Geraldo Resende-CD 15-05-2007

O SR. GERALDO RESENDE (PPS-MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, a informação veiculada na noite de ontem pelo Jornal Nacional, da Rede Globo, sobre uma suspeita de fraude no processo de reconhecimento de uma área quilombola no Estado da Bahia é o que me motiva a vir a esta tribuna hoje.
O assunto é sério, e eu receio que a mesma suspeita paire também sobre outros processos em andamento em vários lugares do País, incluindo o meu Mato Grosso do Sul, mais precisamente a região de Dourados, minha terra querida.
Há alguns meses fui procurado por um grupo de pequenos produtores de uma área conhecida como Picadinha, no Município de Dourados, gente trabalhadora que conquistou com esforço e muito suor tudo que tem na vida, gente que transformou aquele pedaço de terra em um dos mais produtivos da região, gente que tem identidade e vocação para cultivar a terra e tirar dela o que de melhor ela pode oferecer como alimento, para crescer e para trazer desenvolvimento.
Pois bem, senhoras e senhores, essa gente de quem falo há meses não consegue dormir em paz porque tem sobre suas cabeças a espada da transformação de suas terras em um território reconhecido pelo INCRA como quilombola.
Essa angústia começou em março de 2005, quando foi aberto o Processo nº 54290.000373/2005-12, no INCRA. A origem dessa briga judicial está numa certidão fornecida pela Fundação Palmares reconhecendo como área quilombola a Comunidade Picadinha, em Dourados. O processo, senhores, tem as mesmas características do que foi denunciado ontem à noite pelo Jornal Nacional: um grupo organiza-se a partir do interesse em uma área específica, seja pelo seu valor produtivo, seja pelas riquezas naturais que ali se encontram, obtém um certificado de que aquela é uma área remanescente de quilombos e num passe de mágica, protegido pela frieza da burocracia, inicia-se o processo que, da forma como está sendo feito, resulta quase invariavelmente em longas disputas judiciais, intranqüilidade e insegurança para quem até ontem mantinha uma vida digna, produzindo e vivendo da sua própria produção.
Não sou contra o reconhecimento de áreas que verdadeiramente tenham origem na luta heróica dos nossos antepassados, fustigados pelo poderio dos senhores de engenho e pela escravidão. Mas não posso admitir que o sossego de milhares de famílias rurais, responsáveis pelo desenvolvimento, pelo crescimento da agricultura, que é a base de sustentação do nosso País, seja também ameaçado pela esperteza de uns poucos e pelo despreparo das estruturas públicas responsáveis por fiscalizar com rigor esses processos de reconhecimento de áreas reivindicadas como quilombolas.
Lá em Dourados, na Comunidade Picadinha, qualquer pesquisador competente será capaz de encontrar o fio da meada que conduz à origem daquela área: uma família de trabalhadores mineiros, que, como tantos outros daquele Estado, vieram para o então Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, em busca de terras produtivas e de uma vida melhor. A família, liderada pelo Sr. Dezidério Felipe de Oliveira, adquiriu terras de forma legal, comprando a área do Estado, como é possível comprovar com farta documentação, constante do processo. Não há nesse procedimento de aquisição de terras nada que justifique a reivindicação daquela área como remanescente de quilombos.
Com o passar dos tempos, a área em questão foi dividida pela própria família do Sr. Dezidério Felipe de Oliveira em outras áreas menores, distribuídas entre seus filhos e familiares. Muitas dessas pessoas, por não terem vocação para lidar com a terra, terminaram por vender suas propriedades de forma legal para outras famílias mais afeitas ao cultivo e à produção rural. Não há registro de que a ocupação daquele território se tenha feito a partir do refúgio ou da resistência ao sistema escravagista.
Eis os fatos, senhores, e eis a razão pela qual me manifesto, na tentativa de jogar luz sobre esses processos muitas vezes abusivos e açodados de reconhecimento de áreas quilombolas que, ao final, ao invés de promover justiça, produzem angústia, acentuam preconceitos e estimulam o conflito de classes.
Com base na denúncia formulada pelo Jornal Nacional, cujo conteúdo transcrito encaminho agora à Mesa desta Casa, é que eu peço ao presidente do INCRA rigor e responsabilidade na condução dos estudos que resultarão em desapropriação de terras para efeito de reconhecimento das áreas quilombolas.
O Brasil já tem problemas demais para resolver. Vamos dar um basta à esperteza daqueles que só querem aproveitar-se da história digna dos nossos descendentes de escravos, em prejuízo de quem trabalha e garante o desenvolvimento do nosso País.
Sr. Presidente, mudando de assunto, quero falar do Parlamento do MERCOSUL, da necessidade de legislarmos em conjunto para fortalecermos a nossa identidade política. Quero falar desse momento importante para a nossa História que foi a instalação do Parlamento do MERCOSUL. Faço questão de dizer do orgulho de integrar o grupo de Parlamentares brasileiros que representam o nosso País naquele Parlamento, e ouso estabelecer uma nova abordagem para esse tema, diferente daquela escolhida por boa parte dos grandes veículos de comunicação.
Sr. Presidente, nobres pares, ouçam o que digo agora: os olhos embotados dos que se deixam envolver pelo ceticismo não serão suficientes para deter o inevitável desenvolvimento que essa comunhão de interesses e culturas será capaz de promover em bloco entre os países integrantes do Mercado Comum do Sul, representados em seu Parlamento.
A idéia da integração e do desenvolvimento conjunto dos povos da América Latina não é nova. Remonta de muito tempo atrás. O idéario do libertador Simon Bolívar e o sonho de uma república bolivariana, integrada, justa e socialmente desenvolvida, são exemplos recorrentes dessa luta, mas há outros, e não poucos.
Aproveito esta oportunidade para fazer justiça e render uma breve homenagem a um ilustre brasileiro, esquecido pela história mas reconhecido em vários países latino-americanos onde viveu e lutou, defendendo a liberdade e a integração: o General José Inácio de Abreu e Lima saiu do Brasil em 1818, logo após a execução, em 1817, de seu pai, o Padre Roma, um dos principais líderes da Revolução Pernambucana.
Abreu e Lima incorporou-se ao exército bolivariano com a patente de capitão e recebeu das mãos do próprio Bolívar a patente de general. Ele participou das batalhas decisivas da luta de libertação da Venezuela e Colômbia. Embora raramente seja citado nos livros de História do Brasil, é considerado um dos heróis da independência da Venezuela e tem maior reconhecimento lá do que aqui.
Pois é relembrando esse ilustre brasileiro que quero dizer da importância que tem hoje essa caminhada histórica que teve início com a posse dos integrantes do Parlamento do MERCOSUL. As grandes sangrentas batalhas de tempos atrás já não têm espaço em nossos dias. As batalhas de hoje são realizadas no campo das idéias. E não há foro melhor que o Parlamento para conquistar os avanços sonhados centenas de anos atrás, que podem tornar a vida de milhões de cidadãos mais justa e mais igualitária.
O Parlamento do MERCOSUL é um instrumento fundamental para fortalecer a identidade política e institucional do bloco, e vai acelerar a incorporação das normas do MERCOSUL aos ordenamentos jurídicos internos do Brasil.
A ampliação de investimentos entre os países do bloco e o expressivo crescimento do comércio regional são provas concretas de que a integração continental está obtendo mais sucesso do que admitem seus críticos.
Por iniciativa da nossa delegação foi aprovada a Carta de Montevidéu, na qual se destaca a intenção de avançar no aprofundamento da "dimensão política" do bloco. O documento ressalta a abertura de espaços para todas as correntes políticas, de maneira a contribuir para a construção de uma "cultura de cidadania vinculada ao fortalecimento da democracia".
Na Carta também está escrito: "O Parlamento assegurará um espaço comum destinado a refletir o pluralismo e as diversidades da região, contribuindo para a democracia, a representatividade, a transparência e a legitimidade do processo de integração".
É nosso papel, portanto, trabalhar para que o conteúdo desse documento não seja apenas fruto de retórica. Está nas nossas mãos projetar para o resto do mundo a identidade do MERCOSUL, com base em valores como a promoção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e o repúdio de todas as formas de discriminação, especialmente as relativas a gênero, cor, etnia e religião.
De minha parte, eu que venho de um Estado fronteiriço, cuja cultura popular é permeada por fortes traços dos nossos irmãos paraguaios e bolivianos, assumo o compromisso de lutar pelo fortalecimento da nossa integração, pelo rompimento e pela superação das barreiras econômicas e sociais que nos distanciam e nos opõem e pelo fortalecimento da democracia.
Como primeiro passo nesta caminhada, já iniciei os estudos para a elaboração de uma proposta de criação de uma Universidade do MERCOSUL, pois tenho a clareza de que qualquer avanço entre os países membros do Parlamento do MERCOSUL será mais consistente se o caminho escolhido tiver como eixo de sustentação a educação.
O caminho não é fácil, e a batalha não é pequena, mas a história da humanidade está repleta de exemplos conquistas e transformações obtidas a partir da garra, da determinação, da persistência. Não nos acovardemos, então, diante deste novo e decisivo momento histórico. É nosso o desafio de sedimentar o caminho para que milhões de brasileiros, argentinos, paraguaios, uruguaios e venezuelanos vejam sentido quando tiverem de depositar o voto nas urnas, para, em eleições diretas, escolher os representantes do Parlamento do MERCOSUL em 2010.