PROCD-05-04-03 Maria do Rosário


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Documento 13/422

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038.1.52.O Sessão Ordinária - CD 04/04/2003-11:28

Publ.: DCD - 05/04/2003 - 12716 MARIA DO ROSÁRIO-PT -RS

CÂMARA DOS DEPUTADOS GRANDE EXPEDIENTE GRANDE EXPEDIENTE

DISCURSO

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Sumário

Dever do Governo Federal de mudança da política neoliberal para projeto de caráter democrático e popular. Apoio à revitalização do Mercado Comum do Sul. Análise do quadro político internacional, particularmente da ação bélica anglo-americana contra o povo iraquiano. Louvor à posição do Governo brasileiro de condenação da guerra. Considerações sobre o programa governamental de erradicação da fome no País. Papel do Partido dos Trabalhadores como base de sustentação do Governo Luiz Inácio Lula da Silva. Sinais de acerto da política econômica do Governo Federal. Importância da reforma agrária para enfrentamento da violência no campo. Contrariedade à proposta de igualdade nos prazos de aposentadoria entre homens e mulheres. Contrariedade aos atuais termos da proposta de participação do Brasil na Área de Livre Comércio das Américas.

 

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A SRA. MARIA DO ROSÁRIO (PT-RS. Sem revisão da oradora.) Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ocupo a tribuna desta Casa pela primeira vez durante o período do Grande Expediente.

É certo que este período maior para debates promove a importante possibilidade de reflexão sobre temas que intensamente vivemos no cotidiano desta Casa. Promove também a possibilidade de nos aprofundarmos nos temas que devemos enfrentar.

Ao Partido dos Trabalhadores cabe acompanhar o Governo instalado há menos de cem dias e lhe dar a sustentação necessária para que realize um bom trabalho.

O Governo Lula tem a desempenhar tarefa que não foi realizada por nenhum dos países que viveram o neoliberalismo. Os efeitos dos ajustes fiscais do neoliberalismo na economia e na organização da sociedade, em praticamente todos os países do Terceiro Mundo, levaram a situações muito difíceis populações pobres do cenário mundial. Nossa tarefa é a de realizar, através das instituições democráticas, a transição do projeto neoliberal para outro de caráter distinto, democrático e popular, em meio à conjuntura mundial. Sabemos que todos os cenários são absolutamente desfavoráveis, tendo em vista a dependência e a fragilidade do nosso País em relação ao capital financeiro internacional

A era da liberalização financeira, nos nossos dias, também é a era dos maiores prejuízos à soberania das nações. Constituirmo-nos, no Brasil, como uma nação forte para o nosso povo, voltada aos interesses nacionais e aos interesses populares antes de tudo, e assumirmos a tarefa de operar a retomada do MERCOSUL é precisamente um trabalho de caráter global na defesa da autonomia e dos direitos dos povos, atividade extraordinária que tem dimensão fundamental para enfrentarmos a vulnerabilidade das finanças nacionais diante do quadro mundial.

É impossível avaliar o Brasil, essa responsabilidade que temos e a esperança que significamos com o Governo Lula para o povo brasileiro sem analisar o quadro político internacional, marcado pela desconfiança e pela hostilidade, especialmente pela atuação bélica voltada para a morte que está incrustada no mais alto comando do império norte-americano.

Um grupo de ultradireita dos Estados Unidos, cuja eleição é questionada, ocupou o poder voltado única e exclusivamente para contrapor-se à democracia no mundo e atacar nações soberanas, o que faz, neste momento, contra o povo do Iraque. Demonstra brutalidade, desprezo às normas internacionais e à opinião pública mundial. O Governo norte-americano promove uma ocupação cruel, pratica a violência em todos os seus sentidos contra um povo na sua maior parte desarmado que abriu todas as possibilidades para os agentes da ONU verificarem suas condições armamentistas.

Quando o povo do Iraque é atacado da forma vil como o é, neste momento, pelos Governos americano e britânico, apesar da resistência à guerra que existe em seus próprios países, ocorre uma violência contra a própria humanidade.

A posição do Brasil tem sido absolutamente altiva. Através do Ministro das Relações Exteriores, levamos um documento ao Papa. Estivemos na ONU. O próprio Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em todas suas manifestações, no Brasil e fora, condena a guerra, faz um chamamento aos povos pela paz e se coloca ao lado dos atingidos, na defesa dos direitos humanos, da paz como um princípio e do ordenamento internacional como o único caminho, a partir do diálogo entre as nações, para a atitude não-violenta, a única que pode estabelecer a possibilidade de um novo tempo para a humanidade.

Nós, que inauguramos um novo século com uma imensa esperança pela paz, que fizemos do ano 2000 o ano mundial para uma cultura de paz, vemos com tristeza a ação belicista norte-americana. Por outro lado, é reconfortante, animador, verificarmos o isolamento dessas nações no mundo, enquanto o movimento pela paz e pelos direitos humanos promove grandes manifestações e condena a ação armamentista realizada no Iraque e contra os povos do mundo.

Corretamente, nosso Governo, para agir com tal soberania e determinação no plano internacional, busca consolidar uma base legítima que garanta a governabilidade no País e que expresse uma sintonia articulada com a sociedade. Busca avançar na concretização de propostas que estabelecemos e que nos levaram, por meio de um programa concreto e real, à vitória nas urnas.

O fundamento social do nosso programa apresentado ao Brasil e do projeto com o qual governamos o País é, nos marcos da institucionalidade, superarmos a barbárie neoliberal e começarmos a construir condições de trabalho e de vida digna para o povo brasileiro. Tudo isso sustentado por uma ampla composição no Congresso Nacional, juntamente com a sociedade, de modo geral, que não dispensa o protagonismo do próprio Partido dos Trabalhadores na defesa do Governo.

Vivemos nova possibilidade para o povo brasileiro. Com a aliança que consolidamos neste Parlamento, poderemos estabelecer impressionantes e importantes vitórias para o povo. Mas essa aliança não dispensa, em momento algum, a coerência daqueles que se elegeram com a proposta de estarem neste plenário e defenderem nas articulações políticas o Governo do Presidente Lula e as medidas que estamos tomando.

Nosso partido está calcado na defesa da liberdade de posição e de opinião, que nasceu e se consolidou pela ampla possibilidade de diálogo interno, de democracia interna, da crítica e da autocrítica.

Este momento é muito importante tanto para preservarmos a liberdade de opinião como um princípio, quanto para mantermos a unidade e o fortalecimento da nossa bancada, com espaço para a defesa do Governo e das medidas que estamos tomando.

A vitória que estamos vivendo hoje no Brasil é a vitória do dólar em queda, da diminuição do Risco Brasil e de termos assegurado um salário mínimo que, embora pequeno, já apresenta um aumento real. Aliás, no primeiro ano do Governo Lula, os ganhos assegurados são maiores do que aqueles que o nosso antecessor, mesmo no oitavo ano de seu Governo, apresentou à Nação. Portanto, nossa estratégia de desenvolvimento nacional está absolutamente vinculada às necessidades e aos direitos fundamentais da população.

Em todas as áreas, não cederemos de forma alguma ao apelo daqueles que pensam que governaremos o Brasil pela via do monetarismo. Ao contrário, o desenvolvimento econômico e o equilíbrio das finanças devem estar absolutamente vinculados à distribuição de renda e à melhoria de vida da nossa população.

Como o Presidente Lula disse, a erradicação da fome exigirá transformações estruturais, criação de empregos dignos, maiores e melhores investimentos, aumento substancial da poupança interna, expansão dos mercados interno e externo, saúde, educação de qualidade, desenvolvimento cultural, científico e tecnológico.

A proposta do Presidente Lula de priorizar o combate à fome estabelece um trabalho articulado exatamente no que é mais sensível a nossa sociedade; estende a mão a partir de ações governamentais para a maior parte dos trabalhadores, homens e mulheres brasileiros excluídos dos direitos fundamentais escritos em nossa Constituição.

O combate à fome, que é um dos principais desafios deste Governo, não se efetiva a não ser por uma série de ações. Primeiro pelo reconhecimento de que convivemos vergonhosamente no Brasil com 54 milhões de pessoas na linha da pobreza. Trinta e quatro por cento da população, segundo o IBGE, não é dona do seu destino, é refém de uma tragédia, não tem a possibilidade de planejar o dia de amanhã.

A fome é a dimensão extrema da pobreza. Recebemos a tarefa não de fazer uma campanha de distribuição de cupons ou de alimentos, mas de articular, por meio do Fome Zero, políticas de assistência social que promovam a segurança alimentar à condição de elemento fundamental para a Nação brasileira.

Temos que lutar também pelo reconhecimento dos direitos humanos. Nesse sentido, é fundamental ampliar o conceito da seguridade social, que começa com os princípios constitucionais que a compõem — saúde, previdência e assistência social — , mas agrega todos os demais direitos.

O Programa Fome Zero pode articular tais idéias e será vitorioso se rompermos definitivamente com a política econômica que orientou este País, particularmente, ao longo dos últimos oito anos.

Aqueles que nos antecederam — modestamente, é bem verdade — distribuíram cestas básicas. Ocorre que, ao mesmo tempo em que entregavam tais benefícios, promoviam a fome; ao mesmo tempo em que realizavam ações pontuais de combate à fome, jogavam milhões de trabalhadores na precariedade das relações de trabalho, na informalidade, pagando-lhes salários aviltados, sem as garantias da seguridade social. Ao enfrentar a ordem econômica injusta e promover efetivamente a transição, combateremos a fome, que tomou conta da Nação brasileira em função do projeto de exclusão social que teve lugar neste País por longo período histórico.

O rico solo brasileiro, em que se produz, não é o responsável pela ausência de alimentos. A fome brasileira resulta do desequilíbrio social. A insegurança alimentar tem causas estruturais, não é fruto triste e amargo da terra. Não avançamos tudo que poderíamos nos últimos anos no enfrentamento de tema fundamental como a reforma agrária. Nosso desafio é priorizar a distribuição de terras, ao lado de outras reformas — a previdenciária, a tributária, a política e a trabalhista. Tais medidas são essenciais na luta contra a violência.

As reformas que pretendemos praticar no Brasil são parte das mudanças que já começaram, Sr. Presidente, principalmente porque estamos promovendo essas reformas a partir da democracia viva e real no meio da nossa gente.

Para exemplificar, citamos a própria reforma da Previdência, que está sendo construída não só a partir do diálogo com os trabalhadores ou por intermédio do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, vertente democrática constituída, mas também a partir do amplo leque de ações desenvolvidas por sindicatos, centrais sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores, e movimentos sociais de modo geral.

Não cederemos ao populismo de apresentar sugestões sem vincular a elas as respostas. Queremos, a partir da realidade concreta da população, edificar projetos democráticos, promover o diálogo com justiça social e debater as reformas de modo a estruturar o novo Estado brasileiro.

É preciso eliminar o caráter excludente e antidemocrático que o Estado adquiriu ao longo da história e viabilizar mudanças importantes no campo da estrutura, a fim de garantir o direito de milhões de trabalhadores à margem do sistema.

Do ponto de vista previdenciário, devemos instituir plano de caráter público, com gestão democrática e planejamento adequado à realidade social e econômica, capaz de compreender as diferenças existentes na sociedade brasileira. Temos de rejeitar qualquer proposta que busque, em nome da igualdade, constituir ou aprofundar os desajustes sociais.

Refiro-me, de modo particular, aos discursos sem embasamento que propõem igualar os prazos de aposentadoria para homens e mulheres. Trata-se de verdadeiro absurdo, Sras. e Sras. Deputados, porque grande parte das mulheres brasileiras são, na atualidade, excluídas do sistema previdenciário. Aquelas que nele estão inseridas têm absoluta desvantagem em relação aos trabalhadores do sexo masculino.

Na sociedade contemporânea, as mulheres conquistaram muito no que diz respeito às relações de trabalho. Somos 42% da população economicamente ativa, mas não há dúvida de que nós, mulheres, realizamos ainda trabalhos socialmente não valorizados e mal remunerados. O cuidado das mulheres com as crianças, os idosos e os enfermos não é reconhecido; recebemos salários menores para trabalhos iguais; vivemos dupla jornada; a taxa de desemprego é cinco pontos maior para as mulheres; ocupamos postos de trabalho menos valorizados no mercado; estamos sujeitas ao trabalho precário e ao mercado informal.

Contudo, o trabalho da mulher é determinante para a reprodução humana, para a valorização da família, e deve ser reconhecido. Há ainda número cada vez maior de chefes de família do sexo feminino.

Assim, a diferença de tempo existente entre a aposentadoria da mulher e a do homem não é nada mais, nada menos, do que a garantia do reconhecimento das atividades realizadas no ambiente familiar.

Portanto, para igualar o tempo de aposentadoria, teríamos que igualar todas as demais condições de trabalho. Essa é a resposta que devemos dar quando realizamos debates, absolutamente democráticos, sobre a reforma da Previdência e a inclusão no sistema de previdência público de 56% da população que não participa ainda do Regime Geral de Previdência Social. Entre os 56% encontram-se em maioria as mulheres brasileiras, em virtude do modelo econômico adotado no Brasil, calcado no desemprego e na falta de estrutura adequada para fiscalização da Previdência, que fomos desafiados a reverter.

Sras. e Srs. Deputados, devemos implementar uma nova política para o Brasil, construir um novo momento para a Nação brasileira, situar-nos internacionalmente. Com postura altiva, temos de discutir profundamente a ALCA, imposta ao País, e dizer que os termos do tratado, na verdade, não servem ao Brasil nem à América Latina.

O entendimento do Governo brasileiro é calcado na paz, na democracia, nos direitos humanos. Ele estende as suas mãos às nações latino-americanas, para mostrar que somos o pólo fundamental da nova ordem mundial. Logo, não devemos sofrer ameaças de quem quer ser o dono do mundo, o Sr. Bush. Ao contrário, temos de nos contrapor ao ordenamento internacional de guerra e de morte apresentado pelo Governo norte-americano ao Iraque e aos povos do mundo.

A realização das tarefas que nos cabem, as reformas que implementaremos e o diálogo aberto incluem a população brasileira, que procura se firmar na área dos direitos humanos.

A constituição da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres e da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, para atuar nas questões de afro-descendentes e de violência racial, indica que o Governo está atuando em todas as áreas da sociedade brasileira, pois percebe que a exclusão social se dá na economia, com forte viés étnico, vitimando especialmente as crianças e os adolescentes.

Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o próprio Presidente da República, ao atentar para questão pontual de caráter fundamental para a Nação, como o tema da exploração sexual de crianças e adolescentes, indicou sua preocupação com todos os brasileiros e brasileiras. E para contribuir com este Governo, com a nova possibilidade histórica, inaugurada pelo povo brasileiro, elegemos nossa bancada. Estamos aqui a configurar um cenário de unidade e de ampliação da base política do Governo, que — repito — não dispensa, em momento algum, o protagonismo da bancada do Partido dos Trabalhadores, uma vez que todos, sem exceção, nos elegemos juntamente com o Presidente Lula.

Precisamos contribuir, assim como o estamos fazendo, e continuar a defender as mudanças por que o Brasil passa.

Muito obrigada.