Solução Controvérsia Mercosul


 Solução de controvérsias no Mercosul

No momento em que o Mercosul completa seu primeiro decênio, desnecessário ressaltar o acerto da decisão política que resultou na sua criação — assinatura do Tratado de Assunção em 26 de março de 1991 — face aos evidentes efeitos positivos que se fazem perceber no âmbito dos estados-partes. Dando seqüência ao marco institucional do Mercosul, os estados-partes, ‘‘reconhecendo a importância de dispor de um instrumento eficaz para assegurar o cumprimento do mencionado Tratado’’, entenderam de firmar, em 17 de dezembro de 1991, o denominado Protocolo de Brasília para Solução de Controvérsias, que veio a ser incorporado ao ordenamento jurídico nacional pelo Decreto nº 922, publicado no DOU de 13 de setembro de 1993.

O sistema de solução de controvérsias preconizado no Protocolo de Brasília subdivide-se em três fases sucessivas: (a) negociações diretas; (b) intervenção do Grupo Mercado Comum; (c) procedimento arbitral. Não sendo alcançado acordo nas hipóteses (a) e (b), qualquer dos estados-partes envolvidos na controvérsia poderá recorrer ao procedimento arbitral, que tramitará ante um tribunal ad hoc.

No que tange à jurisdição do referido tribunal, dispõe o art. 8º do mencionado protocolo que: ‘‘Os estados-partes declaram que reconhecem como obrigatória, ‘ipso facto’ e sem necessidade de acordo especial, a jurisdição do Tribunal Arbitral que em cada caso se constitua para conhecer e resolver todas as controvérsias a que se refere o presente protocolo’’.

O mecanismo de solução via procedimento arbitral já foi acionado em três oportunidades e, ao que se tem notícia, caminha para a constituição de um quarto tribunal ad hoc, para apreciar a questão da aplicação de direitos antidumping às exportações brasileiras de carne de frango.

Sem discutir o mérito dos laudos arbitrais, vale destacar algumas questões que podem surgir quanto à sua exeqüibilidade, especialmente em face da irrecorribilidade e da força de coisa julgada atribuídas aos laudos pelo art. 21 do Protocolo de Brasília.

Com efeito, uma primeira questão diz respeito à necessidade, ou não, de se submeter o laudo arbitral de que se cogita à homologação do Supremo Tribunal Federal, nos termos da alínea ‘‘h’’ do art. 102 da Constituição Federal e também a teor do parágrafo único do art. 34 e art. 35 da Lei de Arbitragem. Para respondê-la, necessário distinguir sentença estrangeira — proferida por jurisdição estatal ou privada fora do território nacional — de sentença internacional — proferida por jurisdição criada por força de tratado —, e, assim entendendo, afirmar, em tese, à míngua de previsão legal, a desnecessidade de homologação.

Ainda que desnecessária a homologação, é fato que o laudo arbitral, para ser exeqüível no Brasil, há de merecer alguma forma de internalização. Daí surge uma segunda questão: qual a forma adequada de tornar o laudo exeqüível (ao que nos parece, no âmbito da administração pública, o presidente da República deveria expedir decreto que, dando publicidade ao laudo, determinasse seu cumprimento obrigatório no território nacional, respeitando o compromisso internacional assumido com a assinatura do Protocolo de Brasília).

Há, ainda, outras questões que merecem reflexão. Com ou sem interveniência do presidente da República, o laudo arbitral ad hoc, por si só, tem força de título executivo judicial perante a jurisdição nacional (se o conteúdo da decisão arbitral atingir direito de terceiros, nacionais ou não, é possível socorrer-se do Poder Judiciário).Essas, entre outras, são questões que desafiam a criatividade da comunidade jurídica, com o espírito voltado para a importância do Direito Internacional Público e da necessidade de se compatibilizar os compromissos internacionais com o ordenamento jurídico interno.

fonte: Correio Brasiliense - DF, segunda-feira, 26/03/2001
Suplemento de Direito & Justiça