PROCD-09-06-05-Carlito Merss


123.3.52.O Sessão Ordinária - CD 08/06/2005-14:04

Publ.: DCD - 09/06/2005 - 24134 CARLITO MERSS-PT -SC

CÂMARA DOS DEPUTADOS PEQUENO EXPEDIENTE PEQUENO EXPEDIENTE

DISCURSO

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Sumário

Realização do 9º Florianópolis Audiovisual Mercosul - FAM 2005. Carta Aberta ao Secretário de Segurança Pública e Defesa do Cidadão do Governo do Estado de Santa Catarina, de autoria do jornalista Fernando Evangelista, sobre a repressão praticada pela Polícia Militar contra participantes em manifestação estudantil.

 

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O SR. CARLITO MERSS (PT-SC. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, registro a realização do 9° Florianópolis Audiovisual Mercosul, na Capital de Santa Catarina, que contou com a participação de estudantes, professores, jornalistas, produtores culturais, cineastas, críticos de cinema e agentes políticos do Brasil e de países integrantes do bloco econômico do Cone Sul da América.

O evento, organizado pela Associação Cultural Panvision, com o patrocínio da PETROBRAS e da Caixa Econômica Federal, prosseguirá até a próxima sexta-feira, dia 10 de junho.

A programação inclui a exibição de vários curtas e longas-metragens em que se realça o importante intercâmbio entre brasileiros e companheiros da Língua Espanhola. O público pode acompanhar tudo de graça, conferindo o painel político, social e cultural da nossa América Latina.

O FAM, como é conhecido o festival sediado em Florianópolis, foi aberto na sexta-feira passada, no Teatro Ademir Rosa, que estava lotado, com a projeção do filme Cabra-Cega, que estreará oficialmente no circuito nacional na próxima sexta-feira. O filme, de Toni Venturi, emocionou a platéia com roteiro sobre as circunstâncias terríveis experimentadas por jovens e adultos que não mediam esforços para a conquista de liberdades coletivas e individuais no período da última ditadura militar.

O FAM também reúne dirigentes culturais que zelam pela preservação da identidade cultural e da soberania dos países latino-americanos por meio da realização de seminários pelo Congresso Brasileiro de Cinema (CBC). Hoje ainda poderá ficar pronto documento que deverá ser encaminhado à UNESCO, em defesa da diversidade cultural da América Latina.

Importante ainda frisar, no que diz respeito ao cunho político do FAM, que também foi abordado assunto polêmico da Capital de Santa Catarina. Após a exibição do filme Cabra-Cega, no próprio Teatro Ademir Rosa, o público comemorou a libertação de 4 acadêmicos do curso de Cinema da UNISUL, após pagamento de fiança. Os estudantes foram presos porque filmavam a manifestação de protesto contra o aumento da tarifa de transporte coletivo em Florianópolis, episódio conhecido nacionalmente por intermédio da imprensa e que também merece o meu repúdio, por se tratar, como bem disse o Vereador petista Márcio de Souza, da Câmara Municipal de Florianópolis, de atentado à liberdade democrática.

Cerca de 2 mil estudantes participaram das manifestações. Além de prisões, houve até espancamento de jovens por parte de policiais militares de Santa Catarina, que usaram animais ferozes, balas de borracha, gás lacrimogêneo e bombas de efeito moral na tentativa de reprimir os manifestantes. Essa atitude antidemocrática merece o repúdio de quem defende a vigência do Estado Democrático de Direito.

Em carta anexa, dirigida ao Secretário de Segurança Pública e Defesa do Cidadão, Ronaldo Benedet, que viajava pela Europa durante os protestos, o jornalista Fernando Evangelista, correspondente da revista Caros Amigos, sintetiza o sentimento de todos os que assistiram a essa brutalidade da Polícia Militar.

Faço questão de destacar este trecho da carta:

"A única saída, caro secretário, é a punição exemplar dos policiais que participaram da ação. Não apenas do covarde que massacrou o garoto de 22 anos. Mas também dos que comandaram essa ação indigna e vergonhosa. Caso isso não aconteça, caro secretário, sugiro que Vossa Excelência peça demissão porque aí, então e definitivamente, o senhor não terá mais nenhuma autoridade moral para falar de segurança pública (...)".

Sem direitos humanos não há democracia, como bem frisou o atual Secretário Especial dos Direitos Humanos, Nilmário Miranda. O lema do Florianópolis Audiovisual Mercosul, na atual versão, é Vida Longa ao Cinema. Finalizo este discurso ainda mais convicto de que tanto o cinema quanto a democracia são valores inestimáveis para a Nação brasileira.

Muito obrigado.

CARTA A QUE SE REFERE O ORADOR

"Brutalidade Policial em Florianópolis

Carta Aberta ao Secretário de Segurança Pública de Santa Catarina

Caro Secretário Ronaldo Benedet, notícia ruim deve ser dada pessoalmente, com calma e com tato. Como o senhor está na Europa, passeando, envio as últimas através desta carta. Pensei em esperar a sua volta, mas o assunto me parece grave e inadiável. É que

Florianópolis, terra de gente civilizada e policiais exemplares, acaba de ser enterrada. A cidade-refúgio, cidade-abrigo do caos dos grandes centros,

não existe mais. A Ilha afundou na terça-feira, dia 31 de maio, por volta das 21 horas.

Caro secretário, como o senhor sabe, todo momento histórico tem um símbolo que o identifica e o distingue. O símbolo dos atuais acontecimentos tem o

rosto de um garoto de 22 anos. Tem cabelos compridos, usa calça jeans surrada e, como todo ser humano de caráter, se nega a aceitar como regra a

resignação e a indiferença coletiva. Esse menino tem duas características que sempre incomodaram os donos do poder: consciência política e disposição para a luta. E lá estava ele, ao lado de outros dois mil estudantes,

protestando pelo segundo dia consecutivo contra o aumento de 8,8% na tarifa das passagens de ônibus.

Para serem ouvidos, os meninos e as meninas -muitos acompanhados de pais e professores - pararam o trânsito da Beira-Mar Norte, região nobre da cidade.

Sentados no chão, de maneira pacífica e bem humorada, tomaram conta da rua. Dançaram, fizeram discursos, desafiaram o prefeito e o governador. A Polícia

Militar, da qual o senhor é responsável, com balas de borracha, gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral, fuzis e cachorros, colocou-se em posição de ataque. O circo estava armado. E o senhor estava na Europa.

Os manifestantes, caro secretário, cantaram o Hino Nacional, porque para eles - talvez pela idade - isso ainda represente um grito contra a opressão e as injustiças. Mas cantar o Hino foi uma provocação intolerável para os policiais. Então, com todas as armas disponíveis, como animais ferozes, como animais adestrados, os militares avançaram contra os estudantes.

Caro secretário, eu estava lá com minha câmera de vídeo e gravei crianças e portadores de necessidades especiais sendo atingidos pelo gás lacrimogêneo e

por balas de borracha. Eu vi, caro secretário, muitos jovens sendo atacados. E vi também esse garoto de 22 anos, cabelos compridos, ser covardemente espancado por um de seus homens. Homens que, em tese, deveriam proteger a população e não massacrá-la. Homens que são funcionários públicos, que recebem salários pagos por nossos impostos. Esses homens deveriam estar à caça de criminosos e não de estudantes. Aquela cena, na Beira-Mar Norte, me fez lembrar uma outra, que aconteceu aqui nesta terra, na época da ditadura, durante o mês de novembro de 1979, quando o seu partido, o MDB, ainda estava do outro lado da barricada.

Pois bem, caro secretário, esse menino foi espancado por um policial. Caiu e, imobilizado, continuou sendo agredido com socos. O nome do garoto,

ironia do destino, é Luiz Henrique, o mesmo do Governador do Estado, seu chefe.

Para sorte da democracia e azar da Polícia, o fato foi registrado por Alex Antunes, cinegrafista da TV Floripa. Essa pequena e corajosa TV comunitária está exibindo a imagem desde a noite de terça-feira. A TV

Record, ao ver a cena chocante, pediu para reproduzi-la em rede nacional. E foi, é bom que se diga, só depois da violência policial que alguns manifestantes apedrejaram um ônibus da empresa Transol.

Porém, o abuso de autoridade começou já na segunda-feira, primeiro dia da manifestação. A PM agrediu várias pessoas, entre elas o deputado estadual

Afrânio Boppré (PT). Às 21h30min, aconteceu a prisão dos estudantes Marcelo Pomar, 23 anos, Flora Müller, 19 anos e André de Moura, 20 anos. Segundo a

PM, a prisão se deu 'por desacato, desobediência e incitação ao tumulto'. Esses 'perigosos elementos' ficaram presos até as três da manhã, só liberados com o pagamento de uma fiança de R$1,5 mil arbitrada para cada um.

E agora, secretário, o que fazer?

Os números da violência no Estado mostram que as políticas públicas que o senhor coordena não são eficientes. Só em Florianópolis, para se ter uma

idéia, de 2001 a 2004, foram assassinados 610 jovens, quase todos da periferia, quase todos negros, quase todos pobres. Muitos destes garotos, esquecidos por toda e qualquer política pública, só vêem a presença do

Estado na forma da polícia e muitas vezes é essa mesma polícia que os mata. Mas agora a PM rompeu a cerca. Está agredindo a classe média, está agredindo

crianças e adolescentes. Veja bem, caro secretário, não pretendo justificar o ato de um manifestante que jogou uma pedra contra o carro de passeio, como

foi divulgado, com estardalhaço, pelos meios de comunicação, nem a depredação do ônibus. Também não está em discussão se o aumento das passagens é justo ou não, até porque isso não é de sua alçada, ou se o

bloqueio da Beira-Mar Norte é correto ou não. Todos sabemos, o senhor também sabe, que nenhum avanço popular foi conquistado sem pressão, mas isso não

vem ao caso. O que está em jogo é como a PM, da qual o senhor é responsável, agiu. E desta vez ela foi longe demais.

A única saída, caro secretário, é a punição exemplar dos policiais que participaram da ação. Não apenas do covarde que massacrou o garoto de 22

anos. Mas também dos que comandaram essa ação indigna e vergonhosa. Caso isso não aconteça, caro secretário, sugiro que Vossa Excelência peça demissão porque aí, então e definitivamente, o senhor não terá mais nenhuma autoridade moral para falar de segurança pública. Bom retorno da Europa.

Fernando Evangelista, 30 anos, é jornalista. Como correspondente da revista Caros Amigos, cobriu as manifestações contra a globalização em Gênova, na

Itália, o conflito na Palestina e a Guerra do Iraque. Em 2003, recebeu menção honrosa no Prêmio Vladimir Herzog de Direitos Humanos".