Pronunciamento JR
Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, hoje é um dia especial para a América do Sul, especificamente para os países que compõem o MERCOSUL: faz dez anos da assinatura do Tratado de Assunção, que instituiu o Mercado Comum do Sul.
O ex-Ministro das Relações Exteriores, nosso amigo Luiz Felipe Lampreia, afirmou, sem o menor exagero, que o MERCOSUL é o maior projeto da política exterior brasileira desde a independência do País.
Até meados dos anos 80, Sr. Presidente, o Brasil vivia num verdadeiro isolamento político e diplomático em relação a nossos vizinhos geográficos. Esse isolamento devia-se às preferências econômicas, baseadas em estratégias muitas vezes ilusórias e equivocadas.
O isolamento dos países da América Latina em geral e da América do Sul em particular tinha como origem remota as rivalidades entre Portugal e Espanha durante a colonização da América, que foram mantidas por Brasil e Argentina depois da independência. Essas rivalidades, insufladas por preconceitos e por desconhecimento dos laços culturais comuns, chegaram ao extremo durante o ciclo das ditaduras militares na América Latina.
Hoje, pode parecer absurdo, mas nos anos 70, início dos anos 80, a geopolítica brasileira supunha que era a Argentina o maior inimigo potencial e iminente de nosso País. Situação inversa, porém semelhante, aconteceu na Argentina. Com a redemocratização da América do Sul, a partir dos anos de 1983, 1984 e 1985, nossos países perceberam que a situação diplomática anterior era inviável, senão impossível, para o prosseguimento dos destinos das nossas nações.
Ao contrário, a aproximação entre o Brasil, a Argentina e os demais países da América do Sul poderia trazer para eles benefícios políticos, econômicos e sociais jamais tentados com afinco anteriormente. Já havia o bom marco jurídico, a Associação Latino-Americana de Integração — ALADI. Precisávamos apenas implementá-la.
A partir de 1986, já com Presidentes civis e também querendo uma nova inserção na comunidade internacional, Brasil e Argentina buscaram ampliar e diversificar o intercâmbio econômico entre os dois países. Dentro do escopo de ação da ALADI, essa ampliação do relacionamento bilateral não se restringiu a aspectos comerciais. Pelo contrário, desenvolveram-se acordos nos mais diversos campos temáticos, inclusive o nuclear — à época ainda um tabu para a integração, jamais imaginada por países como Argentina e Brasil.
A crescente aproximação entre Argentina e Brasil fez com que surgisse no início da década passada a idéia e a possibilidade da criação de um mercado comum entre os dois países. A essa idéia associaram-se, quase que imediatamente e com profundo interesse, Uruguai e Paraguai, cujas economias estão muito ligadas à brasileira e à argentina.
Assim, em 26 de março de 1991, os Presidentes da Argentina, do Brasil, do Paraguai e do Uruguai assinaram, na capital paraguaia, o Tratado de Assunção.
O Tratado de Assunção é instrumento de direito internacional público para implementação de um mercado comum entre seus países-membros, o que envolve as chamadas quatro liberdades de circulação fundamentais, a saber: a livre circulação de bens, a livre circulação de serviços, a livre circulação de trabalhadores e a livre circulação de capitais. Além disso, a consolidação de um mercado comum exige a unificação de políticas macroeconômicas dos países-membros, como a comercial, e a harmonização de muitas outras, como a política fiscal.
O MERCOSUL, Sr. Presidente, ainda não atingiu o nível de mercado comum, pois a meta tratada em Assunção representa um processo de longo prazo que leva décadas. Cabe avaliar que o Mercado Comum Europeu tem cinqüenta anos de integração e ainda está trabalhando para aprofundar o relacionamento entre os países-membros.
É preciso integrar todos os setores da economia, unificar políticas, harmonizar legislações, demonstrar e ampliar vínculos sociais, culturais e políticos, tomar uma série de medidas práticas. Tudo isso é obviamente impossível de ser realizado no curto prazo. Na nossa Casa, que é política, haverá tempo em que serão decididas as questões do MERCOSUL na área congressual pelas famílias políticas que compõem as nossas nações, procurando destinos comuns por meio do interesse daqueles que, pensando igual, em diferentes partidos, e em diferentes países, querem construir o futuro da região.
Já existe entre os países do MERCOSUL, desde a entrada em vigor do Protocolo de Ouro Preto, em 1º de janeiro de 1995, a união aduaneira em formação, etapa intermediária entre as relações econômicas internacionais tradicionais e o mercado comum completo. Até 1994, os países do bloco iniciaram negociações visando à coordenação de políticas macroeconômicas e setoriais. Para isso, criaram-se subgrupos de trabalho sobre temas diversos, mas vinculados à integração.
Adotou-se um programa de liberalização comercial, que se constitui na progressiva eliminação dos gravames e demais restrições aplicadas ao comércio recíproco, com o intuito de se chegar a 31 de dezembro de 1994 com tarifa zero sobre a totalidade do universo tarifário, constituindo-se assim uma área de livre comércio. Reconhecendo diferenças pontuais para o Paraguai e o Uruguai, acordou-se que para esses dois integrantes o prazo de eliminação de gravames seria estendido até 31 de dezembro de 1995.
Ao final de 1994, os países-membros estabeleceram uma lista de adequação para certos produtos que desejavam manter fora da Área de Livre Comércio e adotaram a Tarifa Externa Comum — hoje popularmente conhecida como TEC — para produtos provenientes de terceiros países, configurando assim uma união aduaneira.
Entretanto, os países acordaram uma lista de exceções à TEC da ordem de trezentos produtos por país, para permitir a certos setores adequarem-se à nova realidade. As tarifas de importação que incidem sobre esses produtos contam com o prazo de convergência até 2000 — ou 2001, no caso do Paraguai e do Uruguai.
Um caso emblemático é o da informática, setor altamente protegido no Brasil, ao contrário do que ocorre nos demais países do bloco. Esses resistiram a abrir mão da possibilidade de continuarem operando com tarifa zero para bens de informática a fim de adotar a tarifa brasileira, que, na época, era de 35% ou mais. Depois de difíceis negociações, ficou estabelecido que esse setor desfrutará de um prazo mais longo, até 2006, para a convergência das tarifas.
A partir de 1995, Sr. Presidente, o MERCOSUL adotou uma agenda voltada para o seu aprofundamento e sua consolidação. A agenda incorpora ao processo negociador certos temas que constituem matéria de importância para as negociações futuras com outros agrupamentos regionais, as quais se estenderão ao longo das primeiras décadas do século XXI. Entre esses temas constam a liberalização do comércio de serviços e a adoção de instrumento comum em matéria de compras governamentais.
Nas reuniões regulares dos Ministros da Economia e Presidentes de Bancos Centrais do MERCOSUL, seus representantes devem intensificar o intercâmbio de informações e pontos de vista sobre os temas da agenda da consolidação e do aprofundamento da união aduaneira, assim como elaborar uma proposta conjunta para o acompanhamento regular da evolução da conjuntura econômica das quatro nações.
A visita ao Brasil, na semana passada, do novo Ministro da Economia da Argentina, Domingo Cavallo, mostra a preocupação em preservamos o bloco, já que é muito mais importante do que os problemas individuais de cada nação a superação conjunta das dificuldades arroladas, nesse curto pronunciamento, pela união, pelo esforço conjunto de todas as nações que fazem o MERCOSUL.
Já existe, Sr. Presidente, desde 1991, o Protocolo de Brasília para a resolução de controvérsias. Esse mecanismo, que já foi utilizado algumas vezes, é instrumento fundamental para resolver pendências setoriais importantes no contexto do MERCOSUL. Mas é necessário dizer que temos de avançar ainda mais para dar a clara noção à sociedade dos países do MERCOSUL de que as controvérsias ou problemas encontrarão, no devido tempo, sua solução, dando tranqüilidade para consolidarmos o intercâmbio entre nossas nações.
Há questões pendentes no MERCOSUL que deverão ser trabalhadas para que se proceda ao aprofundamento da união aduaneira, entre elas as chamadas perfurações ou, se preferirmos, necessárias quebras de acordos em relação à Tarifa Externa Comum, que limitam a plena vigência da união aduaneira. Além das listas de produtos em exceção à TEC, mantidas por cada país, existem também os regimes especiais de importação relacionados a determinados setores da estrutura produtiva que os países desejem proteger. Outra fragilidade, Sr. Presidente, é a dupla cobrança da TEC. O bem importado de um terceiro país é tributado no momento de sua entrada na área econômica integrada e depois paga novo imposto ao cruzar a fronteira para ingressar em outro país do bloco.
Dois temas carentes de definição e que também constituem perfurações à TEC são os regimes automotivo e açucareiro, ambos objeto de exaustivas negociações.
Outra questão que compõe a consolidação do MERCOSUL diz respeito à defesa do consumidor. Nesse contexto, as negociações têm enfrentado dificuldades em face da assimetria nas legislações nacionais em vigor nos países. No entanto, as normas de defesa do consumidor revestem-se de extrema importância, uma vez que essa é a forma de induzir as indústrias a aprimorarem sua produção com vistas a uma melhor aceitação e inserção dos produtos do MERCOSUL no mercado internacional.
Quando aperfeiçoamos a qualidade dos produtos servidos dentro do MERCOSUL, estamos melhorando nossa capacidade produtiva para sermos competitivos na prateleira do consumidor estrangeiro. Cada produto com a marca do MERCOSUL, cada produto com a marca Made in Brazil, por exemplo, que chega na prateleira do consumidor estrangeiro e por ele é escolhido por questões de preço e qualidade representa a continuidade de mais um emprego gerado neste País.
Cada 1 bilhão de dólares em produtos ou serviços exportado de país em desenvolvimento gera em torno de 50 a 100 mil novos empregos locais. E não há país que não necessite da geração permanente de empregos e renda para o seu povo.
Mas o MERCOSUL enfrenta também os seus solavancos, Sr. Presidente. A desvalorização do real, momento crítico para a sociedade brasileira e para a história do nosso País, também parecia apontar para uma rápida desagregação do bloco. Apesar disso, os encontros presidenciais que se seguiram reiteraram a convicção dos Governos dos quatro países quanto à importância política e estratégica dessa aliança.
A atual crise da Argentina, por mais que possa gerar dificuldades e incertezas sobre a sustentabilidade econômica do vizinho país ou do nosso próprio País, não ameaça a vida do MERCOSUL, que é a nossa garantia numa economia globalizada. Nossos países sabem que deverão estar mais preparados, num processo educativo que cada vez mais informa e conforma nossas inteligências, a fim de poder gerar valor para nossas sociedades. Cada vez que nós, brasileiros, negociarmos um acordo internacional, devemos buscar função econômica para esses acordos, ou seja, procurar gerar emprego e renda dentro do nosso País.
Nesses dez anos de MERCOSUL, nota-se também o espetacular crescimento no intercâmbio comercial entre os países-membros: da ordem de 309%, no período de 1991 a 1996, saltando da cifra de 4 bilhões de dólares, quando de sua criação, para algo em torno de 20 bilhões de dólares ao final de 1998. Imaginem, Sras. e Srs. Deputados, o potencial que estava alocado dentro da região geográfica em que estamos incluídos, mas que não era utilizado, e que teve o poder de alavancar as compras e as vendas entre os quatro países-membros como já vimos, e repito, de 4 bilhões de dólares, no ano de 1991, para algo próximo de 20 bilhões de dólares, no ano de 1998. Esse salto nas nossas economias transformou o MERCOSUL em um ator relevante no cenário internacional.
Com respeito às relações internacionais, é necessário que o bloco resgate seu sentido estratégico, com a adoção de posições claras e coordenadas frente à Comunidade Andina, pois a Bolívia e o Chile já são países associados ao MERCOSUL. Nesse sentido, as negociações com a União Européia, a América do Sul e o Caribe, o MERCOSUL precisa apresentar-se bem articulado, para fazer frente ao entrave da política agrícola comum européia, assim como nas reuniões de negociação da ALCA.
Muitos posicionam-se contra a Área de Livre Comércio das Américas, mas ela é uma oportunidade que cabe a nós construir. Contudo, enquanto não sentarmos à mesa de negociação, não saberemos como fazê-lo. Não adianta nos posicionarmos como observadores, sem participar ativamente dessas negociações. Nossa obrigação é buscar vantagens para os nossos países, a fim de estabelecer uma verdadeira Área de Livre Comércio. Falo não apenas do Governo Federal, do Ministério das Relações Exteriores, mas de toda a sociedade brasileira, especificamente do setor produtivo, seja por intermédio de pequenos, médios ou grandes empresários, seja de trabalhadores. É hora de sentarmos para construir a ALCA. Ela não significa a hegemonia americana, mas uma parceria que visa gerar emprego e renda para os nossos países.
Com relação à agenda política, Sr. Presidente, cabe lembrar a importante participação que tiveram os países-membros na solução democrática das crises paraguaias dos anos de 1996 e 2000. Na última ocasião, o MERCOSUL demonstrou ser um elemento essencial para o projeto democrático dos países-membros.
É importante lembrar a assinatura do Protocolo de Ushuaia, em território argentino, pelo qual os países do bloco reiteraram que a plena vigência das instituições democráticas é condição essencial para o desenvolvimento do processo de integração e que toda ruptura da ordem democrática dará lugar à aplicação de uma série de medidas, as quais abarcarão desde a suspensão do direito de participar das reuniões do MERCOSUL até a suspensão dos direitos e obrigações emanados do processo de integração.
Outra questão importante nesses dez anos de MERCOSUL é o aumento da participação dos Congressos Nacionais nas questões referentes à integração regional.
A Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL dá legitimidade democrática ao nosso bloco, mas as principais decisões ainda estão nas mãos do Poder Executivo.
Cabe aqui lembrar, Sr. Presidente, que em todas as negociações internacionais o Congresso brasileiro tem de se fazer mais presente. Recentemente, em viagem aos Estados Unidos, pudemos ver a importância que o Congresso daquele país tem para as negociações internacionais dos Estados Unidos, porque ele é ator relevante na área do comércio internacional e na participação nas decisões do Governo, a ponto de o Governo americano precisar de licença prévia para negociar acordos internacionais por parte do Congresso americano.
As questões de comércio e de relações internacionais não devem ser afeitas apenas à Comissão de Relações Exteriores da Casa e à Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL. É necessário que nós, Parlamentares, possamos criar vínculo, conversar e construir caminhos juntamente com os colegas dos países que querem conosco comerciar. Embora contemos com a eficiência do nosso Ministério das Relações Exteriores, lembro que, nos Estados Unidos da América, o relacionamento dos diplomatas com os congressistas norte-americanos dá-se de modo diferente do estabelecido pela cultura brasileira nesse campo. Ressalto também que as relações interparlamentares no cenário do MERCOSUL têm permitido que um Deputado do Brasil converse com um Deputado da Argentina, por exemplo, para saber da real situação econômica do País e das suas unidades federadas, das questões sociais, do dia-a-dia dos cidadãos, o que tem agilizado o debate das necessidades que afligem a cidadania e o conhecimento das solicitações encaminhadas ao Legislativo.
É fundamental encaminhar, na área do Congresso, negociações internacionais e aproximação entre os países. Essa é uma tarefa do nosso jovem e brilhante Presidente, Deputado Aécio Neves, para que nossa Casa tenha condição de ser não coadjuvante, mas protagonista nas negociações da Área de Livre Comércio das Américas com a União Européia e também com o MERCOSUL.
Apesar de todas as dificuldades que ainda precisam ser superadas, Sr. Presidente, o MERCOSUL é extremamente necessário e sempre bem-vindo, porque é um instrumento de nossos países para a inserção competitiva na economia globalizada, cheia de surpresas que nem sempre são agradáveis, como o recente caso do embargo canadense à carne brasileira.
Cabe aqui analisar o que acontece no mundo. A Europa atenta, como os Estados Unidos, contra a economia de países em desenvolvimento, age sempre na defesa de interesses próprios. Nós, que temos a matriz econômica do nosso País e do MERCOSUL na área agrícola, no agribusiness, com 25% das nossas exportações nessa área, assistimos à Europa conceder 1 bilhão de dólares diários em subsídios ao setor agrícola; e vimos os Estados Unidos darem 3 bilhões de dólares de subsídios à sua soja, sendo que o Brasil exportará este ano aproximadamente 4 bilhões de dólares de soja, ou seja, os Estados Unidos darão três quartos desse valor em subsídios à sua agricultura de soja. Vale lembrar que a produção de soja nos Estados Unidos é equivalente à produção inteira de grãos no Brasil: 90 milhões de toneladas.
Isso demonstra duas coisas: temos muito a crescer, mas temos uma enorme tarefa ao enfrentar barreiras tarifárias, não-tarifárias e práticas de subsídios. Não podemos fazer com que o agricultor brasileiro, em parceria com os Governos Federal, Estaduais e Municipais, concorra com o tesouro de países ricos, que oferecem subsídios sem parcimônia, por se tratar de prática habitual, mas que desola, leva a miséria ao nosso campo e tira a competitividade de nossos produtos em terceiros mercados.
Temos de negociar isso. Não adianta somente falar mal. Devemos ir a Quebec, em abril, sentar à mesa, olhar os pontos de vista divergentes, reunir o Grupo de Cairns, começar a conversar e procurar construir uma agenda positiva, para solucionar problemas de comércio, porque o Brasil está parado na área de exportações há vários anos — não passamos de 50 bilhões de dólares.
Somos muito grandes para sermos tão pequenos na área de exportação de produtos e serviços. Temos de crescer mais. Não nos falta qualidade de povo nem tecnologia, mas talvez nos falte política de comércio exterior mais atuante, forte e enérgica. Espero que os membros do Governo Federal hoje responsáveis por essa área cuidem cada vez mais dela, para que tenhamos resultados práticos no crescimento de nossas exportações. O aumento das exportações do MERCOSUL e do Brasil significa geração de mais empregos, mais renda e mais felicidade social, com menos excluídos.
Vivam os 10 anos do MERCOSUL! Que Deus o abençoe e que ele possa trazer os benefícios esperados no prazo de tempo que lhe é devido, sem pressa, mas com a legitimidade das democracias. A cláusula democrática tem feito com que ele venha trilhando o caminho da liberdade democrática até o presente momento.
Muito obrigado, Sr. Presidente.