PROCD-18-09-03 Gustavo Fruet


192.1.52.O Sessão Extraordinária - CD 17/09/2003-18:08

Publ.: DCD - 18/09/2003 - 48096 GUSTAVO FRUET-PMDB -PR

CÂMARA DOS DEPUTADOS ORDEM DO DIA PELA ORDEM

DISCURSO

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Sumário

Anúncio da realização em Montevidéu, Uruguai, do Encontro de Presidentes de Câmaras dos Poderes Legislativos dos Estados-Partes do MERCOSUL, com vistas à implantação de Parlamento supranacional.

 

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O SR. GUSTAVO FRUET (PMDB-PR. Pela ordem. Pronuncia o seguinte discurso.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, registro a realização, no próximo dia 25 de setembro, na cidade de Montevidéu, do Encontro de Presidentes de Câmaras dos Poderes Legislativos dos Estados-Partes do MERCOSUL. A organização do evento está a cargo da Presidência Pro Tempore do Uruguai, da Comissão Parlamentar Conjunta e tem apoio técnico de sua Secretaria Permanente e da Secretaria do MERCOSUL. A coordenação científica é de responsabilidade do CEDI - Centro de Estudos de Direito Internacional.

Trata-se de iniciativa importante e indispensável na consecução do projeto sul-americano de integração, particularmente neste momento histórico em que os Legislativos têm a responsabilidade de interagir e debater com seus co-irmãos os rumos das negociações da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA).

Do ponto de vista político, a interação dos Legislativos está em harmonia com as ações do Executivo, especialmente o brasileiro, que tem tido, na pessoa do Presidente Lula, incansável protagonista do processo de integração, em face do desafio/benefício que o processo representa do ponto de vista histórico, econômico e social.

Sem ignorar o competente trabalho diplomático realizado no Governo anterior e os ganhos auferidos com a reconhecida inserção do País como importante ator no cenário internacional, é fato que o esforço pessoal do Presidente Lula tem-se revelado merecedor de todos os elogios.

Se, de um lado, Sr. Presidente, registro o entusiasmo pela realização do evento referido, preocupa-me o fato de que as discussões do futuro Parlamento do MERCOSUL não estejam sendo acompanhadas de necessárias reflexões no que concerne às adaptações (modificações) constitucionais indispensáveis que nos permitam ingressar no processo de igual para igual.

Refiro-me, Sr. Presidente, à necessidade de haver, expressa na Constituição, autorização para que o Brasil submeta-se a um regime de supranacionalidade. Em outras palavras, é premente a existência de norma constitucional autorizativa que preveja a possibilidade de o País aderir a tratados que venham a criar instâncias (ou instituições) supranacionais.

O Paraguai, em 1992, e a Argentina, em 1994, cuidaram de imprimir as reformas necessárias ao objetivo integracionista, o que ainda não ocorreu entre nós nem no Uruguai. A reconhecida assimetria constitucional existente entre os Estados-Partes não é apenas questão acadêmica. É, induvidosamente, muito mais do que isso, na medida em que o Tratado de Assunção estabelece, em seu art. 2º, que o Mercado Comum estará fundado na reciprocidade de direitos e obrigações.

Além disso, quando a Constituição da República Argentina trata do tema supranacionalidade ¯ vale dizer, quando autoriza que o Estado argentino subscreva tratados que deleguem competencia e jurisdição a organizações supra-estatais ? o faz na premissa de que haja dos seus parceiros condição de reciprocidade (inciso XXIV do art. 75 da referida Constituição).

É importante avançar no tema da criação do Parlamento para o MERCOSUL. Todavia, antes que venhamos a assumir compromissos internacionais, em relação ao mérito, é importante, não podemos nos deixar levar pelo entusiasmo ingênuo da palavra. Eventual proposta nesse sentido deve-se fazer acompanhar de providências internas, legais e constitucionais, sem as quais não se poderá atender adequadamente ao que preceitua o Tratado de Assunção e a vocação integracionista de que cuida o parágrafo único do art. 4º da Constituição brasileira.

Na oportunidade, saliente-se que a experiência européia não prescindiu de exigir dos países-membros que se preparassem constitucionalmente para a almejada integração. É verdade que existem diferenças marcantes entre o MERCOSUL e a União Européia. A começar, por exemplo, pelo registro de que lá o mercado comum nasceu com o Tratado de Roma, de 1957, enquanto aqui o mercado comum é objetivo a ser alcançado após vencermos a consolidação da união aduaneira.

Na União Européia convencionou-se a criação imediata de instituições supranacionais, ao passo que no MERCOSUL seguimos o modelo clássico de instituições intergovernamentais, com decisões tomadas por consenso e por unanimidade.

O sistema de solução de controvérsias na União Européia é permanente, com delegação de competência ao Tribunal de Justiça para deliberar soberanamente sobre o direito comunitário, originário ou derivado (regulamentos e diretivas). No MERCOSUL, não se tem ainda sistema permanente, valendo-se da arbitragem ad hoc, nos termos do Protocolo de Brasília, rerratificado pelo de Olivos, que criou uma instância permanente de revisão, cuja configuração é objeto de muitas críticas.

As normas comunitárias, vale dizer, as normas geradas no âmbito do Conselho e da Comissão Européia, têm aplicabilidade direta e imediata nos Estados-Partes, enquanto que no MERCOSUL as normas editadas pelas suas instituições demandam processo de incorporação aos ordenamentos jurídicos nacionais, com o inconveniente de que, tanto no Brasil quanto no Uruguai, não há norma que discipline o conflito entre tratado e norma interna, o que não se compadece com a desejada segurança jurídica.

Diante desse quadro, vê-se com certa perplexidade essa onda que antecede a discussão de um futuro Parlamento para o MERCOSUL. Na condição de Congressista, convencido de que os Parlamentos constituem o seio próprio de discussões da cidadania, sendo o regime de representatividade um dos pilares da democracia, creio que os debates para criação de um Parlamento para o MERCOSUL ainda são prematuros, na perspectiva de que temos de fazer, primeiramente, nosso dever de casa e dotar a nossa Constituição e o nosso ordenamento jurídico de normas que dêem substância e amparo às negociações internacionais.

Valho-me do exemplo europeu, mais uma vez, para assinalar que, passados quase 50 anos do Tratado de Roma, com todos os avanços que se seguiram até a união monetária européia, ainda hoje o Parlamento Europeu é figura secundária e coadjuvante no processo de integração, à mingua de poderes efetivos para revelar os verdadeiros interesses dos cidadãos lá representados.

Na consideração de que o MERCOSUL recentemente completou sua primeira década, e ainda de que historicamente nosso projeto de integração pautou-se pela intergovernabilidade, pergunta-se: a que se propõe o Parlamento do MERCOSUL? Quais serão as suas atribuições? Sua composição e divisão de cadeiras observará quais critérios? Território e população?

No sistema constitucional atual, sobretudo no Brasil e no Uruguai, é possível imaginar que uma norma aprovada pelo eventual e futuro Parlamento do MERCOSUL produzirá efeitos imediatos e diretos nos Estados-Partes?

Diante da nossa Constituição Federal (art. 17) e da legislação eleitoral, pode-se imaginar a existência de partidos supranacionais? Ou ainda: é possível imaginar a formação de grupos políticos - à semelhança do que ocorre na União Européia - diante da proibição legal de recebimento de doação em dinheiro ou estimável de entidades ou governo estrangeiro? E como fica, por exemplo, a questão do fundo partidário brasileiro, do acesso dos partidos ao rádio e à televisão e o sistema de financiamento de campanhas?

Para finalizar, tenho certeza dos bons propósitos do encontro. O CEDI tem realizado importante trabalho em prol da disseminação do Direito Internacional, com a realização de diversos seminários e ciclos de conferências sobre temas instigantes, mais recentemente sobre a imunidade de jurisdição.

Espera-se, entretanto, que as ilustres autoridades envolvidas no mencionado evento de Montevidéu estejam cientes dos obstáculos de natureza constitucional e legal que envolvem a criação de um Parlamento para o MERCOSUL, a fim de que não se crie mais uma bolha de expectativa que venha a frustrar o povo brasileiro e o esforço que o Presidente Lula tem feito em prol da integração do continente sul-americano, e muito menos comprometa a obra de iniciativa dos Presidentes Sarney e Alfonsín.