Flavio Arns-SF 15-08-2007

SR. FLÁVIO ARNS (Bloco/PT - PR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o Aqüífero Guarani é uma das maiores riquezas naturais de nosso País, como também o é dos países nossos vizinhos do Cone Sul: Paraguai, Uruguai e Argentina.
Boa parte da população desses países - inclusive muitas das 30 milhões de pessoas que o têm sob seus pés - ignora o que venha a ser o Aqüífero Guarani.
É importante que seja conhecida pela população dos quatro países a existência de um dos maiores reservatórios de água subterrânea de todo o mundo, que se estende por sob uma área de quase 1 milhão e 200 mil km². Dessa área total, cerca de 70% se encontra em território brasileiro, distribuída pelos Estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
A capacidade de produção de um único poço perfurado neste aqüífero pode produzir uma vazão da ordem de 700.000 Litros/hora. Algumas cidades, a exemplo de Ribeirão Preto-SP cuja população é de aproximadamente 560.000 habitantes, são abastecidas unicamente por este recurso subterrâneo.
Existe, por outro lado, várias regiões dos quatro países onde a água do Guarani apresenta teores elevados de sais, sendo, nesses casos, necessária a sua diluição com águas superficiais quando ela é destinada ao abastecimento público.
A temperatura da água chega a atingir até 60 graus e pode ser utilizada na implantação de vários empreendimentos, tais como no turismo termal e terapêutico e na agroindústria, e isto pode propiciar o desenvolvimento sócio-econômico de várias regiões onde ele ocorre.
A UNESCO já divulgou que em torno de 70% da água doce do mundo é destinada a irrigação para a produção de alimentos. As águas armazenadas no Guarani, mesmo quando se faz necessária a sua diluição com as águas de superfície, também podem ser utilizadas na irrigação para o aumento da produtividade agrícola, ou até mesmo para evitar as perdas de safra por falta de chuvas, tal como ocorreu com a soja e com milho na região sul do Brasil, nos anos de 2004 e 2005. Os respectivos prejuízos financeiros DIRETOS, no período citado, ultrapassaram a cifra de R$ 12 milhões de reais. A água, e não pode ser visto de outra forma, é o mais importante insumo para a produção de alimentos.
Vale esclarecer que essa reserva de água não forma uma espécie de gigantesco lago subterrâneo, mas em sua maior parte empapa o subsolo, acumulando-se nos poros das rochas ou entre seus grãos ou fissuras.
Sabemos, Sr. Presidente, da importância e da escassez cada vez maior das reservas de água doce própria ao consumo humano, sem esquecer da sua imprescindível necessidade para a agricultura. Neste século, para o qual se prevê até a possibilidade de guerras em disputa pelos mananciais do líquido da vida, torna-se evidente que devemos cuidar muito bem dessa imensa e preciosa reserva natural de água. Ao contrário dos rios, onde as águas estão sempre levando os elementos poluentes, a poluição das águas subterrâneas é difícil até de ser avaliada - que dizer da sua recuperação, que é dispendiosa e de longa duração, quando não se mostra impraticável?
São diversas as possibilidades de poluição do Aqüífero Guarani, principalmente nas áreas onde ele aflora na superfície do terreno quando consideramos que ele se situa sob algumas regiões de denso povoamento ou de prática intensiva da agricultura. É necessária uma atenção muito especial com essas áreas de recarga, que são aquelas por onde a água se infiltra para chegar ao subterrâneo. Impõe-se o controle dos lixões e da descarga dos esgotos, da extração de minérios e do uso de agrotóxicos. A Embrapa Meio Ambiente é um dos órgãos brasileiros que têm se dedicado a essa questão, defendendo a adoção de um amplo ordenamento agro-ambiental para a área do aqüífero.
Outro risco que corre o Aqüífero Guarani é o da super-exploração, que pode levar a uma série de desequilíbrios no seu funcionamento natural. É importante frisar que a água do aqüífero deve ser explorada, sem dúvida, mas deve sê-lo em um nível sustentável, a ser determinado para cada diferente região ou local.
Já temos exemplo da sua susceptibilidade na região do Centro e do Oeste dos Estados de Santa Catarina (Piratuba) e do Paraná (Foz do Iguaçu e Iretama), onde o seu uso é destinado para fins turísticos e terapêuticos.
Esta prática, a do aproveitamento das águas quentes para o turismo, existe no Uruguai desde a década de sessenta, rendendo àquela região em torno de cento e vinte milhões de dólares ao ano.
A título de exemplo, no interior do Estado de São Paulo, a exploração do Aqüífero Guarani já é essencial para o abastecimento de água de 65% da sua zona urbana e no Estado do Paraná já existe cerca de 40 sedes municipais de pequeno e médio porte sendo abastecidas com as águas do Guarani.
Sr. Presidente, a singularidade do Aqüífero Guarani, como uma imensa reserva de águas subterrâneas que se estende pelo subsolo de quatro países, exige uma abordagem também única. A troca de informações entre esses países, referentes ao conhecimento do aqüífero, e o diálogo voltado para práticas de utilização e de proteção de suas águas fazem-se indispensáveis.
Uma importante iniciativa nesse sentido vem sendo conduzida pelo Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani, que reúne os governos dos quatro países interessados. O Projeto conta com recursos do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) e tem como agência executora internacional a Organização dos Estados Americanos (OEA).
Lembremos que a primeira proposta de estudos integrados visando ao conhecimento do Aqüífero Guarani, nos seus diversos aspectos, surgiu de algumas universidades dos quatro países envolvidos, entre as quais se destacou, no Brasil, a Universidade Federal do Paraná.
Em janeiro de 2000, a proposta de estruturação do projeto foi definida por acordo dos representantes dos quatro países reunidos em Foz do Iguaçu e apresentada ao Banco Mundial (BIRD) e a OEA.
A partir de uma licitação internacional feita no ano de 2003, a execução do projeto ficou sob a responsabilidade de empresas de consultoria internacional, consorciadas com empresas nacionais, tendo a chancela do Governo Federal, e, no caso do Brasil, também de instituições estaduais de cada um dos oito Estados onde ocorre o aqüífero.
Espera-se para o próximo ano a apresentação do principal resultado do projeto, fruto de exaustivas pesquisas e debates: a proposta de um marco legal sobre a gestão compartilhada das águas do aqüífero.
A forma como essa proposta será implementada pelos países participantes ainda está por se definir. Consideramos que o Parlamento do Mercosul seja o canal mais apropriado para que se alcance o imprescindível entendimento, possivelmente na forma de um acordo internacional que estabeleceria um modelo único, a ser adotado, conforme os procedimentos de regra, pela legislação de cada um dos Estados nacionais.
Esse processo já se encontra em andamento, mas em um ritmo talvez excessivamente lento. O Vice-Presidente do Parlamento do Mercosul, Deputado Dr. Rosinha, do PT do Paraná, considera como obstáculo para a aprovação de um acordo não apenas os interesses e as diferentes legislações sobre recursos hídricos dos quatro países, mas também a falta de um debate mais amplo sobre o Aqüífero Guarani no seio das respectivas sociedades.
Por outro lado, não posso deixar de achar perfeitamente plausível e recomendável que o Parlamento do Mercosul aproveite os resultados do trabalho desenvolvido, com toda a seriedade e competência técnica, pelo Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentável do Sistema Aqüífero Guarani.
Consideramos igualmente imprescindível que a exemplo deste projeto coordenado pela OEA com recursos oriundos do GEF/BIRD, os projetos desenvolvidos nas universidades dos quatro países tenham o mesmo grau de importância ao Parlamento do Mercosul. Esses projetos, é importante destacar, vem sendo desenvolvidos sistematicamente com base na ciência hidrogeológica, sempre destacando a necessidade de proteção do aqüífero, no entendimento de seu funcionamento em termos de quantidade e de qualidade das águas armazenadas, bem como sem deixar de destacar a sua importância para o desenvolvimento sócio-econômico das regiões onde o aqüífero ocorre.
Sr. Presidente, é fundamental, sem dúvida, que tanto o Estado como a sociedade do Brasil, do Paraguai, da Argentina e do Uruguai, países fundadores do Mercosul, compreendam a necessidade da convergência de esforços para garantir, de modo prático, tecnicamente competente e efetivo, a melhor utilização e a preservação desse precioso tesouro líquido, que a natureza dispôs sob amplas porções de seus territórios.
Muito obrigado