Alvaro Dias-SF-24-09-2007
ALVARO DIAS (PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Senador Tião Viana já abordou a questão, mas volto a este assunto: o Presidente Hugo Chávez responsabiliza a imprensa brasileira pelas suas afirmativas do último fim de semana. A mim não causa surpresa. Nada que possa vir de Hugo Chávez pode causar surpresa. O boquirroto governante da Venezuela responsabiliza a imprensa brasileira, imaginando poder fazer aqui o que faz em seu país, onde estabelece implacavelmente a censura, onde manda autoritariamente fechar emissora de televisão, comanda o processo de comunicação do país para atender aos seus escusos interesses de permanência no poder indefinidamente. É evidente que uma ofensa de Hugo Chávez, exatamente pelo que é, não pode nos atormentar. Obviamente, não aceitamos que ele ofereça lições de autonomia, de independência, de democracia, pois o modelo de democracia que oferece ao mundo não é aquele que desejamos para o nosso País.
De qualquer maneira, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, defender esta instituição parlamentar no Brasil dos ataques que sofre é necessidade imperiosa, porque, certamente em função de alguns escândalos que sacudiram o Executivo e o Legislativo, há uma predisposição em agredir a instituição parlamentar, e isso não é inteligente.
É claro que atacar parlamentares eventualmente mal comportados é um direito e uma obrigação, mas é inteligente preservar a instituição. Não podemos confundir a ação de parlamentares com o conceito da instituição parlamentar no Estado Democrático de Direito. Ela é imprescindível - prefiro repetir sempre -, insubstituível, permanente e definitiva, essencial; nós, Parlamentares, somos passageiros, somos transitórios, somos substituíveis. As críticas devem ser assacadas contra eventuais comportamentos indevidos de parlamentares e nunca para destruir uma instituição tão importante no processo democrático como é o Senado Federal.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Sr. Hugo Chávez recuou, voltou atrás, mas disse, sim, que responsabiliza a imprensa, tudo para fugir à responsabilidade de ter afirmado, tresloucadamente, coisas que não deveria afirmar. Afinal, o Senado Federal tem o direito de discutir a questão do Mercosul como bem entender, até porque o Governo Federal atropelou o processo, ignorou prazos e normas e tentou atender Hugo Chávez com agilidade, encaminhando ao Senado Federal, com esses parâmetros, a proposta de enquadramento da Venezuela no Mercosul.
Preliminarmente, o país não pode ser excluído, de forma alguma, simplesmente porque tem um presidente boquirroto. Mas o Senado Federal, a Comissão de Relações Exteriores desta Casa tem, sim, o direito de analisar em profundidade todas as conseqüências dessa providência. O Senado Federal não deve ter pressa, até porque, neste momento, pelo governo que existe na Venezuela, não acrescentaria muito ao Mercosul a inclusão daquele país.
E, por falar em Mercosul, Sr. Presidente, estive, no último sábado, em Assunção, no Paraguai. A convite do General Lino Oviedo, fui comemorar, com o povo paraguaio, a sua libertação. Não se trata, evidentemente, de nenhuma intervenção indevida, porque, Senador Mão Santa, a liberdade não deve ter pátria; as fronteiras não devem nos conter na defesa ou na comemoração da liberdade. E foi por essa razão que aceitei o convite para lá estar e me pronunciar em nome do Brasil, com a satisfação daqueles que entendiam haver uma perseguição política. Aliás, jamais imaginei que, neste século, ainda pudéssemos ter, na América Latina, um preso político durante vários anos. Os crimes pelos quais foi acusado não existiram, segundo as investigações revelaram. Liberto, o General Lino Oviedo lidera as pesquisas para a Presidência da República no Paraguai.
Há uma esperança no ar. Há expectativa de que se inicie um novo tempo naquele país. Senti, no clamor do povo, no entusiasmo de jovens e de adultos que há, sim, sonhos e esperanças acalentados durante tantos anos e que agora se reproduzem na fé de que é possível mudar o país para melhor. Vi entusiasmo, vi emoção, vi lágrimas naquela comemoração.
Senador Mão Santa, foi uma oportunidade de valorizar a liberdade, porque o rosto do General Lino Oviedo era o retrato da felicidade pela liberdade conquistada.
Eu me lembrei do que disse certa vez a mim Miguel Arraes, o saudoso líder político do Nordeste, Senador Tião Viana. Um dos seus mandatos de Governador coincidiu com o mandato que exerci como Governador do Paraná. Visitei-o em Pernambuco, e Miguel Arraes, fazendo referência ao período em que foi preso político, disse: "Mesmo com todos os dissabores da prisão, devo reconhecer que ela foi importante para a reflexão, para a leitura, para o aprimoramento intelectual, porque, durante um ano ou um pouco mais de um ano em que estive preso, pude repensar a existência, refletir sobre o País e valorizar o povo brasileiro e a função que exercemos como ferramenta política para promover transformações no Brasil". E ele brincou: "Todos nós, políticos, deveríamos ficar presos por pelo menos um ano, como processo de amadurecimento e de engrandecimento".
Certamente, Lino Oviedo deixa a prisão, depois de alguns anos, preparado para oferecer uma alternativa de mudança responsável e conseqüente ao país vizinho, o Paraguai.
Para lá fui, sobretudo, porque vivem 500 mil brasileiros no Paraguai, a maioria do Paraná, irmãos paranaenses que para lá foram na expectativa de terem uma vida digna. Lá eles votam. Como podem votar no Brasil, podem votar no Paraguai. São reconhecidos como cidadãos que contribuem para o progresso e o desenvolvimento daquele País; e, se pagam impostos e trabalham, também têm o direito de opinar, de se manifestar, de votar e de eleger.
Portanto, da tribuna do Senado Federal, prestamos nossas homenagens ao General Lino Oviedo pela persistência, pela resistência, pela vocação política inabalável que o mantém persistentemente com a esperança de que pode contribuir para ver um novo Paraguai nascer, sustentado, embalado pela esperança da sua gente.
Parabéns! Sobretudo, nosso desejo de sucesso a esse líder que emerge, saindo da prisão para a liberdade, para as urnas e, quem sabe, para a vitória eleitoral.
Concedo um aparte ao Senador Mão Santa.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª representou bem o Brasil. Temos de pedir perdão ao Paraguai, porque uma das guerras mais vergonhosas foi aquela, em que recebemos dinheiro do capitalismo inglês. O Paraguai despontava industrialmente com fábricas de tecido e ameaçava a casimira inglesa, o tropical inglês, o linho inglês. Recebemos, com o Uruguai e a Argentina, e massacramos aquela civilização heróica. V. Exª fala muito bem quando traz o exemplo de Miguel Arraes. Bastaria lembrar Mandela, do apartheid, que passou duas dezenas de anos preso. A história diz que Miguel Arraes, na prisão, traduziu do francês o livro Mistificação das Massas pela Propaganda Política, de Serge Tchakhotine, que dá uma grande formação política a todos nós. Mas pedi este aparte por orgulho. Ele me contou que não tinha mais esperança. A gente pensa muita coisa boa, mas muita besteira. E, nos momentos difíceis, ele pensou que nunca mais... V. Exª também deve ter lido Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, também um preso político. Mas eis aí onde o Piauí desponta, eis aí um exemplo para a Justiça brasileira: o nosso Evandro Lins e Silva concedeu um habeas corpus para libertar Miguel Arraes nos tempos da ditadura, enfrentando o governo militar.
O SR. ALVARO DIAS (PSDB - PR) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.
Fiz referência a Miguel Arraes exatamente em virtude do fato novo da liberdade de Lino Oviedo, numa proclamação à necessidade de valorizarmos a liberdade. Após a emoção que vivi com os paraguaios nesse último fim de semana, despertei para a necessidade de valorizar sempre a liberdade.
Espero que realmente esse tenha sido o último preso político, porque, na verdade, era nessa condição que ele se encontrava. Em razão da conclusão de todas as investigações, só podemos definir a sua prisão como uma prisão política e uma perseguição política. Certamente, ele merecerá agora, no apoio popular, a recompensa por esses anos sofridos no cárcere no Brasil e, depois, no seu país.
Sr. Presidente, quero aproveitar ainda o tempo que me resta nesta segunda-feira de vazio incrível. Aliás, o vazio das segundas-feiras e das sextas-feiras é maior nestes tempos de sofrimento do Senado Federal, de sangramento político do Senado Federal, de insatisfação popular em relação a esta Casa. O esvaziamento agora é maior. Aproveito esta oportunidade para fazer referência ao talento literário de Lya Luft. A escritora gaúcha de Santa Cruz do Sul, formada em Pedagogia e em Letras, mestre em Lingüística Aplicada e Literatura Brasileira, sempre refutou qualquer atributo que estivesse fora de sua esfera de atuação: "escritora, uma ficcionista". Certa feita, ela resumiu de forma bastante singela o seu trabalho literário: "O que faço é refletir sobre a vida e colocar minhas impressões no papel".
Essa magistral escritora, cujo reconhecimento e prestígio pelo vigor de sua obra ultrapassam nossas fronteiras, é também detentora de apurado senso da realidade. No seu contundente artigo publicado na última edição da revista Veja, há inegavelmente farto material para reflexão do Senado Federal. O diagnóstico feito pela escritora da situação vivida pelo País - "vai piorar" -, em que pese não ser otimista, é balizado pelo equilíbrio e está calcado em dados irrefutáveis da realidade.
Sem dourar a pílula, sem tergiversar, Lya Luft assinala:
Este já foi o País dos trouxas, que pagavam impostos altíssimos e quase nada recebiam em troca; o País dos bobos, que não distinguem um homem honrado dum patife, uma ação pelo bem geral de uma manobra para encher o bolso ou galgar mais um degrauzinho no poder a qualquer custo; o País dos mistérios, onde quem é responsável absoluto não sabe de nada ou finge enxergar outra realidade, não a nossa. Hoje, estamos ameaçados de ser o País dos sem-vergonha. A falta de pudor e o cinismo imperam e não há, exceto talvez o Supremo Tribunal, lugar totalmente confiável.
Ao retratar o cenário nacional em várias vertentes, Lya escreve:
Existe o Bolsa Família, a miséria está um pouco menos miserável? Pode ser. Mas os hospitais continuam pobres e podres, as escolas e universidades carentes, as estradas intransitáveis, a autoridade confusa e as instituições esfaceladas, os horizontes reduzidos.
Ao fim do seu artigo, "com pressentimentos nada bons", ela conclama a todos, "embora sem grande esperança", como ela mesma assinala:
Tolerância zero com tudo o que nos desmoraliza e humilha, perseguição implacável ao cinismo, mudança total nas futuras eleições, faxina no Congresso, Senado e Câmaras, renovação positiva no País. Conscientização urgente, pois, acreditem, do jeito que vai a coisa tende a piorar.
Solicitamos, Sr. Presidente, transcrição nos Anais do Senado Federal desse artigo de Lya Luft.
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Naturalmente, deixo para uma próxima oportunidade os números que trago sobre estudo da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, revelando que o Brasil investe pouco e mal em educação. Pela importância desse tema, não pretendo incluí-lo no discurso de hoje. Pretendo abordá-lo em outra oportunidade, Sr. Presidente.
Muito obrigado.