Fernando Collor-SF 05-07-2007
SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho feito intervenções neste plenário e na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional sobre minhas preocupações com os graves problemas que afetam as nossas relações exteriores. Desejo agora trazer à reflexão desta Casa a situação do Mercosul.
O Mercosul sintetiza o resultado de longa série de esforços em busca de uma aproximação complexa e integral - social, econômica, cultural e diplomática - entre os países do Cone Sul. Demandou a firme vontade política inicial do Brasil e da Argentina para superar suas rivalidades históricas e estabelecer um novo patamar de relacionamento. As duas nações procuraram esquecer disputas e desavenças. Procuraram unir-se para enfrentar os desafios de um cenário internacional no qual ruía a rígida formação dos blocos político-ideológicos e se acelerava o fenômeno da globalização.
Essa busca de união, quando as duas nações procuravam juntar forças, foi facilitada pelo processo de redemocratização de ambas. Coube aos Presidentes Sarney e Alfonsín lançarem as bases da integração regional, quando, em 1985, firmaram a Declaração de Iguaçu. Passo a passo, com abnegação, as sociedades e os Governos dos dois países foram construindo uma via de cooperação e de entendimento.
Às duas nações uniram-se o Paraguai e o Uruguai, países com os quais tínhamos, e buscamos superar, problemas históricos. A união para nos inserir no cenário potencialmente adverso da globalização e a busca de valores democráticos foram fundamentais para a integração.
A superação de desconfianças mútuas, muitas vezes arraigadas, foi também processo penoso, que demandou concessões de todas as partes e, sobretudo, vontade de superar obstáculos. Relembro as medidas de "construção de confiança", como a criação da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle de Materiais Nucleares e o acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica, que firmei em Viena em 1991. Esses atos buscavam transformar um relacionamento de disputas e desconfianças em uma relação de credibilidade e respeito compartilhados. Procurávamos fazer cair no esquecimento o conceito de potências regionais rivais, de bipolaridade regional, e substituí-lo por uma realidade de cooperação entre sociedades cultural e economicamente complementares.
As fronteiras do sul do Brasil deveriam deixar de ser área de disputas, na medida em que a confiança recíproca as fosse tornando mais permeáveis à cooperação. Na Região Sul, à época da criação do Mercosul, as populações já possuíam seus próprios mecanismos informais de integração. Buscavam trabalhar onde estivesse o emprego, compravam mercadorias onde as encontrassem por melhores preços e procuravam serviços onde tivessem acesso mais fácil, sem considerar a linha de fronteira.
Essa integração do mundo real era obstada pela presença do Estado. Com o Mercosul, procurávamos, na verdade, por intermédio da ação governamental, expandir uma integração embrionária, que já existia e funcionava nos espaços fronteiriços. Procurávamos institucionalizar e ampliar para o espaço regional uma racionalidade econômica já exercida na fronteira e desejada pela sociedade.
A construção do Mercosul não se limita, no entanto, à racionalidade econômica. Embasa-se na vontade dos povos, no entendimento e na solidariedade. Não se trata apenas de negociar tarifas, mas, em visão maior, de integrar-se para se desenvolver e para enfrentar vicissitudes do cenário internacional com mais força.
Foram essas as idéias que presidiram as negociações do Tratado de Assunção, que tive a honra de firmar também em 1991. Esse Tratado, embora procurasse a formação de um mercado comum - forma já muito avançada de integração -, procurou definir as etapas necessárias para atingir seu objetivo em curto espaço de tempo. Estabeleceu que se procuraria a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos...
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - Presidente Collor, V. Exª me concede um aparte?
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador.
O Sr. Mão Santa (PMDB - PI) - V. Exª, no curto espaço que governou este País, foi muito importante para a globalização, para a competitividade da nossa indústria. Foi V. Exª que alertou. Mas o problema de hoje - eu, que sou cirurgião, conheço as urgências, quando temos de operar apendicites, hérnias estranguladas, úlceras perfuradas, etc. -, o problema grave hoje é o relacionamento entre Brasil e Venezuela, cuja tradição não era essa, mas a do povo libertador da Venezuela, simbolizado por Simón Bolívar. D. João VI disse: "Filho, antes que algum aventureiro..." Era o Simón Bolívar, que estava libertando, construindo uma República. Então, neste momento, deve estar o entendimento do Presidente da Comissão de Relações Exteriores, da qual V. Exª faz parte e enriquece - Heráclito, o embaixador. E eu sugeri que fosse uma equipe de parlamentares, porque aquilo tudo é como Antoine de Saint Exupéry disse: "A linguagem é uma fonte de desentendimento". Houve um desentendimento, pelas palavras, do nosso Parlamento e o Presidente daquele País, mas nós achamos que há uma obrigação, pela nossa história, pelo futuro que V. Exª exige, numa consolidação do Mercosul, de uma aproximação deste País, e nada mais do que o Parlamento, a Comissão de Relações Exteriores. E eu perguntaria - nós estamos trabalhando para isso, já temos alguns nomes - se V. Exª nos acompanharia nessa missão de reaproximar o país Brasil da Venezuela, pelo engrandecimento do projeto que V. Exª está defendendo, o Mercosul.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado pelo seu aparte, nobre Senador Mão Santa. Eu lhe diria que a preocupação que nos move a todos hoje, inclusive e mais especificamente aqueles que fazem parte da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, deve-se objetivamente às ações que vêm sendo empreendidas pelo governo venezuelano. O Brasil é uma ilha dentro do nosso subcontinente. Temos uma língua diferente da dos países com os quais fazemos fronteira, temos uma história e raízes culturais diferentes das desses outros países. Quando o Presidente da Venezuela fala em Simón Bolívar, esse eco da sua palavra é entendido pelo nosso entorno, e não é entendido dentro do Brasil, porque a nossa história e as nossas origens são diferentes.
A construção do Mercosul pressupõe o desejo daqueles que se integram a viver em paz, porque ninguém chega a um processo de união aduaneira completa, em que as fronteiras já deixam de existir da maneira como hoje se conceituam, para ser uma área de livre trânsito e de livre comércio. E quem assim age, quem assim participa de um processo de integração implicitamente está admitindo que deseja viver em paz com seus vizinhos.
O momento que o Brasil hoje vive é de extrema preocupação para nós, no meu entender, salvo melhor juízo dos Srs. Senadores aqui presentes.
Nós temos problemas na Colômbia, pois, com a redução do espaço antes dominado pelas Farc naquele País, pela ação efetiva do Governo colombiano, as Farc estão sendo jogadas para nossa fronteira molhada, e isso faz com que eles já ultrapassem os nossos rios e venham para o nosso território. Esse é um ponto de inflamação importante.
Temos o Governo do Equador, que já reivindica para si uma parte do nosso território da Floresta Amazônica, onde se diz que existe muito petróleo. Sua Excelência o Senhor Presidente do Equador já anunciou que vai iniciar, logo depois da Assembléia Nacional Constituinte que está sendo realizada naquele País, tratativas no sentido de reaver parte de um território que ele julga ser equatoriano.
A questão da Bolívia é sintomática e emblemática. Hoje, estamos pagando o preço da nossa dependência do gás boliviano. Há duas semanas, o Governo da Bolívia reduziu o envio de gás para Cuiabá, fazendo com que parasse de funcionar lá uma usina movida a gás. Hoje, se o Governo da Bolívia fechar suas torneiras de fornecimento de gás ao Brasil, a indústria paulista, a indústria brasileira, por assim dizer, pára de funcionar. O episódio da encampação da Petrobras nos moldes em que foi feita nos preocupa. A posição dos brasileiros que estão hoje vivendo na fronteira entre a Bolívia e o Brasil - já há um movimento dentro do país para que eles de lá saiam - é um fato que nos causa preocupação.
Em relação ao Paraguai, o candidato mais bem colocado nas pesquisas está fazendo a sua campanha com o slogan "Itaipu é nossa. O Brasil está espoliando os nossos recursos, pagando uma tarifa irrisória pelos nossos recursos naturais" - entenda-se aí a água.
Tudo isso nos traz preocupações, porque é fundamental que a nossa política externa comece a agir de maneira mais ofensiva e menos reativa. É preciso também que nós entendamos a absoluta necessidade de que as nossas Forças Armadas estejam convenientemente preparadas para, numa eventualidade que esperamos que não venha a acontecer, atuar em defesa do Estado brasileiro.
Em função disso, concordo com as palavras de V. Exª, Senador Mão Santa, e me permito concluir o meu pronunciamento, Sr. Presidente.
Enfim, estabeleceu-se a livre circulação de bens, serviços e fatores produtivos, o estabelecimento de união aduaneira com uma tarifa externa comum e que não se buscaria a coordenação de políticas macroeconômicas.
O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Senador Fernando Collor.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Senador Sibá Machado.
O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Se o Sr. Presidente permitir, porque V. Exª está falando pela Liderança.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não.
O Sr. Sibá Machado (Bloco/PT - AC) - Serei breve. A avaliação que V. Exª faz sobre os nossos vizinhos aqui é muito correta, mas ainda me chama a atenção um ponto: olhando a história da independência desses países, independência mais política, como é a nossa, e, depois, a extrema dependência tecnológica e econômica, considero até certo ponto muito positivas ainda algumas posições que vemos, porque quem está mais próximo desses países é o Brasil. É natural que há um senso popular de que o gigantismo do que poderia ser comparado ao imperialismo do passado, até mesmo quando militantes como eu gritavam nas ruas contra os interesses norte-americanos no Brasil, entendo que isso esteja, digamos, de certa forma, aflorando novamente nesses países, que podem olhar para o Brasil como esse gigante que sufoca o desempenho dessas economias. Mas acho que precisamos tomar um cuidado muito grande, porque, inevitavelmente, para que possamos dar um salto de qualidade em interesses econômicos e políticos da América do Sul em relação à União Européia, aos Estados Unidos e a todos os fóruns internacionais, não há como os países da América do Sul fazerem isso de maneira bilateral. Eu não acredito nisso. Acho que, em alguns pontos, pode ser, mas, de modo geral, não. Então, a situação dos contratos de Itaipu, a situação dos contratos do gás da Bolívia, a situação de um PAC de uso mais moderado da Amazônia, que faz fronteira com tantos outros países, realmente nos impõem provarmos que temos umas idéias que poderão avançar muito mais do que foram as assinaturas desses contratos naquele momento, naquela conjuntura, naquela situação. Realmente, o mundo mudou, a situação é completamente diferente, e nós agora temos que nos dar as mãos o máximo possível, até mais, para que esses países que possam crescer. Certa vez, ouvi de Benjamin Steinbruch a informação de que, para que algumas empresas brasileiras continuem crescendo, só há dois caminhos: ou o nosso PIB cresce, aceleradamente, acima de 5%, ou essas empresas terão que avançar em outros países. Não há outra alternativa, porque a capacidade de crescimento, no tamanho da nossa economia, já está no limite. Quero dizer que a América do Sul frente aos desafios do mundo é algo parecido com essa frase de Benjamin Steinbruch. Portanto, acho que a nossa diplomacia tem um árduo trabalho pela frente e que V. Exª, por ter sido Presidente da República, tem um vasto conhecimento sobre essa matéria. É preciso que o Senado da República aproveite a ocasião para apresentar as melhores sugestões possíveis para que o Mercosul cresça, não só no tamanho econômico, mas também na base geográfica, para que esses povos se entendam como parceiros de um grande desafio que nós temos pela frente. Agradeço muito pela oportunidade do aparte.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Obrigado pelo aparte de V. Exª, Senador Sibá Machado.
O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais. PFL - PB) - Senador Fernando Collor...
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Pois não, Presidente.
O SR. PRESIDENTE (Efraim Morais. PFL - PB) - ... a Presidência, com a tolerância costumeira, dará mais dois minutos a V. Exª, para concluir o seu pronunciamento.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado, Sr. Presidente.
Os Governos da Venezuela e da Bolívia têm tomado atitudes que não condizem com o próprio espírito do Mercosul, que norteou a sua fundação. As ameaças em relação ao fornecimento energético não coadunam com negociações entre países que aspiram a conviver em um mercado comum. Não se pode aceitar a provocação como elemento de barganha diplomática. Repito: não se pode aceitar a provocação como elemento de barganha diplomática.
O Governo da Venezuela, de sua parte, não tem mostrado o respeito que é devido a um relacionamento adequado entre nações. Adota atitudes provocativas e trata a instituição do Mercosul com menosprezo. Ao não dar importância à recente reunião do Mercosul em Assunção e ao se voltar à compra de armas, mostra-se dissociado do verdadeiro objetivo da integração: criar espaço de cooperação e paz e não de conflito.
Quanto às assimetrias em relação às economias menores, reitero que sou favorável a corrigi-las, mas como objetivo permanente do Mercosul, e não mediante medidas tópicas. Devemos convidar as forças produtivas do Brasil, por suas entidades representativas, para trabalhar junto com o Governo na consecução das metas do Mercado Comum que almejamos.
Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, penso que está na hora de repensar o Mercosul. De um lado, repelir de modo firme as ameaças e, de outro, revigorar a argamassa de solidariedade que foi utilizada na sua fundação.
Penso que devemos consolidar a integração para fazer que sua desejável ampliação se faça em base sólida e segura. Não podemos deixar que o açodamento e a falta de firmeza façam com que a própria sociedade brasileira deixe de apoiar o Mercosul, como fazia até recentemente.
O Presidente Lula não pode ficar na História como tendo relegado o Mercosul. Ao contrário, ele tem capacidade de liderança, tem legitimidade, tem apoio do povo brasileiro, para reviver esse empreendimento vital para nosso futuro.
Sr. Presidente, muito obrigado pela sua tolerância.
Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores.
Era o que tinha a dizer.