Defesa-Concor-Coml-Mercosul

 

Defesa da concorrência e defesa comercial no Mercosul

O Mercosul, ao completar dez anos de existência, conclui sua fase ‘‘fundacional’’. Defronta-se, agora, com os desafios concretos de uma etapa de consolidação da União Aduaneira e de pavimentação do caminho em direção ao Mercado Comum. Entre os chamados core subjects para o aprofundamento do processo de integração encontram-se aqueles da defesa da concorrência e da defesa comercial (salvaguardas, subsídios e antidumping). Esses temas afetam diretamente tanto o comércio intrazona como o extrazona, além de estarem de certo modo relacionados entre si.

Na doutrina do direito do comércio internacional consideram-se as medidas compensatórias — no que se refere a subsídios — e as medidas antidumping como recursos aplicáveis a um comportamento de comércio desleal (unfair trade), enquanto as salvaguardas permitem proteger um setor da produção nacional gravemente afetado por importações, mesmo que estas configurem expressão de fair trade.

No Mercosul, as salvaguardas estão proibidas desde janeiro de 1995, conforme estipulado nos artigos 1º e 5º do Anexo IV do Tratado de Assunção e reiterado pelo laudo arbitral (de 10/3/2000) emitido na controvérsia sobre salvaguardas têxteis entre Brasil e Argentina. O Acordo Geral de Tarifas e Comércio (Gatt, 1947), em seu artigo XXIV.8 (a) (i) estabelece que uma união aduaneira pressupõe que ‘‘tarifas e outras regulamentações restritivas ao comércio (exceto, quando necessário, aquelas permitidas pelos artigos XI, XII, XIII, XIV, XV e XX) sejam eliminadas com respeito a substancialmente todo o comércio entre os territórios que constituem a união ou pelo menos com respeito a substancialmente todo o comércio de produtos originários de tais territórios’’.

As medidas antidumping (art. VI do Gatt) constituem, por um lado, evidente regulamentação restritiva ao comércio e, por outro, não são mencionadas entre as exceções do artigo XXIV que, como norma excepcional, não poderiam ser interpretadas extensivamente. À luz do sistema multilateral de comércio, portanto, tais medidas estão entre as restrições que devem ser eliminadas em uniões aduaneiras (como ocorre, de modo efetivo, na União Européia).

Em relação às medidas antidumping, o Mercosul — como união aduaneira em consolidação — já tomou a decisão política de sua eliminação gradual. Tal objetivo já estava expresso no artigo 1º do Tratado de Assunção de 1991, que prevê a eliminação de todas as restrições tarifárias e não tarifárias. O artigo 4º do mesmo tratado estabelece o dever dos estados-partes em coordenar suas políticas nacionais com vistas a elaborar normas comuns sobre concorrência comercial.

Desde então, realizam-se esforços paralelos no Mercosul para avançar na eliminação do antidumping intrazona e para harmonizar as regras de defesa da concorrência na região. Tal paralelismo explica-se, pois a garantia de instrumentos eficazes para a manutenção de condições adequadas de concorrência na região, com a necessária prevenção de condutas e práticas restritivas (abuso de posição dominante, preços predatórios), é circunstância relevante para a definitiva eliminação do ] dentro do mercado ampliado.

Na reunião do Conselho do Mercado Comum (CMC) em Fortaleza, em dezembro de 1996, aprovou-se o Protocolo de Defesa da Concorrência do Mercosul (Decisão CMC 18/96), até o momento incorporado apenas por Brasil e Paraguai e em trâmite legislativo na Argentina e no Uruguai. As regras desse Protocolo aplicam-se aos atos praticados por pessoas físicas e jurídicas que tenham por objeto produzir ou que produzam efeitos sobre a concorrência no Mercosul e que afetem o comércio entre os estados-partes (critério da afetação do comércio regional). Quando em vigor, a aplicação do Protocolo estará a cargo da Comissão de Comércio do Mercosul (CCM) e do Comitê de Defesa da Concorrência, a ser integrado pelos órgãos nacionais de aplicação de cada estado-parte.

O Protocolo prevê duas tarefas no prazo de dois anos da sua vigência: (a) elaboração de normas comuns para o controle de atos de concentração econômica (art. 7º), e (b) disciplinamento comum das ajudas de Estado que possam distorcer a concorrência e afetar o comércio regional (art. 32).

A correlação entre os temas citados explicitou-se nas Decisões CMC 28/00 e 31/00, aprovadas no âmbito do ‘‘Relançamento do Mercosul’’, agenda de trabalho do Mercosul no ano 2000, que procurou concentrar esforços nos principais desafios do processo de integração. A Decisão 28/00, ‘‘Defesa Comercial e da Concorrência’’, instruiu o Grupo Mercado Comum (GMC), por um lado, a elaborar proposta de disciplinamento do processo de investigação e aplicação de medidas antidumping e direitos compensatórios no comércio intrazona e, por outro, a incentivar o Comitê de Defesa Comercial e Salvaguardas e o Comitê Técnico nº 5 (Defesa da Concorrência) a trabalhar de forma conjunta na definição dos instrumentos aplicáveis com vistas à eliminação gradual das medidas antidumping no comércio intrazona. A mesma Decisão levou ainda a CCM a analisar o aperfeiçoamento das disciplinas e mecanismos de defesa da concorrência no Mercosul. A Decisão 31/00, por sua vez, antecipou a tarefa prevista no artigo 32 do Protocolo de Defesa da Concorrência, instruindo o GMC a elaborar proposta de disciplinas para a limitação do uso dos incentivos à produção e ao investimento que criam distorções na alocação de recursos na região e disciplinas para eliminar o uso dos incentivos às exportações intrazonas.

Como resultado desses esforços simultâneos, o Mercosul efetuou, no último semestre, levantamento amplo dos incentivos concedidos em todos os estados-partes, o que permitirá o início dos trabalhos de elaboração de disciplinas comuns. Por outra parte, aprovou-se, na Reunião de Cúpula de Florianópolis (14.12.2001), a Decisão CMC 64/00, ‘‘Defesa Comercial e da Concorrência’’, que estabelece procedimentos e regras para investigações antidumping e sobre subsídios relativos a importações originárias de um estado-parte do Mercosul. Tal decisão soma-se, assim, à Decisão 11/97, que já estabelecera, em 1997, um Marco Normativo para o dumping extrazona, aplicável também, por força de seu artigo 9º, ao dumping intrazona.

Em um ambiente regional onde todas as tarifas foram eliminadas, os governos podem ser tentados a ceder às pressões protecionistas, lançando mão, como última válvula de escape, da aplicação de medidas antidumping ou concessão de subsídios, mesmo que destinados a manter setores marcadamente ineficientes e a um alto preço, pago por toda a sociedade. Daí a importância da criação de um arcabouço legal que garanta as adequadas condições de concorrência para uma economia ampliada e impeça a destruição do patrimônio integracionista duramente conquistado.

O acervo normativo já existente demonstra que, mesmo em temas considerados sensíveis pelos governos, o Mercosul tem dado passos concretos em direção a um ‘‘adensamento de legalidade’’, de modo a dotar-se dos instrumentos de políticas comerciais comuns próprios de uma verdadeira união aduaneira. Ao completar 10 anos de idade, o Mercosul parece estar demonstrando, com fatos, maturidade suficiente para os desafios que estão por vir.

As normas citadas podem ser encontradas em www.mre.gov.br/sitemercosul ou www.mercosur-mercosul.org.

Fonte: Correio Brasiliense - DF, segunda-feira, 26/03/2001
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