PROSF-21-10-05 Delcídio Amaral
Autor Delcidio Amaral (PT - Partido dos Trabalhadores /MS) Data 21/10/2005 Casa Senado Federal Tipo Discurso
O SR. DELCÍDIO AMARAL (Bloco/PT - MS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, desde o começo deste mês de outubro, o meu Estado, Mato Grosso do Sul, está envidando todos os esforços possíveis no sentido de minimizar os danos decorrentes da descoberta da febre aftosa. Assim que o novo foco foi encontrado, na Fazenda Vezozzo, localizada no Município de Eldorado, todas as providências foram tomadas de modo célere e transparente.
Nota técnica do Departamento de Saúde Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento encarregou-se de notificar o evento à Organização Mundial de Saúde Animal - OIE, ao Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, aos países vizinhos e aos blocos econômicos com os quais o Brasil mantém relações comerciais. No mesmo sentido, as autoridades brasileiras e os órgãos de imprensa passaram a acompanhar, praticamente em tempo real, meu caro Presidente Sibá, as atividades de contenção sanitária da febre aftosa.
A rapidez das autoridades sanitárias em isolar o novo foco da doença, fato louvável, é fundamental para que o Estado de Mato Grosso do Sul se recupere o mais rapidamente possível desse trágico evento. Utilizo o termo tragédia para tentar ilustrar, Sr. Presidente, a exata dimensão desse novo foco para a economia do meu Estado, para as centenas de milhares de pessoas que dependem da renda do boi para a sua subsistência.
As notícias sobre a febre aftosa, doença cujo risco para o ser humano é praticamente nulo, caíram como uma bomba se analisarmos o impacto socioeconômico sobre frigoríficos, curtumes, fazendeiros e boiadeiros de um Estado considerado como modelo em tecnologia e em investimento na pecuária.
Vários Municípios de Mato Grosso do Sul dependem da produção e processamento de carne para sobreviver. No Município de Nova Andradina, por exemplo, distante cerca de 250 quilômetros de Eldorado, onde o primeiro foco foi descoberto, o frigorífico local abate aproximadamente mil animais por dia, quase todos destinados, Sr. Presidente, à União Européia. São 1.500 trabalhadores envolvidos na indústria do abate e do processamento da carne, mais centenas de outros trabalhando com couro e o transporte das mercadorias. Esse é apenas um exemplo. Há dezenas de outros, de importância similar.
O transtorno gerado pela febre aftosa não se restringe, infelizmente ao rebanho bovino. Nas áreas sob risco de contaminação, suínos, ovinos e caprinos têm de ser sacrificados também. E não é só, Sr. Presidente: os subprodutos desses rebanhos, como leite e queijo, também ficam impedidos de circular.
É por isso que a ajuda e a compreensão do Governo Federal são muito desejáveis, senão imprescindíveis para os produtores sul-mato-grossenses. Nesse contexto, o fundo emergencial do Governo, hábil a indenizar os produtores que estiverem com ficha sanitária em ordem, deve vir acompanhado de medidas compatíveis com o grau de importância que a indústria bovina adquiriu neste País.
Sr. Presidente, nosso status no comércio mundial de carne é, hoje, o de superpotência. No ano passado, por exemplo, o Brasil tornou-se o maior exportador mundial de carne bovina. Neste ano, as previsões da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação davam conta de que o Brasil responderia por mais de 23% do comércio bovino em todo o mundo. É válido frisar que tal crescimento brasileiro vem sendo obtido sem o risco de desabastecimento do mercado interno.
A produtividade da pecuária para o nosso País é referência mundial, o que faz de sua indústria setor estratégico da economia nacional. Respondendo por mais de US$8 bilhões por ano, além de gerar centenas de milhares de empregos, a indústria da carne bovina é crucial para a inserção competitiva do Brasil no comércio mundial.
Mais de cem países consomem a carne brasileira. Se o elo mais fraco da cadeia produtiva se romper, as conseqüências são proporcionais à importância do setor: férias coletivas, desabastecimento, demissões, perda de competitividade interna e externa.
É por esses motivos, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que defendemos, de forma enfática, o estabelecimento de mecanismos de controle e cooperação sanitária, tanto no âmbito interno quanto em relação aos países vizinhos. Neste sentido, o Governador de Mato Grosso do Sul propôs, de forma acertada, que o controle da febre aftosa se transforme em pauta permanente do Mercosul.
A luta para fazer da América do Sul região livre da febre aftosa é de responsabilidade de todos os países da região. Alcançar essa meta é algo perfeitamente exeqüível, Sr. Presidente!
Como afirmou, com muita propriedade, o chileno Eduardo Correa de Melo, Diretor do Centro Pan-Americano de Febre Aftosa, que funciona no Estado do Rio de Janeiro, os fazendeiros brasileiros fizeram "um grande esforço para eliminar a febre aftosa. Isso fez o País ter mais de 140 milhões de cabeças em áreas livres da enfermidade. É um grande feito, mas, lamentavelmente, enquanto houver áreas com problemas, haverá riscos para todos".
A vacina contra a febre aftosa é eficaz, resolve o problema, desde que manuseada de modo correto. Portanto, está longe de ser utopia fazermos da nossa região área livre de aftosa. Afinal de contas, foi a cooperação entre os Estados Unidos, o México e o Canadá que permitiu a erradicação da doença na América do Norte. Na América Central, a doença nunca existiu.
O que falta para alcançarmos a meta de erradicação na América do Sul, Sr. Presidente? Sinergia entre as autoridades de todos os países interessados em fazer do subcontinente sul-americano área livre da febre aftosa.
No momento em que o Brasil negocia, de forma brilhante, a abertura da agricultura no comércio multilateral, na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio, não podemos nos dar ao luxo - em hipótese alguma - de sofrer restrições de caráter sanitário na pecuária. A segurança alimentar é conceito crucial no comércio mundial, mesmo porque sabemos que medidas de caráter sanitário são tomadas, muitas vezes, para disfarçar a praga do protecionismo dos paises ricos.
Como se diz no linguajar popular: eles não merecem essa "colher de chá". Nesse ponto, refiro-me não apenas à febre aftosa, pois estou convencido de que nosso horizonte de preocupações é mais amplo. Refiro-me, também, ao mal da vaca louca, à ameaça da gripe aviária, à sigatoga negra na cultura da banana, à mosca branca na cultura do algodão, à pinta preta na cultura da laranja. O combate a esses problemas é de interesse e dever do Governo, bem como da iniciativa privada agropecuária.
O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento vem trabalhando no sentido de modernizar a regulamentação de conceito-chave nesse processo: a rastreabilidade no setor agropecuário. Nas palavras do Secretário de Desenvolvimento Agropecuário e Cooperativismo do Ministério, Dr. Márcio Portocarrero, trata-se de desenvolvermos a capacidade de identificar todas as etapas no processo de produção, "da fazenda até a mesa do consumidor".
Regulamentarmos, de forma eficiente, o rastreamento, o controle e a fiscalização do Poder Público em todas as etapas da produção alimentar significa garantirmos, aos olhos do mundo, que o setor agropecuário brasileiro observa padrões internacionais de respeito, por exemplo, ao meio ambiente. Significa, também, que as condições sociais, sanitárias e trabalhistas são compatíveis com as exigências globais mais rigorosas.
Quanto à proteção dos direitos humanos e trabalhistas, vale mencionar o valor que o mercado da União Européia passou a dar ao chamado fair trade que, por meio do mecanismo de certificação, fornece ao consumidor a certeza de que o produto foi produzido em consonância com padrões aceitáveis nas relações de trabalho.
Aprimorarmos a rastreabilidade permite, também, maior controle e punição do contrabando, que presta enorme desserviço aos produtores legalizados e a todos os países da região.
O empresário Antônio Ermírio de Moraes, em recente artigo na Folha de S.Paulo, levanta o seguinte questionamento: "Quanto vale a confiança no comércio internacional?"
É uma pergunta legítima, Srªs e Srs. Senadores. É muito difícil mensurá-la, mas podemos ter a certeza de que vale muito. No comércio internacional, além dos critérios objetivos, técnicos, há as injunções políticas, os lobbies dos produtores daqueles países que vêem, no embargo ao produto brasileiro, oportunidade de ouro para incrementar seus negócios.
A credibilidade internacional do Brasil é inestimável. Nosso superávit na balança comercial, milhões de empregos e mesmo o desenvolvimento brasileiro dependem de nossa capacidade de administrar e solucionar problemas tais como a erradicação da febre aftosa.
Temos recursos e capacidade para alcançar essa meta. Nossos esforços e nossa dedicação têm de ser compatíveis com nossos interesses. No caso, sabemos que são imensos.
Muito obrigado, Sr. Presidente, pela oportunidade, principalmente em função das duas semanas em que sofremos bastante em conseqüência da febre aftosa.