PROCD-05-05-05-João Hermann


083.3.52.O Sessão Extraordinária - CD 04/05/2005-16:10

Publ.: DCD - 05/05/2005 - 16563 JOÃO HERRMANN NETO-PDT -SP

CÂMARA DOS DEPUTADOS BREVES COMUNICAÇÕES BREVES COMUNICAÇÕES

DISCURSO

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Sumário

Importância do Aqüífero Guarani. Apoio de geólogos e geógrafos à gestão compartilhada e ao uso sustentável do aqüífero por países membros do Mercado Comum do Sul - MERCOSUL.

 

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O SR. JOÃO HERRMANN NETO (PDT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, as águas subterrâneas que formam os aqüíferos representam reservas estimadas em 112 trilhões de metros cúbicos em território brasileiro.

Assim como os rios, os aqüíferos são classificados em províncias. No Brasil, existem 10 províncias: as do Amazonas, Parnaíba, São Francisco, Paraná, Centro-Oeste, Costeira e as dos Escudos Setentrional, Central, Oriental e Meridional.

Na Província do Paraná localiza-se o Aqüífero Guarani, principal reserva de água doce da América do Sul, com cerca de 1,2 milhão de quilômetros quadrados de extensão. Estende-se pelo Brasil (840 mil quilômetros quadrados), pelo Paraguai (58.500 quilômetros quadrados), pelo Uruguai (58.500 quilômetros quadrados) e pela Argentina, (255.000 quilômetros quadrados). A área é equivalente aos territórios da Inglaterra, da França e da Espanha juntos. Sua maior ocorrência se dá em território brasileiro (dois terços da área total), abrangendo os Estados de Goiás, de Mato Grosso do Sul, de Minas Gerais, de São Paulo, do Paraná, de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul. O Aqüífero Guarani pode fornecer até 43 trilhões de metros cúbicos de água por ano, quantidade suficiente para abastecer uma população de 500 milhões de habitantes.

Em um cenário mundial, Sr. Presidente, onde 2 bilhões de pessoas não contam com água para suas necessidades básicas, situação que tende a se agravar, ter um aqüífero como o Guarani é mais do que importante, também, do ponto de vista estratégico.

O Aqüífero Guarani constitui-se em uma importante reserva estratégica para o abastecimento da população, para o desenvolvimento das atividades econômicas e do lazer. Sua recarga natural anual, principalmente pelas chuvas, é de 160 quilômetros cúbicos/ano, sendo que 40 quilômetros cúbicos/ano constituem o potencial explotável sem riscos para o sistema aqüífero. As águas, em geral, são de boa qualidade para o abastecimento público e outros usos, sendo que, em sua porção confinada, os poços têm cerca de 1.500 metros de profundidade e podem produzir vazões superiores a 700 metros cúbicos/hora.

No Estado de São Paulo, o Guarani é explorado por mais de mil poços e ocorre numa faixa no sentido sudoeste-nordeste. Sua área de recarga ocupa cerca de 17 mil quilômetros quadrados, onde se encontra a maior parte dos poços. Essa área é a mais vulnerável e deve ser objeto de programas de planejamento e gestão ambiental permanentes para se evitar a contaminação da água subterrânea e a sobrexplotação do aqüífero, com o conseqüente rebaixamento do lençol freático e o impacto nos corpos d'água superficiais.

Quero solicitar às autoridades federais e dos Estados, sobretudo do Ministério do Meio Ambiente, que tracem rigoroso planejamento e igual controle para que não venhamos correr o risco de contaminar ou, em hipótese extrema, exaurir esse importante recurso natural de valor incalculável.

Além da falta de estudos detalhados para a definição de normas, havia também um grande vácuo institucional, que só começou a ser preenchido em meados da década de 80, com a edição da Lei Estadual nº 6.134/88, sobre a preservação dos depósitos naturais de águas subterrâneas, regulamentada pelo Decreto nº 32.955/91, do Estado de São Paulo. Apenas em 1991, com a edição da Lei nº 7.663/91, as águas subterrâneas entraram na agenda político-institucional.

Fico preocupado porque esses dispositivos ainda são pouco aplicados e são raros os Comitês de Bacia nos diversos Estados que priorizam as águas subterrâneas entre suas diretrizes, sem mencionar que a quase totalidade da população desconhece a existência dos Comitês de Bacia, segundo pesquisa recentemente divulgada pela ONG WWF. A Política Estadual de Recursos Hídricos tem uma dívida com nossas reservas, estratégicas para nosso desenvolvimento e segurança futura.

É extremamente preocupante, Sr. Presidente, que os usos do solo nas regiões mais frágeis à contaminação dos aqüíferos, que são as áreas de recarga, continuam sendo feitos pela agroindústria suco-cítrica e sucroalcooleira, sem planejamento regional que discipline essas atividades, sem restringi-las. Da mesma forma, são escassas as iniciativas municipais, regionais ou federais que utilizam os instrumentos disponíveis - plano diretor municipal, zoneamento ambiental regional, legislação específica, licenciamento ambiental - para estabelecer diretrizes para o uso desses recursos hídricos.

Durante o 10º Encontro de Geógrafos da América Latina, na USP, realizado de 20 a 25 de março, pesquisadores discutiram o futuro do Aqüífero Guarani. De acordo com as oportunas palavras dos geógrafos, "se a natureza já fez a integração subterrânea entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, o desafio agora é gerir as águas transfronteiriças. Milhares de anos antes de surgir o conceito político de MERCOSUL, a natureza já fazia sua própria integração, subterrânea, entre o que hoje é a Argentina, o Brasil, o Paraguai e o Uruguai".

Números divulgados pelo argentino Jorge Santa Cruz, membro da secretaria-geral do Projeto Aqüífero Guarani, mostram que US$ 26,7 milhões já foram empenhados para o projeto de gestão do reservatório subterrâneo. Além de objetivos técnico-científicos, o programa internacional também terá ações no campo da educação ambiental e no estímulo à participação da sociedade civil, por meio de organizações não-governamentais. Até agora são 24 projetos de ONGs aprovados, em um total de US$ 240 mil.

Uma das principais preocupações, Sr. Presidente, é com a contaminação urbana do reservatório. No caso do Estado de São Paulo, um dos pontos nevrálgicos é a cidade de Ribeirão Preto, que justamente por isso foi escolhida como uma das 4 áreas piloto pelo projeto.

Ações bem-sucedidas poderão ser irradiadas para todos os outros países. Um dos grandes problemas do Aqüífero Guarani, segundo os especialistas que se reuniram na USP, está no campo técnico. Será necessário conhecer mais sobre a estrutura geológica, as áreas de descarga e o tempo de renovação das águas. Também é preciso ir contra alguns mitos que estão sendo perpetuados, como o de que está no aqüífero a resolução do problema da água para toda a humanidade.

Os geólogos e geógrafos estão defendendo a gestão compartilhada e o uso sustentável por parte dos países. E o próprio acordo do MERCOSUL oferece ferramentas para que essa integração seja feita. Existe até mesmo a sugestão de passar a usar o termo Aqüífero MERCOSUL, para reforçar essa situação.

O crescente interesse internacional torna, a meu ver, essas preocupações com o Aqüífero Guarani ainda mais pertinentes. As discussões e negociações que estão sendo realizadas no momento deverão levar em conta alguns aspectos fundamentais que têm sido apresentados, tais como: prioridade para o abastecimento público; planejamento e gestão integrada dos recursos hídricos superficiais e subterrâneos; planejamento e gestão democráticos por meio dos Comitês de Bacia dos Estados, em articulação com o recém-criado Fórum Nacional Comitês de Bacia; mobilização das populações e organizações representantes da sociedade civil sobre a importância das águas subterrâneas e da proteção ambiental dos aqüíferos; ampla discussão dos projetos de lei sobre a Agência Nacional de Água, o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e a Política Nacional de Águas Subterrâneas; incentivo a disciplina local e regional tanto do uso do solo como das águas subterrâneas; gestão compartilhada e uso sustentável por parte dos 4 países que formam o MERCOSUL.

O Brasil não pode ficar de fora da liderança desse debate, Sr. Presidente. Jamais podemos abrir mão de estar à frente de propostas e ações que visem à manutenção e ao uso sábio e prudente de nossas reservas hídricas. É desnecessário lembrar que a água é o bem mais precioso do mundo e também o mais ameaçado, não só no que diz respeito ao Aqüífero Guarani, mas também em relação a todas as nossas bacias e cursos d'água. Água é vida. Água para todos.

Era o que tinha a dizer.