Silvinho Peccioli-CD 28-11-2007
O SR. SILVINHO PECCIOLI (DEM-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, semana passada foi aprovada, na Comissão de Constituição e Justiça desta Casa, a adesão absoluta da Venezuela ao MERCOSUL. Foram 44 votos a favor e 17 contrários. Agora, a proposta será votada, em plenário, nesta Câmara, e, em seguida, no Senado. Novamente, o Governo não encontrou resistência aguda para aprovar seu projeto; desde cedo colocou seus responsáveis para trabalhar.
O Ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, encarregou-se pessoalmente de transmitir aos Líderes da base governista a missão que lhes cabia: angariar votos a favor da entrada da Venezuela no Tratado de Livre Comércio da América do Sul. Sob a pretensa fala de que a Venezuela é a terceira maior parceira comercial do Brasil, Hugo Chávez comemorou vitória mais uma vez. Inclusive, a sessão foi transmitida pela TV na Venezuela. Até aqueles que se declaram oposição ao Governo - como o PSOL - apoiaram a faceta governista neste caso, sob a escusa de que aqueles que acusam Chávez de ser ditador são os mesmos que apoiaram a ditadura militar no Brasil. Ledo engano dos colegas.
O debate durou cerca de 5 horas e girou em torno da existência ou não da democracia na Venezuela, e sobre seu presidente. A maior parte dos Parlamentares que se mostraram favoráveis à entrada do país no MERCOSUL qualificaram Hugo Chávez como monstro e disseram não partilhar dos ideais políticos dele. Ora, é possível desvencilhar a política venezuelana da mão forte de seu presidente? É do conhecimento de todos o regime autocrático que vem sendo construído na Venezuela desde que o coronel ascendeu ao poder. Sob a proteção petrolífera, ele controla absolutamente tudo, nada que diga respeito ao regime de seu país escapa ao olhar atento do tirano. Como os nobres colegas são capazes de distinguir a Venezuela da política nela realizada? É, no mínimo, estapafúrdia e desprovida de conteúdo tal argumentação. Ademais, o Tratado de Ushuaia, que estabeleceu a cláusula democrática como requisito aos países que aspiram entrar no MERCOSUL, está visivelmente sendo violado. É evidente que Hugo Chávez tem intenções - declaradas, inclusive - de reestruturar a política na América do Sul. A Venezuela, no MERCOSUL, será a porta de entrada para implementar suas aspirações despóticas no continente. E o bloco governista ainda vem com a falsa alegação de que temos de defender o pluralismo nas relações com outros países. Isto é: não importa se o regime do país é fascista, temos de manter relações com ele sob a justificativa de que não devemos interferir ou nos elevarmos à condição de tribunal no que concerne à política interna dos países vizinhos. É admirável a ingenuidade do Governo brasileiro frente a esta questão, ou seria conivência com a ideologia de Chávez? Difícil torna-se determinar a postura adotada pelo Brasil diante do caso da Venezuela.
Trata-se, antes de tudo, de definir quais são as prioridades nacionais. A adesão venezuelana ao Tratado de Comércio pode significar uma futura ameaça à soberania do Brasil, e a maior parte de nossos dirigentes não perceberam ou não querem perceber isso. Chávez tem um projeto político declarado de intervir diretamente na política e no regime de seus vizinhos, haja vista sua intervenção na Bolívia, que fez de Evo Morales seu refém mais fiel, e a intervenção nos diálogos com as FARC que, por um milagre, o Governo colombiano vetou a tempo. Antes de se elevar ou não à condição de tribunal, nós, Parlamentares, devemos ter muito claro que a política tem de ter raízes na ética e na justiça social. E, notavelmente, o que Hugo Chávez está construindo em seu país não tem nada de ético, muito menos de justo: cidadãos venezuelanos estão morrendo por discordarem de seu dirigente, e o Governo brasileiro parece padecer de uma cegueira institucionalizada diante do caos na Venezuela. Não podemos fechar os olhos ante a morte de pessoas, ao assassinato dos valores democráticos e da liberdade individual, ante ao Estado de exceção praticado sem medidas por um déspota que está transformando o aparato estatal em uma extensão de sua vontade individual. É insanidade negar isso. E mais: é qualificadamente antiético permitir a entrada de um presidente claramente usurpador em um acordo firmado em bases democráticas.
Não sendo suficientes os motivos supracitados, o Brasil poderia adotar como medida estratégica, no intuito de exercer pressão internacional a Chávez, para que ele opere segundo a soberania dos princípios democráticos, o veto ao assentimento da Venezuela no MERCOSUL. Justamente por se tratar da parceria comercial entre os 2 países, a tática das relações exteriores deveria primar por constituir relações com países de governos embasados na ética de Estado e na supremacia do regime democrático. O Governo brasileiro tem consciência do peso de sua influência sobre os demais países latino-americanos. Se a Venezuela é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, mais uma razão para estarmos atentos ao tipo de gestão pública lá fundada. Sem sombra de dúvida, a parceria comercial entre nossa Nação e o país de Chávez é tão importante para nós quanto para ele; talvez para a Venezuela seja imprescindível essa parceria, haja vista que o país não produz nada além de petróleo. Temos o dever moral de tentar brecar o ego maligno desse tirano e de servirmos de exemplo quanto à responsabilidade política para os demais países vizinhos. Temos a oportunidade de utilizar as mesmas armas empregadas pelo coronel com países que se negam a compactuar com seu fanatismo governamental: a quebra ou o congelamento das relações, sejam elas econômicas, sejam diplomáticas.
E, ao contrário, o que a gestão Lula faz? Dá carta branca à entrada do néscio dirigente no acordo de livre comércio sul-americano. E mais: em recentes declarações, nosso Presidente disse que podem acusar Hugo Chávez de tudo, menos de não ser democrático; que a Venezuela é um país no qual a democracia é praticada, já que há muita discussão e o povo vai às urnas com regularidade para opinar a respeito de interesses políticos do país. O nosso Exmo. Presidente apenas se esqueceu de levar em consideração que a Justiça Eleitoral venezuelana quebra o sigilo e permite ao Governo saber e punir devidamente quem é antagônico ao regime chavista; permite que Deputados chavistas atirem contra cidadãos que se declaram contrários a Chávez - e permaneçam impunes política e civilmente; permite que o coronel use verba pública para financiar manifestações favoráveis à sua política; permite que o regime "democrático" venezuelano acabe com a oposição governista e com a liberdade de imprensa. Pessoas estão morrendo por discordarem ideologicamente de Chávez e sabe-se lá quantas atrocidades mais estão sendo cometidas em nome da construção do socialismo do século XXI. O Presidente Lula deveria saber, como Chefe de Estado e do Executivo Nacional, que democracia não se resume à ida do povo às urnas. Tem-se uma série de práticas indispensáveis ao exercício do regime democrático, tais como: liberdade de expressão e liberdade de imprensa, discussões que não acarretem mortes, mas sim que contribuam para o desenvolvimento do país e para a justiça social. O que Chávez faz é subornar as classes pobres com migalhas subsidiadas pelo governo. Atitude, aliás, bastante conhecida pelas administrações públicas latino-americanas, inclusive a brasileira.
Sr. Presidente, como políticos e homens públicos, temos o dever de atuar em favor da política nacional, mas, antes disso, temos a obrigação ética e moral de lutar pelos valores democráticos e de justiça social, não só dentro de nossas fronteiras, como também em caráter exterior a ela, tendo como prioridade a defesa da vida humana antes de acordos comerciais. Na Venezuela, pessoas estão sendo assassinadas por pensarem diferente. A pergunta que fica é: que tipo de democracia é esta?
Muito obrigado.