Geraldo Mesquita-SF 20-04-2007

<p>SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paulo Paim, que preside esta sessão, nobres colegas, tenho alguns assuntos a tratar no dia de hoje, Senador Paim, mas não é possível, de fato, para subirmos a esta tribuna e não festejarmos os 47 anos de Brasília. Tenho, inclusive, muita gratidão pela acolhida que sempre tive nesta cidade, nesta Capital. Morei aqui, com minha família, durante alguns anos, muitos anos por sinal. Não dá para vir a esta tribuna e não nos congratularmos com a população do Distrito Federal, com a população de Brasília e com ela festejar os 47 anos de existência desta grande Capital. Como disse o Senador Mozarildo Cavalcanti, Brasília foi um instrumento de integração deste País, muito bem lembrado por S. Exª.<br />Quero, em seguida, Senador Paulo Paim, cumprir o dever de prestar contas a esta Casa de missão a qual fui incumbido pelo Senado Federal, juntamente com o Senador Sérgio Zambiasi e com os Deputados Federais Cláudio Diaz, George Hilton e José Paulo Tóffano, em Montevidéu, na bela capital do Uruguai. Lá, estivemos em uma reunião preparatória de acerto de detalhes para a instalação do futuro Parlamento do Mercosul, que ocorrerá no dia 7 de maio. Creio que, com a instalação do Parlamento do Mercosul, a população dos países que fazem parte do Mercosul terão uma caixa de ressonância importante, um instrumento importante para colocar suas aspirações, seus pleitos, visto que, de certo modo, o Conselho do Mercosul, constituído por representantes dos países, técnicos, certamente não dispõe - e não é esta sua finalidade - da sensibilidade própria que um Parlamento tem na interlocução com a sociedade.<br />Trago, inclusive, aqui, o relatório da missão cumprida, que passo à Mesa e que peço seja lido na íntegra.<br />O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Mesquita Júnior, só quero dizer que V. Exª será atendido na forma regimental. <br />Tenho muita satisfação de receber este documento, pelo carinho que tenho pela caminhada do Mercosul, de que V. Exª é um dos líderes.<br />O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Muito obrigado!<br />Quero me referir ainda a um ato belíssimo, que ocorreu ontem, no auditório Petrônio Portella, presidido por V. Exª. Tocou-me e chamou-me a atenção, entre outras falas, a fala da Procuradora da República, Drª Deborah Duprat.<br />A Drª Deborah chamou a atenção de todos ali, presentes, centenas de índios, Parlamentares, autoridades, representantes do Governo Federal, para a necessidade e a importância de que os índios participem não só da discussão e da elaboração de matérias do seu restrito interesse, da causa indígena, mas ela lembra que, como brasileiros que são, eles devem participar da discussão de todos os assuntos. E, sobre isso, havia lembrado e chamado atenção de V. Exªs, no sentido de que os índios participem da discussão de todos os assuntos que dizem respeito à busca do desenvolvimento e do progresso deste País.<br />A fala da Drª Deborah chamou tanto a minha atenção, Senador Paulo Paim, que pretendo solicitar à minha assessoria que inicie estudos sobre a possibilidade de alterarmos a Constituição Federal, para permitirmos que os índios, os povos indígenas, as nações indígenas, como chamamos os nossos parentes, como o Senador Paulo Paim a eles se refere, de uma forma especial, tenham representação no Poder Legislativo brasileiro. Se um índio puder ser eleito em cada Estado brasileiro, seriam 27 índios representando, inicialmente na Câmara dos Deputados, os interesses das comunidades indígenas em todo o País. <br />Também sugiro que, para cada Assembléia Legislativa deste País, em cada Estado, seja eleito um representante da comunidade indígena para ser sua voz. Trata-se de um número reduzidíssimo de representantes e creio que nenhuma dificuldade causaria ao nosso País a efetivação dessa representação. <br />Deixo esse assunto para a reflexão de todos nós. De fato, envidarei esforços no sentido de imaginar uma fórmula que abrigue essa possibilidade, Senador Gilvam Borges, para que os nossos parentes, como diz o Senador Paulo Paim, possam ter, efetivamente, no Poder Legislativo brasileiro, um mínimo de representação, sem concorrer conosco em igualdade de condições. Precisamos imaginar uma fórmula especial para permitir que esse fato possa acontecer no futuro. <br />O assunto que me traz a esta tribuna, hoje, é a regulamentação da Lei de Florestas Públicas. <br />No último dia 21 de março, o Presidente da República regulamentou a Lei de Gestão de Florestas Públicas. Trata-se de uma lei, no meu modesto entendimento, que trafega na contramão dos alertas e preocupações acerca das causas e conseqüências do aquecimento global - lei, diga-se de passagem, aprovada neste Parlamento contra o meu voto. <br />No último dia 06 de abril, em plena Sexta-Feira Santa, na cidade de Bruxelas, graves conclusões sobre o preocupante fenômeno do aquecimento global foram divulgadas por meio de um documento chamado "Sumary for Policy Makers", que é um sumário científico conclusivo, com o resumo do relatório sobre mudanças climáticas e aquecimento global, produzido pelo Painel Intragovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), da Organização das Nações Unidas (ONU), e divulgado no dia 06 de fevereiro de 2007 em Paris. <br />A imprensa denominou o novo documento de "segunda parte" do relatório do clima.<br />O documento da Sexta-Feira Santa contém a revisão de pesquisas científicas de cerca de 2.500 cientistas de todo o mundo, em diversas áreas do conhecimento. O sumário contém resumos de diferentes conclusões sobre os impactos das mudanças climáticas globais. Geraram-se indicadores quantitativos e qualitativos para cada uma das áreas de abrangência daquele "megarrelatório" de fevereiro, como os impactos na América Latina, por exemplo. Essa segunda parte do relatório do clima da ONU projeta níveis de impacto de aquecimento sobre a vida humana e os recursos naturais, ao longo dos anos. <br />Uma das conclusões é que a Terra pode aquecer entre dois e seis graus centígrados até o final do século. O que pode parecer pouco vai gerar deslocamentos em massa de populações, os chamados migrantes climáticos, que podem chegar a bilhões de pessoas. A seca (falta completa de água) pode atingir até três bilhões de seres humanos e a fome assolará outros 600 milhões pela destruição de áreas agricultáveis. <br />Com o mundo vivendo, hoje, a guerra do petróleo, já se fala até em "guerra da água" em um futuro próximo. Some-se a isso o aumento de parasitas que vivem bem no calor, como os mosquitos da malária e da dengue. No Brasil, já conhecemos tal fenômeno.<br />As conclusões da ONU foram divulgadas em um momento muito importante para o clima e para o meio ambiente do Brasil e da Amazônia. Talvez a Amazônia tenha tido poucos momentos tão importantes em sua história como esse que está vivendo agora. <br />O que hoje está planejado a passos largos pelo Governo Federal para a Amazônia (Lei de Florestas, estradas e novas hidrelétricas), Senador Paulo Paim, pode abrir uma ferida muito grande na floresta, talvez só comparável à ferida gerada pela Transamazônica, na década de 50, pela Belém-Brasília, na década de 70, e pelos projetos das grandes mineradoras, pois serão elevadas as desigualdades, assim como o serão o desflorestamento e a temperatura da Terra.<br />Pois, bem, no momento em que deveríamos estar sintonizados e preocupados com a ameaça que paira sobre o Planeta, decreto do Presidente da República regulamenta a Lei nº 11.284, de 02 de março de 2006. Trata-se da famigerada Lei de Gestão de Florestas Públicas. Trata-se da privatização da floresta. É o salvo-conduto permanente do madeireiro clandestino e do latifundiário. <br />Com a regulamentação dessa lei, o Ministério do Meio Ambiente e o Governo Federal completam a verdadeira novela kafkiana que vive a Amazônia. Faço alusão ao genial escritor tcheco Franz Kafka para realçar a contradição, a incoerência e a incongruência do atual Governo quanto a esse assunto específico. <br />O Governo Federal desenha uma situação inimaginável para a Amazônia. Quando o Planeta faz soar o alerta vermelho para o aquecimento global, o Governo do Brasil faz uma lei para facilitar a derrubada da floresta por empresas e aumentar a emissão de gás carbônico na atmosfera. <br />Regulamenta-se a devastação, e o pior: sob a bandeira da preservação. Aqueles que eram os principais defensores dos atacados passam a ser juízes do ataque. Ao invés de defenderem os atacados, agora vão fiscalizar o ataque. Vejam bem: vão somente fiscalizar o ataque, não impedi-lo, pois, a partir de agora, o ataque se veste de legalidade! E querem fiscalizar como? Com meia dúzia de funcionários-herói, desequipados e mal remunerados, como é o caso dos fiscais do Ibama? <br />Estamos confusos com essa situação, Senador Gilvam Borges, muito confusos com esse dilema. Mas tenho uma clareza: não fui eu que mudei de lado. Continuo do lado da floresta viva. E do lado do povo vivo da floresta.<br />Essa segunda parte do relatório da ONU e a regulamentação da Lei de Florestas são um verdadeiro dilema kafkiano. A Amazônia vai acabar em uma situação oposta àquela que o Governo vem propalando com a aprovação e regulamentação dessa lei. No momento em que mais precisamos preservar a floresta e incentivar atividades não predatórias, o Governo Federal regulamenta justamente a possibilidade de devastação florestal. <br />Com um modelo de concessão de vastos territórios por até 60 anos, Senador Mão Santa, essa Lei de Florestas é a privatização de imensas áreas florestais da Amazônia, presenteando grandes corporações, o latifúndio e os madeireiros. Essa lei é um presente para o latifúndio, o mesmo latifúndio que matou Chico Mendes e Wilson Pinheiro, acreanos que jamais admitiriam ou sequer sonhariam com uma aberração dessas.<br />O modelo proposto pela Lei de Gestão de Florestas pode até ser um avançado instrumento técnico institucional de ordenamento territorial, um estratagema que busca pôr fim a um câncer da região amazônica, que é a grilagem de terras e a ocupação predatória. Seus formuladores e defensores festejam a fórmula que permite a exploração econômica em terras públicas sem que ocorra a transferência de propriedade. Mas cabe perguntar, Senador Gilvam: de que valerá à União e aos Estados manter a propriedade de vastas áreas de terra, daqui a 30, 60 anos, se o que elas têm de mais precioso, que é a cobertura vegetal e a rica biodiversidade, corre o risco de ser devastado? <br />Essa lei, no papel, é um lindo desenho, mas a questão é que estamos no Brasil. E, no Brasil, na prática, essa lei poderá ser o habeas corpus de grileiros de terras, será salvo-conduto de criminoso ambiental, será carta branca para a devastação, será autorização para a biopirataria.<br />Essa lei vai ajudar o latifúndio a destruir a floresta com mais tranqüilidade do que já tem hoje. O Governo Federal criou uma lei para proteger, para beneficiar os grandes proprietários na Amazônia e os que virão atraídos pelo seu manto protetor. Essa lei irá proteger os grileiros, os latifundiários e prejudicar os pequenos trabalhadores caboclos, seringueiros e ribeirinhos amazônicos.<br />No momento em que a ONU realiza esse grandioso esforço científico, político e democrático que é a elaboração dessa segunda parte do relatório sobre o clima, o Brasil regulamenta a privatização e a devastação da Amazônia. Que grande ironia, Senador Paulo Paim.<br />Segundo o resumo do relatório científico sobre o clima, divulgado na sexta-feira da Paixão, até 25% da Amazônia pode ser completamente exterminada até 2080. Segundo os estudos, existe 50% de probabilidade de a biodiversidade da floresta se transformar em cerrado. A Amazônia viraria um deserto. Projeções cientificas mais rigorosas mostram simulações de imagens em computador, em que o ecossistema amazônico vai desaparecendo progressivamente até sumir totalmente, em 2080.<br />Some tudo, Senador Gilvam Borges: árvores, rios e animais, inclusive nós, os ditos animais racionais.<br />Para o relatório da ONU, o desmatamento da Amazônia seguirá crescendo, pelo menos até 2010. As espécies nativas seguem em crescente substituição por monocultivos agrícolas, como a soja.<br />Em 2050, cerca de 50% das terras cultiváveis da América Latina estariam afetadas por um processo de desertificação que criaria uma grande savana do México até à Amazônia. Essa desertificação de terras agrícolas ameaçaria profundamente a segurança alimentar do Planeta, gerando bilhões de famintos adicionais no mundo. Tais projeções possuem elevado grau de certeza, segundo o relatório da ONU.<br />Na Universidade de Oxford, na Grã-Bretanha, foram apresentados estudos realizados por cientistas do Hadley Center sobre o aquecimento global e a Amazônia. Segundo esses dados, as chances de ocorrerem períodos de intensa seca na Região Amazônica podem aumentar dos atuais 5% de probabilidade - o que representa uma forte estiagem a cada 20 anos - para 50% de probabilidade em 2030, até chegar a 90% de probabilidade em 2100. Esse estudo utiliza uma das metodologias de Modelos de Clima Global, criadas para medir as alterações climáticas. <br />A grande seca ocorrida em 2005 na Amazônia, que afetou fortemente o Estado do Acre, é uma das questões mais estudadas e polêmicas para os cientistas na atualidade, que tentam entender suas causas, relações sistêmicas e prever sua reincidência.<br />Neste momento, o Governo Federal deveria criar uma Operação Nacional de Proteção à Floresta Amazônica, Senador Mão Santa, que garantisse o direito ao uso racional dos recursos e o seu não-esgotamento, combinada a programas inteligentes calcados na ciência, na tecnologia e no incentivo ao desenvolvimento regional sustentável; incentivar os programas já existentes no próprio Ministério do Meio Ambiente, do Desenvolvimento Agrário, Trabalho, Cidades, etc.<br />Não canso de repetir: muito provavelmente poderemos extrair mais riquezas da floresta amazônica em pé do que derrubada.<br />Para isso, precisamos inventariar o que ela contém. Como fazê-lo, Senador Mão Santa? Potencializando os organismos de pesquisa de que dispomos, como o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia e as universidades regionais, dentre outros, dotando-os de abundantes recursos materiais e humanos capazes de produzir conhecimento e informações fundamentais para que se promova um planejamento estratégico para a Amazônia.<br />Mas não, o Governo faz é o inverso: cria uma legislação para legalizar a devastação. É como se o Governo, diante da alegada impossibilidade de proibir definitivamente o uso de telefone celular nos presídios, fizesse uma lei para regulamentar o uso do celular pelos presos.<br />A Lei de Florestas é isto: a regulamentação do absurdo. Deveríamos acabar com o absurdo, não regulá-lo. O Brasil deveria ter uma política pública de choque para a Amazônia, não no sentido militar, mas no sentido da inteligência no planejamento público e da sensibilidade para a valorização das populações regionais e da biodiversidade.<br />Ao invés de centenas de madeireiros gafanhotos, deveríamos promover a entrada na Amazônia de milhares de cientistas e de técnicos brasileiros e patriotas, que, juntamente com a população local, teriam como objetivo identificar, com responsabilidade, o que fazer com ela. Um choque de moralidade também não faria nenhum mal para organizar a "casa amazônica".<br />O Ibama deveria ser o nosso FBI da selva. O Ibama que foi tão fortemente criticado pelo próprio Presidente da República ainda ontem - crítica que teve repercussão hoje nesta Casa -, mas, nesse ponto crucial, o Ibama deveria ser como o FBI nos Estados Unidos. Nós temos a maior e melhor floresta do Planeta, Senador Mão Santa. Deveríamos ter também a mais bem treinada e bem equipada polícia florestal do mundo.<br />O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Permite V. Exª um aparte?<br />O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Com todo prazer, Senador Mão Santa.<br />O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Senador Geraldo Mesquita, ontem, eu estava muito preocupado. Senador Gilvam Borges, ouvi o pronunciamento de um dos homens de grande luta por esta democracia: Jarbas Vasconcelos. Ele se mostrava preocupado com o que estão fazendo com as oposições no nosso Brasil. Preocupadíssimo. Dizia ele que as intenções do Lula, embora com métodos diferentes, eram mesmo de permanecer no poder. E eu sou testemunha, porque fui à Venezuela, onde deixou de haver um confronto parlamentar. Foi um desastre. E eu ficava assim: estou com Jarbas, e contando nos dedos quem tinha coragem de fazer oposição. E eu agora revivo em V. Exª o outro Geraldo, o Geraldo Vandré, que, naquelas dificuldades, apareceu com aquela música Pra não dizer que não falei de flores. E V. Exª fala da natureza: "Vem, vamos embora, que esperar não é saber; quem sabe...". Porque oposição é para ter coragem de dizer o que está errado, como V. Exª faz. Não vamos combater o que está certo. Quando o Presidente Luiz Inácio estiver certo, vamos jogar flores.<br />O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - E apoiaremos com todo prazer.<br />O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Com todo prazer. Mas V. Exª, que sempre foi criterioso e homem de muita coragem, lança e oferece para o Presidente da República, vamos dizer, os melhores rumos para o País. É um grande presente que a Pátria ganha na antevéspera deste 21 de abril, da oposição de Joaquim José da Silva Xavier, que se arriscou, de Tancredo Neves, que morreu e se imolou para ter a grandeza do próprio Rui Barbosa, que está ali e que é jurista como V. Exª. V. Exª dá um grande presente para o País ao fazer uma oposição com firmeza e pela grandeza da Pátria.<br />O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Muito obrigado, Senador Mão Santa.<br />Mas eu dizia, criando uma imagem, que o Ibama pode ter falhas em outros setores da sua atuação, mas nesse ponto crucial deveria ser o nosso FBI da floresta e da selva. Nós temos a maior e melhor floresta do Planeta. Então, deveríamos ter também a mais bem treinada e a mais bem equipada polícia florestal do mundo. Seria uma polícia de elite em defesa do homem e da floresta. Os funcionários do Ibama são verdadeiros heróis para enfrentar as dificuldades que o Governo lhes impõe. O FBI norte-americano é tido como a melhor polícia de elite do Planeta. O agente do Ibama deveria ser como um agente do FBI, com os melhores treinamentos, melhores equipamentos, melhores meios de transporte, melhores remunerações, melhores condições de trabalho, enfim, um tratamento VIP do poder público e da sociedade.<br />Nosso agente ambiental do Ibama deveria ser a nossa verdadeira polícia de elite, pois preserva o que há de mais valioso na face da Terra, que é a possibilidade de continuidade da existência humana, que passa pela Amazônia. Vai dizer que o Governo não tem dinheiro para isso, Senador Mão Santa? <br />É só deixar de pagar a dívida que tem com os banqueiros e estancar a corrupção, para ver se não tem dinheiro. Em vez de pensar nessa direção, o Governo Federal regulamenta a devastação e desmoraliza mais ainda seu agente ambiental, o meio ambiente e o povo. Se tivéssemos um avançado modelo de proteção e preservação ambiental consolidado há décadas, quem sabe poderíamos até pensar em conceder áreas florestais para a iniciativa privada explorar. Mas, diante da barbárie atual, fazer isso é entregar definitivamente o ouro ao bandido. <br />A regulamentação da Lei de Florestas, feita pelo Presidente da República, confia na figura do Relatório Ambiental Preliminar (RAP) para efeito de licenciamento dos lotes de concessão florestal, que são as grandes áreas da Amazônia a serem destinadas às empresas privadas para exploração. <br />Os processos de licenciamento ambiental regulares, previstos pela legislação ambiental brasileira, prevêem estudos e relatórios sistemáticos de impactos socioambientais, os chamados EIA-RIMAs, bem como políticas obrigatórias de mitigação e compensação dos possíveis impactos socioambientais gerados por determinada exploração de recursos naturais. <br />Com a regulamentação da Lei de Floresta, parece-me que foram abrandadas as exigências socioambientais ao empreendedor que quer explorar a floresta. Com esse decreto do Presidente, facilitou-se ou abrandou-se a obrigatoriedade de apresentação de estudos mais rigorosos e consistentes para efeito de autorização de determinadas atividades que envolvam impactos na Floresta Amazônica. O decreto também estabelece os conteúdos mínimos dos Relatórios Ambientais Preliminares, com exigências bastante aquém das estabelecidas pelo EIA-RIMAs, exigências elementares para proteção da biodiversidade. <br />E olha que o Brasil é o quarto maior emissor de gás carbônico na atmosfera do mundo. Vai ver o propósito é o de subirmos no ranking e batermos mais esse recorde negativo.<br />Uma vez instaladas as corporações em vastas áreas de florestas, por longos períodos de anos, que poder o Estado nacional terá para fiscalizá-las? Que segurança teremos quanto ao tipo de exploração que está sendo feita ou que o será, seja na perspectiva da biodiversidade vegetal ou animal, seja no da biotecnologia, dos recursos hídricos ou da exploração do hidrocarboneto do subsolo amazônico? Quem haverá de defender-nos, Senador Mozarildo?<br />O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Permite V. Exª um aparte?<br />O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Com todo o prazer, concede-lhe um aparte.<br />O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Geraldo, eu e V. Exª lançamos uma grande batalha aqui, para tentar discutir em profundidade essa lei de aluguel das florestas. Negócio de gestão é conversa fiada. É lei de aluguel das florestas - aluguel que pode tornar-se, na verdade, cessão permanente. Com os nossos esforços de discutir e chegar a acordos, propusemos algumas emendas, que ao final foram aprovadas, tendo sido apresentadas pelo Relator do vencido, Senador José Agripino. Pois bem, eu, V. Exª e onze Senadores votamos contra o projeto, apesar de ele ter sido aprovado com essas emendas, que, em parte, davam certa garantia ao Brasil de que essas florestas não seriam dilapidadas ou de que essas cessões não seriam utilizadas como forma de incrementar a biopirataria, o descaminho de minérios etc - fora o desastre que pode ser feito, como V. Exª está alertando muito bem. Infelizmente, o acordo feito aqui não foi cumprido: essas emendas foram vetadas, e o projeto agora foi regulamentado. Cabe-nos, portanto, ficar atentos e procurar exercer um papel fiscalizador por meio do Senado - pelo menos, por meio do Senado. Gostaria que, na Subcomissão da Amazônia, da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, V. Exª se juntasse a mim, que sou o atual Presidente, para que, de alguma maneira, articulados com a Polícia Federal, com outros órgãos, com o próprio Ibama, que ficou à margem desse processo, pudéssemos fazer um monitoramento. Penso que poderíamos até questionar a constitucionalidade dessa lei, porque realmente a entendo inconstitucional. Veja que a coisa não é de boa-fé, porque sequer aceitaram submeter essas concessões à apreciação do Senado. Se aqui apreciamos até concessão de rádio, de televisão, se analisamos quem deve ser nomeado para as agências reguladoras ou para os cargos de presidente e diretor de banco, por que não devemos apreciar a concessão do uso da floresta por 30 anos, passível de ser renovada por mais 30? Pelo menos, a idéia de submetê-la ao exame do Senado, nem isso foi aceito. Então, não devemos dar-nos por vencidos; aquela velha história, vamos tentar fazer uma dosagem correta nessa questão. Argumentam que essa lei visa a acabar com os grileiros, com a devastação da floresta, por isso usam um recurso extremo que não deu certo na Malásia e em outros países e que contraria a posição dos ambientalistas mais serenos, que estão, inclusive, no Ibama. De qualquer forma, a palavra de V. Exª serve como um grito de alerta, para que possamos continuar atentos à execução dessa lei e, se for o caso, questioná-la quanto ao aspecto constitucional, no Supremo.<br />O SR. GERALDO MESQUITA JÚNIOR (PMDB - AC) - Perfeitamente, Senador Mozarildo, V. Exª tem absoluta razão. A lei não vai impedir a devastação da floresta; vou demonstrá-lo aqui, V. Exª verificará.<br />Quero lembrar que serão realizadas licitações para definir quais empresas serão agraciadas com os territórios da Amazônia que serão entregues sob a forma de concessões públicas. Vou repetir, Senador Mozarildo: o Brasil fará licitações para entregar extensos e valiosos nacos de floresta a grandes grupos privados. Será uma espécie de aluguel das terras e de venda das florestas - não se trata de aluguel das florestas, mas de venda; o aluguel é da terra - a grandes grupos privados. Os contratos serão de 30 anos, renováveis por mais 30. "Ah!, mas a propriedade das terras continuará sendo do Poder Público", dirão os idealizadores do texto legal. Grande coisa, eu diria! Grande coisa! A União e os Estados deixarão de possuir vastas florestas, para continuarem donos de imensos desertos, Senador Paim, dentro em breve. Será que vai valer a pena?<br />Se a pessoa que dá em locação um apartamento, uma quitinete que seja, já possui poucos poderes de controle sobre a utilização, os padrões de conservação e o zelo que o inquilino terá com o imóvel, imaginem, então, o Governo brasileiro, que, por natureza, já não é bom proprietário, nem bom fiscalizador, mas quer alugar imensas áreas de floresta a grandes empresas, em lugares ermos e de difícil acesso. E vai alugar áreas que contêm espécies e organismos vivos que os seres humanos sequer conhecem ainda. Quem controlará as atividades desses verdadeiros gafanhotos que vão adentrar a floresta? Quem garante que não haverá manipulação genética, biopirataria, exploração mineral irregular etc?. Quem, Senador Mozarildo? <br />Segundo estudos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), somente o Brasil é responsável por 73% das perdas florestais registradas na América do Sul, continuando a ser de longe o maior devastador do continente. <br />Ao contrário do que diz o Governo brasileiro, o desmatamento segue crescendo, sim, na Amazônia e crescerá mais ainda com essa Lei de Florestas e sua esdrúxula regulamentação por decreto presidencial.<br />Para concluir, Senador Paim, quero dizer que estou profundamente chocado com a regulamentação dessa lei. Estou profundamente chocado com as conclusões do relatório da ONU sobre o clima. Estou profundamente chocado com o destino que o Governo do Presidente Lula está dando para a maior biodiversidade florestal e para a maior reserva de água doce do planeta, que é a Amazônia. Eu esperava isso de qualquer Governo, menos desse.<br />Parafraseando o grande revolucionário Ernesto Che Guevara, diria que "os poderosos podem matar uma, duas ou três rosas, mas jamais conseguirão deter a primavera". Apesar do perigo que corremos, Senador Mozarildo - e aqui lembro o seu chamamento - nós, amazônidas, devemos continuar firmes nessa luta em defesa da Amazônia e de seu povo para honrar a memória de tantos que tombaram na luta pela preservação da floresta, pela sua melhor utilização.<br />Lembro aqui de uma grande liderança rural assassinada, Wilson Pinheiro, do meu Estado, juntamente com Chico Mendes, que me parece tinham sido traídos pelos que os entregaram.<br />Para terminar e dar um tom poético como o Senador Paulo Paim costuma fazer em seus pronunciamentos, Senador Mão Santa, citarei três trechos do poema Cântico Negro do poeta português José Maria dos Reis Pereira, que define perfeitamente essa situação dos cânticos tentadores que muitos entoam contra a Amazônia:<br />Vem por aqui" - dizem-me alguns com olhos doces<br />Estendendo-me os braços, e seguros<br />De que seria bom que eu os ouvisse<br />Quando me dizem: "vem por aqui!"<br />Eu olho-os com olhos lassos,<br />(há, nos olhos meus, ironias e cansaços)<br />E cruzo os braços,<br />E nunca vou por ali...<br />(...)<br />Corre, nas nossas veias, sangue velho dos avós,<br />E vós amais o que é fácil!<br />Eu amo o Longe e a Miragem,<br />Amo os abismos, as torrentes, os desertos...<br />(...)<br />Ah, que ninguém me dê piedosas intenções<br />Ninguém me peça definições!<br />Ninguém me diga: "vem por aqui"!<br />A minha vida é um vendaval que se soltou,<br />É uma onda que se alevantou,<br />É um átomo a mais que se animou...<br />Não sei por onde vou,<br />Não sei para onde vou.<br />Sei que não vou por aí!<br />Era o que eu tinha a dizer nesta manhã de sexta-feira, e muito obrigado pela tolerância, Senador Paim.</p>