Marco Maciel-SF 23-03-2007
SR. MARCO MACIEL (PFL - PE. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Sr. Presidente, nobre Senador Gilvam Borges, Srªs e Srs. Senadores, venho hoje à tribuna registrar evento, a meu ver, de grande densidade histórica. Refiro-me ao transcurso, no próximo domingo, do 50º aniversário da União Européia, talvez o primeiro e mais bem-sucedido projeto de integração regional.
É lógico que o êxito da União Européia não foi obtido senão depois de muitos e reiterados esforços de grandes líderes de países importantes da Europa. É bom lembrar o primeiro passo, ainda no início da década de 50, com a Comunidade do Carvão e do Aço e, posteriormente, o passo maior que se deu, em 1957, com o chamado Tratado de Roma, reunindo os seis primeiros integrantes, ou seja, Alemanha, Bélgica, França, Holanda ou Países Baixos, Itália e Luxemburgo. Por trás de uma grande idéia, há sempre grandes homens. Não podemos deixar de mencionar figuras como Jean Monnet, por exemplo, internacionalista pragmático, e Robert Schumann, conhecido como "Pai da Europa" - em virtude de seu discurso, no dia 9 de maio, essa data se converteu no Dia da Europa. Também não podemos nos esquecer da presença de líderes alemães à época, como Konrad Adenauer e Ludwig Erhard.
Não se deve deixar de mencionar a figura excepcional de pensador, político e estadista italiano que foi Alcide de Gasperi, que tinha uma visão muito dilatada dos problemas mundiais e foi grande formulador no campo da ciência política. É dele uma frase lapidar, de que "o democrata tem idéias, mas não necessariamente ideologia". Com isso ele queria dizer que democracia é, sobretudo, pluralismo e, conseqüentemente o democrata deve estar aberto à controvérsia, ao diálogo e, por esse caminho, chegar ao consenso.
Sr. Presidente, a União Européia, como agora se chama, celebra seus 50 anos com 27 membros integrando a referida comunidade. Três outros se credenciam ao ingresso na referida instituição: a Croácia, a Macedônia e a Turquia, sendo que o último ainda não conseguiu satisfazer as exigências, inclusive pela questão de Chipre. O ingresso da Turquia tem inteira procedência, provoca também grande polêmica pelo fato de abrir a discussão sobre o que são a Europa e quais seus limites geográficos, porque a Turquia é basicamente um país asiático, se assim posso dizer, já que de 92% a 93% de seu território estão situados na Ásia, e apenas 7% a 8% se encontram em território europeu.Se isso vier a acontecer, a União Européia estará, dentro de pouco tempo, com 30 Estados-membros.
Ao longo de sua existência a União Européia obteve grandes conquistas. Uma que eu não posso deixar de salientar é o fato do avanço da institucionalização É importante ter presente que não basta existir uma boa idéia, é necessário fazer com que se persevere na sua materialização. E para tal fim é fundamental a existência de instituições. Porque, como sabemos, os homens passam - esses grandes líderes da União Européia já morreram -, mas as instituições ficam. Elas são essenciais para que possamos avançar na melhoria dos mecanismos de seu funcionamento. Gostaria de lembrar que a União Européia, ao longo do tempo, avançou em institucionalidade. E é notável que conseguiu fazer com que a paz, ao final, se alojasse na Europa. Porque, todos sabemos, a Europa foi palco e vítima também de duas grandes guerras mundiais do século passado: a Primeira Grande Guerra Mundial, da qual surgiu como idéia generosa a Sociedade das Nações, que não se consolidou; e, depois, a Segunda Grande Guerra Mundial, que também levou à criação da ONU, organismo que teve mais sucesso, ou mais êxito, do que a Sociedade das Nações, mas que também sofre momentos de debilidade, pois sofre com a impossibilidade de mediar os grandes conflitos internacionais. Algo, porém, é certo: a Europa vive, há muitos e muitos anos, tempos de paz entre seus países-membros.
Vale destacar esse fato porque, no passado, os países que hoje integram essa união viveram momentos de muitas tensões e de guerras entre eles, sobretudo no caso da Segunda Grande Guerra Mundial, marcada por ideologias extremamente radicais, como o nazismo, o fascismo, etc., e que deixaram, infelizmente, marcas visíveis no território europeu. A razão da União Européia se consolidar resulta, a meu ver, na circunstância de haver criado mecanismos compatíveis com as necessidades de um autêntico processo de integração.
Sem querer me alongar muito, gostaria de lembrar três instituições: primeiro, o Parlamento Europeu, em que se pratica o voto direto entre seus países-membros, algo relevante, porque, como disse certa feita Renan, "o Parlamento é a palavra de uma nação "e os representantes que se reúnem no Parlamento Europeu são líderes que expressam os sentimentos dos diferentes Estados-membros da União Européia. Não podemos deixar também de registrar o fato de haver um Conselho Diretor da União Européia, que funciona como órgão executivo. Por fim, exalto como muito significativo a criação do Tribunal da Justiça da União Européia, que se reúne com habitualidade e que muito tem concorrido para resolver pendências entre diferentes entes da associação.
Não poderia deixar de dar uma palavra sobre uma grande vitória da União Européia, que é a implantação de uma moeda única. É lógico que nem todos os membros da União Européia aderiram ao euro, mas ninguém pode deixar de reconhecer que foi uma grande vitória. Há algum tempo, seria impensável ver a Alemanha abrir mão do marco, a França abrir mão do franco ou a Itália abrir mão da sua lira, se não fosse um trabalho persistente de formulação de políticas macroeconômicas. O euro é uma iniciativa que podemos dizer, vitoriosa. Depois do dólar, é a segunda moeda de reserva no mundo, e tem, em termos relativos, obtido nos últimos anos um desempenho melhor do que o do próprio dólar. Portanto, exibe o êxito da União Européia.
Sr. Presidente, entre os fatos que merecem reflexão, é a circunstância de vivermos tempos caracterizados pela globalização.
Espero que esse processo redunde na consolidação de um mundo que cultue os mesmos valores indispensáveis à convivência: à paz, à justiça, à liberdade, à tolerância. Mas também é importante que extraiamos como uma das conclusões desse processo de mundialização é a necessidade de associações regionais como a União Européia sejam implantadas em outros sítios do nosso planeta.
Vale inspirar-se nas idéias que moveram figuras como Jean Monnet, de Gasperi, Schuman, Adenauer, Erhard, Paul Henri Spaak, um dos formuladores do Benelux, conhecido como Mr. Europa, também um grande negociador, para que essas idéias vicejem em outras partes do mundo. Daí a minha preocupação com a questão do Mercosul, Sr. Presidente. O Mercosul nasceu sob bons auspícios, e não podemos deixar de mencionar que respondia a um destino histórico dos países que são seus membros fundadores: Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. Rio Branco, que teve a oportunidade de ser Ministro das Relações Exteriores durante dez anos consecutivos, de 1902 a 1912 - posso estar enganado -, inovou muito na política externa brasileira. Ele é, penso, um dos pais da política externa brasileira; deixou alguns paradigmas claros, que a orientam ainda hoje. Um deles, certamente, foi a atenção ao Prata.
O Mercosul surgiu sob esses bons propósitos. O documento inicial foi assinado em Foz de Iguaçu, ao tempo em que era Presidente da República o Senador José Sarney e Presidente da República da Argentina, Raúl Alfonsín. O Mercosul se consolida com o Tratado de Assunção, em 1991, época em que era Presidente do Brasil Fernando Collor, e, em 1º de janeiro de 1995, cria-se uma zona livre de comércio que posteriormente avançou no sentido de se estabelecer uma tarifa externa comum, a TEC, que busca promover o avanço no processo de enlace, especialmente, no plano e comercial.
Vale lembrar que, em 1994, com a presença do Presidente eleito, Fernando Henrique Cardoso, e do então Presidente da República Itamar Franco, em Ouro Preto, ocorreu a reunião do Mercosul que criou o seu Tribunal Arbitral. Sou autor da lei que dispõe sobre arbitragem comercial em nosso País. Como sabemos, a arbitragem é um instituto que já figura, há muito tempo, em nosso ordenamento jurídico, desde a Constituição do Império, em 1824. Aliás, a Constituição do Império, de 1824, promulgada em 25 março, coincidentemente também em 25 de março é a fundação da União Européia. Pois bem, a arbitragem cogitada na Constituição de 1824 e em sucessivos diplomas legais posteriores, mas nós nunca assimilamos integralmente esse instituto.
Finalmente, conseguimos aprovar a Lei nº 9.307, que completou dez anos de vigência no ano passado. Foi muito positivo o fato de o Mercosul instituir também um Tribunal Arbitral, porque, nesses tempos de globalização é fundamental que se criem mecanismos rápidos, ágeis, de solução de controvérsias, sobretudo aquelas que envolvem cidadãos e países distintos.
Então, neste momento, vemos o quanto é importante que tenhamos uma corte de arbitragem do Mercosul, que possa dilucidar, dirimir diferendos.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Marco Maciel, V. Exª me permite um aparte?
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Ouço, com prazer, o nobre Senador Mão Santa.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Todo o País sabe que V. Exª é um dos melhores nomes da democracia de hoje. E todo o País espera que, com a experiência de V. Exª, tenhamos uma reforma política. Agora, quanto ao mundo europeu, todos nós sabemos de exemplos, tal como o apoio que os países fortes deram aos mais fracos como Portugal. Mas entendo - e chamo a atenção de V. Exª para isso - que o Mercosul está errando. Diante de V. Exª, veio-me à mente Joaquim Nabuco, que saiu daqui derrotado. Oposição - atentai bem! - que ele chegou a chamar de solitária, tentando defender os escravos. Não conseguiu nem ser reeleito, mas foi laureado em Londres, em Paris, em Lisboa e fez a maior festa, quando o Ceará libertou os primeiros escravos. Mas ele dizia, já naquela época, que o Chile era mais civilizado. Naquela época! Então, é isto que ocorre: o Mercosul deve curvar-se a essa capacidade que o chileno teve de educar-se. Hoje há lei feita pelo último Presidente, Ricardo Lago, ó, Senador Gilvam Borges, que obriga o chileno a ter doze anos de educação - eram oito - e a falar duas línguas.
Então, quero crer que V. Exª, que tem liderado esses movimentos todos, passará esta mensagem: a de que o nosso pernambucano Joaquim Nabuco já reconhecia essa primazia educacional. Essa idéia deve incorporar-se ao Mercosul, que só ganhará força, quando houver uma valorização do saber. Parabéns. V. Exª, para nós, nordestinos, revive a grandeza de Joaquim Nabuco.
O SR. MARCO MACIEL (PFL - PE) - Muito obrigado a V. Exª.
V. Exª é generoso, porque somos ambos nordestinos. Já que V. Exª o citou Joaquim Nabuco, recordo que ele tem um livro que trata do Chile, intitulado Balmaceda. Ele era um estadista atento às questões internas e internacionais. Foi Embaixador do Brasil na Inglaterra e nos Estados Unidos, e participou, como advogado brasileiro, na definição dos nossos limites com a Guiana, que chamávamos antigamente de Guiana Inglesa. Foi parceiro de Rio Branco em alguns empreendimentos de sucesso. No caso da Guiana, não fomos bem-sucedidos, um dos poucos casos em que não obtivemos bom êxito no uso do instituto da arbitragem, mas não podemos deixar o notável homem público, o pernambucano Joaquim Nabuco.
Sr. Presidente, o Mercosul tem, além dos quatro Estados fundadores, mais um membro pleno, a Venezuela, que não pertence à bacia do Prata, outros na condição de associados: a Bolívia, que entrou em 1996, o Chile, o Peru, a Colômbia e o Equador, e possui um Estado observador, o México.
O México inclusive participou de reunião, ocorrida no ano 2000 - à época, eu era Vice-Presidente da República, e o Presidente da República, Presidente Fernando Henrique Cardoso -, de todos os Chefes de Estado e Chefes de Governo da América do Sul. Ela foi a primeira a se realizar em toda a nossa história, e a reputo expressiva, porque, já que estamos falando em integração regional, de que a União Européia é excelente modelo, não podemos omitir quanto seria importante que nós, na América do Sul conseguíssemos ter uma organização semelhante à União Européia, reunindo os doze países que compõem a América Meridional. Isso seria um avanço muito grande, porque ajudaria a dar maior verberação aos países da região nos seus enlaces com a União Européia e com o Nafta - também é bom lembrar que, na América do Norte, já se constituiu instituição semelhante, integrada pelo Canadá, Estados Unidos e México. Na medida em que nos associarmos na América do Sul, isso criaria melhores condições para aumentar a presença do Brasil no comércio internacional e, igualmente, na interlocução nos campos político, social e cultural.
Encerrando minhas palavras, aproveito a ocasião para dizer que não podemos deixar passar sem um registro, no Senado Federal, os 50 anos da União Européia, fazendo votos para que ela continue a avançar no seu processo integrativo, que, aliás, sofreu um percalço, porque a nova Constituição, que era um modelo de constituir um Estado Federal Europeu, não foi aprovada. Foi certamente o seu maior insucesso. Aliás, o projeto da Constituição foi coordenado pelo ex-Presidente da França Giscard d'Estaing.
Espero que mais adiante o projeto esteja reestuado e aceito. E, se isso acontecer, a União Européia dará ao mundo um exemplo muito importante no sentido de integração, de políticas macroeconômicas, ensejando condições de um desenvolvimento mais homogêneo sob a égide da justiça, da liberdade e da paz.
Muito obrigado a V. Exª.