Inácio Arruda SF 24-04-2008
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna, em nome do meu partido, para fazer uma alusão a este acontecimento que considero de muito significado para a América do Sul, que foi a eleição do Sr. Fernando Lugo para presidir o país vizinho, integrante do Mercosul, o Paraguai.
Durantes décadas, o país esteve dominado por um único segmento, com uma coloração...
O Sr. João Pedro (Bloco/PT - AM) - Seis décadas.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Precisamente, seis décadas, é o que nos comunica o nosso Senador João Pedro, lá do Amazonas. Seis décadas, 61 anos de comando de uma oligarquia difícil, que instituiu também uma ditadura no Paraguai e submeteu aquele povo, uma nação inteira... Lá, 80% da população corresponde à nação guarani, são nativos que estão ali naquele país e que falam os dois idiomas: o espanhol, do colonizador, e o guarani.
Então, é muito significativa a eleição no Paraguai. Juntamente com a eleição de Fernando Lugo, houve a eleição direta dos primeiros parlamentares, pelo voto do povo, para compor o Parlamento do Mercosul, algo que a Argentina e o Uruguai farão em 2009, e o Brasil, em 2010. Os paraguaios são os primeiros a eleger Deputados, quer dizer, parlamentares, para o Parlamento do Mercosul pelo voto direto da população de seu país. As atuais representações foram indicadas pelos parlamentos. Nós, representantes do Brasil - nove Senadores e nove Deputados Federais -, fomos indicados pelas nossas Casas respectivas, o Senado e a Câmara.
Agora, a representação paraguaia é eleita pelo povo paraguaio para o Mercosul, o que enseja maior força para este Parlamento regional, o Parlamento do Mercosul, que reúne quatro países como membros; dois como associados, que são a Bolívia e o Chile; e um em via de ser membro permanente, a Venezuela; os demais, exceto as Guianas, são membros associados. Então, é um Parlamento que vai ganhando grande fôlego, grande papel e grande destaque.
Refiro-me especialmente a esta situação, que é a nossa relação com um país vizinho e a eleição de um homem progressista, da Igreja Católica, ligado à Teologia da Libertação, um bispo que deixou o seu bispado para disputar a eleição de Presidente da República e que a ganhou, o que tem um significado histórico para o Paraguai e para a América do Sul. Esse acontecimento tem muito significado político para a frente, para a unidade dos nossos povos.
A eleição de Fernando Lugo, conhecido como "bispo dos pobres" - V. Exª é conhecido como Mão Santa, e ele, como "bispo dos pobres" -, para Presidente do Paraguai confirma a tendência sul-americana de escolher governos voltados para o atendimento das necessidades de seus povos e dos povos do continente, e que se contrapõem às oligarquias regionais e aos representantes principalmente do imperialismo contemporâneo, que é o imperialismo norte-americano, essa nação poderosa que tem exércitos espalhados por todos os continentes.
Mal disfarçando sua torcida contra a vitória de Lugo - confirmada pelo eleitorado paraguaio no domingo -, a mídia conservadora do mundo e também brasileira arrolou, desde a campanha eleitoral, os possíveis problemas que sua escolha representaria. Seria um novo Evo Morales, diziam os jornalões, referência à defesa dos interesses do povo boliviano, que levou o governo daquele país a renegociar, de forma muitas vezes dura, tratados lesivos à sua soberania e aos direitos do seu povo.
A principal bandeira da campanha eleitoral do novo presidente paraguaio foi a defesa da revisão dos tratados com o Brasil e com a Argentina, concretizados há mais de duas décadas, quando as ditaduras das duas nações acertaram com a ditadura paraguaia o uso do potencial hidrelétrico dos rios que fazem a fronteira entre esses países.
A nossa opinião é a de que os contratos, os tratados, devem, sim, ser respeitados. Acho que Fernando Lugo deverá respeitar os contratos com o Brasil. E o Brasil, ao mesmo tempo em que exige o respeito aos contratos, deve ter uma relação amistosa, de confiança, com o governo do campo democrático e popular que o Paraguai acaba de eleger.
Outro problema é a existência de latifundiários na faixa de fronteira e mesmo dentro do território paraguaio, já mais distante da nossa fronteira, que são os plantadores de soja. Há grandes proprietários e muita mão-de-obra brasileira. Não podemos aqui fazer uma confusão entre latifundiários, sejam paraguaios, sejam brasileiros, e os chamados "brasilguaios", uma mão-de-obra barata, que foi levada do Brasil para se associar a uma mão-de-obra barata também do Paraguai. São duas coisas distintas: há os latifundiários no Brasil e no Paraguai e os trabalhadores dessas áreas, que são áreas rurais.
Com certeza, Fernando Lugo deverá examinar o potencial que seu país tem do ponto de vista produtivo, ainda mais se fizer uma ampla reforma agrária em seu país, que é o que devemos ao nosso povo secularmente, um problema do capitalismo que o Brasil não conseguiu resolver até hoje. Esse é um problema que também está instalado, entre as desconfianças que foram preparadas a respeito de Lugo, e que poderá ser afetado pela prometida reforma agrária que Lugo defendeu durante a campanha. Mas o principal item da campanha e da agenda com o Brasil é o Tratado de Itaipu, que viabilizou a construção daquela que é hoje a maior hidrelétrica em funcionamento no mundo.
Talvez o mais significativo, Sr. Presidente, seja ressaltarmos o papel dessa empresa. Como membro da Comissão de Infra-Estrutura do Parlamento do Mercosul, estive com deputados paraguaios e uruguaios. Formamos uma comissão de representantes dos parlamentos paraguaio, uruguaio e brasileiro e fomos até Itaipu. Fizemos uma visita a Itaipu. Itaipu não é uma empresa para ser privatizada ou estatizada. Itaipu é uma estatal binacional, pertence ao Brasil e ao Paraguai. Todo debate, toda discussão considera essas duas partes sempre. Fomos lá, e lá está, dividida ao meio: deste lado, "x" técnicos brasileiros; do outro lado, igual quantidade de paraguaios - diretor brasileiro, diretor paraguaio.
A dívida da construção de Itaipu, que vai sendo paga até 2022, é conjunta, respaldada pelo Brasil, que é a garantia de que aquele empreendimento será pago, serão pagos os seus empréstimos. E, a partir de 2022, a parte da energia fornecida e que é do Paraguai, esse país poderá vendê-la a quem quiser. Em 2022, todo o tratado de venda da energia será reexaminado, porque isso já faz parte do tratado. Claro, o principal comprador, evidentemente, é o Brasil. Mas, se alguém pagar mais pela energia, o Paraguai tem todo o direito de vendê-la, se não for utilizá-la.
Mas qual é a minha expectativa? É que, com o Governo novo, o Paraguai possa se desenvolver de tal sorte que não precise vender a sua energia, que ele consuma a sua energia. Para isso, o Governo brasileiro já se antecipou, através de Itaipu, através do BNDES e através da sua chancelaria, dizendo: "Vamos ajudar o Paraguai, vamos ajudar a estender as linhas de transmissão para poder fornecer a energia de Itaipu para que os paraguaios possam utilizar a sua energia". É inconcebível que o Paraguai tenha uma quantidade enorme de energia, que cruza o seu território e volta para o Brasil, e dela não possa se beneficiar.
O Brasil já se antecipou. O Governo do Presidente Lula, que já vinha conversando com o governo paraguaio, manifestou publicamente a intenção de aprofundar esses contatos. Depois da confirmação da vitória, o Chanceler Celso Amorim considerou justa a reivindicação paraguaia de renegociar o preço da energia comprada do Paraguai. O presidente eleito manifestou disposição semelhante e defendeu a racionalidade e a objetividade na negociação. Por que ele defende isso? Porque se trata de uma empresa paraguaia e brasileira. Não é uma empresa em que o Paraguai vai chegar agora e dizer: "Vou estatizar Itaipu". Não pode. Ela é uma empresa do Paraguai, pertence ao Paraguai, só que pertence ao Paraguai e ao Brasil. E é o empreendimento binacional de maior sucesso em toda a América, do Alasca à Patagônia. Não há empreendimento com tal força na área de produção de energia, com tal êxito, entre nenhuma nação dessa região do mundo que é a América, partindo do Alasca até a nossa Patagônia, já na América do Sul.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Inácio Arruda, Professor Cristovam Buarque, V. Exª, que é professor, deixe-me participar desse debate.
Temos que ser justos. Uma das páginas mais bonitas do Presidente Luiz Inácio foi ele ir à África, na sua missão de relações exteriores, e pedir perdão por termos tirado os filhos africanos nos navios negreiros - e Castro Alves bradava: "Ó Deus, ó Deus, onde estais que não respondes?" - e colocarmos aqui.
Entendo que foi uma grandeza do Presidente Luiz Inácio, mas também é uma grandeza nós reconhecermos, e por isso que somos os pais da pátria, que nós devemos muito ao Paraguai. A página mais vergonhosa da nossa história foi quando os paraguaios iniciaram uma fábrica têxtil para concorrer com o poder econômico perverso da Inglaterra... O poder econômico é perverso. Isso que nós estamos assistindo dos Estados Unidos no Iraque foi mais feio. A Inglaterra, numa concorrência...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - V. Exª me concede então um aparte?
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Vai já. Mas deixe-me explicar: numa concorrência do têxtil, porque quem ganhava o mundo, o comércio, eram os produtos ingleses - o tropical era inglês, a casimira era inglesa, todos os produtos têxteis, o linho era inglês -, então eles começaram a industrializar e a comercializar nesse mercado. Os ingleses deram dinheiro para o Brasil, para a Argentina e para o Uruguai para nós trucidarmos o parque industrial.
E mais: era Brasil, Argentina, Uruguai, a Inglaterra, com dinheiro, e os portugueses, que aqui estavam com medo dos franceses. Então, eram cinco países contra o nosso irmão Paraguai.
Então, quero que V. Exª, que é do Mercosul, inclua o meu nome para ir à posse do novo presidente resgatar essa atrocidade da nossa história.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Já está incluído.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Cinco países contra o Paraguai! É uma história vergonhosa!
Professor Cristovam Buarque, eu visitei o Museu do Paraguai e vi, em cartolina, escrito com pincel atômico essa vergonhosa história: cinco países contra ele. Então, é hora também de o Presidente Luiz Inácio - se ele não quiser, nós vamos lá -...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Claro!
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - ... pedir perdão por aquele massacre que foi feito ao país-irmão.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - É muito significativo o aparte de V. Exª, eu ia aparteá-lo para lembrar também o episódio de uma indústria desenvolvida por Delmiro Gouveia, um ipuense lá do Ceará, que resolveu que poderia represar águas, produzir energia elétrica e industrializar o Nordeste, produzindo tecido, produzindo linhas. E tinha uma linha, que hoje é chamada Linha Corrente Laranja, que pertencia aos ingleses, e os ingleses então começaram a perseguir o Delmiro Gouveia. Até hoje não foram esclarecidos o seu assassinato e a destruição das indústrias que ele começou a montar no Nordeste brasileiro.
É esse o tipo de enfrentamento. Por isto, eu considero que o Governo brasileiro tem que ser duro na defesa dos contratos e dos tratados que assinou, justos, mas sem perder a ternura para poder negociar.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB-PI) - "Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás." E Albert Einstein disse que não é a força que traz a paz, é o entendimento.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - É o entendimento, e, esse entendimento, defende Lugo e defende Lula. Devemos ter racionalidade e objetividade na negociação. O que ocorre?
O Paraguai consome, infelizmente, apenas 12% da sua parte de energia, o que corresponde a 6% da energia de Itaipu. Infelizmente! O que eu gostaria é que ele já consumisse mais, porque, se assim fosse, significaria que ele estaria mais desenvolvido, estaria progredindo mais, o seu povo estaria mais bem atendido. Uma nação nativa, com o povo guarani querendo ascender, querendo crescer, querendo se desenvolver, é lógico que tem que ter o nosso entendimento, que V. Exª levanta, que é a compreensão dos problemas para dar uma solução justa, adequada.
Veja o que ocorre: o preço da energia de Itaipu é cotado em dólar, e é evidente que o dólar está despencando no mundo. Muita gente acha que o dólar está despencando em prejuízo dos Estados Unidos. Não é isso. Ao despencar e ao se desvalorizar no mundo inteiro, os Estados Unidos não estão tendo prejuízo, estão ficando mais competitivos, os produtos americanos estão podendo ser vendidos com mais força no exterior. Como a energia é cotada em dólar, o preço da energia está caindo, o valor dessa energia está diminuindo, está decrescendo esse valor, porque o dólar está em queda. E nós comercializamos essa energia de Itaipu em dólar. Itaipu vende para o Brasil em dólar e vende para o Paraguai em dólar, pagando ao Paraguai também em dólar na parte que compra dele.
Então, a queda do dólar está causando prejuízo ao Paraguai e ao Brasil. Talvez tivéssemos de dizer que Paraguai e Brasil, unidos, vão usar outra moeda. Essa moeda não nos serve mais, essa moeda está prejudicando o Brasil e o Paraguai.
É bom examinar também desse ponto de vista, senão podemos nos enredar num problema que está longe de solução se nós tivermos como base da negociação a moeda norte-americana, porque ela está se desvalorizando, sobretudo em vantagem para os americanos e não em desvantagem. Eles têm um outro tipo de poder. Eles não têm só moeda; eles têm a moeda e têm as armas, têm as bombas, têm os aviões, têm os exércitos espalhados pelo mundo inteiro. Eles têm um outro poder de dissuasão diferente da moeda. A moeda é um dos grandes instrumentos, mas não é o único. Então, o que de principal nós devemos fazer com o Paraguai é um grande entendimento.
Lugo deve ser recebido no Brasil para um grande entendimento, e nós devemos ir, na pessoa do Presidente Lula, como temos ido seguidas vezes, ao Paraguai, para um grande entendimento.
Espero poder estar presente na posse de Lugo, acompanhado de V. Exª, para que a gente possa fazer esse resgate importante da história brasileira.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Um momento.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Pois não, Senador Cristovam.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Senador, eu não posso deixar de fazer um aparte ao seu discurso, pela importância dele e pela importância do assunto. O seu discurso teve a sua importância, e o assunto tem mais ainda. Nós vamos entrar em uma relação tensa, mas tensa em defesa dos interesses do Paraguai, que é obrigação do Presidente daquele país; e tensa pela defesa dos interesses do Brasil, que é obrigação do nosso Presidente. E aí eu quero dizer que, hoje, eu sinto uma certa tranqüilidade nesse momento dessa tensão, porque, se há uma coisa do Governo Lula - e eu reconheço que há diversas -, mas se há uma coisa, Senador Mão Santa, que a gente tem de reconhecer que está sendo feita com compromisso e competência é a política externa. Não se abriu mão de um compromisso e não se cometeu um erro. Isso é muito raro. Não se abrir mão de compromisso... Por exemplo, mandar tropa para o Iraque. Não; não se fez. Agora, ao mesmo tempo, sem mandar a tropa, com extrema competência não se criou um contencioso com os Estados Unidos. Creio que, pelo que eu ouço por aí, hoje no mundo existe uma espécie de instituição, que é o casamento da liderança do Presidente Lula com a competência e seriedade do Ministro Celso Amorim. Olhem bem: não há hoje um Ministro de Exterior com o prestígio do Ministro Celso Amorim, salvo aqueles cujo prestígio vem do país. A Ministra das Relações Exteriores do Estados Unidos tem prestígio porque, nos Estados Unidos, qualquer um que se colocar no cargo terá prestígio.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - A força do seu governo impõe o prestígio.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Impõe, como a Inglaterra também. A Ministra das Relações Exteriores de Israel se torna importante pelo fato de ali se ter um foco de tensões. Raramente o mundo teve um Ministro das Relações Exteriores de um país como o nosso, emergente, ou pequeno, como outros, com tanto prestígio. Eu lembro o Butrus Gali, do Egito. Realmente, ele conseguiu ser. Mas ali havia guerra, e, quando há guerra, os estadistas...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Emergem.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - (...) se sobressaem, a um custo muito alto, sobre o qual vou falar no momento em que chegar no Paraguai. Hoje conseguimos ter um Ministério das Relações Exteriores com um respeito no mundo inteiro que raramente acontece, e penso que nunca aconteceu no Brasil, que eu me lembre. Até porque ele é o que dura mais depois do Rio Branco. O Rio Branco talvez tivesse mais prestígio, mas ali o prestígio era local. Não havia a globalização de hoje. O Ministro Celso Amorim encarna uma política de compromissos e uma competência. Voltando ao compromisso: o papel na África. O Brasil hoje está presente na África, onde nunca esteve. Eu lembro, com todo o respeito que tenho ao ex-Presidente Fernando Henrique, que ele fechou a Embaixada da Tunísia e a Embaixada da Tanzânia para poupar alguns mil dólares. E, para se colocar essa bandeira em um país, merece serem gastos muitos dólares, sim, além de trazer outras vantagens; e também o prestígio que o Ministro Celso Amorim está tendo, que o anterior não teve porque fechava embaixada em vez de abrir. Há uma alta relação positiva benefício/custo na política externa. Eu defendo dinheiro para a educação, mas, na educação, se colocarmos menos de cinco bilhões, não mudamos nada; na política externa, se pusermos cem milhões, adquirimos uma presença internacional e conseguimos, inclusive, embora não seja essa a finalidade, aumentar os negócios do País. Mas não é essa a finalidade principal da política externa; é algo mais. Então, a política externa do Brasil hoje tem sido sem erro de competência e sem margem de acabar com o compromissos. Então, eu não tenho o que falar. E isso é que me dá tranqüilidade em relação ao Paraguai. Eu, às vezes, digo que o próprio Presidente Lula se preocupa muito com o presente, com a popularidade. Na política externa, ele tem dado exemplo de se preocupar com o que vem em longo prazo. Querem ver um exemplo? Se quisesse popularidade, ele teria comprado briga com o Presidente Evo Morales. Ah, teria alta popularidade! Se mandasse tanques de guerra para a fronteira com a Bolívia - bastava chegar perto -, ele viraria o rei do Brasil, porque outros presidentes fizeram isto: fazem guerra para unir o seu povo. O Presidente Lula resistiu a todas as pressões que pudessem acontecer do ponto de vista de insuflar o clima de beligerância com a Bolívia e se manteve firme no diálogo. Quando houve - chamemos assim - a "tomada" da refinaria da Petrobras, o espírito - e vim aqui fazer discurso pela paz, contra a corrente - era de invasão, de briga. E o Presidente Lula agiu com competência - e não se pode deixar de falar - graças ao fato de ter junto um Celso Amorim. Claro que o mérito de ter escolhido o Celso Amorim é do Lula. Esse casamento tem sido bom, e é isso que me dá certa tranqüilidade hoje. A gente vai entrar no contencioso, porque espero que o Presidente do Paraguai cumpra o que prometeu ao seu povo, e ele prometeu negociar com o Brasil. Espero que ele cumpra isso, e espero que o nosso seja capaz de defender o Brasil. É aí que a competência do Ministro Celso Amorim e de toda equipe - não vamos falar só do Ministro -, há uma equipe ali...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - O corpo diplomático está muito afinado.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Que o corpo diplomático consiga não abrir mais do que o Brasil deve e, ao mesmo tempo, não ameaçar o Paraguai em nada. Concluo lembrando a Guerra do Paraguai. É preciso que o Brasil estude mais. É claro que há razões para o Paraguai ter mágoas. Gente, morreram 300 mil paraguaios! Tomando as populações de hoje, isso significaria nove milhões de brasileiros. Já pensou se o Brasil perdesse 9 milhões de pessoas numa guerra contra um país, por quantos séculos a gente teria ódio desse país? Acho até que os paraguaios abriram mão, Senador Mão Santa, que trouxe esse assunto, com muita rapidez. E mais: quase todos os mortos eram homens, o que criou inclusive um desequilíbrio populacional que durou décadas.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Crianças.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Não. E também crianças e mulheres.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Eles mandaram crianças para a guerra porque não havia mais adultos.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - É verdade. Engraçado, no Brasil, foram só homens porque foram à guerra; mas, no Paraguai, foram crianças e mulheres porque entraram lá nossos soldados, os da Argentina e os do Uruguai, armados pela Inglaterra, como disse o Senador Mão Santa. É natural que eles tenham suas mágoas e é obrigação da gente pedir desculpas. O Senador Mão Santa falou bem. Acho que a gente deve pedir desculpas. Já devia ter feito. Agora, não, porque, se pedir desculpa agora, parece que é por causa de Itaipu. Deixe passar alguns anos. Mas é preciso muito competência. Esta Casa tem uma responsabilidade. O Senado não pode se transformar na Casa do conflito, do insuflamento; tem que ser a Casa da pacificação, da negociação.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Ô, Cristovam, estamos fazendo muito. A Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional fez o nosso Presidente pensar. No início do Governo, um bocado de aloprado quis ser embaixador. Aí a Comissão começou a dar bola preta, bola preta. Aí o Governo aprendeu que é só do Itamaraty. É tudo bola branca. Melhorou. Então, o Presidente Luiz Inácio teve inspiração e sorte ao nomear Celso Amorim, que tem sido para o Presidente Luiz Inácio o que Henry Kissinger foi para Nixon.
Aliás, lembro que Celso Amorim foi do governo anterior também, é um especialista. Henry Kissinger teve tamanha competência que terminou a guerra do Vietnã, acabou com aquela confusão de Guerra Fria. Celso Amorim tem sido para o Presidente Luiz Inácio o que Henry Kissinger foi para Nixon - aliás, continuou até o governo Ford.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Encerro então, Senador, lembrando o Mercosul, do qual fazemos parte. Domingo, outra vez, vamos a uma reunião. Estou de acordo com a sua preocupação de que é preciso dar um salto. É uma grande coisa. O Paraguai demonstrou que está na frente da gente, elegendo pelo voto direto seus parlamentares. Creio que a Argentina também...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Argentina e Uruguai farão em 2009.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Farão em 2009, tem razão, e nós faremos em 2010. Ali está o embrião da futura unidade latino-americana, ali está o que Bolívar sonhou quando pensou em unificação, e ali temos nós - V. Exª, eu e outros - uma grande responsabilidade por sermos os primeiros parlamentares do Parlamento do Mercosul. Aliás, acho que deveríamos mudar o nome, porque "merco" vem de economia, tem a ver com bolsa, e não com parlamento.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - E bolsa é muito sensível...
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Tinha de ser o Parlamento dos Países do Sul, algo assim. De qualquer forma, é um Parlamento do qual o povo brasileiro ainda vai ouvir falar muito. Para mim é uma honra ser seu companheiro nesse Parlamento.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - É uma honra também para mim ter V. Exª participando comigo daquele Parlamento. V. Exª tem uma trajetória de Governador de Estado, de reitor, de professor de universidade e fala do Mercosul na condição também de economista. V. Exª chega e diz que deveria ser Parlasul, o Parlamento da América do Sul e não do Mercado do Sul. É um economista mostrando que o caminho mais adequado não é deixar tudo na mão do mercado, porque o mercado hoje até chora, ri, sobe, desce, e o povo sempre sofre quando o mercado se agita.
Então, quero dizer que V. Exª ilustra, significativamente, este pronunciamento que nós fazemos aqui em relação à eleição do Paraguai, que elegeu um ex-bispo, um homem do povo paraguaio que, tenho certeza, irá dirigir com muita dignidade os interesses daquela população.
E considero aqui o aparte do Presidente dos trabalhos neste momento, que mostrou o que significou aquela guerra e quais eram os interesses que estavam por trás dela: eram os interesses de não deixar que a América do Sul se industrializasse. Tratava-se de sufocar a incipiente indústria que nascia; ela foi massacrada, destruída.
E eu fiz um paralelo lá com o Nordeste brasileiro, com Delmiro Gouveia. A gente podia ter começado a industrialização muito mais cedo no Nordeste brasileiro, mas ficamos atrasados em relação às outras regiões brasileiras, ficamos atrasados em relação ao Sudeste. O Norte também se atrasou por pressão das forças da época, do imperialismo da época, que era o imperialismo inglês, que também ocupou vasta área do planeta com seus exércitos.
Quero encerrar o meu pronunciamento voltando-me para essa atitude...
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Um instante.
Professor Cristovam, a historia é uma só.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Claro.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Ele citou aí que o Simón Bolívar... O nosso Dom João VI, quando diz: "Filho, coloque a coroa antes que um...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Antes que um aventureiro o faça.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - O aventureiro era esse Simón Bolívar, que andava derrubando tudo o que era rei.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Libertou...
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Mas havia alguns aventureiros aqui dentro. Eu só queria retomar - desculpem a interrupção - essa idéia do mercado.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Claro.
O SR. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Essa idéia do mercado merece um debate aqui também. Hoje eu não tenho a menor dúvida de que sem mercado a gente não caminha bem, mas só com o mercado a gente caminha pior. Eu até diria que o mercado é o termômetro; a penicilina é o Parlamento.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Isso é verdade.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Desculpe se eu estou usando metáforas médicas, Senador Mão Santa, pois posso cometer erros...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Puxou das mãos do Mão Santa.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Sem termômetro, poucos médicos conseguem orientar-se bem. Agora, termômetro não cura ninguém. O que cura é a penicilina, é a cirurgia, é uma mão santa, e isso não é o mercado. Mercado não cura; mercado indica. A gente tem de levar em conta, sim, o mercado; ele não pode ser ignorado. Muitos de nós, durante muitos anos, achamos que o Estado era capaz de definir a eficiência pela simples ciência do planejamento. Não. O mercado leva em conta os instintos, os gostos que estão dentro dos seres humanos, sem necessidade da opressão, da disciplina imposta pelo Estado. Agora, se for só o mercado, as coisas não andam bem. Dou um exemplo. É claro que a gente deve aproveitar essa situação da crise energética para produzir biodiesel, mas, se deixar nas mãos do mercado, os estômagos vão ficar vazios para encher os tanques dos automóveis, porque os tanques dos automóveis têm dinheiro; os estômagos não vão ter dinheiro. Aí, o mercado não funciona.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Claro.
O Sr. Cristovam Buarque (PDT - DF) - Estômago só é satisfeito pelo mercado para os que têm dinheiro: entram no supermercado e compram. Para os que não têm, não é o mercado que resolve, é uma política humanista, de parte do Estado, dos governos, usando o dinheiro arrecadado de todos e repassando àqueles que não têm dinheiro para comprar. Então, temos que casar os parlamentos, como símbolos da democracia, e os mercados.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - E compreender que o mercado... Fica sempre a idéia de que o mercado foi criado simplesmente pelo capital. O mercado vem da Antiguidade; os mercados e os mercadores vêm de antes de Cristo. O capitalismo é mais recente, é muito novo. Não foram os capitalistas que criaram o mercado. O mercado é um instrumento de regulação dos negócios do mundo há milênios; não é uma obra de duzentos, trezentos anos atrás, mas de milênios.
Talvez o fator mais significativo e importante que temos de registrar - e o Senador Cristovam busca cristalizá-lo em seu aparte - seja essa possibilidade de transformar a política de relações exteriores do Brasil na América do Sul em algo muito forte, de muita unidade.
Vejam que a principal competição esportiva da América do Sul se chama Taça Libertadores da América. É uma clara alusão aos libertadores. Não era só o Bolívar: era Bolívar, era Sucre, era Miranda, era Abreu e Lima, que foi convocado para aquela turma para sair libertando a América, eis que já não havia mais compatibilidade entre as matrizes, as sedes das colônias em Madri e em Lisboa, e a realidade vivida pelos povos dessa região.
Além do mais, a civilização aqui era antiga. Tínhamos três grandes civilizações - Incas, Astecas e Maias - que foram praticamente dizimadas por esses colonizadores. Um dos livros espetaculares de Darcy Ribeiro trata disso. As Américas e as Civilizações é um livro excepcional, que todos nós deveríamos ler e examinar, entre outros títulos de Darcy Ribeiro. Esse título é significativo, porque mostra que aqui tínhamos civilizações avançadas, que tinham um espírito de atuação com o próprio mercado. Os Astecas tinham empresários, tinham um mercado. Eles foram destruídos e dizimados, assim como os Incas.
Então, nós poderíamos tratar essa política exterior brasileira... Disse bem o Senador Cristovam Buarque: é a intuição forte e bem compreendida de Lula casada com uma figura excepcional, que é Celso Amorim, nessa arte de discutir o problema de países, e países vizinhos. Entre países vizinhos sempre surgem problemas. Sempre aparecem muitos problemas entre países vizinhos, mas com muita arte, com muita sabedoria, esses problemas podem ser discutidos.
Quem mais tem tido vantagens hoje, Senador Cristovam, em relação à ação na América do Sul, é o Brasil. O Brasil é superavitário em suas relações comerciais com todos os países da América do Sul. Quer dizer, o Brasil vende muito mais do que compra desses países. No entanto, deveria ser o contrário. O maior mercado é o Brasil, a maior população é brasileira, a maior economia é a brasileira, mas nós somos os que mais vendemos. Mesmo quando se trata da Venezuela, de quem compramos petróleo, a balança comercial tem distorção brutal: são US$5 bilhões que vendemos para lá contra aproximadamente US$300 milhões de dólares de lá para cá. É um descompasso absoluto!
Por isso é importante para o Brasil essa figura excepcional de Celso Amorim, que tem de lidar com esses interesses todos, que são interesses econômicos, políticos, sociais. É preciso estar atento a todos eles.
O corpo diplomático, a chancelaria brasileira está muito sintonizada com a situação que vivemos. Os nossos embaixadores estão muito antenados com os interesses da política externa brasileira conduzida por Lula e por seu Ministro das Relações Exteriores Celso Amorim.
Tenho a convicção de que vamos nos sair bem nessa negociação com o Paraguai. Devemos nos conduzir com racionalidade, com dureza se for preciso, mas a ternura deve sempre estar à frente, pois se trata da unidade sul-americana.
Essa unidade ajuda os povos da América do Sul e, por isso, ajuda muito o Brasil. Se o Brasil souber e tiver a capacidade de dar passos firmes para consolidar essa política, sairia mais forte e mais consagrado na América do Sul.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Senador Inácio Arruda, V. Exª é do Parlamento, eu não sou - V. Exª não me convidou -, mas quero dizer que a Alemanha melhorou com o mercado europeu. A dificuldade lá é só a língua. A Espanha, por exemplo, tem o catalão, tem o basco, tem o espanhol, tem o galego. Nós praticamente só estamos hoje com uma língua na América do Sul, é o portunhol. Isso é uma realidade.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Isso é verdade.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Quem faz a língua é o povo, é o garçom, é o motorista. Então nós estamos simplificando. Não dizemos mais "obrigado", que é complicado. Dizemos gracias. Eu sei que é uma realidade. Quem faz a língua é o povo. Morrem as outras. O latim, quem estudou...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - No portunhol, o gracias fica mais perto de graças. Então, fica-se sempre com o que é mais fácil.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - O portunhol é uma realidade. Hoje, você entra em um país desses e o garçom, o motorista...
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Há um perfeito entendimento entre os nossos povos.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - Quem faz a língua é o povo.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Essa é a minha opinião; ou seja, devemos consolidar a nossa política de relações com os países da América do Sul.
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI) - V. Exª sabe que o Jânio Quadros... Ele que era um lingüista, um professor de português, chegou a pensar nisso.
O SR. INÁCIO ARRUDA (Bloco/PCdoB - CE) - Ter uma língua só na América do Sul. Enquanto não temos uma língua só, é bom aprendermos bem o português e bem o espanhol. O portunhol vai ficar muito mais fácil se compreendermos bem as duas línguas, com as suas diferenças, com as suas peculiaridades, com os seus sentidos para cada palavra que, às vezes, são muito parecidas com as nossas, mas têm um sentido...
O SR. PRESIDENTE (Mão Santa. PMDB - PI ) - O galego é isso. O galego é exatamente isto: a mistura do espanhol com o português.
O SR. INÁCIO ARRUDA (PCdoB - CE) - O galego é a nossa interseção. Se você falar com o galego, ele vai dizer que são os criadores do português e do espanhol ao mesmo tempo.
Quero concluir reafirmando a minha convicção, a convicção do meu Partido e a nossa confiança na política externa brasileira, na política externa comandada pelo Lula, mas com essa figura excepcional que é o Ministro Celso Amorim, juntamente com todo o corpo diplomático brasileiro.
Apenas um reparo, para que não cometamos nenhuma injustiça, dois grande brasileiros foram Embaixadores, meu caro Mão Santa: Paes de Andrade, em Portugal; e Tilden Santiago, em Cuba. S. Exªs são também duas personalidades da vida política brasileira que buscaram desempenhar, mesmo não sendo diplomatas de carreira, sua atribuição de forma muito eficiente, com o apoio extraordinário do corpo diplomático.
Quero reafirmar minha convicção de que o Brasil terá ganhos significativos se usar sua sabedoria, sua inteligência, sua capacidade de convencimento em um debate frutuoso com o Paraguai, com a sua nova administração tendo à frente o Presidente Fernando Lugo.
Muito obrigado, Sr. Presidente.