PROCD-03-03-04 Vander Loubet

010.2.52.O Sessão Ordinária - CD 02/03/2004-15:22
Publ.: DCD - 03/03/2004 - 7468 VANDER LOUBET-PT -MS
CÂMARA DOS DEPUTADOS PEQUENO EXPEDIENTE PEQUENO EXPEDIENTE
DISCURSO

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Sumário
Participação do Brasil no MERCOSUL e na Área de Livre Comércio das Américas.


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O SR. VANDER LOUBET (PT-MS. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, quando consideramos retrospectivamente o desempenho do comércio mundial no século XX, observamos duas tendências que atuam em sentidos opostos: por um lado, um movimento em direção ao isolacionismo, ao fechamento dos mercados, ao protecionismo; de outro, a abertura do comércio, a liberalização, a integração entre os mercados e as nações.
Exemplos da primeira tendência são o estabelecimento de direitos aduaneiros em percentual elevado, as manipulações defensivas das taxas de câmbio, os subsídios à produção, especialmente à agropecuária, as quotas de importação, a utilização distorcida ou excessiva de instrumentos antidumping.
A outra tendência se expressa também em múltiplas formas: a negociação e a regulação do comércio internacional em instâncias multilaterais, o rebaixamento em nível global dos direitos aduaneiros, a extensão obrigatória a todos os parceiros das cláusulas de nação mais favorecida.
Essas tendências se concretizam em algumas instituições. Podemos incluir entre elas a Organização Mundial do Comércio, erigida sobre os fundamentos do antigo GATT, que tem como princípio básico a extensão a todos os países da cláusula de nação mais favorecida e, como instrumentos, as negociações para rebaixamento das alíquotas, a publicidade e estabilidade das listas tarifárias, as regras relativas ao dumping, que compreendem tanto os aspectos substantivos do que pode ser aceito como subsídio ou restrição às importações quanto a forma de resolver os conflitos. Esta é a tentativa mais abrangente de institucionalizar as normas do comércio internacional, embora muitas deficiências ainda ocorram, fazendo que não haja rigorosamente pleno equilíbrio e simetria nas relações comerciais.
A segunda forma de institucionalização é a dos acordos entre países mediante tratados de facilitação de comércio e de complementação econômica, que geralmente fixam direitos preferenciais para vários itens da tarifa ou mesmo reduzem-nos a zero. Nesse caso, podem ocorrer ainda facilitação de procedimentos aduaneiros, permissão de passagem, constituição de elementos de infra-estrutura, como armazenagem, integração de transportes e outras medidas específicas, segundo as condições de comércio existentes entre os países contratantes.
A terceira forma de institucionalizar a integração consiste na criação de comunidades de nações mediante acordo plurilateral, quando vários países decidem estabelecer normas comuns para seus relacionamentos, formando, então, uma comunidade de nações.
Essas comunidades podem existir em diversos níveis de comprometimento. O nível mais elementar dessas uniões é a zona ou área de livre comércio, em que os países contratantes se comprometem a baixar ou eliminar progressivamente as barreiras alfandegárias e outras restrições ao comércio mútuo. É esse nível que está sendo a meta das negociações da Área de Livre Comércio das Américas, a ALCA.
Nesse estágio não há um compromisso de eliminar imediatamente todos os direitos aduaneiros, mas os países se pautam por aquilo que foi acordado.
O segundo estágio compreende as uniões aduaneiras, nos quais o elo entre os países é mais forte, zerando substancialmente os direitos e as restrições alfandegárias dentro da União, e uniformizando-os no comércio com os países externos. É aproximadamente esse o estágio em que se encontra o MERCOSUL. Já possuímos uma Tarifa Externa Comum para estabelecer os direitos no comércio extra-união e, internamente, as alíquotas são substancialmente zeradas.
O terceiro estágio corresponde ao Mercado Comum, que elimina toda e qualquer restrição não apenas ao trânsito de mercadorias, mas atinge a integração de todas os fatores de produção. A União Européia seguramente alcançou esse estágio, e o está ultrapassando, mediante uma união econômica, com integração monetária, adoção de diretrizes macroeconômicas comuns, avançando, talvez, para uma confederação.
Como avaliar a atuação dos governos brasileiros em relação ao comércio exterior e à integração?
A própria Constituição da República nos aponta os critérios para avaliar a atuação dos governos. Embora sejam muitos os princípios constitucionais que regem a política internacional, no aspecto que ora analiso, três diretrizes me parecem fundamentais: a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade, a solução pacífica dos conflitos e a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.
Em obediência a essas diretrizes de nossa política externa, o Brasil formou, junto com Argentina, Paraguai e Uruguai, o tratado do MERCOSUL, que foi um passo arrojado no sentido de formar uma comunidade de nações. No aspecto comercial, os países do MERCOSUL passaram a ser o principal destino das exportações de produtos manufaturados.
Nesse processo de integração, é natural o surgimento de fricções que revelam interesses distintos e competitivos das comunidades de negócios. Também, como é de se esperar, certa flutuação no comércio, dependente de conjunturas cíclicas e de políticas governamentais diferenciadas. O MERCOSUL, no entanto, apresenta-se, hoje, como uma entidade estratégica, cuja maturidade vem-se fazendo notar através de negociações em que comparece em bloco nos foros internacionais e em acordos com países e entidades plurinacionais.
O MERCOSUL tem, assim, negociado um futuro acordo de liberalização com países que compõem a Comunidade Andina — Colômbia, Venezuela, Equador e Peru. Os progressos, no entanto, são lentos, o que é compreensível, dado o temor das empresas locais em abrir seus mercados, emergindo, portanto, muitos setores que procuram proteger seus produtos sensíveis, que ficariam, assim, fora do acordo de liberalização.
O affair atual, no entanto, é a negociação da Área de Livre Comércio das Américas, em que têm surgido impasses que refletem escopos diferentes de vinte e tantas Nações que estão em diferentes estágios de desenvolvimento, desde a mais rica e desenvolvida, econômica e tecnologicamente, como são os Estados Unidos da América, até países em que a renda é mínima e a industrialização e o desenvolvimento apenas se esboçam. O Brasil procurou, na reunião de Miami, em novembro de 2003, superar criativamente o impasse, propondo o que a imprensa chamou de ALCA light. Haveria, segundo essa proposta, dois níveis de compromisso com a entidade: no primeiro nível, obrigatório, se liberalizaria o comércio de produtos, isto é, as tarifas seriam zeradas ou substancialmente rebaixadas para todos os itens num certo prazo. O segundo nível seria objeto de acordos bilaterais ou plurilaterais e contemplaria setores mais sensíveis para alguns países, como os chamados temas de Cingapura: abertura de compras governamentais, liberalização de serviços, proteção de investimentos e direitos de propriedade intelectual. Apesar do esforço que tem sido despendido, a heterogeneidade econômica, a gama de interesses criados e o protecionismo de determinados países têm levado a impasses de negociação. Nesse caso, não é razoável ceder o nosso mercado sem ter compensação equivalente de acesso aos mercados dos países beneficiados.
Observemos, por fim, que a globalização e a integração entre as nações deve ser equilibrada e simétrica e, embora desejável, deve ser realizada com a devida segurança, de modo a preservar a soberania e a autonomia governamental de estabelecer políticas econômicas que se orientem para a realização dos objetivos que o povo e a nação almejam.