Jose Agripino-SF 29-10-2007
SR. JOSÉ AGRIPINO (DEM - RN. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, ouvi com atenção a palavra, sempre substantiva, do Presidente Sarney a respeito da questão da Venezuela e do Mercosul.
Senador Pedro Simon, eu curiosamente havia preparado algumas idéias para trazer à reflexão do Plenário, não exatamente só sobre a Venezuela, como questão estanque, mas a respeito do efeito Venezuela sobre o Brasil. É o que me preocupa: o efeito Venezuela sobre o Brasil.
A Venezuela é um País pelo qual tenho muita estima e admiração; um País que, em 2003, tinha uma relação comercial com o Brasil de US$1 bilhão, crescendo, em 2006, para US$2,7 bilhões. Nesse meio tempo, ele não arengou nada com o Brasil. Arengou muito com os Estados Unidos.
Lembra-se, Presidente Alvaro Dias, daquela famosa fala do Presidente Hugo Chávez, na tribuna da ONU, referindo-se ao Presidente George Bush como sin verguenza? Sin verguenza é sem-vergonha. Chamou o Presidente dos Estados Unidos de sem-vergonha, no plenário da ONU, um dos mais respeitáveis plenários, uma das mais respeitáveis tribunas do mundo, em território neutro, mas em solo americano.
Mesmo assim, entre 2003 e 2006, as relações comerciais, as compras da Venezuela aos Estados Unidos cresceram de US$2,7 bilhões para US$8 bilhões. Com o Brasil, era de US$1 bilhão e foi para US$2,7 bilhões. Não tinha arenga. Com os Estados Unidos, com briga frontal, com sin verguenza pronunciada, foi de US$2,7 para US$8 bilhões.
Agora, discute-se a entrada da Venezuela no Mercosul: "Ah, tem que entrar, porque é um parceiro formidável". É formidável, mas independente de Mercosul. Os números não mentem: já foi de US$2,7 para US$8 bilhões com os Estados Unidos, brigando. Se a relação política valesse... Não vale nada; o que vale é o interesse comercial de empresa a empresa, de sociedade a sociedade.
Há uma coisa que nos preocupa, Senador Francisco Dornelles. E a mim preocupou muito nesse final de semana: é a influência Chávez sobre a democracia brasileira.
O que é regime democrático? É um regime em que a separação entre os Poderes se faz de forma respeitosa; o respeito às minorias oposicionistas é um fato, ela existe como atitude, respeito; a liberdade de expressão existe como norma na prática e no papel, na Constituição; e é a alternância de Poderes.
Vamos ver ponto por ponto. Senador Dornelles, na separação entre Poderes no Brasil, o número de Ministros no Supremo é o que conhecemos. O Poder Legislativo, com as suas dificuldades, vai enfrentando os problemas, cai aqui, sobe acolá. Existem pessoas que não merecem estar no Parlamento; outras que elevam o padrão do Parlamento, como V. Exª, Senador Dornelles, e como o Senador Pedro Simon. Mas também existem pessoas que não deveriam estar aqui. Isso é próprio do regime democrático. A sociedade elege quem quer e tem o direito de não os eleger na próxima. Mas o Congresso é autônomo e desempenha o seu papel. E o Executivo também, vigiado por nós, denunciado, aplaudido, vai existindo.
Como é na Venezuela? Como funcionam os Poderes na Venezuela? Senador Pedro Simon, V. Exª sabe que, por mudança constitucional, a Oposição foi manietada na Venezuela. Ela foi encostada no canto da parede, não disputou eleições e ficou reduzida a pó. E, a partir daí, Hugo Chávez passou a dominar o Congresso por inteiro.
Houve uma omissão. Houve uma omissão perigosa. Senador Pedro Simon, no regime democrático, a Oposição é tão importante quanto o Governo, porque as pessoas que estão nos vendo e nos ouvindo aqui e agora se sentem ou não encorajadas a resistir, a se estimular ou a munhecar se houver uma Oposição viril ou não. Se só houver um lado, se não houver um contraponto, as pessoas se desestimulam. É o que está acontecendo na Venezuela; um processo em curso que não vai terminar bem.
Muito bem. O Congresso é de um lado só e votou o aumento do número de membros da Suprema Corte da Venezuela para que o Sr. Hugo Chávez nomeasse os seus para ter o controle dela. Hoje, ele faz o que quer. A independência entre Poderes é brincadeira. O Poder Executivo é absolutamente tutelador na Venezuela, lamentavelmente. A Suprema Corte tem composição favorável a Chávez, composição produzida por ele; o Parlamento, por manobras, é absolutamente submisso a ele; e o Poder Executivo é ele próprio, em função da PDVSA, que é a própria Venezuela.
O respeito às minorias oposicionistas. Que minoria oposicionista? Quando os estudantes vão à rua, é gás lacrimogêneo... Partido político de oposição está reduzido a pouco mais do que nada. E as minorias, quando vão à rua, são objeto de admoestação na base do cacetete, da bomba de gás lacrimogêneo e do jato d'água, como as imagens de TV mostram no mundo inteiro.
Liberdade de expressão. E a RCTV? Cadê a RCTV, o símbolo que, no mundo inteiro, produziu a imagem do ditador em fúria, fechando a maior rede de comunicação da Venezuela, tentando impedir que as opiniões divergentes pudessem ser amplificadas?
Alternância de Poderes. Presidente Alvaro Dias, ele acabou de aprovar na Constituição, pelo Congresso venezuelano, o aumento do mandato em um ano e a possibilidade de reeleição as vezes que quiser. Que democracia é essa? Agora, quer entrar no Mercosul.
Senador Francisco Dornelles, há um entendimento, um pacto feito pelos fundadores do Mercosul: é claro, aderir à tarifa externa comum; é claro, respeitar os acordos feitos com terceiros Países - do Bloco com terceiros Países; é claro, aderir ao conjunto de normas no Mercosul; mas há algo que se sobrepõe a tudo isso: a cláusula democrática.
A Venezuela foi aceita, pela palavra da Câmara dos Deputados, como membro do Mercosul. Ela vai chegar aqui ao Senado.
Não é que eu tenha nada contra o Sr. Hugo Chávez pessoalmente, como disse aqui o Presidente Sarney. Mas tenho muito a ver com o meu País, com a democracia brasileira. Principalmente depois - Senador Pedro Simon, é aí que está a minha preocupação - que vi, neste final de semana, manifestações como a dos Srs. Devanir Ribeiro e Carlos Willian.
O Sr. Carlos Willian - creio que é do PMDB, suponho, é da base do Governo - apresentou um projeto de lei que aumenta o mandato do Presidente, de quatro para cinco anos, e permite reeleição. É uma abertura para que otras cositas más sejam discutidas. Mas o Sr. Devanir Ribeiro... Senador Alvaro Dias, V. Exª sabe quem é Devanir Ribeiro? É do Grande ABC, "assim" com Lula - eu não sabia; disseram-me. Ele é Deputado Federal, amicíssimo, amigo pessoal de Lula, vai à casa do Presidente sem marcar hora. Sabem o que ele apresentou, pretende apresentar, anunciou que vai apresentar em novembro - novembro agora, depois de amanhã? Vai apresentar uma PEC, segundo a qual, nas eleições municipais, vai-se realizar um plebiscito abrindo a perspectiva para reeleições sucessivas.
Veja, Senador Francisco Dornelles. O Carlos Willian, tudo bem, é da base do Governo. Mas o Devanir é amigo pessoal do Presidente, vive na casa do Presidente, e apresentou a porta aberta para, na eleição do próximo ano, Senador Pedro Simon, ser realizado um plebiscito para que aqueles, os clientes do Bolsa-Família, que estão mortos de satisfeitos com o Presidente Lula, opinem sobre se pode haver ou não reeleição para um terceiro, quarto, quinto, sexto, sétimo ou oitavo mandato. E a CPMF está aí, para que Lula possa fazer os mimos que deseja!
O Devanir Ribeiro acertou em tudo, menos na oportunidade, porque, Senador Alvaro Dias, o Governo quer ouvir tudo menos em não se aprovar a CPMF. O Partido de V. Exª, numa atitude democrática - à qual V. Exª faz restrições, porque V. Exª tem posição claríssima contra a prorrogação da CPMF -, está desenvolvendo entendimentos com o Ministro da Fazenda em torno de composições para prorrogação da CPMF. Exigiu seis pontos, que foram anunciados pelo Senador Arthur Virgílio, Líder de sua Bancada, e as tratativas estão em curso. Na minha opinião, não vão chegar a bom termo, mas estão em curso.
Entra o Sr. Devanir Ribeiro e faz uma proposta de plebiscito. Era tudo que o Governo não queria ouvir. Foi intempestiva a proposta, apresentada por um amigo pessoal do Presidente Lula que quer fazer graça para ele, que quer fazer aquilo que talvez ele ouça dentro da casa do Presidente: a perspectiva de continuísmo; o choque frontal à cláusula democrática; a alternância de poder morta, pela operação da opinião de pessoas que podem estar circunstancialmente satisfeitas com o crescimento do País, que está acontecendo em níveis muito menores do que poderia estar acontecendo. Como está acontecendo, por exemplo, na Argentina, no Paraguai, no Uruguai, na Rússia, na China, na Índia. Mas como, de qualquer maneira, está crescendo, e nós só temos como parâmetro de comparação o nosso crescimento, há muita gente satisfeita, sendo que poderia estar muito mais satisfeita. Mas essa gente, num plebiscito, corre o risco de dizer que é bom um mandato a mais, e aí tome corrupção...
Quatro anos é uma coisa; oito anos já gera continuísmo e perspectiva de corrupção, pela concentração de poder. Que dizer, então, de doze ou dezesseis anos? A história do mundo mostra o perigo que é a não-alternância de poder.
A minha preocupação é com a exportação de maus exemplos da Venezuela para o Brasil. Eu vou votar contra o ingresso da Venezuela no Mercosul. Não tenho nenhum receio de que o meu voto contrário crie qualquer tipo de problema nas relações comerciais com o Brasil. Basta ver os números: de 2.7 chegou a 8 com os Estados Unidos, em regime de beligerância explícita. Conosco foi de 1 para 2.7, sem Mercosul. Com ou sem Mercosul, os petrodólares da Venezuela vão comprar aqui, porque é vantagem comprar aqui. Agora, o ruim é termos o Presidente Hugo Chávez, nas reuniões do Mercosul, sentado aplaudindo o mandatário do Irã, o Sr. Mahmud, enquanto que a União Européia, que é nossa parceira privilegiada, tem horror a posições de Irã e Belarus, com quem o Sr. Hugo Chávez tem relações curiosas, privilegiadas.
Senador Francisco Dornelles, os Países do Golfo Pérsico, Kwait e Arábia Saudita, que têm um mundo de petrodólares, são Nações pacíficas, estão procurando investir, dentro ou fora de seu território, em coisas que gerem dinheiro aos seus Países e aos seus povos. Outros Países, tipo Irã e tipo Venezuela, estão com atitudes claramente armamentista e beligerante. Cabe, na cabeça de V. Exª, a Venezuela comprar US$4 bilhões em helicópteros, mísseis terra-ar, aviões de caça Sukhoi, submarino nuclear, cem mil fuzis russos? Para que, se está até conversando, na fronteira da Colômbia, com os guerrilheiros das Farc? Nem com eles poderia ter qualquer tipo de conflito. Para quê? O Irã é uma ameaça, pela questão nuclear, à paz mundial. Eles se entendem.
Então, para que ter um parceiro desses, que vem para o Mercosul e que vai só criar problemas, que vai emitir opiniões que o Brasil vai ter ou de concordar e calar ou vai ter de contestar e criar uma briga dentro do Mercosul?
Então, a minha posição, Presidente Alvaro Dias, é movida a racionalidade e a sensatez. Agora, fica para reflexão o exemplo que eles estão, com a sua democracia capenga ou defeituosa ou inexistente, produzindo para a classe política no Brasil.
Há Parlamentar no Brasil que está ousando. Um quer a rediscussão do tamanho do mandato com reeleição, para que aí entrem outras discussões; outro, amigo pessoal do Presidente, de dentro da casa do Presidente, propõe plebiscito, para que as pessoas possam dar sua opinião e até dizer "não, deve haver continuísmo; a alternância de poder não é uma coisa boa".
Nosso voto vai ser "não" à entrada da Venezuela no Mercosul.