Sergio Zambiasi-SF 14-02-2007
SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, colega, conterrâneo e amigo Senador Paulo Paim, que preside a sessão desta sexta-feira, 14 de dezembro.
Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srªs e Srs. Senadores, venho à tribuna para celebrar um ano de Parlamento do Mercosul. Exatamente no dia 14 de dezembro do ano passado, tivemos o privilégio de constituir aqui, neste plenário, com a presença do Presidente Lula e de representantes de todos os países membros do Mercosul, o Parlamento do Mercosul, instalado posteriormente em Montevidéu, que é sua sede permanente.
Esse é um fato que deve ser lembrado, porque, por meio do Parlamento, constituímos a cidadania mercosulina e sul-americana, que tanto temos defendido aqui. Sabemos que é um processo ainda incipiente, lento, gradual, que, porém, vai se afirmando, assim como aconteceu com a União Européia e também com o Parlamento Europeu.
Foi justamente nesse dia 14 de dezembro, em 2006, que a nova instituição, o Parlamento do Mercosul, foi constituído em sessão solene, aqui, como falei, no plenário desta Casa, com a participação especial e significativa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Aquele momento marcou a conclusão de um longo processo de construção dessa instância legislativa regional, que contou com o esforço coletivo de autoridades, de parlamentares e de técnicos. Com o Parlamento do Mercosul, aprofundamos o marco institucional da integração no Bloco.
Hoje, tenho orgulho de ter participado daquele momento e, também, posteriormente, do primeiro ano de vida do Parlamento do Mercosul. Ainda jovem, dando seus primeiros passos, a instituição vem correspondendo às expectativas de todos.
Nesse tempo, realizamos oito sessões plenárias, que adotaram importantes decisões do interesse comum da região. Aprovamos o regimento interno e instalamos as comissões permanentes, dando vitalidade para o novo organismo democrático.
Agora, já sob a liderança do Senador Geraldo Mesquita Júnior, Presidente da Representação Brasileira no Parlamento do Mercosul, e do Deputado Dr. Rosinha, 1º Vice-Presidente pelo Brasil da Mesa Diretora da instituição, constituímos, seguramente, a bancada mais presente e atuante em todas as sessões do Parlamento do Mercosul, em Montevidéu.
Imbuídos de um sentimento coletivo de integração além das diferenças políticas e ideológicas, buscamos apontar caminhos concretos, para tratar dos diversos temas que mobilizam a região, como o acesso à educação, a integração energética e o desenvolvimento econômico e social equilibrado entre os países.
Nesse período, também enfrentamos diversas situações políticas relacionadas com os países-membros, em processo de adesão ou associados ao Mercosul, que intensificaram a reflexão sobre os caminhos da integração em nosso continente.
O mais recente, que exigiu e continua exigindo mais atenção, é o que envolve a Venezuela e todo o debate em torno da aprovação do protocolo de adesão daquele país ao Mercosul e, em conseqüência, da integração definitiva de seus parlamentares ao Parlamento do Bloco.
Desde o início dos debates, defendi a adesão da Venezuela ao Bloco, por considerar fundamental levarmos o Mercosul ao norte, ampliando sua força territorial, econômica e social. A Venezuela é o terceiro Produto Interno Bruto (PIB) da América do Sul, estratégica, portanto, em termos energéticos e importante parceira comercial do Brasil.
Antepondo-se, de certa forma, a esses atributos, convivemos, nesses últimos meses, especialmente no último ano, com a figura do Presidente Hugo Chávez, que, por postura e declarações, levaram diversos setores sociais, econômicos e políticos a questionar a presença da Venezuela no Mercosul.
Ao longo dos debates, argumentamos que, mais do que um eventual Presidente e suas posições ou declarações pessoais, o processo de integração envolve nações e povos. Os presidentes passam; às vezes, até permanecem mais do que se pode imaginar, mas vão embora. A nação fica. Os povos estão aí e, seguramente, sabem reagir a gestos que, muitas vezes, nos levam a reflexões, exatamente por comportamentos fora do contexto. Mas acreditamos na força e no vigor da democracia sul-americana, jovem ainda, mas que começa a dar sinais muito fortes e muito vigorosos. A prova está exatamente no recente plebiscito realizado na Venezuela, com seu resultado que contrariou todas as expectativas locais, regionais, internacionais, derrotando-se o próprio Presidente Hugo Chávez na tentativa de aprovar uma nova Constituição, com a qual o povo venezuelano não concordou. Isso corrobora, realmente, a veracidade dessa idéia e o novo sentimento de democracia com o qual estamos vivendo.
Nunca é demais lembrar a história da construção da União Européia, que nasceu dos escombros da Segunda Guerra, fruto de acordos entre países que se enfrentaram de forma sangrenta nos campos de batalha, e que, ao longo das décadas seguintes, uniu países com culturas, regimes políticos, interesses econômicos e credos religiosos diversos, além de realidades internas convulsionadas, em muitos casos com a presença ativa de grupos radicais.
Assim, é fundamental que os demais países da região contribuam positivamente, de forma integrada e colaborativa, para aprofundar o processo de democratização, não apenas na Venezuela, mas em todo o continente sul-americano.
A Bolívia também merece de nós toda a atenção. É membro associado, porém ainda não manifestou interesse em se fazer membro pleno, como é o caso do Paraguai, do Uruguai, do Brasil e da Argentina e, agora, da Venezuela, que está em processo de adesão.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Sérgio Zambiasi, V. Exª me permite um aparte?
O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Senador Mão Santa, ouço V. Exª.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Vamos entender as coisas: hoje, é tido como maior administrador do mundo o Sr. Jack Welch, que tem um livro na área da Administração. Ele foi quem soergueu a General Motors (GM). Bill Clinton, quando ia jogar golfe, convidava Jack Welch - aquele jogo é demorado, não é da nossa cultura -, para ficar conversando e aprendendo. Senador Paulo Paim, ele deixa claro, nos seus livros, que mais inteligente do que inventar e imaginar - isto é só para os iluminados, como Einstein - é copiar, é imitar. Então, temos de copiar o modelo que soergueu a Europa, que estava decadente. Depois da guerra, foi um descalabro, e eles fizeram essa União Européia, com as idéias, com os costumes, com a cultura, soerguendo a Europa. Então, temos de unificar. É aquele sonho de Bolívar. Quanto à Venezuela - este Brasil é grande -, o nosso Estado de Roraima vive em função daquele país. Eles vão lá buscar cultura, civilização, pela proximidade geográfica. Lá vão buscar até petróleo, bem mais barato do que o nosso. Há intercâmbio cultural. E mais: estive lá, representando este País, e fui convencido por um membro da Embaixada - eu queria ir a Bahamas, no fim de semana - de que deveria ir para Isla Marguarita. E tive uma surpresa quanto ao número de brasileiros que trabalhavam no hotel: o maítre, o taxista. O Brasil está colado ali. Temos de pensar, sobretudo, no nosso Estado de Roraima, que fica longe daqui. Vi uma grande quantidade de estudantes brasileiros em Caracas, pela proximidade. Um quadro vale por dez mil palavras: a cidade de Corrente, que fica no sul do Piauí, é mais próxima de Brasília do que de Teresina; então, há uma grande quantidade de sulistas do Piauí em Brasília, que vêm até para fazer um tratamento médico. É a mesma coisa que vejo com relação à necessidade dessa aproximação. Mas tenho a certeza de que ninguém é melhor do que V. Exª para nos representar lá no Uruguai. Esta nossa civilização, ao longo da história, é hispano-portuguesa. Eles brigaram. Até aquela cidade defronte de Buenos Aires, Colônia, fundada por um carioca, era de Portugal, e, depois, a Espanha a tomou. Então, eles dominaram essa cultura hispano-portuguesa. Está aí um fato que nem V. Exª nem ninguém pode tirar: foi uma pena Jânio Quadros renunciar! Ele teve a visão de juntar o espanhol e o português. Esta é uma realidade: o portunhol. É uma realidade. A língua se torna obsoleta. Cadê o latim? É o italiano, é o povo. E o que há de povo, garçom, motorista, simplificando as duas línguas! Então, V. Exª tem esta missão: acelerar essa unificação. Como disse Jack Welch, não é feio imitar, não. Está aí a unidade européia. Meus parabéns! E me convide para suas viagens!
O SR. SÉRGIO ZAMBIASI (PTB - RS) - Obrigado, Senador Mão Santa.
Na realidade, é bonito ouvir um depoimento tão rico e tão profundo de uma pessoa que lê muito, que se informa muito, como o Senador Mão Santa, e que conhece tanto a questão não apenas sul-americana, mas também a questão européia e que entende as razões da integração.
Penso que temos de, definitivamente, entendermos que a América do Sul pode realmente fazer o processo de enfrentamento com os demais blocos, transformando-se num grande bloco social, humano, econômico.
Efetivamente, temos relações de fronteira muito fortes. É o caso do Rio Grande do Sul, com uma longa fronteira com o Uruguai e com a Argentina. Lá o portunhol é a língua mais falada. As famílias já estão integradas, já convivem entre si. Lá já existe o papel de fronteiriço, da carteira de fronteiriço com seus direitos, mas ainda falta integrar e internalizar muitas normas, para que efetivamente consigamos oferecer à população a percepção da integração. Economicamente, essa integração já existe. A prova está na presença do Presidente Lula na Venezuela desde ontem, estreitando os laços econômicos, comerciais e de amizade, até num momento complexo, exatamente nesses dias em que as fraturas ficam mais expostas, em função do plebiscito venezuelano, em que o povo da Venezuela disse um "não" contundente a uma perspectiva de perpetuação do poder. Isso, obviamente, consolida a visão de democracia no mundo. E houve a própria sensatez do Presidente Chávez, que acolheu a decisão popular. Isso nos dá a certeza de que a democracia começa a ficar mais sólida.
Há preocupações, sim, com alguns países. A Bolívia é uma preocupação, seguramente. Hoje mesmo, o exército boliviano está em prontidão, mas esperamos que as questões internas sejam resolvidas, e o Brasil, especialmente, tem uma enorme responsabilidade na manutenção da paz, do equilíbrio, da estabilidade no nosso continente. O Brasil, talvez, seja o mais responsável de todos, exatamente porque já fez todas as guerras que tinha de fazer.
Portanto, com todas essas experiências que remontam aos séculos XIX e XX, temos a convicção de que o Brasil saberá produzir o papel que lhe cabe na história, para que saiba bem conduzir os destinos da América do Sul.
Nós, ainda hoje, na maioria dos países do nosso continente, pagamos o preço das ditaduras, dos bipartidarismos oligárquicos e de um sofrido e, por vezes, conturbado aprendizado popular do exercício da democracia.
Nesse sentido, entendo que devemos ter uma posição ampla, com visão estratégica de futuro com relação a qualquer processo de adesão, seja da Venezuela, da Bolívia ou de qualquer outro país sul-americano, independentemente da sua condição social, econômica ou política, exatamente como fez a União Européia.
Realmente, Senador Mão Santa, temos nos inspirado muito na União Européia, que nasceu dos escombros da Segunda Guerra Mundial, entre países que combateram entre si e que entenderam que somente sua união, seu trabalho conjunto poderia resgatar a auto-estima e o crescimento econômico e social naquele continente. Hoje, vemos a pujança da Europa, exatamente por essa visão de futuro, instalando, hoje, a moeda única, o Euro, a moeda mais forte do globo terrestre.
E, aqui, já se começa a discutir embrionariamente a possibilidade de uma moeda única no Mercosul, a moeda do Mercosul, que facilitará, inclusive, as relações.
Mas temos muito, muito a fazer ainda. Ainda há muitas burocracias de fronteiras. Há ainda muitas situações a serem resolvidas, como a presença de populações ilegais nos países. Precisamos encontrar uma forma de acolher e respeitar essas populações e de dar-lhes a dignidade da cidadania mercosulina e da cidadania sul-americana. Enquanto isso não acontecer, a esses pobres, que tentam uma expectativa nova num dos nossos países sul-americanos, resta, muitas vezes, ainda a escravização, a submissão ao trabalho escravo.
Um ambiente coletivo, um espaço comum, que permite críticas, cobranças e compromissos, é a melhor maneira de contribuir para o processo de integração regional e também para a afirmação da democracia no conjunto do continente.
O mundo atual, que deixou de ser bipolar, Presidente Garibaldi Alves, cada vez mais caminha para o fortalecimento de economias regionais, o que, antes de reduzir, amplia o poder e a soberania de cada um dos países no processo de globalização em curso.
A América do Sul é uma das regiões com maior potencial nesse novo universo geopolítico, com reservas energéticas, de água potável, de terras agricultáveis, com uma força de trabalho sempre disposta a superar as fronteiras tecnológicas.
Por isso, o Parlamento do Mercosul, Presidente Garibaldi, que, hoje, 14 de dezembro, completa um ano da sua constituição, neste mesmo plenário, é a caixa de ressonância da sociedade mercosulina e tem o papel histórico de dar voz e vez a esses anseios, transformando em projetos, em recomendações e, em breve - acredito, espero -, em leis as demandas dos povos da região.
Muito obrigado.