Isso demonstra que, às vezes, a questão da internalização de normas não depende do Parlamento, ou não chega até aqui, ou se chega não é aqui que se demora, até porque, hoje, podemos dizer que temos apenas quatro acordos para serem aprovados, no Senado. Na Câmara, não temos mais nenhum.
Vou explicar essa tramitação. Vejo-a como uma dificuldade para a internalização, porque a nossa Comissão é a primeira a dar um parecer, que recomenda a matéria às demais Comissões, que chama a atenção sobre o mérito e, sobre esse mérito, recomenda aos demais um comportamento. Não podemos dizer, não, arquive-se ou não se arquive.
A partir da nossa Comissão, a matéria passa a ser analisada por outra, e, se a votação for até o final, serão no mínimo sete votações e, no máximo, 11 a 13 votações de um acordo do MERCOSUL. Digo no mínimo sete, porque cada matéria irá passar pela nossa Comissão, pela Comissão de Relações Exteriores, pela Comissão de Constituição e Justiça e pelo Plenário da Câmara. Já são quatro votações. No Senado, passará pela Comissão de Constituição e Justiça, pela Comissão, geralmente, do mérito da matéria, que é a de Relações Exteriores, e depois pelo Plenário do Senado Federal. Aí já são sete votações. Se o tema for referente a transporte, passará pela Comissão de Transportes; se for referente à vigilância sanitária, passará pela Comissão de Saúde. Portanto, acabam acontecendo de sete a 12 votações, no processo de tramitação de uma matéria no Congresso Nacional.
Mesmo com essa situação, o processo de internalização demorado não tem se dado pelo comportamento — pelo menos posso falar a respeito do último ano e meio — do Congresso Nacional. Mas, para viabilizar esse processo, estamos discutindo o mecanismo ao qual a Cláudia Drummond se referiu, que é o mecanismo de consulta.
Elaboramos e assinamos a Disposição nº 02, de 2004, que regulamenta o mecanismo de consulta de maneira mais transparente. Durante o processo de negociação nos Estados Partes, seremos ouvidos, ou seja, o Congresso Nacional de cada Estado Parte será consultado. Se entendermos que há alguma dificuldade em algum setor, passaremos a recomendar como vai se dar a negociação e, inclusive, a participar do processo. Teremos 60 dias para responder a uma consulta feita pelo Poder Executivo, pelos órgãos negociadores. Dada a resposta, após o protocolo ou o acordo ser assinado, teremos, caso seja dito que não há problema, um compromisso de, em 180 dias, aprovar a sua tramitação nos respectivos congressos.
Esse é um mecanismo para que o Congresso Nacional ou os Parlamentos de cada Estado Parte tenham um papel mais relevante no processo negocial, o que hoje não existe.
Hoje, apesar de não haver obrigatoriedade, participamos e somos convidados a participar de todo o processo de negociação dentro do MERCOSUL. O Governo brasileiro não se opõe à presença de parlamentares brasileiros na negociação. Esse é um ponto positivo. O único problema é que é impossível darmos conta de participar de todos os processos, porque a negociação é permanente, e todo dia há um subgrupo ou um grupo negociando no âmbito do MERCOSUL. Então, apesar dessa transparência, tal procedimento é insuficiente para nós, porque é impossível para nós, parlamentares, estarmos em todas as negociações do MERCOSUL.
Então, o mecanismo de consulta pode vir a contribuir para que, indiretamente, o Parlamento brasileiro ou os Parlamentos de cada Estado Parte participem e a sua participação seja fundamental para a incorporação das normas, impedindo que elas fiquem paradas nas gavetas das Comissões.
Um outro ponto que estamos discutindo, que acho pode vir a ajudar no processo de integração - embora não signifique solução, mesmo porque o mecanismo de construção do MERCOSUL não é um mecanismo supranacional - diz respeito ao Parlamento do MERCOSUL. Há um debate hoje bastante avançado sobre o assunto e acredito que em dezembro se assine o acordo de constituição do Parlamento comum.
Estamos distribuindo, para quem quiser, cópia do que foi acordado até o momento, no âmbito dos quatro Estados. É muito aquém do desejo brasileiro. Nosso desejo é de eleições diretas para um Parlamento no âmbito do MERCOSUL, com um mínimo de representatividade, proporcional à população. Era esse o nosso desejo. Não conseguimos isso num primeiro momento, porque os Estados menores acham que, se o fizermos utilizando o critério de proporcionalidade, só o Brasil vai impor o seu desejo. Mas há dispositivos para construirmos uma proporcionalidade mínima, pelo mecanismo de quorum de votação. Podemos estabelecer um quorum qualificado, dando-lhe algumas características, impedindo que os Parlamentares de um único país imponham seu desejo e a sua vontade aos demais.
Essa é uma dificuldade que estamos encontrando, mais uma, porque a primeira é o sufrágio universal. Há certa oposição, hoje, muito mais constatada entre os parlamentares do Uruguai, mas acredito que, com o processo eleitoral em curso naquele país, seja possível mudar essa situação.
A segunda questão é a proporcionalidade, que também encontra muita dificuldade entre os parlamentares uruguaios.
A terceira questão, que estamos propondo, diz respeito à corrente ideológica de voto, como é hoje na União Européia. É apenas um exemplo, um modelo, não se trata de transportarmos diretamente esse modelo para cá. Mas, se desejamos representar minimamente e mesmo que indiretamente a população, há que se ter corrente ideológica na hora de concorrer ao Parlamento, com os liberais de um lado, os chamados social-democratas do outro, os socialistas do outro, os verdes do outro, se assim forem chamados os ambientalistas. Essas correntes ideológicas iriam se autodefinindo.
Com a corrente ideológica e com o sufrágio universal, será possível, inclusive, não se fazer alinhamento direto dos parlamentares por blocos de países, porque o que vai levar à constituição do bloco não será apenas o debate do nacionalismo de determinado país ou de determinada visão ou somente o debate sobre a soberania deste ou daquele país.
Então, como esse Parlamento vai contribuir para a internalização de normas, se ele não vai ter a capacidade e a possibilidade de legislar? Ele vai contribuir no sentido de ser uma instituição a mais onde o debate político vai se dar. Boa parte ou toda a construção de um bloco passa pela vontade política. Se não houver vontade política de se construir esse bloco, não se superam as barreiras legais, ou mesmo as barreiras da necessidade de se construir um novo processo legislativo; não se superam as barreiras econômicas e não se superam, inclusive, as barreiras de criação de identidade.
Se comecei dizendo que, no Brasil, o grande problema é que a população não consegue enxergar a importância do Parlamentar na política externa do País, ao se constituir o Parlamento do MERCOSUL, podemos conseguir, com isso, construir uma identidade política de bloco, porque a população passará a eleger parlamentares e vai fazer debates políticos sobre o processo eleitoral, sobre eleições.
É lógico que se ganha uma referência política, ganha-se uma representatividade política. Essa referência e essa representatividade vão contribuir para a internalização das normas, porque se vai dar em outra instituição, em outro âmbito o debate político sobre todas as normas, acordos e protocolos.
Vejam que, hoje, vivemos um momento importante na conjuntura da América: somos países presidencialistas e todos vivendo uma democracia liberal — não há mais ditadura militar hoje na América do Sul. Isso é importante num processo de debate de integração entre os países, e num processo inclusive de levar a política de integração para dentro dos próprios países.
A dificuldade maior que se apresenta atualmente não é a barreira política, mas a econômica, conforme enxergamos. A macroeconomia hoje tem pouca capacidade de decisão dentro dos próprios países. Vejo que isso também dificulta a internalização de muitas normas, porque a decisão hoje da macroeconomia, dentro dos países da América do Sul, é muito limitada. É pouco o poder de decisão de um governo sobre os rumos econômicos que vai tomar. Ele tem uma dependência econômico-financeira dos grandes países, dos grandes setores financeiros. Às vezes, dependendo do país, não se tem capacidade de decisão nem sobre algumas grandes empresas, ou corporações que mandam mais na economia do que alguns governos.
A internalização de normas, muitas vezes, passa pela própria dificuldade econômica de se fazer isso, até porque a barreira está na economia, ou por insuficiência de capacidade de resolução desse Estado ou pela imposição econômica de grandes corporações ou de outros Estados.
Um exemplo das dificuldades econômicas dentro do processo de integração é o que ocorreu, ainda esta semana, na Argentina, com a visita do Rato - um nome bastante importante do Fundo Monetário Internacional - a Buenos Aires, para negociar. É uma piada, mas o sobrenome do homem é Rato — o que podemos fazer? É o espanhol que representa o Fundo Monetário Internacional na negociação com a Argentina. Então, o Rato, do Fundo Monetário, visitou a Argentina para negociar o processo de dívida daquele país.
As normas emanadas dos acordos do MERCOSUL e que dependem de processos de concessões econômicas ou que dependem, às vezes, de investimentos para serem internalizadas, vivem essa dificuldade.
Dessa forma, o que há de ponto positivo é a democracia liberal na qual vivem os países integrantes do MERCOSUL, e as dificuldades são a macroeconomia e a questão social, bastante grave.
Como vamos internalizar determinadas normas? Eu estive num debate, nesta semana, sobre a questão de contrabando. Há um acordo assinado entre Brasil e Paraguai, de atuação conjunta nessa área, ainda não aprovado pelo Parlamento do Paraguai. Aí começamos a ver em que isso vai repercutir.
Quando comparamos a questão tributária entre os vários países que compõem o MERCOSUL e, principalmente, entre o Brasil e o Paraguai, vemos que no Paraguai há maior liberdade tributária ou uma menor cobrança de tributos. Assim, no momento em que se vai fazer a internalização de algumas normas, equalizar, provavelmente os custos de algumas mercadorias no Paraguai vão subir. Isso vai gerar mais problemas sociais.
A resistência de um governo, às vezes, de internalizar determinadas normas é que o problema social que ele enfrenta pode inclusive agravar-se, porque não temos um mecanismo de macroeconomia suficiente para compensar os problemas internos desse país. Nós teríamos que ter um fundo de compensação, fundo esse que não temos hoje no MERCOSUL. Há um processo em debate, há uma discussão para que possamos ter esse fundo de compensação, ou até um fundo de desenvolvimento, que, hoje, ainda não existe. Vejo isso como uma barreira à internalização de algumas normas. O país, ao aprovar aquela norma, não vai conseguir dar respostas sociais e econômicas àquele setor.
São debates importantes, mas o que nos deixa otimista é a vontade política dos Estados Partes de construir o MERCOSUL. Há também não diria um destino, mas uma exigência histórica ou uma exigência de futuro de construção de blocos, porque hoje é impossível, praticamente, a qualquer país enfrentar sozinho a política econômica no âmbito internacional. Ele vai ter que fazer esse enfrentamento por meio da construção de blocos e acredito que estamos caminhando para um bloco da América do Sul, em passos até rápidos, devido à vontade política, se nos compararmos à União Européia, que levou mais de 50 anos em sua construção, enquanto que nós estamos, praticamente, há dez anos vivendo esse processo. E mesmo na União Européia nem todas as normas são internalizadas: um pouco mais de 10%, mesmo que seja por decisão supranacional. Há algumas dificuldades. Nem tudo é colocado em prática imediatamente, mesmo na União Européia, o que demonstra também as grandes dificuldades por ela enfrentadas.
O Jorge Fontoura levantou o assunto dos subsídios agrícolas na União Européia, que tivemos oportunidade de debater. Eles dizem — e há uma aliança de todas as forças políticas — que não vão abrir mão desses subsídios. Eles viveram grave crise de fome, após a Segunda Guerra Mundial e, para eles, é estratégico ter uma política de segurança alimentar; o subsídio deles funciona como estratégia de segurança alimentar.
No âmbito do nosso bloco, temos também de definir estratégias. Se hoje a nossa estratégia é a construção de um bloco resultante da união dos Países da América do Sul, que considero correta, temos de entender que essa união nos colocará numa certa condição importante, no âmbito mundial, quanto à produção de alimentos e de acesso aos dois oceanos: o Atlântico e o Pacífico. Portanto, há alguma importância estratégica para nós e, justamente por isso, os outros blocos enxergam o que estamos querendo e se opõem violentamente à nossa construção. Há que se levar em consideração, nessa construção e nessa internalização de normas, a oposição das grandes forças políticas do mundo, que não desejam que o bloco sul-americano seja construído.
Esse debate de hoje é importante, porque nos mostra que o obstáculo à internalização de normas não é criado por vontade de alguém. Não é o Parlamento brasileiro nem alguns Parlamentos que não querem votar rapidamente. É que a internalização daquela norma leva setores de determinado Estado Parte a sofrer uma ou outra conseqüência, por falta de políticas maiores. Não há, talvez, falta de vontade de algum burocrata, mas um limite que às vezes os Estados impõem. Nesse debate em Buenos Aires, o Vice-Ministro que representava o Paraguai afirmou que a capacidade do Estado paraguaio — se houvesse algum percentual de medir qual a capacidade do Estado — de intervir naquele país era de 13%, 14%, 15%. Vemos, portanto os limites da capacidade de um Estado de intervir no âmbito geral para internalizar essas normas.
Muito obrigado.