PROCD-14-05-03 Colbert Martins


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Documento 21/422

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075.1.52.O Sessão Ordinária - CD 13/05/2003-15:14

Publ.: DCD - 14/05/2003 - 20247 COLBERT MARTINS-PPS -BA

CÂMARA DOS DEPUTADOS GRANDE EXPEDIENTE PEQUENO EXPEDIENTE

DISCURSO

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Sumário

Apoio do PPS às ações para redução das desigualdades sociais no País. Extemporaneidade de cobranças ao Governo Luiz Inácio Lula da Silva. Dificuldades socioeconômicas enfrentadas pelo Governo petista. Alongamento do perfil da dívida interna brasileira.

 

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O SR. COLBERT MARTINS (PPS-BA. Sem revisão do orador.) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o PPS reitera, como fez pela manhã, na sessão solene em homenagem ao Dia Nacional de Combate ao Racismo, seu posicionamento francamente favorável às ações positivas que visem a diminuir as desigualdades sociais.

Neste primeiro Grande Expediente de que participo, quero tratar de proposta a ser discutida com o Presidência da República e o Brasil sobre as reformas tributária e da Previdência.

O Governo Lula completou mais de cem dias. No noticiário de todos os meios de comunicação, Brasil afora, jornalistas e colunistas, editorialistas e repórteres valeram-se da oportunidade para, no mais das vezes, fazer cobranças. Afinal, mais de 50 milhões de brasileiros disseram, com absoluta clareza, que esperavam do novo Governo uma espécie de anti-FHC, e não um "FHC do B". E estimularam, com seus questionamentos, queixas de toda espécie, formuladas, elas mesmas, pelo homem comum das ruas.

Fica difícil concordar com esse posicionamento. Nenhum candidato — e, portanto, nem o próprio Lula — se comprometeu numa campanha eleitoral relativamente recente, como a do ano passado, a resolver os problemas do País em cem dias. Ninguém, em sã consciência, se aventuraria a tanto, na certeza de que, se o fizesse, poderia ser considerado o mais desesperado de todos os demagogos. Além do mais, a questão não está simplesmente em mudar, mas, antes de mais nada, em mudar para melhor.

E não é só. No período de transição, o Governo que deixou o Palácio do Planalto realizou um sem-número de reuniões com representantes do novo Presidente, razão que nos leva a afirmar que, ao fim e ao cabo, não é possível que se tenham todos deparado com surpresas inauditas.

Mas, afinal, também não podemos ficar naquele "nada de novo", nem, como bem o disse nosso Presidente, o nobre Deputado João Paulo, estar "batendo cabeça" por aí. E isso, antes de mais nada, porque a solução de qualquer problema é precedida de seu equacionamento. Assim, já entramos em outro campo de conjecturas. Imaginamos se as soluções esperadas, no sentido de mudanças para a frente, podem demorar, ou exigem reflexões outras que não as até agora apresentadas; pensamos ser possível equacionar alguns problemas básicos, buscando a formulação de uma solução efetiva.

Um questionamento da espécie, aliás, vem de ser feito pelo jornalista Clóvis Rossi, excelente colunista da Folha de S.Paulo, em artigo de publicado em 23 de abril próximo passado. Pergunta o jornalista: "O receituário até aqui seguido pelo governo do PT era — e continua sendo — o único possível? Ou, ao contrário, é uma armadilha da qual o Governo nunca mais conseguirá se livrar?".

A questão é muito apropriada, embora nos pareça necessário fazer duas ressalvas. A primeira está em que não é o novo Governo quem monta qualquer armadilha intransponível, já que essa armadilha vem sendo montada desde que nossa dependência externa ultrapassou o nível da suportabilidade e é, nos dias de hoje, a questão vital a ser enfrentada. E não podemos ficar como, por exemplo, Cuba, libertada do jugo espanhol pelos Estados Unidos e que se viu, por isso mesmo, obrigada a aprovar uma Constituição contendo determinado dispositivo que exigia fosse qualquer mudança em seu texto submetida ao Congresso norte-americano!

Mutatis mutandis, Sr. Presidente, ou melhor dizendo, trocando-se o Congresso norte-americano pelo Fundo Monetário Internacional, a situação brasileira tem incríveis semelhanças, porque, de forma deliberada, e muito bem pensada, o Fundo Monetário Internacional nos socorreu com fartura, presteza e, por diversas vezes, na certeza das nossas potencialidades, antes de mais nada, em uma contínua submissão a seus ditames, queria e teve garantias absolutas de que os capitais mutuados retornariam com os juros e os elevados ganhos de sempre.

Os problemas se entrecruzam, interagem e, por isso mesmo, fazem das mais complexas a tessitura econômica que o Governo Lula tem a enfrentar. Mas, em meio a estes problemas — a fome e a exclusão social, o desemprego, a recessão, a violência urbana e a questão da saúde pública — , dois avultam e são, ao mesmo tempo, causa e efeito dessa tessitura econômica: a dívida externa e a dívida interna.

Outra ressalva a fazer seria esta: definir o atual Governo como do PT é esquecer que, de fato, ele o é de um leque de forças políticas que estiveram presentes nas eleições de outubro passado e que se uniram para formar a base de sustentação política ao Planalto. E maioria ou hegemonia não são sinônimos de totalidade.

Nós, do PPS, estamos no Governo. Estamos ajudando a montar a solução para essa miríade de problemas. Estamos ajudando a fazer com que se compreenda o que é factível, o que não é ou o que, pelo menos, ainda não é. E é, pois, no cumprimento de uma obrigação que estamos nesta tribuna.

Sr. Presidente, as dívidas externa e interna são as geradoras do elevado grau de dependência com que se depara o País. O País se endivida quando busca capitais que venham para ficar, investir e produzir riquezas e lucros. E se endivida ainda mais quando recebe aqueles capitais voláteis que se ocupam, em prazos curtíssimos, somente em ganhar mais em rendimentos, e daqui se vão celeremente, fazendo com que, involuntária mas necessariamente, a economia brasileira se veja arrastada a essa alucinada ciranda financeira que assola o planeta.

Na área internacional, junto à banca internacional, aliás, é improvável buscarmos soluções imediatas e menos custosas, até porque a recessão americana e os gastos com a Guerra do Iraque, sobretudo depois da invasão àquele país, irão exigir a aplicação de somas vultosas para outros erários que não o nosso.

A balança comercial deve sofrer esses reflexos. Nossas expectativas primeiras estariam no MERCOSUL e, depois, mas somente muito depois, na ALCA. Mas as tentativas de fortalecer e ampliar o Mercado Comum Sul-Americano, a ele agregando ainda, os países da Comunidade Andina de Nações, não têm as mesmas perspectivas como as de alguns poucos anos passados. Tudo, antes de mais nada, depende da recuperação da economia do maior parceiro do MERCOSUL, a Argentina, o que já parece possível, mas não rapidamente.

Ouço, com prazer, o nobre Deputado Dr. Hélio.

O Sr. Dr. Hélio - Deputado Colbert Martins, em primeiro lugar, parabenizo V.Exa. pelo pronunciamento, uma profunda leitura da macroeconomia brasileira e do confronto do Brasil com os demais países do mundo. Mas quero me ater à sua homenagem ao Dia Nacional de Combate ao Racismo, à qual me associo para lembrar daqueles que, nesta Casa, vêm lutando para aprovar o Estatuto de Igualdade Racial. Mais do que isso, V.Exa. deixa claro que o Governo Lula aponta para processos práticos, implantando uma secretaria especial de combate à desigualdade racial, ao mesmo tempo em que indica para o Supremo Tribunal Federal um afro-descendente. É importante estabelecer avanços, como a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, e cobrar das autoridades programas estruturais, por exemplo, na área de saúde, que atendam ao tratamento das principais enfermidades com as quais os afro-descendentes se deparam, correndo risco de vida desde o nascimento, como no caso da anemia falciforme, até as enfermidades malignas de próstata e hipertensão arterial, entre outras. Essas pessoas merecem prioridade na assistência médica. Deputado Colbert Martins, V.Exa. assinala que é uma das principais metas do Presidente da República cuidar dos graves problemas que abatem as famílias dos negros brasileiros e aponta resultados de ordem prática, os quais este Congresso deve buscar o mais rápido possível. Cumprimento V.Exa. por ser nesta Casa um vigilante guardião dos interesses do povo brasileiro.

O SR. COLBERT MARTINS Deputado Dr. Hélio, agradeço a V.Exa. o aparte.

Sr. Presidente, retomando meu discurso, quanto às dívidas interna e externa, a ALCA, que trazia em sua bojo as maiores ameaças, a menor delas não sendo a virulenta política protecionista dos Estados Unidos, agora apresenta quadro ainda mais sombrio. Os americanos enfrentam problemas no NAFTA e querem se exibir como exemplo a ser seguido pelos demais países da América. Os outros dois parceiros, México e Canadá, manifestaram-se contrariamente ao massacre do Iraque, o que pode levar à reformulação daquela área de comércio livre. Nosso possível parceiro, o Chile, que, juntamente com a Bolívia, já vinha participando como observador nas reuniões do MERCOSUL, enfrenta a revanche americana, porque também se manifestou contra a guerra — um pacto comercial bilateral que vinha sendo gestado por quase dez anos acaba de ser jogado para escanteio. De mais a mais, apenas a Colômbia, por razões as mais óbvias, apoiou aquela aventura sanguinária. E o fez juntamente com a inexpressividade de El Salvador, Panamá e outros pequenos países. A ALCA, em resumo, acabará por ser empolgada por essa política revanchista norte-americana, e tentar fazê-la caminhar seria levar as economias regionais ao atropelo definitivo.

Resta-nos, na área internacional, a busca de alternativas não simplesmente regionais. Estas, como estamos vendo, têm maior dificuldade para frutificar. Ai estão mesmo a China e a Índia, que representam mais de 2 bilhões de habitantes, além da Rússia, África do Sul e países do Leste Europeu, enfim, uma variedade de políticas comerciais de futuro que nos comete, com firmeza e obstinação, explorar.

É uma situação lamentável essa desgastante expectativa, ninguém querendo fazer previsões ou avançar uma única pedra sequer no tabuleiro internacional sem saber antes o que fará o "Império". Sabemos, e esse é um dos exemplos de que dispomos, que os chamados "Tigres Asiáticos", que enfrentaram séria crise econômica em 1998, um ano antes que o Brasil, conseguiram reformular suas políticas e venceram. A Malásia, que é um deles, já no ano seguinte ampliava seu PIB em 6,1%, mantendo esse percentual até o final do ano passado. Países como Coréia, Indonésia, Filipinas e Tailândia, que acusaram terríveis déficits em sua conta corrente no ano mesmo da crise, já em 1999 exibiam superávits importantes. O da Coréia, vale o exemplo, ultrapassou os 40 bilhões de dólares. No entanto, é difícil prever que resultados assim tão positivos possam ser mantidos, porque, antes de mais nada, esses países dependem quase que fundamentalmente de sua parceria comercial com os Estados Unidos, país de onde, aliás, decorrem atualmente todos os impulsos para novas grandes crises internacionais.

Ficamos, assim, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, com a necessidade de examinar mais de perto a questão do endividamento interno, e queremos fazê-lo com uma ressalva prévia: o problema central não é dever, mas administrar a dívida. E isto, que pode parecer acaciano ou mesmo tautológico, deve ser exemplificado de forma concreta.

Todos se assombram pelo fato de a dívida brasileira, tanto a externa como a interna, já representar metade de nosso PIB. É assustador, sem dúvida. Mas a Itália deve mais de 100% frente a esse índice econômico e não parece, nem de longe, enfrentar as crises que enfrentamos. Mas ali os títulos da dívida pública têm prazos que variam de 30 a 40 anos, com juros que só excepcionalmente podem ultrapassar os 5% ou 7% ao ano. Este o exemplo e esta, a seguir, nossa proposta.

No sentido de fazer definhar o déficit público — o mesmo que alimenta nosso endividamento interno — , o Governo tem feito seguidas reuniões com os Governadores para definir uma proposta consensual de reforma da Previdência e tributária. Ao que estamos vendo, tem conseguido resultados relevantes.

O Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, uma espécie de federação de câmaras setoriais, reúne lideranças empresariais e sindicais, dirigentes político-partidários, entidades as mais diversas da sociedade civil. Ali se estão compondo projetos, também consensuais, para as questões tão diversificadas como as que ora enfrentamos. Ora, por que não reunir os senhores banqueiros, os fundos de pensão e todos os demais que respondam, majoritariamente, pela aquisição de títulos públicos, no sentido de se redefinirem critérios — respeitados os já anteriormente definidos — de prazos e de juros para esses títulos? Dizer que isso implicaria maiores riscos seria até aceitável, mas jamais maiores sacrifícios. Os bancos, os brasileiros e os instalados no Brasil, têm auferido as maiores taxas de lucro nos últimos tempos. Alguns já cobrem praticamente todas as suas despesas administrativas — incluída aí a folha de pessoal — apenas com os ganhos pelos serviços prestados. Com o visível beneplácito do Banco Central, cobram taxas as mais absurdas, os maiores juros do mundo nos cartões de crédito, nos cheques especiais etc., mas se recusam, na prática, a realizar aquilo para o que efetivamente foram criados, que é a intermediação financeira, ou seja, captar e emprestar. E não o fazem por nenhuma outra razão senão pelo fato de que os papéis do Governo são mais apetecíveis, já que, com juros fartos e riscos inexistentes, na prática não há negócio melhor. Daí se pode concluir que o que se vai exigir desses empresários não iria levá-los ao prejuízo, mas sim a uma pequena redução de seus vultosos lucros, em benefício de toda a sociedade — da mesma sociedade que os faz ganhar tanto e tanto dinheiro.

O Governo dispõe, aliás, de um trunfo nenhum pouco desprezível. O Congresso vem de aprovar emenda constitucional que, de alguma forma, desengessou o processo de regulamentação do sistema financeiro.

Este seria um instante privilegiado para que se colocassem as cartas na mesa, ou seja, para que ficasse a nu a situação do nosso sistema, regido até hoje por lei que data de 1964; portanto, prestes a completar quarenta anos. Quantas mudanças, tropeços, ganhos, especulação, enfim, quanta crise ocorreu sob a égide de um Banco Central que vinha agindo não como órgão público, mas como autêntico defensor da maioria dos bancos!

A situação vem adquirindo contornos tão assustadores que a Comissão de Finanças e Tributação, da Casa, acaba de criar uma subcomissão exclusivamente para examinar as taxas de juros e os spreads praticados pelos bancos no País, na ânsia de indicar os assaltos que se cometem contra a economia popular e, sobretudo, as formas de impedir que tais desmandos prossigam.

Já se viu ser impossível fazer previsões as mais otimistas na área internacional. Com qualquer ponto percentual de elevação do dólar, a dívida brasileira, capitulada nessa moeda, sobe alguns bilhões de reais. Quando o dólar baixa, como ocorreu hoje, ela cai também. Mas o que mudou com a subida do dólar não é mais recuperado. Há que se lançar mais títulos, enfim, aumentar a dívida interna, que gira com a mesma velocidade da dívida externa. Em torno de 18 meses, devemos pagar todos os títulos das dívidas externa e interna.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o Governo deve encaminhar proposta para alongar o perfil da dívida externa, a ser negociada com nossos principais credores, que são os fundos de pensão, brasileiros como nós. O alongamento desse perfil deve ser possível sem modificação dos contratos que não sejam entendidos bilateralmente. Que se discuta até aumentos de juros, mas é preciso negociar tempo. O Brasil não pode viver a cada um ano e seis meses renegociando toda a dívida interna e externa, simultaneamente. Essa é uma das alternativas do Governo Luiz Inácio Lula da Silva.

No cenário externo, mexer em qualquer proposta, neste momento, talvez não seja o mais correto. No entanto, discutimos esse problema durante a campanha política do nosso candidato a Presidente, Ciro Gomes, que manteve reuniões com os responsáveis por mais de 60% da dívida interna brasileira, os quais se mantiveram amplamente receptivos a estabelecer um mecanismo de discussão para o alongamento do perfil da dívida interna brasileira, o que entendemos ser absolutamente possível e necessário. Em razão disso, deveremos entrar num círculo virtuoso que se nos permita sair do atual círculo vicioso. A recomposição da nossa dívida interna é, sem dúvida, um grande passo nesse sentido.

Sr. Presidente, o PPS e nós entendemos que essa seja uma alternativa passível de discussão. Há campo para, com ela, reduzirmos os juros. Como todos os países do mundo fazem, o Brasil também necessita dessa redução.

O primeiro passo para o alongamento do perfil da dívida interna brasileira deve ser dado com os fundos de pensão e os bancos nacionais. Os bancos estrangeiros podem ser convidados, mas, se não puderem participar neste momento, que não o façam. A renegociação da dívida externa é outro passo a ser dado mais adiante. Ousar é necessário!

Agradeço a todos pela atenção e lanço essa proposta para discussão nesta Casa.

Muito obrigado.