AUGUSTO CARVALHO PPS-DF CD 13-06-08

AUGUSTO CARVALHO (PPS-DF. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, primeiro quero saudá-lo por presidir a sessão neste momento e pelo seu retorno à Casa. Já pude acompanhar as intervenções de outros colegas que desejaram a V.Exa. um profícuo trabalho, como já pôde V.Exa. apresentar em tempos anteriores.
Sr. Presidente, recentemente, participei de um seminário em Montevidéu, no Uruguaio, promovido pelo Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral, e lá, entre Parlamentares, empresários, jornalistas, entidades da sociedade civil do Uruguai, do Paraguai e uma expressiva delegação brasileira, apresentamos as situações e perspectivas do Brasil nesse momento da conjuntura internacional.
Pude constatar que há, por parte dos nossos irmãos que integram o MERCOSUL, especialmente o Uruguai, grande expectativa quanto ao encaminhamento das assimetrias regionais. Estados-Membros desenvolveram-se ao longo de séculos de história. Felizmente, aquele tempo de turbulências que marcaram a história dos nossos povos é uma página virada — espero. Havia disputas pelo controle da Bacia do Prata, particularmente entre o Brasil e a Argentina, que se arrastaram do século XVII até recentemente, no período da redemocratização desses países. Avançamos bastante na superação das diferenças, das disputas, até com uma corrida nuclear travada particularmente entre o Brasil e a Argentina.
Hoje, há mecanismos de integração, diversos protocolos são seguidamente subscritos, inicialmente pelo Brasil e Argentina. Mas outros países já se incorporaram ao desejo de integração aduaneira, comercial e política e de fortalecimento da sub-região para poder enfrentar os desafios de uma globalização, que torna o mercado cada vez mais restrito aos produtos e serviços originários dos países em desenvolvimento, a exemplo do Brasil. Temos os desafios do avanço da tecnologia, da modernização dos processos produtivos, que cada vez mais impõem aos nossos países a necessidade de se capacitar para a penetração nos mercados.
Sr. Presidente, diante dessas dificuldades que temos no Brasil, com uma crise social ainda forte, com terríveis desigualdades que marcam a nossa sociedade, com problemas estruturais, principalmente em nossa logística, com as nossas estradas estraçalhadas, nossa malha ferroviária praticamente inexistente, com problemas de violência urbana, de qualidade da educação e da saúde, pergunto: até que ponto o Brasil, líder desse bloco que responde por 3 quartos do Produto Interno Bruto dessa sub-região, estaria em condições de implementar políticas compensatórias que favoreçam o desenvolvimento harmônico da nossa região?
É difícil imaginar o que aconteceu para a integração da Comunidade Européia. Países com a pujança da França, da Alemanha, da Itália e da Inglaterra tiveram condições de bancar as dificuldades por que passavam os países menos desenvolvidos, a exemplo da Espanha e de Portugal. E o custo efetivamente foi bastante elevado. E me refiro, inclusive, às economias após a derrocada do regime do socialismo real, com o fim da União Soviética e da bipolaridade, o fim da Guerra Fria, quando da integração da chamada Alemanha Oriental ao projeto de unificação da Alemanha. O custo efetivamente pôde ser partilhado e está sendo bancado por essas economias mais estruturadas e consistentes.
Diante dessas dificuldades do Brasil para a integração da América Latina, particularmente da América do Sul, até que ponto teríamos condições de bancar as dificuldades de países, como o Uruguai, com economias menos desenvolvidas, e mesmo a Argentina, que teve sua infra-estrutura de produção praticamente sucateada em razão das opções tomadas nos anos 80?
Não considero que se possa retroceder nesse processo de integração. Há que se avançar, há que se buscar cada vez mais a superação de disputas internas, como a que houve em período recente, com a Argentina se contrapondo ao Uruguai por causa da instalação de uma fábrica de celulose. Há disputas cada vez mais graves entre a Colômbia e a Venezuela por causa de problemas internos. Já avançamos no juízo de valor. Não podemos aceitar que um país ou um governante estimule ações de grupos armados em íntima sintonia com um grupo de traficantes de drogas, como é o caso das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia — FARC, que fazem um trabalho permanente de sabotagem a um governo democraticamente eleito, o do Presidente Uribe.
O Presidente Hugo Chávez colocar aparato institucional do Governo da Venezuela como parceiro desse processo, imiscuindo-se das questões internas de um país, é algo com que realmente não podemos concordar. Certamente as questões internas e a maneira como cada dirigente trata essas questões não contribuem para o processo de integração.
Sr. Presidente, temos demandas crescentes da nossa população. Fomos obrigados a assistir no plenário desta Casa à votação de mais um imposto. A pretexto de regulamentar a Emenda nº 29, que trata de projeto originário de um Senador da base do Governo, tivemos a aprovação nesta semana de imposto sobre o cheque, com outro nome. Na verdade, foi a dissimulada recriação da CPMF, criada com o objetivo de acudir as necessidades da saúde em nosso País.
E vemos as dificuldades políticas que temos para levar em frente o projeto de reforma tributária que tramita nesta Casa há décadas. Entra Governo, sai Governo, Sr. Presidente — e saúdo V.Exa., Deputado Osório Adriano, companheiro da bancada do Distrito Federal, no comando desta sessão — , e não vemos propostas de reforma tributária que refaçam o pacto federativo em nosso País e que, efetivamente, possam induzir ao desenvolvimento sustentado, fazendo com que diminuam as assimetrias regionais que marcam nossa vida econômica e social.
Especialmente se olharmos os Estados do Norte, Nordeste e Centro-Oeste, veremos a importância efetiva de uma reforma tributária que acabe com a guerra fiscal praticada por Estados que saem à caça de melhores oportunidades de investimentos que possam gerar emprego e renda. Essas disputas, muitas vezes sem princípios, cada Estado oferecendo o que pode, naturalmente têm levado o desenvolvimento a não ter a marca do equilíbrio, da harmonia e da redução das desigualdades.
Sr. Presidente, percebemos que há desvio na destinação dos recursos obtidos por meio dos diversos impostos e contribuições, que, na verdade, representam carga tributária pesadíssima para assalariados e empregadores.
Notório é o caso da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico — CIDE, criada para colocar a nossa malha rodoviária em condições de trafegabilidade, para termos infra-estrutura capaz de dar ao País competitividade, com o efetivo escoamento da sua produção e, particularmente, para termos capacidade de exportar rapidamente a produção de commodities do setor agropecuário, ou seja, de tudo o que é colhido em nosso campo. No entanto, há desperdício na produção, desde o momento primeiro do deslocamento até a chegada aos portos, em razão do péssimo estado em que as estradas brasileiras se apresentam.
Sr. Presidente, são desvios de toda a natureza que temos nessa estrutura de impostos e tributos. E não sabemos até que ponto o Brasil pode participar desse tipo de parceria, que tem ônus, que tem o necessário aporte de recursos para economias menos estruturadas, que não têm condições de disputar com a pujança da estrutura produtiva brasileira.
Dessa forma, o Brasil teria de renunciar aos investimentos necessários internamente para poder se apresentar perante os parceiros comerciais globais, em razão dessa dificuldade que temos para superar os problemas internos.
Vejo ainda, Sr. Presidente, a maneira como certos dirigentes, certos Chefes de Estado, assumem uma postura ideológica já superada pelo tempo. Lembro quando tínhamos a nossa posição antiimperialista, quando nós, do Partido Comunista Brasileiro, caracterizávamos aquela disputa, que era travada em âmbito internacional, entre o mundo do socialismo e o mundo do capitalismo. Todas as relações que se travavam no cenário internacional estavam marcadas, impregnadas por essa disputa que se fazia em 2 campos muito distintos. E muitas vezes se justificava o injustificável para se tentar o equilíbrio muito mais baseado nas ogivas nucleares do que na construção do homem novo, como era a proposta. Lembro-me, Sr. Presidente, de que essa luta antiimperialista colocava todos, naquele momento de clandestinidade em nosso País, de dificuldades para o livre debate das idéias, sempre como refratários a qualquer tipo de parceria, a qualquer tipo de busca de relações mutuamente vantajosas para os povos de quaisquer que fossem os países que eventualmente buscassem alguma relação de parceria, de integração de suas economias.
E hoje vemos inclusive esses dirigentes de países, como o Sr. Hugo Chávez — depois vimos o Sr. Evo Morales na Bolívia — , mudando até o foco, passando a assacar suas aleivosias contra os próprios interesses do Brasil, particularmente da nossa PETROBRAS, que tantos investimentos realizou naquele país, responsável por grande parte da sua capacidade de produção, baseada principalmente nos hidrocarbonetos, no gás. O que tivemos foi a ocupação manu militari das nossas refinarias.
Agora assume o comando do Paraguai o Sr. Fernando Lugo, que tem como sua plataforma a revisão, de qualquer maneira, de um tratado internacional, relativo à Usina Hidrelétrica de Itaipu Binacional.
Não é um acordo comercial. O Tratado de Itaipu tem princípios, dispositivos, que não podem ser revogados por uma vontade do Presidente da República, seja o Presidente Lula, seja quem vier a sucedê-lo. São tratados internacionais que têm que ser honrados. E assistimos perplexos a uma postura condescendente do Governo brasileiro com esse tipo de ruptura de acordos, de parcerias, que foram estabelecidas há décadas.
O respeito a esses tratados, quer me parecer, Sr. Presidente, tem de ser uma das exigências para que se possa imaginar um avanço na consolidação de pactos comerciais regionais, no caso do MERCOSUL. Quando ampliamos a perspectiva de institucionalização do MERCOSUL atraindo para este bloco sub-regional países que não têm a observância dos princípios do Estado Democrático de Direito e, independentemente do que acontece internamente nesses países — e refiro-me à Venezuela — , acolhemos ou minimizamos as conseqüências de declarações, quando, por exemplo, o Congresso brasileiro ou o Senado da República foi acusado de ser papagaio dos Estados Unidos.
Portanto, a desqualificação de instituições da democracia brasileira, a sistemática intervenção em questões internas de outros países — já me referi à questão da Venezuela e à forma desairosa como o Presidente Hugo Chávez se referiu ao Senado da República, que integra o Parlamento brasileiro — , essas questões internas que ocorrem em cada país, Sr. Presidente, naturalmente, têm de ser sopesadas.
Creio que o Brasil não pode deixar de considerar a hipótese de buscar acordos mutuamente vantajosos para os povos. Propostas de tratados de livre comércio não deveriam ser literalmente rejeitadas pelos países integrantes do MERCOSUL. Vemos o sucesso que acontece com outros países, como é o caso do Chile, que tem um tratado assinado de livre comércio com os Estados Unidos. A própria Colômbia tem em andamento ou pronto para ser implementado um tratado bilateral de livre comércio entre aquele país e os Estados Unidos.
Acho que esta cláusula do MERCOSUL que impede que um Estado-Membro possa ter iniciativas individuais com outros blocos comerciais, com outros países, é uma cláusula que deveria ser reexaminada, Sr. Presidente, à luz dos interesses nacionais. Por exemplo, nesse seminário a que me referi, era cobrado do Brasil o preço do exercício da sua liderança no bloco. A pergunta que não quer calar é esta: estamos dispostos a pagar o preço da redução dessas assimetrias? O Brasil pode se dar o luxo de deixar que recursos importantes sejam investidos na melhoria da qualidade de vida do nosso povo, na melhoria da nossa infra-estrutura, da nossa educação, da nossa saúde pública? Podemos renunciar a esses investimentos prioritários para que o Brasil possa deslanchar e cada vez mais avançar na sua capacidade, na sua competitividade, nos mercados globais? Será que temos condições de dar a cota maior? Naturalmente, por sermos o país líder desse bloco, temos condições de bancar essa parte para fazer com que o Uruguai e o Paraguai, as economias mais frágeis, participem de maneira harmônica desse processo de integração, ou se poderia avançar no processo de integração por meio dos Parlamentos? Temos o Parlasul em plena implementação, a indicação neste primeiro momento dos representantes de cada país para, no segundo momento, termos a eleição direta proporcional. É importante? Claro que é. É um fórum em que se pode debater as questões que dizem respeito aos povos de todo esse bloco.
Portanto, Sr. Presidente, entendo que esta possibilidade de se permitir que relações bilaterais possam ser estabelecidas, que cada país possa extrair dessas relações bilaterais o melhor para seus povos, isso, na minha opinião, deve ser permitido. Seria um contra-senso se isso não pudesse ser permitido. Até porque, Sr. Presidente, em razão da exclusividade de ações conjuntas, qualquer negociação só pode ser levada hoje em consideração se estiver no bojo desse bloco. Ou seja, só poderemos negociar com os Estados Unidos se estivermos na negociação junto com o MERCOSUL em termos de tratados de comércio.
Sr. Presidente, os países que integram essa sub-região, que aderem ao MERCOSUL, cobram a nossa fatura pelo exercício dessa liderança. Estamos dispostos a pagar? Temos condições de repetir o que aconteceu na Europa? Não temos condições, na minha opinião, de comparar as economias, o processo civilizatório, o processo que vem se acumulando há milênios naquele continente até levar à superação das disputas de fronteiras, das disputas comerciais, e hoje resultar numa coordenação de esforços que se reflete inclusive na existência de um Parlamento integrado da Comunidade Européia, que trata hoje, com toda tranqüilidade, das questões que dizem respeito à imigração, ao terrorismo, enfim, aos temas candentes que se colocam perante a humanidade. Mas creio, Sr. Presidente, que devemos ter como meta este processo histórico de integração que vemos desenhado na Europa. Teremos ainda um grande caminho a percorrer, principalmente, espero, com democracias cada vez mais consolidadas. Essa é a grande diferença, hoje, nos países da América do Sul, da América Latina: quase todos viraram a página das suas ditaduras militares. Há 20 anos estaríamos discutindo outras perspectivas.
Essa consolidação democrática é fundamental para a integração econômica, mas, para chegarmos a realizar esse objetivo, creio que temos ainda muito a realizar internamente, em cada País, principalmente buscando as possibilidades que se abrem na negociação livre entre Estados-Membros soberanos e outros países, principalmente os que compõem a União Européia, além dos Estados Unidos e de outros países desenvolvidos.
Era o que tinha a dizer neste momento de reflexão, Sr. Presidente. Espero que possamos debater com outros colegas que trabalham na Comissão de Relações Exteriores e em outros fóruns, os quais estão sempre acompanhando os desafios da integração latino-americana — aliás, utopia de tantos que já caíram por esses ideais, ao longo dos nossos 500 anos de história.
Muito obrigado.