Beto Faro-CD 23-10-2007
O SR. BETO FARO (PT-PA. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, por algumas vezes usei esta tribuna para louvar os méritos da política externa do Governo do Presidente Lula. Sim, porque esta política vem sendo orientada por estratégia do maior virtuosismo por conciliar, com pleno sucesso, princípios com pragmatismo.
De um lado, com uma visão clara dos arranjos e das tendências do comércio mundial, a política externa brasileira, sem flexibilizar nas relações com os EUA e Europa, vem dando prioridade ao estreitamento das relações comerciais com os países do sul, com vistas à diversificação da pauta e dos parceiros no comércio em todos os setores. Com isto, além de buscar menores riscos ao comércio para o País, o Brasil atua por uma ordem mundial multipolar.
De outra parte, Sr. Presidente, com uma percepção diferenciada da arena política mundial, a diplomacia brasileira vem seguindo uma forte agenda de solidariedade e cooperação com os países mais afetados pela pobreza em todo o mundo, mostrando a todos que a política externa de um país não pode ser movida apenas por interesses comerciais.
Nesses termos, Sr. Presidente, não posso deixar de reagir contra alguns segmentos políticos, empresariais e da mídia que criticaram duramente o Presidente Lula pela visita à África, na semana passada, pelo suposto prestigiamento dado a governos antidemocráticos, como os da República Popular do Congo, de Angola e mesmo de Burkina Fasso.
Na realidade, tais críticas serviram de pretexto às reações desses setores, que não se conformam com a agenda política do Brasil de estreitamento de laços diplomáticos e comerciais com o mundo pobre. São os neodemocratas de hoje que esquecem as suas relações perigosas de um passado não muito distante.
É de todo evidente que o Presidente Lula, com a sua biografia, jamais faria qualquer gesto de endosso a qualquer regime ditatorial. Todavia, não se pode esquecer que, naqueles países, a despeito do tipo de governo, há milhões de pessoas vivendo na mais extrema miséria. Além disso, essa agenda da cooperação consolida a liderança que o Brasil vem ostentando entre os países em desenvolvimento, fator, inclusive, que possibilitou a criação do G20.
A propósito, vale sublinhar que Burkina Fasso, um dos países-alvo dessas críticas, é um importante produtor de algodão do continente africano. E cito esse fato, Sr. Presidente, porque a mais nova vitória do Brasil na OMC contra os Estados Unidos, desta vez no processo contra os subsídios recebidos pelos produtores americanos de algodão, resultará em efeitos positivos diretos não apenas para Burkina Fasso, como de resto para todos os países da África produtores de algodão.
Se, de fato, esta não for mais uma vitória de Pirro do Brasil na OMC, a decisão desse órgão será muito mais importante para a África do que para o próprio Brasil. Isto porque os subsídios concedidos pelos EUA aos produtores de algodão fizeram desabar em 30% o PIB dos países africanos que dependem essencialmente das exportações desse produto.
Portanto, quero felicitar o Presidente Lula pela atitude, torço para que dê continuidade a sua política externa e aproveito para fazer mais alguns comentários sobre a sua visita à África.
Em primeiro lugar, merece destaque a importantíssima reunião ocorrida na África do Sul, o Fórum de Diálogo entre Índia, Brasil e África do Sul, o chamado IBAS, que se vem constituindo em mais um grande lance da política externa brasileira.
O êxito dessa reunião, comprovado pela atenção que despertou nos governos de vários países desenvolvidos, com ênfase para os EUA, alimentou a possibilidade de que o IBAS já tenha se consolidado como um movimento em direção à criação de um acordo de livre comércio entre os países do MERCOSUL, a Índia e os países que integram a Comunidade Sul Africana, a SACU.
Não bastasse essa possibilidade, a reunião do IBAS foi considerada decisiva para os posicionamentos do G20 nos impasses até então insuperáveis da Rodada de Doha, da OMC.
Não foi à toa, durante a reunião, o telefonema dado pelo Presidente Bush ao Presidente Lula para pedir a mediação do brasileiro para a remoção das resistências dos países do G20 para a retomada da Rodada de Doha.
Na realidade, reconhecendo o papel de liderança do Presidente Lula, tanto os americanos como os europeus pressionam para que o Brasil ajude a convencer a Índia a aceitar cortes nas tarifas de produtos industriais.
Só que os Governos do Brasil e da Índia já aceitaram negociar as reduções tarifárias para a indústria por meio da chamada fórmula suíça, o que significa aceitar cortes entre 55% e 60% nas tarifas industriais. E certamente esta já é a border line para as possibilidades de manutenção de políticas industriais pelos países não desenvolvidos.
No entanto, Sr. Presidente, em contrapartida, graciosamente, os EUA, entre outras medidas protecionistas, pretendem manter limites dos subsídios agrícolas em patamares acima dos já praticados atualmente.
O fato é que tenho enormes dúvidas sobre a viabilidade de um sistema multilateral de comércio arbitrado pela OMC que venha a garantir condições efetivas de simetria comercial com os países desenvolvidos. Em outras palavras: duvido muito da viabilidade desse sistema e da própria OMC.
Não bastasse a posição irredutível do protecionismo agrícola pelos países ricos, durante a própria visita do Presidente Lula à África para buscar a unidade de ação dos países pobres, surpreendentemente, um importante grupo de países pobres da África, Caribe e Pacífico, os quais, interessados na manutenção do sistema geral de preferência comercial que teoricamente os beneficiam, formalizaram pedido aos EUA e à União Européia de um prazo de 15 anos para que esses países cortem as tarifas sobre produtos como carne bovina, açúcar, tabaco, suco de laranja e etanol.
Então. Sr. Presidente, caberia perguntar: vale a pena continuarmos despendendo energias pela retomada da Rodada de Doha, se temos países ricos e pobres contrários à liberalização do comércio mundial? E do que adianta dotar a OMC de poder jurídico de arbitragem do comércio se em todos os contenciosos nos quais saímos vitoriosos não conseguimos a implementação das medidas de retaliação autorizadas por essa organização?
Enfim, Sr. Presidente, iniciativas como o fortalecimento do MERCOSUL e o esforço pela evolução do IBAS, entre outras em processo de articulação pelo Governo do Presidente Lula, sugestivas de uma estratégia pelo plurilateralismo, de fato parecem mais promissoras do que a sonhada ordem multilateral.