Nilson Mourão-CD 29-03-2007

O SR. NILSON MOURÃO (PT-AC. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, neste final de semana, o Presidente Lula viajará aos Estados Unidos e se encontrará, no sábado, em Camp David, com o Presidente George W. Bush. À mesa, a continuidade dos debates e discussões que envolvem o processo de cooperação entre o Brasil e os Estados Unidos.
Recentemente, o Presidente Bush veio ao Brasil. Nas conversações travadas em nosso País deu-se ênfase à questão do etanol, que hoje é visto como um biocombustível estratégico para o futuro da humanidade. Certamente, em Camp David, o Presidente Lula irá discutir os subsídios agrícolas. Os Estados Unidos, e de certo modo também a União Européia, defendem, no mundo inteiro, o livre comércio, mas para os outros; para eles, subsídios, sobretudo na agricultura. A agricultura européia e dos Estados Unidos são subsidiadas. O Presidente Lula insiste nesta questão, porque é importante para o Brasil e para os países em desenvolvimento.
É claro que quem acompanha um pouco a política norte-americana vê claramente que os lobbies dos agricultores estão vinculados às mais diferentes áreas de produção - soja transgênica, milho, batata. São lobbies fortes e poderosos. Querem manter a todo custo seus subsídios e exigem do resto do mundo livre comércio.
Procuraram impor essa mesma lógica e essa mesma visão na ALCA, com o pleno domínio do governo norte-americano. O Presidente Lula, como conduz uma política externa soberana, praticamente impediu a instalação da ALCA com aqueles critérios. Os Estados Unidos responderam, estabelecendo acordos multilaterais com os mais diferentes países. Alguns fizeram, outros não, particularmente os países do MERCOSUL. O Uruguai foi tentado, mas recuou no momento oportuno.
Precisamos construir nossos organismos regionais. Precisamos de órgãos multilaterais isentos. Assim, cabe razão ao Presidente Lula quando insiste e coloca na mesa de conversações com o governo dos Estados Unidos a questão dos subsídios.
Sr. Presidente, ainda que estejamos vendo com toda a clareza a relação existente entre os governo do Brasil e o governo dos Estados Unidos - o Presidente George W. Bush vindo ao Brasil e o Presidente Lula indo aos Estados Unidos, em suas relações comerciais -, alguns setores da sociedade brasileira, preconceituosos, ainda querem jogar uma cortina de fumaça nessa relação entre os 2 países.
O ex-Embaixador brasileiro nos Estados Unidos, Sr. Roberto Abdenur, nomeado pelo Presidente Lula, às vésperas da chegada do Presidente Bush, tentou, como se diz popularmente "melar" essa visita, acusando a política externa do Presidente Lula de antiamericana e excessivamente ideológica.
Sr. Presidente, o fato é que aquela entrevista, aqueles comentários e o que se disse em determinados meios de comunicação não prevaleceram, porque contra fatos não há argumentos.
É claro que o Governo do Presidente Lula, o Partido dos Trabalhadores, os setores democratas do mundo inteiro têm sérias restrições à política externa do Presidente Bush. Contudo, o Presidente norte-americano foi eleito pelo povo e como tal deve ser considerado.
O Governo Lula mantém excelentes relações com o governo norte-americano, mesmo tendo divergências em vários tópicos. Porém, a evidência dos fatos não desanima esses críticos que teimam em identificar antiamericanismo e ideologia em alguns pontos da política externa do Governo Lula.
Os números referentes ao intercâmbio comercial Brasil/Estados Unidos são bastante eloqüentes. As exportações brasileiras para os Estados Unidos, no primeiro Governo Lula, foram superiores em 56,6% às exportações do segundo Governo FHC e em 126,7% às exportações do primeiro Governo Fernando Henrique. Saliente-se que o total das exportações do primeiro Governo Lula, 83 bilhões e 634 milhões de dólares, aproxima-se bastante da soma das exportações dos 2 Governos do Sr. Fernando Henrique Cardoso, cujo saldo foi de 90 bilhões e 286 milhões de dólares.
Em relação aos saldos comerciais, as cifras são ainda mais positivas para o Governo Lula. No primeiro Governo FHC, houve um grande déficit: 12 bilhões e 672 milhões de dólares. Já no segundo Governo FHC, com a desvalorização do real, esse déficit foi substituído por um pequeno superávit de 5 bilhões e 579 milhões de dólares, obtidos, em parte, graças à diminuição das importações. Em contraste, no primeiro Governo Lula, o superávit foi multiplicado por 6,4 em relação ao segundo Governo FHC, apesar do pequeno aumento das importações.
Esse notável crescimento das exportações brasileiras para os Estados Unidos, bem como dos superávits, foi obtido no Governo Lula mesmo com a manutenção de picos tarifários, cotas e outras barreiras tarifárias e não-tarifárias, que afetam produtos-chaves do intercâmbio comercial do Brasil, tais como aço, açúcar, suco de laranja, etanol, calçados, carnes etc. Entretanto, o crescimento das nossas exportações para os Estados Unidos, ainda que notável, foi inferior ao incremento do total das exportações brasileiras.
Com efeito, o aumento das exportações para os Estados Unidos, no primeiro Governo de Lula, aferido pelo desempenho de 2006, comparado ao de 2002, foi de 59,11%, ao passo que o crescimento do total das exportações brasileiras no período foi de 127,78.
Alguns críticos da política externa do Governo utilizam esses dados sobre o descompasso entre o ritmo do crescimento das nossas exportações para os Estados Unidos e o ritmo do aumento total das exportações brasileiras para denunciar um suposto antiamericanismo presente no Itamaraty.
Ora, Sr. Presidente, na realidade, o descompasso entre tais ritmos de crescimento deve-se a fatores objetivos muito claros. É preciso levar em consideração que, ao longo do Governo Lula, foram feitos grandes esforços para se conquistar novos mercados para produtos brasileiros, especialmente na América Latina, na África, no Oriente Médio e na China. Tais mercados, ao contrário do mercado norte-americano, eram pouco explorados pelos empresários brasileiros e, portanto, tinham um potencial de crescimento muito maior do que mercados já consolidados.
Assim, o crescimento das nossas exportações para esses países e regiões foi simplesmente fantástico, tendo ficado muito acima da média do total exportado. As exportações para a China cresceram, no período considerado, 2002 a 2006, 233,29%; para a África, 215,32%; para o Oriente Médio, 146,9%; para o MERCOSUL, 321,45%; e para a ALADE, países da América Latina e o setor do MERCOSUL, 165,9%. Por outro lado, o desempenho das nossas exportações para os mercados consolidados de países desenvolvidos em geral, não apenas o norte-americano, ficou abaixo do aumento da média do total exportado.
De fato, Sr. Presidente, o aumento de nossas exportações para os países em desenvolvimento, mercados outrora pouco explorados pelo Brasil, ficou muito acima do crescimento das exportações dirigidas aos principais países desenvolvidos, mercados muito competitivos que já vinham sendo explorados pelo Brasil. Mesmo assim, o incremento das exportações brasileiras para os principais países desenvolvidos, 78,63%, deverá ser maior do que o crescimento das exportações mundiais no período, que, de acordo com estimativas da OMC, ficará entre 70% e 75%.
Outro argumento usado pelos que acusam a política externa do Governo Lula de antiamericana diz respeito ao suposto fato de que o Brasil vem perdendo espaço no governo norte-americano por falta de empenho das nossas autoridades. Se bem é certo que alguns países como China, Índia e México, por exemplo, aumentaram bastante a sua participação no mercado norte-americano nos últimos anos, não é correto dizer que o Brasil perdeu espaço naquele mercado.
De fato, o crescimento das exportações de nosso País para os Estados Unidos entre 2002 e 2006, 59%, foi ligeiramente superior ao incremento das importações norte-americanas no período, 57%, o que elevou marginalmente a participação do Brasil naquele mercado de 1.40% para 1.42%.
Na verdade, a idéia equivocada de que a política externa do Governo Lula é antiamericana surgiu da recusa do Brasil de aderir à ALCA ampla proposta pelos Estados Unidos e da análise apressada de alguns escritos de embaixadores influentes, como Samuel Pinheiro Guimarães.
Em relação à ALCA, é preciso ficar claro que a recusa em aderir ao modelo norte-americano daquele bloco econômico partiu da análise objetiva das implicações que tal decisão produziria. Na forma proposta pelo governo norte-americano, a ALCA, inspirada no NAFTA, é projeto muito ambicioso, envolve temas que vão muito além da mera abertura comercial.
Assim, além do acesso ao mercado propriamente dito, as negociações da ALCA ampla norte-americana envolvem também tópicos como compras governamentais, propriedade intelectual, investimentos e serviços, assuntos de grande interesse das grandes empresas norte-americanas, que merecem forte empenho da administração dos Estados Unidos, mas que fazem parte dos interesses defensivos do Brasil, pois poderiam nos impedir de desenvolver políticas de desenvolvimento industriais, científicas, e até mesmo de saúde pública - é o caso da AIDS, por exemplo.
Em vista desses perigos potenciais, o Brasil e seus parceiros do MERCOSUL apresentaram, no início do Governo Lula, contraproposta à ALCA ambiciosa: uma ALCA realista, flexível e não-impositiva; uma ALCA adequada às diferentes realidades do continente, cujo cerne seriam concessões comerciais, e não uma área de livre comércio para as Américas.
Infelizmente, essa proposta, plenamente exeqüível, não foi aceita pelos Estados Unidos. Destaque-se que, mesmo no caso da hipótese de mera abertura comercial bilateral Brasil/Estados Unidos, há quem recomende muita cautela, dada a assimetria das duas economias.
Com efeito, estudo elaborado pelo IPEA, que não levou em consideração todas as barreiras não tarifárias impostas na TPA, demonstra que a liberação do comércio bilateral Brasil/Estados Unidos resultaria no aumento de apenas 1,2 bilhão de dólares em nossas exportações, mas de 2,2 bilhões em nossas importações. Um déficit, portanto, de 1 bilhão de dólares ao ano.
No que tange especificamente à produção intelectual de alguns embaixadores, ela não pode ser usada como parâmetro para definir o caráter da política externa do Governo Lula. De fato, o que pode e deve definir esse caráter são seus atos e suas realizações. Nesse sentido, não há nada nessa política que possa defini-la como antiamericana, afinal, as relações bilaterais Brasil/Estados Unidos estão num excelente patamar.
Sr. Presidente, esses são os breves comentários que queria tecer a respeito da política externa do Governo do Presidente Lula, particularmente de suas relações com o Governo norte-americano do Sr. Bush, às vésperas desse encontro de cooperação entre Brasil e Estados Unidos.
Desejo, da tribuna desta Casa, que o Presidente Lula, mais uma vez, ao sentar-se com um dos maiores e mais influentes líderes, seja firme e definido nos interesses de nosso País, defendendo nossa soberania e, sobretudo, a integração de nosso continente, da qual os Estados Unidos estão convidados a participar, mas sem hegemonia e sem querer atrelar os países da América Latina aos seus únicos e exclusivos interesses. Temos muito a ganhar com os Estados Unidos, que têm muito a ganhar nas relações com o Brasil, mas desde que haja uma relação de cooperação, num jogo de ganha-ganha, e não num jogo onde uns perdem e outros ganham, como era a lógica da política externa de tantos anos.
Sr. Presidente, é claro que, ao estabelecer esses acordos comerciais, não podemos deixar de registrar nossas discordâncias em relação ao princípio fundamental que rege a política externa do governo do Presidente Bush, uma política externa que exige que outros países respeitem as decisões da ONU, mas eles não respeitam as decisões do Conselho de Segurança. Política externa que leva, por exemplo, os Estados Unidos a ocuparem o Iraque. Ainda bem que nos Estados Unidos a maioria do povo levanta-se, faz manifestações em todas as principais cidades norte-americanas, pedindo paz e que os Estados Unidos integrem-se na política do mundo, não como o guarda, o policial do mundo, mas como uma nação amiga, que gosta e preza a cooperação, o avanço da paz e o progresso para todos os povos da humanidade.
Com prazer, concedo aparte ao ilustre Deputado Eduardo Valverde, do Estado de Rondônia.
O Sr. Eduardo Valverde - Obrigado, ilustre amigo Nilson Mourão, nosso conterrâneo, vizinho do Estado do Acre. Quero elogiar a posição de V.Exa. no tocante a essa relação que tem o Governo brasileiro com a poderosa nação americana. O Brasil andou correto nessa posição porque diversificou as relações multilaterais. Atualmente, não mais dependemos somente dos Estados Unidos. O Brasil não os tem como principal parceiro comercial. Ao estabelecer relações, na América Latina, com a Ásia, com parte dos países africanos e com a Europa, o Brasil diversificou suas relações comerciais com um leque muito maior de nações. Dessa forma, constrói alternativas econômica e política de não depender, como fora no passado, de uma só economia, que nos impunha condições, como ainda hoje ocorre no tocante à sobretaxa ao álcool, ao suco de laranja, ao açúcar, e que cria barreiras sanitárias à importação de produtos da agricultura familiar brasileira. O Presidente Lula está correto ao não romper relações comerciais com os Estados Unidos, mas o faz de maneira altiva, soberana, de igual para igual. O Brasil quer ter liderança como país emergente, que busca sua autonomia perante essa relação de troca desigual que persiste no mundo. Cumprimento-o por externar essa visão geral e se referir à política externa do Presidente Lula como correta para o Brasil.
O SR. NILSON MOURÃO - Agradeço a V.Exa., Deputado Valverde, o aparte, que enriqueceu meu pronunciamento.
Finalizo, Sr. Presidente, dizendo que o empenho do Presidente Lula é de unificar a nossa América, os países do continente sul-americano, de fortalecer o MERCOSUL.
Trata-se de estabelecer relações com o mundo inteiro, com a África, com o Oriente Médio, com os países da Ásia e também com os Estados Unidos, parceiro importante nas nossas relações comerciais e na cooperação que juntos podemos estabelecer.
Mas o princípio mais importante que deve conduzir e está conduzindo a nossa política externa é o da paz entre os povos, do respeito à soberania entre os povos e do multilateralismo.
Que a agenda de trabalho do Presidente Lula com o Presidente Bush, no próximo sábado, em Camp David, seja proveitosa para a construção da paz e do progresso para todos os povos.
Era o que eu tinha a dizer, Sr. Presidente.
Muito obrigado.

Muito obrigado.