Mercado Comum do Sul - JR
Dez Anos de MERCOSUL
Deputado Júlio Redecker
Presidente da Seção Brasileira da Comissão
Parlamentar conjunta do MERCOSUL
Em 26 de março último completou o MERCOSUL dez anos de existência. Recebido por muitos, em um primeiro momento, com críticas, incredulidade e ceticismo; ignorado nos primeiros tempos, em virtude do princípio da soberania absoluta dos Estados, pela quase totalidade da comunidade jurídica dos países membros; visto como contrário aos interesses nacionais por saudosistas que desejariam um Brasil hegemônico na América do Sul, perpetuando velhas e mesquinhas rivalidades com os nossos vizinhos; assim nasceu o chamado "Mercado Comum do Sul".
Com o ambicioso objetivo de cumprir as etapas de área de livre comércio e união aduaneira no prazo de quatro anos, conforme consta do próprio Tratado de Assunção, que o instituiu em 1991, o MERCOSUL permanece, ainda hoje, muito distante de ser um verdadeiro mercado comum. Este pressupõe o livre trânsito de fatores de produção através das fronteiras, isto é, de capital e trabalho.
Ao invés, o bloco atravessou uma primeira fase, que durou até dezembro de 1994, como simples área de livre comércio, onde figurava um grande número de exceções ao livre fluxo de produtos, impostas pelos Estados membros.
A partir de janeiro de 1995, ingressou o bloco em uma segunda fase — dita de "consolidação"- quando, ao adotar uma tarifa externa comum para uma grande parte de seu universo tarifário, tornou-se uma união aduaneira. O avanço do bloco tornar-se-ia notório por volta de 1998 quando os dados de seu comércio, amplamente divulgados, demonstrariam um aumento de 400% nas trocas entre os quatro sócios: de US$ 4,1 bilhões, em 1991, o comércio saltara para cerca de US$ 18 bilhões, ao longo de sete anos de existência.
Esta evolução das cifras do comércio intra-Mercosul causou surpresa geral. O mundo se deu conta, de repente, de que não mais poderia ignorar o bloco do sul, cuja importância uma alta autoridade do Governo americano tentara minimizar, por ocasião da Reunião Ministerial da ALCA realizada em Belo Horizonte, em maio de 1997.
O fenomenal aumento das importações, pelo MERCOSUL, de produtos provenientes do resto do mundo, veio desmentir os analistas que o consideravam um bloco fechado sobre si mesmo. Com efeito, a participação do MERCOSUL no total das importações mundiais triplicou, saltando de US$ 29,2 bilhões em 1990, para US$ 98,7 bilhões, em 1998.
Com a crise financeira internacional, que levaria à desvalorização do real em janeiro de 1999, o dinamismo do bloco sofreu considerável desaceleração. Naquela difícil conjuntura, irromperam inúmeros conflitos setoriais, envolvendo principalmente os dois maiores sócios, o Brasil e a Argentina. Foi esse momento que trouxe à luz uma das maiores fragilidades do bloco, ou seja, a falta de instituições permanentes destinadas à solução de controvérsias, o que vem contribuindo para solapar a credibilidade do MERCOSUL e lançar dúvidas sobre a segurança jurídica tão necessária ao bom andamento dos negócios no interior do bloco.
Não obstante estas dificuldades, são os empresários que mais têm impulsionado o MERCOSUL. As empresas brasileiras investiram, nos dois últimos anos, US$1,4 bilhão e criaram 6,4 mil postos de trabalho na Argentina. Já os investimentos argentinos no Brasil alcançaram a cifra de US$2,1 bilhões e geraram 13 mil empregos em nosso país. As 190 companhias do Grupo Brasil que atuam na Argentina ali aplicaram US$ 8 bilhões desde 1995.
Quanto à sua agenda externa, o desafio maior provém das negociações para a conformação da Área de Livre Comércio das Américas — a ALCA — que exige, mais do que nunca, uma estreita coesão entre os sócios. O mesmo se pode dizer quanto à constituição de uma área de livre comércio com a União Européia. É necessário distinguir, entretanto, estes dois esquemas de negociação, uma vez que as diretrizes delineadas pelo Tratado de Assunção aproximam-se incomparavelmente mais dos princípios e objetivos que fundamentam a integração européia do que do simples pragmatismo que inspirou a criação do NAFTA.
Ao longo destes dez anos de MERCOSUL, a participação da Comissão Parlamentar Conjunta no esquema integracionista constituiu, antes de tudo, um precioso exercício de conscientização dos Parlamentos quanto à importância de que se reveste a sua participação nos processos decisórios regionais e internacionais. O mundo de 2001 não é o mundo de 1991. Durante os últimos dez anos, a globalização conheceu notável aceleração; surgiram novos blocos regionais, enquanto outros já existentes se fortaleciam; a OMC substituiu o GATT e assumiu o papel de xerife do comércio mundial. Suas regras abrangem temas de transcendental importância para os projetos de desenvolvimento dos países menos industrializados. Paralelamente, aprofunda-se o enorme vácuo que separa o cidadão comum dos órgãos formuladores de decisões que atuam em nível regional e internacional. Conflitos com enorme potencial de impacto sobre o dia a dia do cidadão comum são agora travados em âmbito regional ou internacional. Cabe mencionar, a título de exemplo, as questões dos calçados, dos têxteis e do açúcar no MERCOSUL; os conflitos em torno dos subsídios à Bombardier e à Embraer, na OMC; a questão do embargo à carne brasileira pelo Canadá, apoiado por seus sócios no NAFTA; a interpelação dos Estados Unidos ao Governo brasileiro com respeito à quebra de patentes para a fabricação de medicamentos genéricos que irão beneficiar inúmeros pacientes de AIDS em países em desenvolvimento.
A todos estes temas em debate nas instituições regionais e internacionais os Parlamentos, como legítimos órgãos de representação popular, não podem ficar indiferentes. Cabe a nós, parlamentares não apenas do MERCOSUL mas de todo o mundo, buscar instrumentos e mecanismos que nos permitam participar dos processos decisórios em curso no cenário internacional. Devemos nos instrumentalizar, buscando estabelecer mecanismos de contato entre os diversos Parlamentos nacionais, e ao mesmo tempo estreitar e aperfeiçoar aqueles já existentes, como é o caso da Comissão Parlamentar Conjunta do MERCOSUL. Cabe-nos, ademais, adequar as Constituições nacionais à nova realidade, ampliando a competência dos Legislativos em matéria de política exterior, particularmente no que diz respeito ao comércio internacional.