Atuação da Comissão Parlamentar Conjunta na aprovação dos Acordos do Mercosul

Internalização de Normas do Mercosul

PRIMEIRO PAINEL - Aprovação de Normas pelo Congresso Nacional

2. Atuação da Comissão Parlamentar Conjunta na aprovação dos Acordos do MERCOSUL

A SRA. MARIA CLÁUDIA DRUMMOND — Bom-dia a todos. Quero agradecer à Comissão Parlamentar Conjunta, Seção Brasileira, na pessoa do Deputado Dr. Rosinha, pelo convite, e felicitar a Comissão por essa iniciativa de promover debate sobre um tema que representa hoje uma das maiores debilidades do MERCOSUL: a incorporação das normas MERCOSUL aos ordenamentos jurídicos dos Estados Partes.
 Fazendo um contraponto às palavras do meu querido amigo Jorge Fontoura, estarei me referindo à experiência européia, mas sempre tendo em mente que não devemos mimetizar um modelo que difere do nosso e que vem de uma história, motivos e razões bastante diferentes daqueles que motivaram a formação do bloco do MERCOSUL.
 Iniciarei minha apresentação com uma pequena introdução sobre o momento histórico, bastante peculiar, por que está passando, hoje, o MERCOSUL. Com efeito, há vontade política da parte dos governos dos dois maiores integrantes do bloco, Argentina e Brasil, no sentido do aprofundamento das instituições do MERCOSUL. Essa vontade política traduziu-se na proposta de criação de um Parlamento do MERCOSUL, pelos Presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Nestor Kirchner.
 Venho de um seminário recente, em Montevidéu, quando se falou muito em um possível Ouro Preto II, no momento em que o Protocolo de Ouro Preto, que criou a estrutura institucional do MERCOSUL, completa 10 anos.
 De fato, os governos já pensam em um Ouro Preto II, não se sabe se para dezembro próximo, porquanto me parece muito difícil que os Estados Partes logrem negociar uma reforma profunda do Protocolo de Ouro Preto nesse momento. Mas o simples fato de já se falar nessa possibilidade aponta para algum tipo de aprofundamento institucional do MERCOSUL.
 Lembro, neste contexto, que a fragilidade maior do MERCOSUL, a que me referi antes, isto é, a questão do déficit de incorporação de normas, talvez aponte para uma disfunção das instituições, tais como elas estão hoje. Não diria que necessitamos de instituições supranacionais neste momento, porque as próprias bases conceituais sobre as quais se fundamenta o MERCOSUL teriam que ser revistas, como muito bem assinalou o Prof. Jorge Fontoura, mas poder-se-ia conferir alguma permanência ao Grupo Mercado Comum, para transformá-lo em um órgão mais permanente, visto que o GMC reúne-se, a rigor,  apenas duas vezes por semestre.
 Os negociadores europeus do possível Acordo União Européia/MERCOSUL, por exemplo, estranham não haver um interlocutor permanente que fale pelo MERCOSUL. Procuram um foco, com quem dialogar, mas não encontram esse foco no MERCOSUL.
 Portanto, a minha opinião é de que estamos caminhando em petits pas — e aqui tomo emprestada uma expressão do jargão europeu - estamos caminhando em pequenos passos em direção ao aprofundamento das instituições do MERCOSUL.
 Qual é a grande disfunção do MERCOSUL neste momento? Qual o ônus que isso acarreta para o MERCOSUL? Trata-se da questão do déficit de incorporação de normas MERCOSUL nos ordenamentos jurídicos internos dos Estados Partes, e isso gera tremenda insegurança jurídica entre os operadores econômicos.
 Mesmo que encarássemos o MERCOSUL como um simples bloco econômico, o que não é o caso, pois ele tem dimensões políticas claras, e também dimensões estratégicas, mesmo assim ele não seria funcional, nesse momento, porque a falta de incorporação de normas impede que os empresários e operadores econômicos, em geral, possam planejar a longo prazo a inserção de suas empresas no bloco. Por exemplo, se um empresário ouve falar que o Conselho do Mercado Comum aprovou determinada norma, ele tende a formular  seus planos empresariais levando em conta esse fato. No entanto, passados dois ou três anos, aquela norma ainda não está em vigor nos quatro Estados Partes. Isso é um fator de fragilidade para o MERCOSUL.
 Como se situa a Comissão Parlamentar Conjunta em relação a esse tema? Gostaria de voltar um pouco no tempo e lembrar que a dimensão parlamentar existe na integração desde o seu início; está no art. 24 do Tratado de Assunção, que, no entanto, não outorga qualquer função à Comissão Parlamentar Conjunta naquele momento, 1991. E é curioso observar que ela está no último artigo do Tratado, como se fora uma lembrança tardia dos negociadores. No Protocolo de Ouro Preto, assinado em 1994, a Comissão Parlamentar Conjunta passa a integrar a estrutura institucional do bloco. Trata-se de uma evolução, com certeza, embora ela esteja enumerada como órgão não decisório, mas consultivo, do MERCOSUL.
 No Tratado de Ouro Preto, já se outorgam funções à Comissão Parlamentar Conjunta. Como, por exemplo, enviar recomendações ao Conselho do Mercado Comum, e a função de harmonização de normas do MERCOSUL. Destaco uma outra função, que, na minha opinião, está por detrás da lógica que levou os governos dos Estados Partes a inserir a Comissão Parlamentar Conjunta no Protocolo de Ouro Preto. Trata-se da função de acelerar a aprovação das normas do MERCOSUL, dentro dos Congressos Nacionais.
 Ora, como uma Comissão Parlamentar Conjunta, quadripartite, formada por representantes dos parlamentos dos quatro países, pode acelerar a tramitação de matérias dentro do Congresso Nacional?
 Já de início, essa função é altamente questionável do ponto de vista constitucional, porquanto ela traz à mente uma certa interferência, ou ingerência, de um outro Poder, isto é, o Poder Executivo, no Poder Legislativo. Em outras palavras, o Poder Executivo cria uma Comissão Parlamentar e manda que ela acelere a tramitação de determinadas matérias dentro do Parlamento. Conceitualmente, aquela Comissão passará a se assemelhar muito mais a um lobby em funcionamento dentro do Parlamento, voltado para a aprovação das normas do MERCOSUL, do que propriamente a uma comissão temática.
 Mas, por que essa incongruência? Por que essa dimensão parlamentar, ao invés de sanar o déficit democrático — sempre presente nos processos de integração —, na verdade, configura, como está no Protocolo de Ouro Preto, até uma ingerência de um Poder sobre outro? Por que não se deu à Comissão Parlamentar Conjunta, naquele momento, uma função consultiva no processo decisório, a ser desempenhada quando da negociação dos tratados? Na verdade, o Protocolo de Ouro Preto criou situação, no mínimo, esdrúxula, pela qual os Poderes Executivos negociam, e depois mandam que se acelere, dentro do Parlamento,  a aprovação daquilo que decidiram.
 De qualquer maneira, a Comissão se deparou com uma grande dificuldade. Primeiro, como acelerar a tramitação desses instrumentos do MERCOSUL dentro dos Congressos Nacionais, se não havia um mecanismo institucional para isso? E segundo, a Comissão Parlamentar Conjunta, e conseqüentemente, suas Seções Nacionais, não estava constituída em cada um dos Congressos Nacionais.  Figurava apenas em um tratado internacional.
 Foi então necessário, em primeiro lugar, aprovar algum tipo de instrumento jurídico dentro dos Congressos Nacionais com vistas à inserção dessa Comissão no seio de cada um deles. No caso do Brasil, logrou-se, em 1996, aprovar a Resolução nº 1, do Congresso Nacional, que criou a Representação Brasileira na Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL dentro do Congresso Nacional, e deu-lhe atribuições.
 Havia certa susceptibilidade das Comissões de Relações Exteriores, pois eram elas que detinham a competência regimental para examinar as normas do MERCOSUL. Então, como retirar-lhes aquela competência, naquele momento, e atribuí-la à Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL? Uma dificuldade adicional era que, em 1994, conhecia-se muito pouco do MERCOSUL dentro dos Congressos Nacionais. Ademais, o projeto integracionista tinha ainda pouca presença na imprensa. A solução que se encontrou, para não se ferir as suscetibilidades das demais Comissões do Congresso Nacional, previa que a Representação Brasileira na Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL, produziria um relatório sobre toda matéria de interesse do MERCOSUL que viesse ao Congresso Nacional — aqui incluídos também projetos de leis.
 Por exemplo, houve uma famosa proposta de plebiscito sobre a ALCA, para saber se o Brasil deveria ou não negociar o Acordo de Livre Comércio das Américas. Essa proposta foi primeiro à Comissão do MERCOSUL, porque as negociações da ALCA são do interesse do MERCOSUL.
Todas as normas negociadas no âmbito da integração também são enviadas em primeiro lugar à Comissão do MERCOSUL, que produz um relatório destinado a indicar, às demais Comissões que irão examinar aquela norma, se ela deve ou não ser aprovada pelo Congresso Nacional. Mais do que isso, ela indica a dimensão MERCOSUL, porque muitas Comissões não têm presente essa dimensão, ou seja, não se dão conta do fato de que o Brasil está em um processo de integração. E no entanto, sabemos que é preciso que essa dimensão da integração esteja sempre presente, para que se crie uma consciência integracionista entre as populações dos Estados Partes do MERCOSUL.
 Portanto, a Representação Brasileira na Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL produz um relatório que indica se o instrumento MERCOSUL deve ou não ser aprovado pelo Congresso Nacional, determinando, ademais, a sua importância. E, a partir daí, aquele instrumento tramita nas outras instâncias da Casa. Na prática, como a Comissão não podia realmente acelerar a aprovação de matérias, porque não havia um mecanismo para isso, o que se pretendeu foi, pelo menos, tomar conhecimento de todo instrumento do MERCOSUL que viesse ao Congresso Nacional. Essa foi a solução engenhosa vislumbrada para que a Representação Brasileira na Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL pudesse ter conhecimento dos instrumentos MERCOSUL que tramitassem no Congresso Nacional. Dessa maneira institucional, hoje, todos os instrumentos do MERCOSUL que vêm ao Congresso Nacional são distribuídos em primeiro lugar à Representação Brasileira da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL. Esse mecanismo lhe dá a possibilidade de, pelo menos, acompanhar a tramitação daquele instrumento.
Mais recentemente, sob a Presidência do Deputado Dr. Rosinha, a Comissão logrou realmente acelerar o processo de internalização das normas MERCOSUL, mas de uma maneira bastante informal. Com efeito, como não há um mecanismo regimental para isso, os avanços que se tem obtido vêm através de articulações políticas, e de uma boa relação entre o Presidente da Comissão do MERCOSUL e os Presidentes das Comissões de Relações Exteriores. Assim, é feita uma articulação política para que o instrumento MERCOSUL evolua e tramite mais rapidamente dentro do Congresso Nacional.
 Mas essa não é a forma ideal, já que depende de um conjunto de circunstâncias fortuitas. O ideal seria que tivéssemos, realmente, um mecanismo regimental que permitisse a toda a norma do MERCOSUL que viesse ao Congresso Nacional uma tramitação mais ágil e mais rápida.
 Eu acredito que o Deputado Dr. Rosinha vai falar sobre isso, porque S.Exa. é autor de uma proposta de resolução do Congresso Nacional nesse sentido, que visa estabelecer precisamente esse mecanismo ágil de aprovação das normas.
 É necessário destacar que há uma evolução bastante palpável nas funções da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL no âmbito do processo decisório da integração.
 Vejamos: o Protocolo de Ouro Preto prevê que a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL simplesmente envie recomendações ao Conselho do Mercado Comum, das quais ele pode ou não tomar conhecimento.
 Enfim, não havia uma efetiva interlocução entre os dois órgãos, o que produziu o chamado déficit democrático, isto é, um vácuo de democracia, de legitimidade, no processo decisório do MERCOSUL.
 Enfim. a evolução a que eu me referia foi a celebração, em outubro de 2003, do primeiro Acordo Interinstitucional entre dois órgãos do MERCOSUL: o Conselho do Mercado Comum e a Comissão Parlamentar Conjunta. Esses dois órgãos celebraram um acordo muito simples, composto de apenas dois artigos. O art. 1º diz basicamente que o Conselho se compromete a enviar todas as normas que requeiram aprovação congressual à consulta da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL, no momento da negociação daquele instrumento. E no art. 2º, é prevista a contrapartida da Comissão: a Comissão se compromete a dar uma tramitação mais ágil, mais rápida, a toda a norma MERCOSUL que resulte de um consenso entre a Comissão e o Conselho. Assim, todo instrumento que tenha vindo à Comissão durante a sua negociação, e tenha recebido o seu parecer favorável, ao ingressar no Parlamento Nacional, terá uma tramitação mais rápida.
 Aqui abro um parêntesis para lembrar que uma das grandes fragilidades de que padece o Parlamento Europeu é exatamente a sua falta de contato com os Parlamentos nacionais. A fórmula vislumbrada pelos negociadores do MERCOSUL parece sanar o vácuo que normalmente existe entre as instituições parlamentares regionais e os órgãos nacionais, porquanto há uma interação entre eles, no momento da consulta.
Assim, a Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL, que é o órgão regional, emite o seu parecer. Esse parecer deverá vir anexado ao instrumento MERCOSUL, quando de seu envio a cada Congresso Nacional. As Comissões encarregadas do exame da matéria no Congresso Nacional, tomarão conhecimento do parecer da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL, que terá atuado em nível regional, e assim estarão informadas de que aquela norma já foi examinada, em algum momento, por um órgão representativo dos Legislativos.
 Voltando ao tema da debilidade do MERCOSUL pela falta de internalização de normas, a Secretaria Parlamentar Permanente da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL realizou um levantamento das normas do MERCOSUL já negociadas e assinadas, e de quantas delas ainda estão pendentes de aprovação nos Parlamentos,
 Os resultados foram interessantes: 80 normas do MERCOSUL foram aprovadas até hoje desde o início, 1991, que requerem trâmite legislativo. Dessas 80, 21 foram aprovadas nos Parlamentos dos quatro países, ou seja, um quarto delas, 26%.
 Há um número aqui que chama a atenção. Dessas 80 normas, 23 não foram enviadas a nenhum Parlamento. Ou seja, 23 ainda estão em algum lugar, em algum ministério, em alguma consultoria jurídica de algum órgão do Executivo, provavelmente sendo analisadas. Vinte e três estão ainda em poder dos Poderes Executivos dos quatro países e não foram enviadas aos respectivos Parlamentos.
 Como se vê, esse levantamento parece ter revelado algo que não se imaginava existir. Não se imaginava que algumas normas ficassem paradas durante muito tempo, antes de serem enviadas aos respectivos Parlamentos nacionais. Esse fato também contribui para a fragilidade institucional do MERCOSUL, e para a insegurança jurídica que existe no momento.
 São mais ou menos esses os principais aspectos de que se reveste a atuação da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL, hoje.
 Agradeço a atenção de todos, e retorno a palavra ao nosso coordenador.