Fernando Collor SF 13-08-2008

O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho manifestado, nesta Casa, minha preocupação com o arco de instabilidade que cerca o Brasil na América do Sul, e com a manipulada disseminação de sentimentos antibrasileiros.
No entanto, minha maior preocupação, no momento atual, é com a Bolívia. Após a vitória autonomista nos referendos dos Departamentos da Media Luna, Santa Cruz, Beni, Pando e Tarija, a realização domingo, 10 de agosto, do referendo revocatório, longe de ser sinal de calmaria, mostra a profundidade dos sinais de divisão do país irmão. A vitória do presidente Evo Morales e a reafirmação de suas diretrizes políticas dificilmente levarão à diminuição dos antagonismos, muito enraizados.
Temos, na Bolívia, Senhor Presidente, a superposição de duas poderosas e perigosas clivagens. De um lado, a divisão regional, com a região mais rica da Media Luna em busca de autonomia e, de outro, a cisão étnico-social, de que se aproveitam forças políticas para acirrar a desconfiança entre compatriotas.
Existe, na Bolívia, até mesmo o perigo de desmembramento, de esfacelamento do país. A própria Organização dos Estados Americanos tem se manifestado sobre esse perigo. A gravidade da situação é atestada por fatos recentes. O Presidente da República não pode transitar livremente em seu próprio país. Já existem áreas que lhe são proibidas. Como fator que alimenta, e piora divisões internas, temos a interferência externa. A abortada viagem dos Presidentes da Venezuela e Argentina à Bolívia, para prestar apoio e solidariedade ao Governo Central Boliviano, às vésperas do referendo revocatório de domingo, mostra o explosivo potencial desta crise.
Não temo estar exagerando ao dizer que a conjunção de fragmentação étnica e territorial e a interferência externa são fatores que também estiveram presentes nos Bálcãs, no período que antecedeu a Primeira Guerra Mundial. Embora, felizmente, ainda estejamos longe daquele tipo de cenário, os fundamentos de instabilidade não podem ser ignorados.
Para o Brasil, temos três ordens de perigo na situação de crescente instabilidade da Bolívia: a ameaça ao fornecimento energético, a vulnerabilidade da população brasileira lá estabelecida, e que viria a refugiar-se em seu próprio país, e a consolidação econômica e democrática do Mercosul.
Reitero, Sr. Presidente, Senhoras e Senhores Senadores, que o Brasil deve estar preparado para enfrentar as vicissitudes que se avolumam em seu entorno. Devemos construir cenários que contemplem essas ameaças e nos anteciparmos aos fatos, procurando agir de forma preventiva. Devemos atuar com firmeza e determinação no repúdio às interferências indevidas, buscando sempre exercer nosso papel de promover a paz e a estabilidade.
No caso da Bolívia, o Brasil pode contribuir como elemento de aproximação entre as partes, desobstruindo canais de comunicação, em papel construtivo e não divisivo, em prol da paz e da estabilidade em nosso subcontinente. Para isso, contamos com a capacidade de nossa diplomacia e nossa dimensão geopolítica e econômica. Cumpre apoiar os países de menor desenvolvimento, mas com políticas compensatórias de Estado.
Outra vertente da preparação para a crescente instabilidade de nosso entorno incumbe às Forças Armadas. Seu adestramento e reequipamento são essenciais para nossa segurança. Saúdo a realização da operação Poraquê, na Amazônia, e da Operação Combinada Atlântico, em setembro, no litoral do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo.
As recentes descobertas petrolíferas na costa brasileira são fatos auspiciosos para nossa economia, mas, ao mesmo tempo, abrem novo flanco a ser defendido. A revitalização da 4ª Frota dos Estados Unidos da América é, por si, sinalização da importância estratégica das descobertas energéticas em momento de escassez e altos preços do petróleo.
O Brasil, por sua tradição diplomática de conciliação, tem natural responsabilidade com a estabilidade, a paz e a segurança em seu entorno. Tenho a certeza de que nossos diplomatas possuem a condição, por sua vocação para o diálogo e negociação, reconhecida internacionalmente, de agir como catalisadores de um processo de desarmamento de espíritos e de promoção do entendimento no país irmão. É vital para o Brasil uma Bolívia sem impasses, estável e próspera.
O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Permite-me, Excelência?
O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Pois não, Senador Gerson Camata.
O Sr. Gerson Camata (PMDB - ES) - Ilustre ex-Presidente e Senador Fernando Collor, V. Exª toca num assunto que é exatamente uma das atribuições do Senado Federal, e o faz com o conhecimento que V. Exª tem, certamente mais do que nós, pelo fato de ser um ex-Presidente da República e conviver com os Chefes de Estado vizinhos e com os problemas dos nossos vizinhos. V. Exª põe o Brasil na posição que ele deve ficar: como uma força conciliadora que possa unir as partes divergentes, até para, depois, não sofrer as conseqüências das dissensões que estão a caminho no país vizinho. E é necessário que se registre que V. Exª deu, como Presidente, uma grande contribuição para esse papel que o Brasil deve exercer. Naquela época, preparava-se, nas divisas do Brasil com os nossos vizinhos, um aparelhamento para experiências atômicas. O Brasil estava na corrida armamentista em busca de artefatos nucleares explosivos, e V. Exª teve a coragem de ir lá desativar aquelas instalações e mandar fechar aquele - eu vou dizer o nome popular - buraco que estava lá, pronto para receber esses experimentos e prepará-lo para isso. De forma que V. Exª tem autoridade moral para pregar o que V. Exª prega, pelo gesto que V. Exª praticou, corajoso à época, em favor da paz e da pacificação e da boa convivência do Brasil com seus vizinhos sul-americanos. Cumprimento V. Exª pela oportunidade do seu pronunciamento.
O SR. FERNANDO COLLOR (PTB - AL) - Muito obrigado, Sr. Senador Gerson Camata. V. Exª cita uma passagem que realmente foi muito importante para a pacificação do nosso Cone Sul. E essa decisão tomada não foi somente graças ao Governo brasileiro, que tinha a minha pessoa à frente dos destinos do País, mas também ao Presidente Menem, da Argentina.
Havia uma corrida armamentista muito grande entre as nossas Forças Armadas e as Forças Armadas argentinas, e uma desconfiança mútua entre as nossas Forças Armadas e entre os nossos países. E foi numa conversa que tivemos em Buenos Aires que resolvemos pôr fim a essa corrida armamentista, ao mesmo tempo em que nós banimos do nosso subcontinente, banimos do nosso entorno todo e qualquer experimento em torno de armas biológicas e de armas químicas.
Foi um grande passo dado no sentido da busca da estabilidade nessa região, que devemos também à ampla compreensão que o Governo argentino teve à época, Senador Gerson Camata. Muito obrigado pela sua participação e pelo enriquecimento que V. Exª dá ao meu pronunciamento.
Finalizando, Sr. Presidente, é vital para o Brasil uma Bolívia sem impasses, estável e próspera. É isso que todos nós acreditamos ser possível realizar.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.