PROCD-10-11-2005 Ney Lopes

O SR. NEY LOPES (PFL-RN. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o Presidente George W. Bush visitou recentemente a América Latina. Esteve na IV Cúpula das Américas, em Mar del Plata, Argentina. Em seguida, permaneceu cerca de 24 horas no Brasil.
Assistimos na mídia a protestos generalizados. Manifestações de rejeição. Parecia até que o Presidente Bush seria candidato à sucessão de Lula, e por isto, parte do povo - certamente minorias organizadas - queria manifestar a não aceitação do seu nome.
A Cúpula das Américas, excelente oportunidade para abrir um leque de diálogo de alto nível com os Estados Unidos, foi desperdiçada. A declaração final praticamente não diz nada. Só retórica e esforço para não ficar escrito com clareza o que os governos esquerdizantes da América Latina desejariam dizer ao Presidente norte-americano. O Presidente Lula do Brasil agiu como Pôncio Pilatos: calou e jogou o que pôde com a barriga, à espera de que os fatos futuros justifiquem a sua omissão no presente.
Sou até admirador da atual política externa brasileira, em que pese fazer restrições em alguns pontos. O chanceler Celso Amorim é um homem sério e experiente. Porém, ele trabalha com muitas limitações. E com certeza não age como pensa. Faz o que pode fazer. É fiscalizado pelas áreas radicais do PT e do Governo, que teimam em misturar, num coquetel perigoso, economia, comércio e ideologia.
Tenho absoluta certeza de que, se o Itamarati - um dos órgãos que dispõe de quadros mais eficientes e preparados do País -, tivesse sido amplamente ouvido, o Brasil não teria desperdiçado a grande oportunidade de reabrir a discussão da Área de Livre Comércio das Américas - a ALCA numa perspectiva do nosso interesse nacional permanente.
Este é o momento mais propício, diante das incertezas que Washington tem com alguns países latino-americanos, a começar do anfitrião de Mar del Plata. Seria o momento de o Brasil liderar uma tese clara e sem arrodeios: a globalização exige livre comércio, desde que discutido com os Estados soberanos, fixadas assimetrias possíveis e necessárias e reconhecidas as regras de mercado que o momento permite. Nada disto passaria por perda de soberania. Seria apenas aceitar, afinal, a discussão da ALCA, que não é, em absoluto, nada que venha do demônio ou dos diabos. Trata-se simplesmente de uma proposta de livre comércio, que não saiu do papel ainda. Por que não tirá-la do papel, colocando os pontos que forem considerados fundamentais pela diplomacia e pela economia brasileira e latino-americana?
Não irei comentar as últimas posições, em Mar del Plata, da Venezuela, da Argentina e de outros países latino-americanos. Limito-me a opinar, como brasileiro, e a formular algumas perguntas.
O que é a ALCA? Já existe algo de concreto em torno da ALCA? Neste documento existirá algo que fira ou prejudique o Brasil? Que mal haveria em se sentar em uma mesa com os Estados Unidos, Canadá e países latino-americanos e discutir o livre comércio? Afinal, temos ou não coragem de defender o livre comércio? Por que deixar tudo para depois? Não definir nada, enquanto o desemprego aumenta e a crise social torna-se insuportável? Por que não discutir a ALCA e pensar estratégicamente numa política de livre comércio para a América Latina e o Caribe, voltada para a exportação, e usar o grande investimento que está sendo feito pelo Governo brasileiro na construção do megaaeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Rio Grande do Norte (será um dos 6 maiores aeroportos em construção no mundo para receber os superaviões de 110 toneladas e mais de 800 passageiros)? Este aeroporto seria transformado numa grande área de livre comércio, com a utilização dos espaços ao redor para o incremento da comercialização, através da exportação de produtos e serviços destinados aos mercados latino-americanos, norte-americano, canadense, europeu, africano e até asiático. Observe-se que a cidade de São Gonçalo do Amarante, no Grande Natal, Rio Grande do Norte, onde se localizará o megaaeroporto, é a mais próxima geograficamente da Europa e da África em toda região da América Latina e do Caribe, encurtando, portanto, a distância aérea.
Estou convencido de que o Brasil perdeu nesta visita do Presidente Bush uma grande oportunidade de discutir livre comércio, não apenas com o cidadão que eventualmente ocupa a Presidência da República norte-americana, George W. Bush, mas com um país que é vital para o nosso futuro comercial e da região latino-americana, os Estados Unidos da América. Não se pode desconhecer a importância dos Estados Unidos na parceria comercial e também como núcleo de princípios que o Brasil adota e aceita, a começar da preservação das liberdades humanas. Se deixarmos de lado os Estados Unidos, ou simplesmente levarmos assuntos de comércio com a barriga, afinal para onde estaremos caminhando? Onde desejamos chegar? Esperar pela OMC, por Doha, pela Índia, pela China? Certamente que são opções válidas. Mas uma estratégia não prejudica a outra. Até para termos alternativas na hora de decidir. Fechar o diálogo ou fazer de conta são atitudes irresponsáveis para com a população brasileira, que deseja empregos e oportunidades, que só virão numa economia aberta, através do comércio, do investimento, do aumento da produtividade, da competição estimulada. Tudo isto, é claro, com o acompanhamento atento do Estado, através de fiscalização, normas e princípios. Não se trata de trazer de volta o laissez-faire do século XIX. Não, em absoluto. Buscamos um Estado social, porém ele só se concretiza com a economia marchando em termos de eficiência.
A dinâmica das relações internacionais na América Latina.
Sr. Presidente, a América Latina e o Caribe encontram-se diante de uma escolha: aderir ou não ao projeto da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA. Para alguns, a escolha irá determinar o futuro do Hemisfério - entenda-se: o futuro dos países em desenvolvimento, porque Canadá e Estados Unidos já estão com o problema do desenvolvimento econômico resolvido, encontrando-se em outro patamar de escolhas.
Fazer parte da ALCA está sendo apresentado como uma questão de vida ou morte, como uma escolha entre o atraso e o progresso. O paradoxo do mundo atual é que a Esquerda tornou-se conservadora e a Direita, defensora de mudanças. Assim, esta defende uma implementação rápida da ALCA, enquanto aquela a rejeita terminantemente. Um dos pontos negativos desse debate é a excessiva simplificação dos problemas. O que mais se critica, em todo o âmbito político, é a pretensa falta de vontade política, como se o Estado tivesse uma sanha especial contra os pobres ou fosse insensível aos desastres e fenômenos naturais e à miríade de problemas sociais que nos afligem. Em relação aos desafios da América Latina, regra geral, falta uma visão de conjunto. Tudo parece resumir-se na adoção de uma ou outra postura para, como em um passe de mágica, resolver problemas extremamente complexos como o valor da moeda, as taxa de juros, a política comercial, os subsídios, as linhas de crédito e o grave problema do desenvolvimento social, intimamente ligado à justiça distributiva.
Sabe-se que uma das chaves do mundo de hoje é a interligação entre os diferentes setores econômico e social. Aprendemos que, assim como na natureza, um atentado ecológico tem centenas e milhares de repercussões nos ecossistemas. Da mesma forma, uma medida inadequada na economia tem repercussões em milhares de outros setores da atividade produtiva e em áreas do tecido social. Existem vínculos surpreendentes entre o econômico, o social, o político e o comportamento, tornando o exercício da política uma arte das mais complexas, ainda mais em sua variante comportamental em constante mudança, como de forma ainda rudimentar, revelam as pesquisas de opinião.
Convém combater alguns tabus, comuns às nações do continente, como o de rejeitar o mundo exterior. Essa aversão, explícita ou implícita, nas relações internacionais, está sendo pouco a pouco superada, mas os devaneios autárquicos ainda permeiam o subconsciente de parte da população. Assim, existe uma animosidade latente, uma xenofobia oculta em muitos discursos e atitudes.
Este relacionamento doentio com o exterior se traduz em várias contradições aparentes. O exterior é, ao mesmo tempo, criticado e admirado. A crítica é contra toda proposta que venha de fora, como no caso que agora nos ocupa a atenção. A admiração é com os usos e costumes exógenos, com a civilização européia e as práticas norte-americanas.
Observa-se um mimetismo cultural e social acompanhado de uma rejeição aos princípios e práticas que, justamente, permitem a sua existência. Talvez esta seja uma das explicações da nossa pobreza, a eterna busca do resultado sem passar pelo processo. Daí vêm as sucessivas tentativas - todas frustradas - de encontrar atalhos, caminhos alternativos, soluções originalíssimas para resolver, sempre de forma rápida e certeira, os problemas nacionais sem ter que enfrentá-los, ou conseguir riqueza sem esforço e sem mudar nada. Esta utopia tem custado caro à população latino-americana.
Hoje, mesmo com o panorama político e econômico conturbado na maioria dos países, a região parece ter aprendido a lição de que o caminho para o desenvolvimento é longo e deve ser percorrido um passo após o outro. É uma maratona, não uma corrida de 100 metros. Não é outra a noção de desenvolvimento sustentável, no sentido de que os ganhos atuais, mesmo sendo menos espetaculares, aparentemente, que os do passado, são mais sólidos e não voláteis.
O que é a ALCA, Sr Presidente? A ALCA não existe. É uma mera idéia, uma proposta. Até hoje não foi colocada no papel, porque prevalece a tese da mistura de ideologia com comércio e liberdade de comércio. A Área de Livre Comércio das Américas é uma iniciativa que começou na Reunião de Cúpula das Américas de 1994, com o objetivo de integrar as economias do Hemisfério Ocidental em um acordo único de livre comércio. Consiste na eliminação progressiva das barreiras ao comércio e aos investimentos.
Está composta por 34 países: Antígua e Barbuda, Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Canadá, Colômbia, Costa Rica, Chile, Dominica, Equador, El Salvador, Estados Unidos, Grenada, Guatemala, Guiana, Haiti, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Peru, República Dominicana, Saint Kittis e Nevis, Santa Lucia, São Vicente e as Grenadines, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai e Venezuela. Atualmente o Brasil detém a presidência e o Equador a vice-presidência.
Por isso, falar bem ou mal da ALCA, a nosso ver, é perda de tempo, posto que se deve primeiro definir o que será a ALCA. Temos apenas algumas linhas gerais, os ideais norteadores e propostas isoladas. Infelizmente, em pleno século XXI, Mar del Plata perdeu a chance de, afinal, começar a discutir e definir a ALCA com seriedade.
O debate, tal como está sendo encaminhado em certas áreas, além de fútil, é estéril. Assistimos a um duelo de ideologias e retóricas, que em nada contribui para um debate construtivo em relação à área de livre comércio das Américas. O tema, convenhamos, merece uma discussão de melhor qualidade.
Fugindo, portanto, das soluções milagrosas, das panacéias universais, é que devemos analisar a proposta da ALCA, sem paixões ou preconceitos. A ALCA não é boa ou é má em si, assim como outros ícones do mundo globalizado de hoje - o FMI, o Banco Mundial e a própria globalização, processo econômico e social que estabelece uma integração entre os países e as pessoas do mundo todo. Tudo depende de como nos posicionamos em relação à questão em si. Ou seja, a solução está em nós, em nossas próprias decisões, e não lá fora, posto que ninguém vai resolver os nossos problemas a não ser nós mesmos.
A experiência mundial demonstra a proliferação permanente de blocos econômicos, todos eles voltados para o livre comércio, criando oportunidades e sedimentando a democracia. Atualmente, podemos apontar como principais blocos econômicos os seguintes.
União Européia. A União Européia foi oficializada no ano de 1992, através do Tratado de Maastricht. Este bloco é formado pelos seguintes países: Alemanha , França, Reino Unido, Irlanda, Holanda (Países Baixos), Bélgica, Dinamarca, Itália, Espanha, Portugal , Luxemburgo, Grécia, Áustria, Finlândia e Suécia. Este bloco possui uma moeda única que é o euro, um sistema financeiro e bancário comum. Os cidadãos dos países membros são também cidadãos da União Européia e, portanto, podem circular e estabelecer residência livremente pelos países da União Européia.
NAFTA. Fazem parte do Nafta - Acordo de Livre Comércio do Norte - os seguintes países: Estados Unidos, México e Canadá. Começou a funcionar no início de 1994 e oferece aos Países/Membros vantagens no acesso aos mercados dos países. Estabeleceu o fim das barreiras alfandegárias, regras comerciais em comum, proteção comercial e padrões e leis financeiras. Não é uma zona livre de comércio, porém reduziu tarifas de aproximadamente 20 mil produtos.
MERCOSUL. O Mercado Comum do Sul - MERCOSUL foi oficialmente estabelecido em março de 1991. É formado pelos seguintes países da América do Sul: Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina. Futuramente, estuda-se a entrada de novos membros, como o Chile e a Bolívia. O objetivo principal do MERCOSUL é eliminar as barreiras comerciais entre os países, aumentando o comércio entre eles. Outro objetivo é estabelecer tarifa zero entre os países e num futuro próximo, uma moeda única.
Pacto Andino. Outro bloco econômico da América do Sul é formado por: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Foi criado no ano de 1969 para integrar economicamente os Países/Membros. As relações comerciais entre os Países/Membros chegam a valores importantes, embora os Estados Unidos sejam o principal parceiro econômico do bloco.
APEC. A Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico - APEC foi criada em 1993 na Conferência de Seattle, nos Estados Unidos. Integram este bloco econômico os seguintes países: EUA, Japão, China, Formosa (Taiwan), Coréia do Sul, Hong Kong, Cingapura, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brunei, Filipinas, Austrália, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Canadá, México e Chile. Somadas a produção industrial de todos os países, chega-se a metade de toda produção mundial.
A ALCA, portanto, não se destinaria a solucionar o problema da pobreza e da injustiça social nos países da América Latina. Trata-se de proposta estritamente comercial. Cabe a nós, latino-americanos, analisar se tal proposta convém ou não, e sob que condições devemos aceitá-la, ou não, considerando, como acima demonstrada, a tendência de o mundo unir-se em blocos econômicos.
O que de fato devemos considerar, sem paixões, é quais serão os ganhos obtidos e os sacrifícios consentidos. Sim, porque é simplista pensar que só teremos vantagens ou desvantagens, trata-se de fazer um balanço e ver se estaremos melhor dentro da ALCA ou fora dela, em função, claro está, de como ela venha a ser estruturada.
Das formas conhecidas de integração internacional, a ALCA pertence à categoria menos abrangente: a de zona de livre comércio. Cumpre resumir as duas grandes formas de integração econômica que predominam atualmente: a zona de livre comércio e o mercado comum. A zona de livre comércio nada mais é que uma ampliação multilateral de uma prática bilateral. Em outros termos, um grupo de países decide aplicar entre si, reciprocamente, os melhores termos e condições existentes no comércio exterior, beneficiando-se, assim, das menores taxas aduaneiras, das mais expeditas formas de desembaraço alfandegário, das mais brandas exigências fitossanitárias, das maiores quotas e das melhores condições não-tarifárias praticadas. Trata-se, basicamente, de incentivar o comércio entre os Estados/membros. A tendência de uma zona de livre comércio bem-sucedida é de, progressivamente, ampliar os benefícios intrazona até se alcançar, hipoteticamente, relações comerciais totalmente livres, sem nenhum entrave.
Um primeiro aspecto é visualizar que teremos como sócio a economia mais poderosa do Planeta. Mas isso não deve ser um obstáculo para percebermos que também teremos o livre comércio entre os países da América Latina e do Caribe. A vontade política e o realismo econômico, após décadas de procura pelo livre comércio entre os países latino-americanos, chegarão com vários sócios: as economias do norte e os países do Caribe, em um mapa americano repleto de culturas e profundos contrastes. Contudo, está mais do que provado que o aumento do intercâmbio comercial e, inclusive, o aumento do PIB, não se traduzem, necessariamente, em melhoria das condições de vida das camadas menos favorecidas da população. O combate à pobreza na América Latina passa pela realização de reformas internas em cada país. Se não fizermos o nosso dever de casa, de nada adiantará aumentar as riquezas produzidas e receber bilhões e mais bilhões em investimentos. A receita é conhecida. Basta examinar como procederam os países que conseguiram quebrar o círculo vicioso da pobreza, na Europa e na Ásia. O custo é que as classes que detêm a riqueza maior terão de se contentar com uma parcela menor do PIB. Distribuir riquezas nada tem de socialista ou de altruísmo. É do interesse da própria economia de mercado ter consumidores cada vez mais insaciáveis e com maior poder aquisitivo. É importante destacar que a distribuição não é, na prática, só um problema de políticas fiscais tributárias e monetárias. Tampouco é, em sua concepção, um assunto de caridade, amparo ou assistencialismo. É uma questão de justiça e tem a ver diretamente com a estrutura dos valores éticos universais que imperam em todos os níveis: individual, grupal e social.
Daí a defesa que faço neste pronunciamento para o Brasil reabrir, corajosamente, as negociações em torno da ALCA e propor alternativas aos Governos dos Estados Unidos, Canadá e parceiros latino-americanos, ainda em tempo, a começar pelo acima exposto, ou seja, uma área de livre comércio, instalada ao lado do futuro megaaeroporto de São Gonçalo do Amarante, no Estado do Rio Grande do Norte, estimulada por incentivos e isenções fiscais. Isto permitiria que empresas latino-americanas, caribenhas, americanas e canadenses exportassem por essa área de livre comércio, sem prejuízo de instalarem fábricas para produzir, ou concluir a fabricação de produtos exportáveis. Esta zona de livre comércio ensejaria o sistema do draw back (uma isenção de imposto para importação feita com o objetivo de industrializar o produto no País e posteriormente exportá-lo), em que os próprios Estados Unidos, Canadá e outras nações exportariam componentes, que, manufaturados na própria área de livre comércio, seriam reexportados, sem incidência tributária.
As assimetrias, sempre lembradas nas negociações da ALCA, que contemplam as naturais diferenças de poder econômico entre os países seriam facilmente controladas e oferecidas correções com o funcionamento de uma área de livre comércio voltada para a Europa, África e Ásia, no modelo sugerido. Desde que bem negociada, todos teriam a ganhar e o Brasil aproveitaria a sua condição geográfica favorável num mundo globalizado, onde o frete aéreo estimula o giro rápido dos negócios e aumenta a cada dia de importância nas relações das comodities internacionais.
Falando-se em assimetria há situações que não poderiam realmente conviver num mercado livre como desejamos, e por isto a negociação multilateral encontraria as soluções. Um estudo da Embaixada brasileira em Washington revela que para os 15 produtos mais exportados pelo Brasil a tarifa média cobrada nos Estados Unidos é de 45,6%. No caso dos 15 produtos mais exportados pelos EUA, a tarifa cobrada pelo Brasil é de 14,3%. A agenda de negociação teria que ser realista e democrática.
Em funcionamento, a ALCA significaria o maior bloco comercial do mundo: 34 países, 800 milhões de consumidores (o dobro da União Européia), um Produto interno Bruto de 11 trilhões de dólares, atingindo quase 1 bilhão de pessoas.
Outra grande categoria de integração internacional, além da zona de livre comércio já comentada, é o mercado comum. Trata-se de proposta mais ambiciosa, mas de cunho estritamente econômico. Um pouco além dos esquemas descritos, encontra-se o mais avançado: a comunidade ou a união de nações, onde os Estados/membros abdicam de parcela significativa de sua soberania em prol do bem comum. Existem instituições comunitárias próprias formando um verdadeiro governo supranacional, com os 3 Poderes representados: Executivo, Legislativo e Judiciário. Tal é o modelo da União Européia, exemplo de sucesso e referência obrigatória. E os europeus ainda têm um longo caminho a percorrer, mesmo transcorrido quase meio século desde a criação da Comunidade Européia do Carvão e do Aço - CECA, que foi o embrião do Tratado de Roma que iniciou o processo de integração da então Comunidade Econômica Européia, sob a forma de união aduaneira. O nosso MERCOSUL espelha-se no modelo europeu, não por uma opção elegante, mas porque é o esquema que melhor atende às nossas necessidades mais prementes e por permitir uma evolução mais ampla e profunda que uma simples zona de livre comércio.
A União Européia é um modelo de sucesso no combate à pobreza e às desigualdades regionais e também exemplo de difusão de tecnologias e incentivo à pesquisa, tendente a igualar, por cima, todos os países. A desigualdade existente entre a América Latina e os Estados Unidos, por exemplo, assemelha-se a distância entre a Grécia, Portugal, Espanha e Irlanda em relação à Alemanha, na década de 70. Hoje aqueles países apresentam indicadores econômicos e sociais muito próximos dos alemães, ou seja, foram comprovadamente beneficiados pelo ingresso na União Européia.
A Europa dotou-se dos órgãos técnicos e políticos necessários para combater as desigualdades sociais e econômicas. Por meio de fundos, sendo o mais conhecido o Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional, transferiram-se bilhões de dólares todos os anos para programas de equalização. Trata-se não apenas de investimentos em produção, mas em pesquisa e desenvolvimento e em educação e infra-estrutura. Cumpre destacar que os maiores financiadores dos fundos, sobretudo a Alemanha, França e Itália, também se beneficiam deles. Primeiro, porque as economias mais desenvolvidas sempre são as primeiras a lucrar em um mercado em expansão; segundo, porque existem regiões em crise na antiga Alemanha do Leste, no Sul da Itália e no Norte da França que também são atendidas pelos programas de recuperação dos fundos. A lição é clara: quando a Alemanha despejou, durante 3 décadas, bilhões de dólares nesses fundos, nem suspeitava que recorreria a eles após a reunificação. Hoje, o Leste da Alemanha possui diversos programas de reconversão industrial, educação e formação profissional subsidiados por um sistema que, em princípio, destinava-se às nações menos desenvolvidas do Sul da Europa.
Digo isto para esclarecer que uma união entre desiguais não implica, forçosamente, um monopólio dos benefícios para os países mais ricos e um aprofundamento da dependência dos mais pobres. Assim, com os mecanismos necessários, os Estados Unidos e o Canadá podem desempenhar, na América Latina, o papel que Alemanha e França tiveram na Europa, tornando o Hemisfério um espaço de prosperidade e união, ao invés de uma zona de conflitos crescentes.
A pobreza na América Latina e a correlação de forças no mundo global.
As Nações Unidas estabelecem que costuma-se medir a pobreza dependendo do nível de renda ou de gastos que permite sustentar um nível de vida estritamente essencial. Mas também engloba fatores como nutrição, expectativa de vida ao nascer, disponibilidade de água não-contaminada e condições higiênicas, saúde pública, saber ler e escrever e outros aspectos próprios da existência humana. Em função dos níveis de renda, o Banco Mundial fixou um valor de 370 dólares anuais per capita como limite para delimitar a pobreza. Os que se encontram abaixo deste nível são classificados como pobres. Os extremamente pobres, segundo essa definição, são aqueles cuja renda anual fica abaixo de 275 dólares.
A realidade alimentar na América Latina, a fome, constitui uma das expressões mais infames da pobreza. Definida como a carência das quantidades mínimas necessárias de calorias e proteínas no corpo humano e, em nível coletivo, como a falta tanto de alimentos básicos para toda a comunidade, como das condições gerais - socioeconômicas e culturais - para satisfazer as necessidades vitais, afeta um número crescente de habitantes do mundo, e da América Latina em particular, onde se estima que, pelo menos, 35% da população total possuem sintomas graves de desnutrição, sendo que a maioria corresponde às crianças em idade pré-escolar. Frente à abundância de recursos que a região dispõe, esta situação não só é injusta, mas também altamente imoral.
Além de a fome representar para quem a sofre um grave problema cotidiano de subsistência, gera um círculo vicioso no qual os grupos de população que se mantém inferiorizados pela debilidade e o desgaste biológico não se encontram em condições de lutar contra a pauperização e a miséria econômica e, em geral, contra as causas de sua situação de inferioridade.
De acordo com dados da CEPAL (Panorama Social da América Latina, 1993), entre 1980 e 1990 o total de pobres aumentou 60 milhões, chegando, no começo da década de 90, a 196 milhões o número de latino-americanos com renda inferior a 60 dólares mensais. Isto significa que 46% da população total não consegue satisfazer suas necessidades fundamentais.
O mesmo organismo estima que em 1996 pouco mais de um terço da população regional (36,7%) era pobre, ou seja, não podia sustentar suas necessidades alimentares e não-alimentares essenciais, e uma em cada 6 pessoas (16,1%) era indigente, isto é, não podia sustentar suas necessidades alimentares essenciais. Além de apresentar um alto nível de pobreza, os lares latino-americanos são afetados pela instabilidade de renda e de emprego
Numerosos estudos de diversas fontes como o Banco Mundial, as Nações Unidas e suas diversas agências e outros, destacam que os 20% mais pobres recebem somente 4% do total da renda, sendo que em vários países esta cifra é menor que 3%. Inclusive, experiências bem-sucedidas em matéria de crescimento não conseguiram reverter esta tendência da distribuição de renda desigual. A experiência da América Latina demonstrou que o crescimento por si só não elimina a pobreza. Após 1950, o PIB da região cresceu aproximadamente 80%; entretanto, os níveis de pobreza diminuíram apenas 10%.
Os poucos exemplos servem para ilustrar que ninguém investe em um programa social de grande envergadura com as estruturas arcaicas do Estado. A receita é conhecida. Basta examinar como procederam os países que conseguiram quebrar o círculo vicioso da pobreza, na Europa e na Ásia. O custo é que as classes dominantes terão de se contentar com uma parcela menor do PIB. Mas o observador inteligente sabe que é melhor uma porção menor de um grande bolo do que o inverso, ainda mais se existirem as condições para um crescimento contínuo e distributivo do famigerado bolo. Até para os que não abrem mão de acumular bilhões é bom recordar que, na lista dos mais ricos do mundo, há muito que os potentados orientais saíram dos melhores lugares, substituídos por bilionários oriundos, justamente, dos países mais ricos e onde a renda nacional é muito melhor distribuída com a inclusão de parcelas crescentes da população no mercado de consumo e da propriedade.
Distribuir riquezas nada tem de socialista ou de altruísmo. É do interesse da própria economia de mercado ter consumidores cada vez mais insaciáveis e com maior poder aquisitivo. Prova é que uma das maiores desconcentrações de renda ocorreu no Reino Unido, justamente no Governo de Margareth Thatcher, a paladina do que veio a ser chamado neoliberalismo. O Governo conservador britânico lançou um programa audacioso de acesso à propriedade. A Inglaterra caracterizava-se, nos anos 80, por ter boa parte de sua população vivendo em moradia alugada, em comparação com os índices de proprietários do resto da União Européia. O programa habitacional tornou proprietárias milhões de famílias de classe média, mediante hipotecas de longo prazo. Também a privatização das estatais britânicas se deu mediante pulverização das ações no mercado, surgindo dezenas de milhões de novos acionistas. É claro que o Governo não agiu por compaixão, agiu por interesse. Tornou o povo britânico ferrenho defensor da economia de mercado. A imensa maioria agora é proprietária e acionista e, portanto, imune aos discursos demagógicos. Com essa distribuição de riqueza o país tornou-se ainda muito mais próspero e foi o primeiro a superar o marasmo das economias européias no final da década de 90.
A lição para América Latina é, portanto, estimular as reformas, aumentar os fluxos comerciais, investir em infra-estrutura, tornando os países aptos a receberem, com aproveitamento, os investimentos externos reivindicados.
O impacto da ALCA e a superação da pobreza na América Latina.
Para determinar o impacto que a aplicação do Acordo de Livre Comércio das Américas poderia ter na superação da pobreza na América Latina, é necessário perguntar-se, primeiro, o que é preciso para diminuir a pobreza e, a partir daí, analisar se a ALCA realmente contribui com este objetivo. Em outras palavras, se reconhecemos que os modelos dominantes não deram nenhuma resposta válida para os problemas da pobreza e da injustiça social, então o caminho para responder se a ALCA constitui uma resposta apropriada para o problema da pobreza seria perguntar-nos se o Acordo contribui, de alguma maneira, para a consecução das mudanças estruturais necessárias.
A superação da pobreza é um fato que depende, fundamentalmente, da obtenção real e concreta do objetivo de distribuir, o que se consegue com o aumento da renda familiar; criação de trabalho e emprego; melhoria e universalização da cobertura da Previdência Social em todas as suas formas (seguro-desemprego, doença e morte, velhice etc.); aumento da renda pública, especialmente saneando os extremamente débeis e deteriorados sistemas tributários, tanto na filosofia e estrutura da determinação de taxas quanto em sua aplicação e no fato de evitar a evasão e a fraude; e outras medidas que tardaria muito em enumerar.
É importante destacar que a distribuição não é na prática só um problema de políticas fiscais tributárias e monetárias. Como tampouco é, em sua concepção, um assunto de caridade, amparo ou assistencialismo. É uma questão de justiça e tem a ver diretamente com a estrutura dos valores éticos universais que impera em todos os níveis: individual, grupal e social.
Traçado esse quadro, caberá a definição das linhas de ação conjunta para a eliminação da miséria. Entendo por miséria a absoluta exclusão do mercado de trabalho e dos sistemas básicos de saúde e educação, aliada à falta de perspectivas e à reprodução, de geração em geração, das mesmas situações de penúria.
Essa visão ampla deve incluir na agenda temas que atendam a todos os participantes. A história do diálogo Norte-Sul nas Américas é pobre em resultados, pois o Sul sempre falava em desenvolvimento e o Norte em segurança. Será necessário quebrar esse imobilismo e passar a uma fase de diálogo franco e construtivo na região. Sou otimista quanto ao momento. Assim, se ganha tempo e logo se sabem os progressos alcançados ou não. Acreditamos que a ALCA é uma proposta destinada, em princípio, a fortalecer a presença dos Estados Unidos e do Canadá no Hemisfério. Resta definir a contrapartida, ou seja, os ganhos para os países latino-americanos e caribenhos, que certamente existirão, mas precisam desde já ser negociados com realismo, pragmatismo e, sobretudo, busca de novas oportunidades e oferta em massa de empregos.
Conclusões. Diversas experiências demonstraram, ao longo da história, a validade do dito popular "a união faz a força". No campo das negociações comerciais, cabe citar o exemplo da Rodada Uruguai do GATT, a qual em duas ocasiões - Montreal e Bruxelas -, a Argentina, o Brasil, a Colômbia, o Chile e o Uruguai paralisaram as negociações, no segundo caso por vários anos, porque os seus resultados eram contraproducentes para nós. Isto também demonstra que, às vezes, é melhor não chegar a nenhum acordo, do que resignar-se a um mau acordo.
A sexta Reunião de Ministros do Comércio, no contexto da Área de Livre Comércio das Américas, ALCA - Buenos Aires, abril de 2001 -, decidiu, pela união dos latino-americanos, recomendar aos mandatários que, frente aos avanços obtidos no processo de negociações na Terceira Reunião de Cúpula das Américas, as negociações da ALCA fossem concluídas o mais tardar em janeiro de 2005, o que ainda não ocorreu, nem sequer verificou-se o início formal dos entendimentos. O importante, todavia, neste exemplo, é a demonstração de que se conseguiu modificar a postura dos Estados Unidos à época, cuja data de referência era o ano de 2003. Logo, está provado que é possível negociar com os Estados Unidos. Depende apenas de vontade política dos governos.
Insisto que para reiniciarmos um diálogo produtivo, em torno do livre comércio na América Latina e no Caribe, se impõe a proposta de uma agenda latino-americana para este debate, destacando 3 iniciativas de combate à pobreza na América Latina para integrarem a agenda social prioritária da ALCA. Estas iniciativas seriam: educação, com ênfase na profissionalização; pesquisa e desenvolvimento, mediante criação e transferência de tecnologias com registro de patentes e desenvolvimento de uma rede de infra-estrutura de comunicações; transportes conectando, com qualidade, todos os países do hemisfério entre si, de forma a permitir a circulação de mercadorias a baixo custo e com segurança.
O terceiro ponto demanda investimentos consideráveis que a América Latina e o Caribe não têm condições de efetuar por si sós. Como se trata de um investimento que trará grandes benefícios para o comércio, ao baratear os custos de armazenamento e transporte seu retorno é garantido. Contudo, os países da região não têm acesso a linhas de crédito em volume suficiente, nem a taxas de juros compatíveis com os prazos de amortização das obras. Por isso, a alternativa seria que os Estados Unidos e o Canadá, que possuem crédito farto a taxas de juros das mais baixas, fossem os fornecedores desses empréstimos. Dependendo da fonte e da finalidade ou destino, tais empréstimos - ou créditos, segundo a sua natureza -deverão ter condições preferenciais, em termos de juros, carências e prazos. Poder-se-ia pensar também em sistemas alternativos que não onerem ainda mais as nossas endividadas economias, tais como, investimentos produtivos diretos, co-investimentos, leasings ou franquias, por exemplo.
Concluindo, os países latino-americanos têm que redobrar esforços no sentido de revisar as políticas públicas, não somente econômicas, mas também socioculturais e políticas, baseados em uma visão integral do desenvolvimento nacional em articulação com a integração sub-regional e regional. Tal esforço também deve estar orientado pela necessidade de recuperar a governabilidade e fortalecer o papel do Estado na busca efetiva do bem comum.
Para tanto, propõe-se a criação de um fórum permanente dos países americanos, incluindo os Estados Unidos e o Canadá que, diferentemente da maioria dos organismos existentes preocupados com a integração, não focalize a sua ação no comércio ou na economia, mas sim, no desenvolvimento social sob uma perspectiva ecológica, e não fundamente seu objetivo nos tradicionais índices macroeconômicos que escondem a distribuição social do bem-estar e do progresso, mas sim, em uma nova concepção de indicativo que seja transparente e reflita os valores éticos do desenvolvimento, tais como a justiça distributiva, a solidariedade, o respeito aos direitos humanos e ao meio ambiente, a liberdade e a democracia.
O Parlamento Latino Americano - PARLATINO, organismo institucionalizado através de tratados firmados por 22 países da América Latina e Caribe, com sede permanente em São Paulo, poderá colaborar na implantação e funcionamento deste Fórum Permanente. Trata-se de uma instituição parlamentar regional, pioneira da América Latina, com 41 anos de existência, unicameral, autônoma e de caráter permanente, com personalidade jurídica internacional. O principal propósito do PARLATINO, que tenho a honra de presidir, é promover o desenvolvimento da América Latina, através do fomento à paz, à justiça social, à liberdade, à democracia plena, ao crescimento econômico e social, ao respeito aos direitos humanos e à natureza e observância dos princípios essenciais do Direito Internacional.
Desta maneira, poderíamos iniciar, em um curto prazo, o indispensável passo da retórica para a prática, do discurso com abordagem de fatos concretos, justamente o que esperam dos legisladores da região, todos aqueles cidadãos que confiaram a si a delicada responsabilidade de representá-los e de encontrar respostas para os angustiantes problemas que afligem a sociedade latino-americana.
Recomendação especial. Como forma de ganhar tempo e agilizar medidas concretas e pragmáticas em conformidade com os princípios da ALCA e em benefício do bem-estar social das populações, sobretudo na oferta de emprego e oportunidades, sugiro e recomendo a mobilização imediata do Governo do Brasil e, particularmente, do Governo do Estado do Rio Grande do Norte, junto aos Governos dos Estados Unidos e do Canadá, no sentido de ser elaborada, em conjunto e de acordo com os propósitos da ALCA, uma proposta concreta de funcionamento, na zona metropolitana da cidade de Natal, ao lado do futuro megaaeroporto de São Gonçalo do Amarante, de uma área de livre comércio voltada para o comércio e a exportação, sem prejuízo de ajustes legais que possam atender ao mercado interno brasileiro, já que os demais países latino americanos e caribenhos terão acesso aos bens e serviços da citada área de livre comércio.
Explica-se a indicação da área metropolitana da cidade de Natal como local ideal para sediar a área de livre comércio ora proposta, por duas razões: primeira, a construção, já iniciada na cidade de São Gonçalo do Amarante, de um megaaeroporto para pouso de aeronaves de última geração, que estarão operando a curto prazo. Apenas 6 aeroportos do porte do de São Gonçalo do Amarante estão projetados e em construção no mundo. A área de livre comércio latino-americana e caribenha seria construída ao lado do Aeroporto, onde há oferta de amplos espaços para a expansão, por tratar-se atualmente de área rural.
Segunda, a zona metropolitana de Natal, geograficamente, é o local da América Latina e Caribe mais avançado e próximo da Europa, da África e da Ásia. Isto permite redução de custos pelo encurtamento da distância aérea, maior rapidez no giro dos negócios com as commodities exportadas e facilidades naturais para o incremento do comércio e relações econômicas em geral, inclusive o turismo.
Sr. Presidente, perdemos uma grande oportunidade de abrir diálogo objetivo, pragmático, de dizer o que queríamos, em momento como este, quando os países se organizam em blocos econômicos. Parece que empurramos as coisa com a barriga, buscando entendimento com África, Índia, China, achando que vão nos levar a algum lugar.
O acordo com a Europa, por exemplo, já está pronto. Já poderia ter sido assinado o acordo do Mercado Comum Europeu com o Brasil. Mas também há relutância, há medo, há temor. Há uma relação de amor e ódio na economia de mercado empregada por este Governo. Parece que é, na retórica, economia de mercado e, na prática, é visão estatizante.
Onde estão as oportunidades que vão surgir de entendimentos dessa natureza? Digo isso para esclarecer que não existe a fobia dos radicais de que a união entre desiguais implica sempre monopólio de benefícios para países mais ricos e aprofundamento da dependência dos mais pobres. Isso é uma falácia. Assim com os mecanismos necessários, os Estados Unidos e o Canadá podem desempenhar na América Latina o papel que Alemanha e França tiveram na Europa, tornando o Hemisfério um espaço de prosperidade.
Quando se falou da entrada de Portugal, Turquia e Espanha no Mercado Comum Europeu, dizia-se que era o desequilíbrio de Portugal e da Espanha. No entanto, essa foi a forma de abrir o mercado e levar Portugal, Espanha, e agora Turquia, para estágios de desenvolvimento econômico acentuado.
A lição para América Latina é, portanto, estimular as reformas, aumentar os fluxos comerciais, investir em infra-estrutura, tornando os países aptos a receberem, com aproveitamento, os investimentos externos.
Temos que entender uma proposta como esta da ALCA sob o ponto de vista comercial. A ALCA é um mercado que se abre dentro de um acordo pactuado. A ALCA não tem em si - nem pode ter, nenhuma área de livre comércio tem - finalidade social. Finalidade social quem vai dar são os países que participam do bloco, usando bem as vantagens e lucros obtidos dessa parceria. Aí sim, é possível reduzir os índices de mortalidade, melhorar as condições de saúde.
Repito, temos de fazer o dever de casa, buscar caminhos de estabelecer negócios e as simetrias, é claro. Não podemos tratar igualmente desiguais. Mas tudo isso se resolve não com bandeirada nas ruas, queimando automóveis, mas sentado à mesa de conversação, civilizadamente, buscando alternativa. Essa oportunidade infelizmente perdemos. Veio aqui o Sr. Bush - hoje é ele, amanhã vai ser outro. Não interessa. O que interessa são os Estados Unidos, um País que compra mais de 25% do que exportamos, e que, portanto, não deve ser jogado na lata do lixo dos radicais e dos ideólogos.
Temos que sentar à mesa e discutir, como discutimos com os europeus, com os africanos, com os asiáticos, sem nenhuma prevenção e preconceito.
Perdemos a oportunidade, mas ainda há tempo de o Governo brasileiro liderar um movimento, uma agenda latino-americana que comece pela discussão real e objetiva de uma área de livre comércio para a América Latina.
Finalizando, diria que neste tema de desenvolvimento econômico e social dos povos, não cabem radicalismos, generalizações ou emocionalismos. O milagre inexiste. Ou são postas em práticas soluções que gerem e distribuam a renda, ou, por melhores que sejam os propósitos sociais dos Governos nacionais, eles não atingirão o objetivo do bem-estar geral. O importante é que os países e as empresas, de qualquer tamanho, na busca do bem-estar e do desenvolvimento social, aprendam a inserir-se neste grande mercado do Continente Americano para obter ganhos reais, e no final o nosso povo traga, como no Canto Geral de Neruda, "a taça da nova vida com as velhas dores enterradas".
A América Latina, o Caribe, com a parceria dos Estados Unidos e do Canadá e, particularmente, o nosso País, no meio de momentos tão difíceis, sairão, com certeza, vitoriosos nesse desafio e cantarão como a tigresa de Rubén Dario:
"Sentem-se bafejos de forno;
e a selva indiana
nas asas do calor,
lança, sob o sereno
céu, um sopro de si. A tigresa ufana,
respira a plenos pulmões,
e ao ver-se formosa, altiva e soberana,
bate-lhe o coração e o seu seio se inflama".

Muito obrigado.