Debates

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O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Antes de passar aos debates, queremos agradecer a alguma pessoas que colaboraram para a realização desse evento: Prof. Osvaldo Della Giustina, adjunto da Secretaria de Representação do Estado do Tocantins; Dra. Enir Guerra, coordenadora do Subgrupo de Saúde, Subgrupo 11; Dra. Sônia Damasceno, assessora desse mesmo subgrupo; Sr. Gonzalo Urriolabeitia, representante da Embaixada da Argentina; Sr. Severino de Sousa Oliveira, representante da OAB-DF; Sra. Susan Elizabeth Martins César, representante da Embaixada do Canadá; Sra. Vitória Gehre e Sr. Sérvulo Moreira, representantes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social; Secretária Márcia Loureiro, do Ministério das Relações Exteriores; Sr. Wilfrido Fernández, membro da lista de árbitros do MERCOSUL pelo Paraguai; Ministra Teresita Gonzáles Díaz, da Embaixada da Argentina.
 Há três pessoas inscritas, peço-lhes que se identifiquem antes de iniciar a intervenção.
 O SR. ANDRÉ BARBOSA - Bom dia. Há 10 anos se discute esse mercado. Sou de origem argentina, mas resido aqui há 25 anos. Dez anos, estamos no 1º grau ainda. Jorge Fontoura falou que talvez tenhamos de derrubar três ou quatro elos, mas ainda vejo o MERCOSUL engatinhando. Há muitas dificuldades, como disseram o Dr. Jorge Fontoura, a Dra. Maria Cláudia Drummond e o Dr. Rosinha, deputado atuante, e vejo que temos 23 medidas engavetadas. O que ocorre? Estamos agindo como tecnocratas e não como técnicos. Vejo que a solução seria deputados, empresários e líderes de todos os países membros passarem seis meses em cada país para aprender as legislações, saber as dificuldades, conhecer os sindicatos e os produtos e não criticarem o processo nos jornais: "Não queremos mais cota tal e tal". Isso é uma coisa inadmissível.
 Estamos acostumados a trabalhar com fax, com documentos enviados, mas não estamos acostumados a passar seis meses em um país para conhecer tudo o que se vai negociar. Estamos acostumados a falar e a contar histórias, mas não a fazer coisas já. Isso fica pendente de assinatura apenas de presidentes, deputados, só técnicos, tecnocratas. Não há algo mais prático, técnico e comercial, executado, sobretaxado, não taxado, livre de isenções. Precisamos abrir as janelas e as portas; não precisamos ser egoístas, mas livres. Estamos acostumados a ouvir: "Independência ou morte", na História, ou: "Hay que endurecer-se pero sin perder la ternura jamás", mas temos que ser mais livres. Ou seja, a moeda  comum para o MERCOSUL pode ser livre como o euro, é um início. Mas temos pequenas coisas que vejo que devemos fazer e saber o que há de retaguarda em cada país para elaborar uma legislação — e não se acostumar a andar de avião daqui para lá e não fazer nada. Para ser técnico e praticante, é preciso ir lá, ficar seis meses para saber tudo, voltar ao país e falar: "Vamos fazer". E cada um faz. Assim, a lei sai, como também o Mercado Comum, como fez a União Européia. Eles falam para nós o seguinte: "Você, quando tirar o chapéu, bota terno e volta". Mas estamos ainda como uns caipiras. Esperamos que haja uma boa solução — com mais cinco anos no 2º grau, para sermos universitários e vendermos nossos produtos.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Peço a V.Sa. que se identifique.
 O SR. ANDRÉ BARBOSA - Meu nome é André Barbosa, ambientalista.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Peço às pessoas que estão inscritas que se identifiquem. Vamos adotar a seguinte sistemática: as intervenções serão feitas em seqüência, a não ser que haja um ponto muito concreto para a intervenção, em seguida a Mesa fará uma apreciação geral das intervenções.
 Com a palavra o Sr. Severino de Sousa Oliveira, Diretor-Tesoureiro da OAB/DF. Ausente.
Concedo a palavra ao Sr. Rogério Calil, representante da UNAFISCO.
 O SR. ROGÉRIO CALIL - Meu nome é Rogério Calil, sou Auditor Fiscal da Receita Federal e Diretor de Defesa Profissional do UNAFISCO Sindical.
 Nossa preocupação maior é quanto à internalização das normas — levantar com muita rapidez as paredes e esquecer das bases. A Dra. Maria Cláudia disse que o problema maior da não incorporação das normas é a questão da insegurança jurídica. Quero amplificar um pouco esse entendimento, dizendo que isso não pode ser analisado somente do ponto de vista de insegurança jurídica nas relações contratuais. Vou ser mais claro. Há outros pontos basilares nessas relações que são as questões fiscais — operação triangular, certificado jurídico, percentual de nacionalização — questões que ainda não estão muito claras. Mas há questões mais básicas que ainda não conseguimos internalizar e dar maior clareza, como segurança fiscal e segurança do fiscal, do agente do Estado, de um modo geral, especialmente nas áreas de integração.
Temos algumas aduanas integradas, especialmente no sul do País; estamos tentando fazer uma no Paraná — já temos no Rio Grande do Sul. Mas existe uma série de questões naquelas zonas que ainda estão indefinidas para os agentes de Estado brasileiros. Por quê? Porque a maioria das nossas zonas de integração está no Estado argentino e lá não existe esse tipo de problema.
No nosso caso, por exemplo, se um agente estatal brasileiro sofre algum atentado numa zona integrada, pela própria natureza da sua função, em que fórum isso vai ser julgado? Trabalhei dois anos e meio em Uruguaiana, divisa com a Argentina. Temos exemplos de apreensões de mercadorias que são classificadas como drogas, proibidas no Brasil, e não são classificadas assim na Argentina. Houve uma apreensão desse tipo de mercadoria na nossa aduana de passagem. E o juiz do país determinou que entregássemos aquela mercadoria — sabemos que ela entrou por outro lugar no momento em que a entregamos. São questão básicas das nossas relações que ainda não resolvemos, com as quais devemos nos preocupar para avançar nas normas contratuais, pois sabemos que têm grande importância.
 Muito obrigado.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Com a palavra o Sr. Sérvulo Vicente Moreira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA.
 O SR. SÉRVULO VICENTE MOREIRA - Obrigado, Dr. Eugênio Arcanjo. Primeiramente quero agradecer aos senhores expositores, porque, confesso, estou surpreso, pois eu não imaginava que o evento trouxesse à baila assuntos que estamos vivenciando e com os quais nos preocupamos.
Vou fazer algumas considerações a respeito desse tema, já que ele me interessa muito. O que me surpreende é o dinamismo do MERCOSUL. Criado em 1991, já tem resultados palpáveis desde 2000, como já foi quantificado. Considero mais importante a parte quantitativa e qualitativa do MERCOSUL, ou seja, a parte microeconômica.
Quero lembrar que a integração se dinamiza segundo a tradição de comércio existente entre os países, ou seja, é um tipo de sociedade. Quanto mais a tradição vai sendo criada numa negociação comercial, mais fácil flui a negociação. Se não há tradição de comércio, então, fica-se numa negociação de lista de produtos etc., haja vista o que aconteceu com a ALALC. E essa tradição leva a uma confiabilidade, a uma aproximação, e até aproximação cultural, como vemos no âmbito do MERCOSUL. Portanto, outras formas de integração nem sempre funcionam.
O MERCOSUL, até onde sei, procurou adaptar, na medida do possível, algumas experiências de sucesso da União Européia. E, desde o início do MERCOSUL, a União Européia já manifestou o interesse, o desejo de participar do MERCOSUL — isso em 1990, à época das negociações.
Quanto a procurarmos imitar a União Européia, essa postura levantada da soberania, uma parte nacional, não concordo com isso. Não vamos fazer uma tentativa e erro, como ocorreu na União Européia. Se estamos apenas aproveitando aquilo que deu certo na União Européia, podemos transportar para o MERCOSUL, importar e usar, e não reinventar a roda. Não é esse nosso interesse. E se temos como queimar etapas, como tem sido feito no MERCOSUL, a meu ver, é fantástico.
Por que insistirmos em coisas que não são tão válidas? Concordo com a posição da Dra. Maria Cláudia Drummond quanto à história da União Européia, que é um referencial para a integração no mundo inteiro, tanto em termos empíricos quanto teóricos. Não adianta pensarmos em outras coisas. Se observarmos a Teoria da Integração, vamos encontrar Wainer, em 1949, e Balassa, em 1962. São estudos baseados na experiência da antiga Comunidade Européia do Carvão e do Aço, chegando ao Mercado Comum Europeu, hoje União Européia.
A construção de um bloco, uma questão levantada pelo Dr. Jorge Fontoura, com a qual não concordo — e não sei se foi isso que ele quis dizer, — começa com a parte jurídica. Entendo que não. Quem leva o bloco para frente é a firma individual. A firma, participando, vai criar necessidades que têm que ser resolvidas pela parte jurídica. Firmas, pessoas, confusões, aquisições, no âmbito do MERCOSUL, vão levar à criação de normas e jurisprudências, ou seja, a parte jurídica. Exemplos nós temos. Criar um bloco só com a parte jurídica não vai funcionar, como a ALALC, criada por decreto. Foi citada a Comunidade Andina, que é o Grupo Andino vestido com outra roupa, também não está funcionando, porque, na verdade, está repetindo o que o Grupo Andino fez.
 Quanto ao que disse o deputado Dr. Rosinha, que a população não participa do processo integracionista do MERCOSUL, parte disso também acontece na União Européia, pelo que sabemos. O que eu gostaria de mencionar, deputado, é que todos os Estados da União participam efetivamente do MERCOSUL. Há um estudo feito, uma pesquisa recente, um levantamento quantitativo, empresa por empresa, com grau de escolaridade dos funcionários, renda, localização, município. Então, todos os Estados da Federação estão participando ativamente do MERCOSUL. Obviamente, começou pelo Sul e depois foi avançando até o Acre. Tenho esse estudo, que foi objeto de muita pesquisa, já foi traduzido. Isso existe e é recente, mostrando a evolução e o grau de participação.
 Então, voltando à população, eu gostaria de saber o que será feito para disseminar o MERCOSUL entre a população, considerando que cada pessoa dentro do bloco é um consumidor em potencial, e que o que se leva em consideração é esse consumidor em potencial.
 Por outro lado, desde o início do MERCOSUL, sinto que há necessidade de formação de administradores do MERCOSUL. Isso é algo que temos que ter em mente, eu acho. Já disse isso em outros fóruns internacionais. Há falta de pessoas habilitadas, não querendo desmerecer ninguém, que possam dar seqüência aos trabalhos do MERCOSUL.
 Quanto a essas normas e seus efeitos, caso não sejam bem analisadas, com o repique que elas têm, como o senhor mencionou com toda propriedade, deputado, ou se o Executivo não for mais dinâmico, como disse a Dra. Maria Cláudia — foi essa a palavra que a senhora usou, não é? —, se não forem bem analisadas, poderão levar mais a um desvio de comércio intra-regional do que à criação de comércio, que é a nossa proposta, que é a proposta do bloco. Obrigado.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - A intervenção do colega do IPEA foi muito interessante. Acho que o IPEA pode ser uma parceria importante, inclusive para a Comissão do MERCOSUL, na elaboração desses estudos.
 Com a palavra o Sr. Wilfrido Fernández, do Paraguai, do Tribunal Arbitral do MERCOSUL.
 O SR. WILFRIDO FERNÁNDEZ - Primeiro, quero parabenizá-los pela qualidade do evento e das apresentações dos oradores. Em segundo lugar, farei um breve comentário e uma breve pergunta.
 Acho que os oradores foram muito felizes e uniformes em asseverar que um dos pontos fracos do MERCOSUL é a carência atual de uma devida e séria institucionalidade. Atualmente, depois de 13 anos de criação da sua estrutura, o MERCOSUL ainda é uma união alfandegária imperfeita, eu diria, ainda bastante imperfeita. Há quatro graus de integração tradicionais, bem clássicos: área de livre comércio, união alfandegária, mercado comum e, finalmente, uma união econômica e monetária. Hoje em dia, os europeus já estão falando em um quinto estágio, que é uma constituição européia.
 Na minha modesta opinião, uma alternativa bem possível para melhorar essa carência de institucionalidade dentro do MERCOSUL é a instauração imediata e bem rápida do princípio da supranacionalidade. E acho, não sei se porque não entendi bem os oradores, que eles não são muito favoráveis à instauração do processo de supranacionalidade. Creio que a Dra. Maria Cláudia disse que a instauração da supranacionalidade, hoje em dia, dentro do MERCOSUL, seria uma fantasia. Talvez eu esteja errado, mas, na minha modesta opinião, a única solução institucional séria e responsável dentro do MERCOSUL para melhorar o estado atual da estrutura é a criação da supranacionalidade.
 Hoje, o Tribunal Arbitral do MERCOSUL, lamentavelmente, ainda não é um órgão supranacional, como acho que já deveria ser. A Comunidade Andina, que, com todo o respeito, dentro do espectro regional, continental e internacional, é um bloco menos importante, política e economicamente falando, que o MERCOSUL, está décadas à frente no que se refere à supranacionalidade e à institucionalidade no processo de integração. O MERCOSUL, lamentavelmente, depois de 13 anos, ainda não pode falar em um Direito comunitário, só pode falar em um modesto Direito de integração, que acabou se desprendendo do Direito internacional clássico.
 Finalmente, a minha pergunta e a minha conclusão: os senhores concordam com a necessidade da supranacionalidade dentro do MERCOSUL ou não concordam? Concordo, como o cavalheiro que me precedeu no uso da palavra, que copiar ou imitar processos da União Européia ou da Comunidade Andina de forma automática não adianta. Mas copiar ou aprender quando lá deu certo é algo positivo.
 Então, essa seria a minha pergunta: gostaria de saber se os senhores concordam ou não com a supranacionalidade dentro do MERCOSUL, como uma possibilidade séria e responsável, um passo à frente dentro de um processo de integração, em que algum dia, em um breve futuro, dentro do MERCOSUL, possa se falar em um Direito comunitário e não somente em um modesto Direito de integração. Muito obrigado.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Obrigado, Sr. Wilfrido. As perguntas serão respondidas logo em seguida, na rodada final de intervenção dos palestrantes.
 Com a palavra o Sr. Otávio Augusto Trindade, do Instituto Rio Branco.
 O SR. OTÁVIO AUGUSTO TRINDADE - Obrigado, Dr. Eugênio. Agradeço aos membros da Mesa as exposições, que, se não tivessem sido tão enriquecedoras, não teriam aceso esse debate tão profundo.
 Tenho uma questão, que diz respeito à possibilidade de vigência imediata de normas do MERCOSUL no Direito brasileiro. Talvez seja uma questão dirigida ao Prof. Jorge Fontoura.
 O art. 42 do Protocolo de Ouro Preto estabelece que essas normas do MERCOSUL têm caráter obrigatório e, quando necessário, deverão ser incorporadas aos ordenamentos internos. A leitura desse artigo sugere que a regra seria a vigência imediata, em razão da expressão "quando necessário".
 Há nove anos, o Conselho Mercado Comum interpretou a matéria de forma mais restritiva, dizendo que essas normas que dispensam aprovação legislativa, que teriam vigência imediata, seriam apenas aquelas que diriam respeito ao funcionamento do bloco.
 Há quem entenda que esse art. 42 autoriza normas do MERCOSUL, cuja matéria seja de competência dos Executivos, como, por exemplo, questões tarifárias, medidas fitossanitárias e outras barreiras. Essas normas que diriam respeito a essas matérias de competência do Executivo poderiam ter vigência imediata, ou seja, após aprovadas no âmbito do MERCOSUL, seriam publicadas diretamente nos diários oficiais. Então, há quem entenda que esse art. 42 permita isso e que não há nada no Direito brasileiro que o impeça, uma vez que o Protocolo de Ouro Preto também foi aprovado pelo Congresso.
 Essa solução não seria um meio termo entre uma "soberanofilia" e uma "eurofilia", porquanto as normas que atingiriam diretamente o indivíduo ainda estariam sujeitas ao Parlamento? Essa a minha pergunta. Obrigado.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Muito obrigado. Essa questão é muito importante e, inclusive, antes de passar a palavra para os oradores, quero chamar a atenção para o painel de hoje à tarde, que irá tratar mais diretamente desse tema. Será um painel super importante, com a presença do Dr. Cachapuz de Medeiros; do Dr. João Ricardo, que é consultor aqui da Câmara; do Dr. Márcio Garcia, do Ministério da Justiça, internacionalista; e do Dr. Valdir Vicente de Barros, Coordenador da Seção Brasileira do Fórum Consultivo Econômico-Social.
 Há uma última pergunta, que foi enviada por escrito. do Pastor Bentílio, da Igreja Batista: como ficam as relações dos trabalhadores dos Correios do Brasil e dos outros países no tocante às normas do MERCOSUL? Eventualmente, se puder haver maior detalhamento da pergunta, a Mesa agradeceria.
 Essas foram as questões apresentadas.
 Não havendo mais pessoas que queiram intervir no debate, vamos passar a palavra aos expositores, na ordem em que se manifestaram, para responder às perguntas.
 Em primeiro lugar, passo a palavra ao Sr. Jorge Fontoura. 
O SR. JORGE FONTOURA - Inicialmente, gostaria de agradecer aos participantes pelas perguntas formuladas, que considero extremamente relevantes. Vou procurar respondê-las num só comentário.
 É muito importante sabermos que o MERCOSUL é a integração dos pobres e que a União Européia é a integração dos ricos. A União Européia tem 23 mil funcionários, 11 mil tradutores. Tem orçamento próprio, fundos comunitários. O MERCOSUL é uma integração única na história da América Latina, porque foi construída a partir de um sistema extremamente flexível, transparente e simples. O Tratado de Roma chega a quase 500 artigos. O Tratado de Assunção tem apenas 24 artigos. Nós construímos um modelo de integração extremamente original na história da América Latina, região onde sempre procuramos complicar as coisas antes que resolvê-las.
 Talvez isso explique o grande sucesso dos primeiros tempos da integração do MERCOSUL, quando os países iam economicamente muito bem, quando nós tivemos um salto no comércio intrazona de três bilhões para 21 bilhões de dólares em poucos anos — e o dinheiro é sempre um bom argumento. Todas as pessoas, naqueles primeiros anos, se convenceram da correção do caminho da integração. Mas isso não mudou a estrutura extremamente flexível, simples, do MERCOSUL, que atendia à história e à geografia, porque a integração é história e geografia. Os europeus têm a sua própria história e a sua própria geografia. A história às vezes pode ser uma interpretação, mas a geografia é sempre e inexoravelmente um fato. Não podemos discutir com ela. E a geografia nos leva a essa realidade de integração intergovernamental, que, atendendo às assimetrias entre os países, cria e utiliza o sistema do Direito Internacional Público clássico, em que tudo é decidido por consenso e unanimidade. Se assim não fosse, estaríamos caminhando talvez num sendeiro muito perigoso de integração, em que as assimetrias viriam à tona.
 E, quando concebemos a possibilidade da supranacionalidade, devemos imaginar que o primeiro mandamento da supranacionalidade é a tomada de decisões por maioria. E seríamos obrigados, então, no nosso pacto, a descobrir qual maioria. Qual seria a maioria aplicável à realidade da integração? Há a diversidade dos países. Há o problema do Brasil com o seu gigantismo, talvez no sentido doentio da palavra, da acumulação da produção industrial, do peso institucional das empresas, do fato de um dos países desse bloco ter 70% do PIB da região, o que causa grandes dificuldades na construção de uma arquitetura de entendimento político, o que os europeus fizeram muito bem.
 Se tivéssemos uma estrutura supranacional, eu me pergunto: o que teria acontecido ao MERCOSUL logo após a desvalorização do real? O que teria acontecido ao MERCOSUL, se nós tivéssemos uma instituição supranacional, no dia seguinte ao das constantes crises que tivemos, temos e teremos nessa realidade política da América Latina, que tão bem conhecemos?
 Em relação ao problema constitucional levantado pelo aluno do Instituto Rio Branco, trata-se evidentemente de um tema de primeira grandeza. A expressão do art. 42 do Protocolo de Ouro Preto, quando necessária, poderia permitir uma série de interpretações, mas a única interpretação efetiva, válida e aplicável à vida real seria a dos tribunais. Se os casos chegassem aos tribunais, seriam estes que iriam decidir em relação a eles — não a comunidade acadêmica. Posso escrever 50 livros, burocratas ou mercocratas poderão fazer uma série de pareceres, porém, na vida real, se esse problema existir, será decidido pelos tribunais. Essa expressão, entendida pelos tribunais brasileiros, seria feita da forma comum: o sistema do controle de constitucionalidade das leis.
Quando imaginamos que uma norma do MERCOSUL não precisa passar pelo Congresso Nacional, estamos apenas imaginando. Mas, se algum operador econômico tiver um prejuízo e for ao Poder Judiciário, este irá aplicar o regime constitucional brasileiro e esse regime está, nesse sentido, previsto. Temos um sistema de Direito positivo, no art. 49, inciso I, que fala do princípio do utilitarismo. Os atos internacionais, usando a expressão mais ampla possível, que gerarem compromissos gravosos, deverão ser objeto de convalidação parlamentar.
Poderíamos imaginar até — e compartilho dessa idéia — que não existe Direito derivado no MERCOSUL. Direito derivado é uma expressão de Direito comunitário europeu. Temos unicamente um Direito de Integração, que é Direito Internacional clássico. E se estamos falando do MERCOSUL e não de sua história - saber por que o MERCOSUL não deu certo como o SELA e como todas as outras experiências frustradas de integração na América Latina -, nós o fazemos justamente pela adoção desse sistema jurídico extremamente parcimonioso e realista na leitura de nossa verdade política.
Apenas um esclarecimento: a construção jurídica a que me referi é a construção institucional. Evidentemente, o Direito é fruto da sociedade. Quando não o é, será um Direito precário. O Direito deve estar nas medidas das necessidades sociais. E o Direito do MERCOSUL hoje, na minha percepção, está na medida das nossas dificuldades como países que vivem uma realidade de América Latina.
Se considerarmos que o Direito é um caudatário da sociedade, evidentemente todos são importantes, e, na integração, a primeira voz é a do cidadão, daquele que participa da vida econômica, que sente as vantagens e benefícios da integração, até porque a integração é feita simplesmente por interesse e conveniência. Por mais que tenhamos um discurso bolivariano, que os europeus façam um discurso de pacifismo, a integração se faz por conveniência e oportunidade. Não se faz integração por filantropia ou por caridade — faz-se integração por interesse político, de agenda externa. Os países fazem integração porque é proibido proibir. O art. 1º do GATT, a cláusula da nação mais favorecida, proíbe que façamos favores no comércio, a não ser que estejamos em blocos econômicos. Por isso, os blocos proliferam, e existem países que estão em blocos e países que querem entrar em blocos.
Quanto a esses problemas pontuais que surgem na integração, como o da segurança fiscal, embora sejam importantíssimos, derivados da cultura dos povos, surgidos na integração, não podemos confundi-los com problemas de fronteira. Os problemas de fronteira devem ser resolvidos com a sua própria temperatura e a sua própria pressão.
A construção de um bloco econômico, na verdade, é um projeto de desconstrução, e, quando desconstruímos, temos muitas dificuldades. Costumo citar o exemplo dos argentinos: se visitarmos a Casa Rosada, veremos que, logo ao lado, existe um prédio muito maior, a Casa do Fisco. Isso é reflexo da história da América Latina. Fomos criados com a idéia de que o comércio é algo ruim, de que o fiscal da fronteira é um sentinela da pátria e está ali para evitar o comércio. Hoje, estamos  num momento completamente diferente. E o próprio Direito internacional, o utilizado para a integração, e é por ele que começa a integração, porque não há outra forma de fazer um bloco econômico senão por um tratado, também vive uma crise de identidade. Precisaria ir ao analista, porque foi historicamente o Direito da construção das fronteiras — aí está a obra do Barão do Rio Branco. Hoje vivemos a contramão desse processo. O Direito é utilizado como instrumento de desconstrução das fronteiras. Esse fato talvez gere essa perplexidade, mas também a riqueza que o debate de integração e de construção de blocos econômicos suscita.
Um último comentário: não acho que o MERCOSUL ainda é uma união aduaneira, mas que já é uma união aduaneira. Com essa união aduaneira, que tem personalidade jurídica, teríamos a possibilidade inclusive de participar mais ativamente da vida internacional. Hoje, juridicamente, o MERCOSUL poderia em tese exercer sua voz de maneira mais firme, por exemplo, na negociação da dívida externa, ou como faz a União Européia — já que é necessário citar a União Européia —, que litiga como personalidade jurídica única na Organização Mundial do Comércio. Quando os pescadores espanhóis tiveram um conflito com os canadenses, como ocorreu recentemente, não se tratava, na OMC, de um conflito entre a Espanha e o Canadá, mas de um conflito entre a União Européia e o Canadá. Quem ganha?
Essa pergunta talvez responda muitas das nossas inquietações. Nós precisamos da integração não para resolver nossos problemas pessoais. Precisamos do bloco econômico para resolver problemas maiores, para resolver problemas de todas as pessoas. E por isso, encerrando, digo que a integração é uma tarefa para estadistas, porque as dificuldades vêm antes. Em geral, entre o ônus e o bônus há uma eleição, e os estadistas são obrigados a explicar a seus eleitores, às pessoas que acreditam neles porque a integração é positiva.
 O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Obrigado, Dr. Jorge Fontoura.
 Tem a palavra a Sra. Maria Cláudia Drummond.
 A SRA. MARIA CLÁUDIA DRUMMOND - Eu também queria agradecer aos participantes pelas perguntas formuladas, que representaram contribuições importantes para o aprofundamento do debate, sem dúvida nenhuma.
Abordo inicialmente a manifestação do Sr. André Barbosa sobre questões, pelo que entendi, que teriam muito a ver com a dimensão econômica e comercial do MERCOSUL. Lembro-me de um debate que se deu neste fim de semana em Montevidéu, ocasião em que o próprio Embaixador Botafogo, um dos artífices do MERCOSUL, dizia que precisamos dimensionar melhor o MERCOSUL de agora em diante em seu aspecto político e social, pois o MERCOSUL não é apenas econômico. Isso é interessante ressaltarmos.
Vejam como evoluíram os instrumentos constitutivos do MERCOSUL. Quando a integração se dava em nível bilateral, entre Argentina e Brasil, a integração era setorial e falava-se em desenvolvimento. O nome do tratado que instituiu essa integração era Tratado de Integração, Cooperação e Desenvolvimento entre Argentina e Brasil, e aí vinham os vários — entre 24 e 26 — protocolos setoriais: trigo, bens de capital etc.
Quando evoluímos para o Tratado de Assunção, a lógica da integração sofreu uma transformação bastante expressiva. Por quê? Porque o Tratado de Assunção usa instrumentos muito mais radicais de abertura de mercado. Não se fala mais em protocolos setoriais. Apenas um artigo do Tratado de Assunção menciona os acordos setoriais como um dos instrumentos da integração. A essência do Tratado de Assunção é a abertura das economias de maneira regular e sustentada, e não fala em desenvolvimento.
 Há realmente uma mudança de rumo na construção da integração a partir do Tratado de Assunção. Não sou somente eu quem diz, outras pessoas também identificaram que há um tom mais neoliberal a partir do Tratado de Assunção. Isso acarreta o que à integração? Acarreta que a integração, ao invés de inserir de uma maneira mais vantajosa os produtos dos quatro países no mercado internacional — o Tratado de Assunção é composto por quatro países — passa a funcionar abrindo os mercados intra-MERCOSUL. Ou seja, o comércio intra-MERCOSUL passa a ter uma dimensão extraordinária. É o que preside toda a integração.
 O que é isso? É concorrência entre os parceiros. Vejam como há, nesse caso, uma incongruência. Os parceiros assim o são numa integração, mas os produtos começam a concorrer entre si. Por isso, ao invés de privilegiarmos uma integração construtiva, retomamos recentemente àquela idéia dos estudos sobre cadeias produtivas. Mas o que deve haver é uma sociedade. Somos sócios; devemos produzir juntos e inserir, de maneira mais competitiva, nossos produtos no mercado internacional. Isso, sim, é uma integração.
 Também não custa lembrar que a União Européia fez isso. Ela começou como integração setorial, com o carvão e o aço. E aqui lembro a pergunta do Sr. Rogério Calil sobre a questão da fiscalização, de discrepância de normas no caso da apreensão da droga. Quando houve problemas internos no CECA — Comunidade Européia de Carvão e Aço, o que se fez? Harmonizaram-se as normas. É uma questão de harmonização de normas.
Logicamente, é mais fácil promover a harmonização de normas por setores — no caso europeu, tratava-se de carvão e aço apenas. E temos de pensar também numa alta autoridade que emita decisões, aliás já aqui mencionada pelo Prof. Jorge Fontoura. Isso, de certa maneira, facilitava a harmonização de normas. Mas não significa que, como não temos um órgão supranacional, não possamos harmonizar nossas leis. Falta um pouco de vontade política. Daria até um exemplo: há uma reforma tributária em curso no Brasil. Não vi ainda ninguém falar na dimensão MERCOSUL dessa reforma. Não ouvi ninguém falar que se deve pensar que estamos num processo de integração ao se considerar essa reforma. Muitas outras leis têm passado pelo Congresso Nacional sem que se faça uma reflexão sobre o fato de que estamos num processo de integração. O mesmo acontece, sem dúvida nenhuma, nos outros países membros, não apenas no Brasil. Falta uma consciência da integração, com certeza.
 É lógico que, ao fazer uma integração por setores, é muito mais fácil se harmonizar as leis e fazer as adaptações necessárias. O nosso projeto, de certa maneira, foi um tanto ambicioso quando pensou em uma integração geral.
Sobre  o que disse o Sr. Sérgio Vicente Moreira, cumprimento-o pelo estudo feito. Vai contribuir muito para o esclarecimento da questão. Esses estudos do IPEA. precisam ser mais bem divulgados, porque temos poucos trabalhos desse tipo.
 O Sr. Sérgio Moreira também disse que a tradição de comércio é construída, mas o MERCOSUL não é só comércio, é muito mais do que isso. O MERCOSUL é infra-estrutura. Hoje se pensa muito na integração energética. Inclusive, essa foi uma das sugestões feitas no seminário em que estive em Montevidéu. Lá, houve muitas novidades que merecem ser mencionadas. Uma delas foi que reproduzíssemos um pouco o modelo europeu, quando elegeu o carvão e o aço para começo da integração. Aqui, deveríamos eleger a integração energética. É disso que precisamos no momento. Trata-se de um setor básico para produção e está causando problemas.
 O SR. SÉRVULO VICENTE MOREIRA - Permita-me. Olhando outro aspecto, é em decorrência do comércio que está havendo essa mudança na infra-estrutura. Foi o mesmo caso da CECA — Comunidade Européia do Carvão e do Aço: em decorrência do comércio é que se muda a infra-estrutura, a parte social etc.
 A SRA. MARIA CLÁUDIA DRUMMOND - Com certeza, porque o comércio impulsiona e se faz mais presente a necessidade dos meios de comunicação, de estradas etc.
 Quanto à intervenção do Dr. Wilfrido Fernández sobre a carência de institucionalidade no MERCOSUL, está se formando uma massa crítica no sentido de que o MERCOSUL como está hoje não responde às necessidades de sua própria institucionalidade. Por isso se pensa e se fala em um Protocolo de Ouro Preto II.
 Não sabemos até que ponto isso vai ser aprofundado, mas, enfim, o fato de os Governos estarem pensando no assunto já é um bom sinal.
Não me coloco, em princípio, contra a supranacionalidade. Diria que há vários tipos de supranacionalidades. Afinal de contas, o que significa supranacionalidade? Por exemplo, em um eventual Parlamento do MERCOSUL, a supranacionalidade seria o quê? O fato de que cada Parlamentar teria um voto e que as representações seriam proporcionais. Se os Parlamentares fossem eleitos por sufrágio universal direto, seria assim um órgão com aspectos de supranacionalidade — embora não vá legislar.
Voltando à metodologia dos pequenos passos da União Européia, talvez não seja o momento de se instalar a supranacionalidade, mas talvez seja o momento, sim — e acho que é —, de se instalar uma visão regional que ainda está ausente no MERCOSUL. Os negociadores — aqueles que tomam as decisões — ainda não estão pensando com uma visão regional, e, sim, em termos nacionais. Essa mudança de mentalidade é um passo em direção à supranacionalidade. É um passo modesto, mas importantíssimo, fundamental numa integração.
Há ainda a pergunta do Pastor Bentílio: como ficam as relações dos trabalhadores dos Correios dos quatro países do MERCOSUL. Não sei se S.Sa. se encontra presente para explicitar melhor a pergunta. Como ainda não é um mercado comum, não há o livre trânsito de fatores de produção. Assim, os trabalhadores ainda não podem cruzar as fronteiras para trabalhar em outro Estado Parte. Nesse caso, também se enquadrariam os trabalhadores dos Correios.
Eram as considerações que tinha a fazer.
Muito obrigado.
O SR. COORDENADOR (Eugênio Arcanjo) - Antes de passar a palavra ao Deputado Dr. Rosinha, agradeço o convite da organização desse evento para estar aqui como mediador deste painel. Estou aqui ao lado de queridos amigos: da Maria Cláudia, do Jorge Fontoura e do deputado Dr. Rosinha, parlamentar que aprendi a admirar pelo dinamismo e companheirismo na Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL.
Mais uma vez, relembro a importância do painel de hoje à tarde, talvez até um pouco mais incisivo em termos das questões técnicas de incorporação de normas do MERCOSUL.
Passo a palavra ao deputado Dr. Rosinha, a quem peço que, após responder as perguntas, encerre os trabalhos.

O SR. PRESIDENTE (Deputado Dr. Rosinha) - Como praticamente tudo foi respondido, vou me ater, inicialmente, à questão dos trabalhadores. Acordo bilateral Brasil e Uruguai já aponta a possibilidade de se trabalhar em qualquer um dos países pela fronteira administrativa — não mais a fronteira geográfica — com documentos fronteiriços, atendendo à saúde, à educação etc.
Com relação à fronteira administrativa, já há um acordo sendo debatido com o Paraguai e o Uruguai, o que facilitará bastante para resolver, por exemplo, questões como a dos trabalhadores dos Correios, aqui levantada.
Há também um acordo assinado — falta ser aprovado pelo Parlamento do Paraguai, para sua entrada em vigor — que diz respeito ao Direito de contar tempo de serviço para efeitos da Previdência Social. A pessoa trabalha um período no Brasil, depois na Argentina, e esse tempo de serviço é contabilizado para fins de Previdência Social.
Repito: o acordo já está assinado, falta apenas a aprovação pelo Parlamento paraguaio. Inclusive, vai haver um sistema informatizado entre Brasil e Argentina para a prestação das informações — atualmente, uma declaração do tempo de serviço prestado demora, às vezes, até dois anos, porque os órgãos responsáveis ficam trocando papéis.
Sobre a questão da supranacionalidade, a princípio, ninguém da Mesa é contra, mas hoje a realidade política e econômica dos Estados Membros impossibilita isso. Como disse o Prof. Jorge Fronteira, houve muitas disputas de fronteiras. Se não me engano, a última foi em 1976, com a Argentina. Ora, se há uma cultura de disputa de fronteira durante décadas e, de repente, isso muda — agora a política não é mais disputar fronteira, mas, sim, eliminar fronteira —, essa mudança não se faz tão rapidamente. É preciso mais tempo e mais debate.
A supranacionalidade é algo que está em construção, mas será algo inevitável nesse processo. E entendo que está em construção porque, se estamos debatendo instituições que vão ter papel mais relevante — como, por exemplo, o próprio tribunal ou o próprio Parlamento —, estamos dando passos importantes rumo à supranacionalidade. Do contrário, não há razão para se dar esses passos.
 Agradecemos novamente a todos a presença, convidando-os para voltar na parte da tarde, quando também haverá um debate muito interessante.
Está encerrada a primeira fase do nosso seminário.