Laudo - Têxteis

LAUDO DO TRIBUNAL ARBITRAL DO MERCOSUL CONSTITUÍDO PARA DECIDIR SOBRE APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE SALVAGUARDA SOBRE PRODUTOS TÊXTEIS (RES. 861/99) DO MINISTÉRIO DE ECONOMIA E OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS

Na cidade de Colônia, República Oriental do Uruguai, aos 10 dias do mês de março do ano dois mil,

TENDO EM VISTA:

Reunir-se este Tribunal Arbitral para decidir a controvérsia entre a República Federativa do Brasil (Parte Reclamante) e a República Argentina (Parte Reclamada), identificada como controvérsia sobre "APLICAÇÃO DE MEDIDAS DE SALVAGUARDA SOBRE PRODUTOS TÊXTEIS (RES. 861/99) DO MINISTÉRIO DE ECONOMIA E OBRAS E SERVIÇOS PÚBLICOS".

I. RESULTANDO,

A. O Tribunal Arbitral

O Tribunal Arbitral, constituído em conformidade com o Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias no MERCOSUL em 17 de dezembro de 1991, está formado pelos árbitros Gary N. Horlick, dos Estados Unidos da América (Presidente do Tribunal), Dr. José Carlos de Magalhães, da República Federativa do Brasil e Dr. Raúl E. Vinuesa, da República Argentina.

O Presidente foi devidamente notificado de sua nomeação e o Tribunal constituído, instalado e posto em funcionamento no dia 30 de dezembro de 1999. Na mesma data, o Tribunal adotou suas regras de procedimento. As Partes foram convidadas para designar seus respectivos Representantes e constituir seus domicílios legais. O Tribunal convidou-as também a submeter os trabalhos escritos de apresentação e de contestação. As representações foram credenciadas e os domicílios constituídos.

Os trabalhos escritos foram apresentados dentro dos prazos previstos e recebidos pelo Tribunal, o qual participou o conteúdo de cada trabalho a ambas as Partes. As provas documentais apresentadas por cada Parte foram admitidas, comunicadas à outra Parte e anexadas ao expediente. O Tribunal formulou perguntas por escrito a ambas as Partes. A pedido do Tribunal, duas das perguntas foram respondidas por escrito, sendo que as demais deveriam servir como orientação para as argumentações das Partes durante a audiência oral convocada para o dia 23 de fevereiro do ano 2000 na sede da Secretaria Administrativa do MERCOSUL, situada na cidade de Montevidéu, República Oriental do Uruguai. As Partes foram ouvidas na audiência e o Tribunal formulou perguntas que foram respondidas por ambas as Partes. O Tribunal ordenou a apresentação escrita dos resumos das posições de cada Parte, de acordo ao artigo 15.2 de seu Regulamento. Após o recebimento dos respectivos trabalhos escritos, o Tribunal deu início à elaboração do Laudo Arbitral.

As notificações e comunicados feitos às Partes, assim como o recebimento dos trabalhos escritos e comunicados das Partes, foram realizados por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL.

Em 9 de fevereiro do ano 2000, o Tribunal decidiu fazer uso da prorrogação por trinta dias do prazo para expedição, notificando tal decisão às Partes, em conformidade com o artigo 20 do Protocolo de Brasília e o artigo 17(1) de seu Regulamento.

As atuações do Tribunal que antecedem este Laudo Arbitral, consignadas nas Atas e anexos às Atas de acordo com as Regras de Procedimento, seguem anexas a estes autos.

B. Representantes das Partes

A República Federativa do Brasil nomeou o Sr. Carlos Marcio Cozendey como seu principal representante, e a República Argentina conferiu o mesmo cargo ao Sr. Adrián Makuc.

C. Alegações das Partes

1. Reclamação da República Federativa do Brasil

O Brasil afirma que a Resolução 861/99, que estabelece cotas sobre produtos têxteis de algodão do Brasil, é uma medida contrária e incompatível com o livre comércio acordado entre os Estados Membros do MERCOSUL. O Brasil argumenta que a medida tem caráter discriminatório por favorecer outros países não incluídos na união aduaneira, em detrimento do Brasil. Ademais, o Brasil também considera a medida incompatível com as condições estabelecidas no Acordo sobre Têxteis e Vestimenta ("ATV") da Organização Mundial de Comércio ("OMC") já que, segundo a recomendação do Órgão de Supervisão dos Têxteis ("OST"), a Argentina deve suspender a aplicação dessa medida. O Brasil invocou seus argumentos baseando-se na documentação como fundamento legal que acompanha sua reclamação, a saber:

a. O Anexo I do Tratado de Assunção (TA), que inclui o Programa de Liberação Comercial integrado no sistema legal da Associação Latino-Americana de Integração ("ALADI"), através do Acordo de Complementação Econômica 18 ("ACE-18"). O Artigo 1 do Anexo I do Tratado de Assunção estabelece que "Os Estados Partes acordam eliminar no mais tardar em 31 de dezembro de 1994 os gravames e demais restrições aplicadas em seu comércio recíproco";

b. O Artigo 1 do Anexo IV (Cláusula de Salvaguarda) do Tratado de Assunção declara que "Cada Estado Parte poderá aplicar, até o dia 31 de dezembro de 1994, cláusulas de salvaguarda à importação dos produtos que se beneficiem pelo Programa de Liberação Comercial estabelecido no âmbito do Tratado":

c. O Artigo 5 do Anexo IV (Cláusulas de Salvaguarda) do Tratado de Assunção estabelece que "Em caso algum, a aplicação de cláusulas de salvaguarda poderá prolongar-se além do dia 31 de dezembro de 1994";

d. O Regime de Adequação Final à União Aduaneira, que modificou o Programa de Liberação Comercial. O Regime de Adequação Final está definido na Decisão 5/94 do Conselho do Mercado Comum e na Resolução 48/94 do Grupo Mercado Comum. Estes instrumentos consistem no seguinte:

i. os produtos contidos nas Listas de Exceções poderão gozar de um prazo final de desgravação, linear e automático, partindo das respectivas tarifas nominais totais vigentes nessa ocasião. Tal prazo terá uma duração de quatro anos para a Argentina e o Brasil e de cinco anos para o Paraguai e o Uruguai, contados a partir de 1° de janeiro de 1995;

ii. os produtos sujeitos ao Regime de Salvaguardas do Tratado de Assunção poderão gozar de um prazo final de desgravação, linear e automático, partindo das respectivas tarifas nominais totais vigentes nessa data, mantendo-se o livre comércio no nível atual de acesso. O prazo supracitado terá uma duração de quatro anos, contados a partir de 1° de janeiro de 1995, para todos os Estados Partes.

e. Em dezembro de 1994, quando as regras para a estrutura da união aduaneira foram redefinidas, o ATV já havia sido assinado como parte dos Acordos de Marrakesh. Os Estados Membros do MERCOSUL não acordaram a aplicação do ATV como instrumento regulador do comércio intra-MERCOSUL. Como prova de sua posição, o Brasil cita a Resolução 124/94 do Grupo Mercado Comum que define as atividades do Comitê Técnico do Setor de Têxteis N° 10 ("CT-10"). O Brasil argumenta que a Resolução 124/94 do Grupo Mercado Comum se limita ao comércio extra-zona e que o CT-10 deveria considerar o Acordo de Marrakesh somente com respeito às transações com outros países (não Membros do MERCOSUL) já que os Membros do MERCOSUL estavam sujeitos ao Regime de Adequação Final.

f. O Artigo 81 do Regulamento Comum de Salvaguarda, aprovado pela Decisão 17/96 do Conselho do Mercado Comum, é utilizado pela Argentina como fundamento legal para a aplicação da Resolução 861/99. O Artigo 81 expressa "Nos casos de produtos agrícolas e produtos têxteis, aplicar-se-ão, quando couber, as disposições do Acordo sobre Agricultura e do Acordo sobre Têxteis e Vestimenta da OMC". O Brasil entende que:

i. A Decisão 17/96 refere-se à aplicação de medidas de salvaguarda contra terceiros países (não Membros do MERCOSUL);

ii. A Decisão 17/96 não havia sido incorporada aos ordenamentos jurídicos internos dos Estados Partes, não estando, portanto, em vigor no momento em que a Resolução 861/99 foi adotada.

iii. O Artigo 98 da Decisão 17/96 estabelece que "quando forem aplicadas medidas de salvaguarda de acordo com o que dispõe o Artigo 90, as importações originárias dos Estados Partes serão excluídas dessas medidas".

g. A Resolução 124/94 do Grupo Mercado Comum cria o Comitê Técnico do Setor Têxtil para estudar a conveniência de uma política comum de importação para o setor de têxteis. O Artigo 2 da Resolução estabelece que "Enquanto não for definida uma política comum de importação para o setor têxtil, os países poderão aplicar medidas ante importações de têxteis provenientes de países extra-zona....". Ademais, o Considerando da Resolução 124/94 expressa que "As particularidades do comércio internacional do setor têxtil e sua regulamentação nos foros internacionais recomendam o exame da possibilidade de uma política de importação específica para esse setor que seja complementar à Tarifa Externa Comum ("TEC"). O Brasil entende que a referência à TEC indica que a Resolução se refere a uma política de importação perante terceiros países. O Brasil sustenta esta afirmação, baseando-se no título da Resolução "Setor Têxtil - Comércio Extra-zona".

h. A Diretriz 14/94 da Comissão de Comércio do MERCOSUL (CCM) modificou e prorrogou o mandato do CT-10. De acordo ao Artigo 1, item II da Diretriz, o Comitê deveria acompanhar e promover a eliminação dos obstáculos ao fluxo comercial de produtos têxteis intra-zona.

i. A Ata N° 2/96 registrou a reunião do CT-10 do Rio de Janeiro, constatando o compromisso de ambas as delegações para remover e/ou não implementar medidas de caráter administrativo que tenham impacto no comércio intra-zona.

Em sua petisão, o Brasil solicita ao Tribunal que declare a incompatibilidade das normas do MERCOSUL com a aplicação por um Estado Parte do MERCOSUL de medidas de salvaguarda de qualquer natureza às importações provenientes de outro Estado Parte do MERCOSUL. A parte reclamante solicita também que o Tribunal declare a incompatibilidade com as normas do MERCOSUL da aplicação por um Estado Parte do MERCOSUL de medidas de salvaguarda às importações provenientes de outro Estado Parte, com base no ATV da OMC Finalmente, o Brasil requer que o Tribunal determine que o Governo Argentino revogue imediatamente a Resolução 861/99 e os atos administrativos concordantes.

2. Resposta da República Argentina

Como uma questão de pronunciamento prévio e especial, a República Argentina considera que o regime de solução de controvérsias do MERCOSUL (Protocolo de Brasília) não é aplicável ao presente caso, por entender que não existe conflito de normas ou de interpretação de normas do MERCOSUL. De acordo com a Argentina, não há norma no MERCOSUL que regule o objeto da controvérsia sob exame (a aplicação de salvaguarda sobre produtos têxteis de um Estado Membro) e, portanto, não há conflito. Conseqüentemente, a inexistência de normas no MERCOSUL que regulem uma matéria determinada, permite aos países aplicar suas respectivas legislações nacionais na área pertinente enquanto não houver uma normativa comum ditada pelos órgãos do MERCOSUL. A Argentina incorporou o ATV ao seu ordenamento jurídico mediante a Lei N° 24.425.

Em sua resposta, a Argentina invocou seus argumentos como fundamento legal de sua posição, tomando como base a documentação que os acompanha, a saber:

a. Anexo IV do Tratado de Assunção. A Argentina considera correta a afirmação do Brasil que o Anexo IV do TA regula o tema das salvaguardas intra-MERCOSUL, dispondo que cada Estado poderá aplicar, até o dia 31 de dezembro de 1994, cláusulas de salvaguarda. Não obstante, a Argentina sustenta que não é correta a afirmação do Brasil de que, a partir do dia 1° de janeiro de 1995, fica proibida a aplicação de salvaguardas intra-zona. Como fundamento de sua posição, a Argentina cita duas decisões que estabelecem salvaguardas:

i. A Decisão 7/94 ("Tarifa Externa Comum") do Grupo Mercado Comum estabelece a possibilidade de aplicação de medidas de salvaguarda sobre produtos incluídos na Lista de Exceções até o ano 2001, para os casos em que um incremento repentino das exportações destes produtos implique dano ou ameaça de dano grave,

ii. A Decisão 8/94 do Grupo Mercado Comum ("Zonas Francas, Zonas de Processamento de Exportações e Áreas Aduaneiras Especiais") dispõe sobre a possibilidade de aplicação de medidas de salvaguarda sobre produtos provenientes de zonas francas comerciais, zonas francas industriais, zonas de processamento de exportações e de áreas aduaneiras especiais, quando suas importações impliquem um aumento imprevisto de importações que cause dano ou ameaça de dano.

A Argentina considera que as provisões destas duas decisões modificam o Tratado de Assunção e prevalecem sobre o Tratado, de acordo com o Artigo 53 do Protocolo de Ouro Preto.

b. A Argentina afirma que existe um órgão no MERCOSUL (CT-10) que foi criado com funções relativas a temas vinculados ao setor têxtil. O CT-10 foi criado para fazer recomendações sobre política comercial "levando em consideração os Acordos de Marrakesh" (Diretriz CCM 1/95). A Argentina argumenta que uma vez que os Estados Membros não se manifestaram sobre as salvaguardas, criou-se um "vácuo legal" sobre o tema de salvaguarda com respeito a produtos têxteis.

c. A Argentina questionou a afirmação do Brasil sobre o fato de que as medidas de salvaguarda não podem coexistir em uma união aduaneira. A Argentina sustenta que o assunto é controvertido no âmbito do GATT/OMC, onde o Artigo XXIV:8 do GATT 1994 define as uniões aduaneiras afirmando que são compatíveis com as regras multilaterais. O Artigo XXIV:8(a) define uma união aduaneira como "a substituição de dois ou mais territórios aduaneiros por um só território aduaneiro, de maneira que os direitos de aduana e as demais regulamentações comerciais restritivas sejam eliminadas com respeito à essência dos intercâmbios comerciais entre os territórios constitutivos da união". A Argentina enfatiza que a interpretação da expressão "a essência dos intercâmbios" é controvertida e, portanto, pode ser interpretada de forma quantitativa ou qualitativa. Por isso o argumento para a aplicação de salvaguardas intra-zona se refere ao fato de que a obrigação de eliminar direitos aduaneiros e regulamentações restritivas do comércio entre os Membros de uma união aduaneira é aplicável à "essência do intercâmbio" entre os Membros e não a "todo o intercâmbio" entre Membros de uma união aduaneira. A Argentina cita algumas provisões de salvaguarda na União Européia ("UE") e afirma que a UE somente eliminou salvaguardas intra-zona quando se transformou em uma união monetária.

d. A Argentina afirma que existe uma distinção relevante no âmbito do MERCOSUL entre as salvaguardas do Artigo XIX do GATT 1994 e as salvaguardas no Artigo 6 do ATV. De acordo com a Argentina, o Artigo 6 do ATV criou um mecanismo específico de transição para têxteis que permitiu a aplicação de medidas de salvaguarda no comércio de têxteis. Os Estados Membros do MERCOSUL, também Membros da OMC, têm o direito de aplicar salvaguardas frente a terceiros países e, uma vez que não existem compromissos posteriores no MERCOSUL sobre esse tipo de salvaguardas, elas vigoram também no comércio intra-MERCOSUL. Este é um dos fundamentos legais da Resolução 861/99. Além disso, a Argentina acrescenta que a posição que adotou em uma controvérsia da OMC na qual excluiu as importações do MERCOSUL da aplicação das salvaguardas ao calçado estava baseada no Artigo XIX do GATT 1994, que não permite discriminação de origem. A Argentina entende que existe uma diferença entre salvaguardas gerais no Artigo XIX do GATT 1994 que são aplicáveis a todos os países e as salvaguardas específicas para o setor têxtil previstas no Artigo 6 do ATV que é aplicável Membro por Membro. As medidas autorizadas pelo Artigo 6 do ATV não estão proibidas por disposições do MERCOSUL e, portanto, são aplicáveis no comércio intra-zona.

e. A Argentina sustenta que a integração do setor de têxteis ao livre comércio é parcial, tanto que apenas ao final de 1999 completou-se o desmantelamento tarifário e continuam sendo aplicadas restrições não tarifárias ao comércio intra-zona para os produtos têxteis. Em matéria de livre comércio, a Argentina distingue três grupos diferentes:

i. a maior parte do universo tarifário que goza do livre comércio intra-zona com eliminação de restrições tarifárias e não tarifárias;

ii. os setores automotriz e açucareiro que estão temporariamente excluídos dessa liberação;

iii. Os produtos têxteis que têm um tratamento especial e estão sujeitos a certos instrumentos aplicados pelos quatro Estados Membros.

A Argentina chama a atenção sobre o fato de que a adoção de uma medida não tarifária (de natureza quantitativa) - Resolução 861/99 - não afetou o tratamento preferencial que foi concedido aos produtos têxteis brasileiros.

f. A Argentina não está de acordo com a afirmação brasileira sobre o alcance da Resolução 124/94 quanto a sua limitação ao comércio extra-zona. A Argentina sustenta sua posição argumentando que o Artigo 6 da Resolução dispõe que "não serão cobrados direitos específicos no comércio intra-MERCOSUL para o intercâmbio de produtos do setor têxtil". Ademais, a Argentina nega o afirmado pelo Brasil ao considerar que a implementação da TEC leva à conclusão de que o setor têxtil está integrado à união aduaneira. A Argentina destaca o fato de que o livre comércio intra-zona não está limitado à existência de uma tarifa externa comum. A integração do setor têxtil ao livre comércio realizou-se através da eliminação de tarifas e os Estados continuam com instrumentos não tarifários que afetam o fluxo do comércio na região. Para a Argentina, a Diretriz CCM 14/96 que instrui o CT-10 a acompanhar e promover a remoção de obstáculos ao fluxo do comércio de têxteis intra-zona é uma evidência de que persistem obstáculos intra-zona.

g. A Argentina também sustenta que não existe uma política comercial comum para o setor de têxteis porque cada Estado aplica uma política diferente da que utilizam seus sócios do MERCOSUL.

h. A Argentina apresenta fundamentos jurídicos de direito internacional como parte de sua defesa. Reafirma que os Estados Membros do MERCOSUL estão igualmente submetidos à observância da normativa da OMC. As regras do MERCOSUL não excluem as disposições multilaterais. Se um tema foi objeto de regulação entre os países do MERCOSUL com regras que aprofundam os compromissos OMC, estas obrigam aos sócios e prevalecem sobre as regras multilaterais. No entanto, se uma matéria não foi regulada no MERCOSUL, os Estados Partes têm o direito de aplicar os instrumentos previstos no ordenamento OMC. De 1991 até 1994 as salvaguardas intra-zona estiveram reguladas no MERCOSUL pelo Anexo IV do Tratado de Assunção. Em 1995, os Acordos de Marrakesh entraram em vigor (incluindo o ATV). Em virtude da inexistência de normas específicas sobre salvaguardas de têxteis no MERCOSUL, as regras do ATV são aplicáveis.

i. Para concluir, a Argentina se refere ao princípio da especialidade. Conforme esse princípio, uma norma específica prevalece sobre uma norma geral. Dessa forma, quando o Artigo 4 da Resolução 124/94 criou o Comitê Técnico, estabeleceu-se que este Comitê deveria considerar as regras e normas vigentes nos acordos multilaterais, o novo acordo emanado da Rodada Uruguai do GATT (Ata de Marrakesh) e a entrada em vigência da OMC. Após 1994, não houve negociações sobre salvaguardas para o setor têxtil no MERCOSUL, conseqüentemente, as regras acordadas no ATV entraram em vigência para os Estados Partes. Com base no princípio de especialidade, apresenta-se a seguinte situação:

i. o Anexo IV do TA permitiu a aplicação de salvaguardas até o final de 1994;

ii Após 1994, o MERCOSUL não adotou nenhuma normativa sobre este tema, produzindo-se, assim, um "vácuo legal";

iii. Posteriormente, os Acordos de Marrakesh (incluindo o ATV) entraram em vigor e estabeleceram regras sobre salvaguarda para produtos têxteis que foram incorporadas na legislação doméstica da Argentina (Lei N° 24.425 e Decreto 1059/96);

iv. As disposições do ATV configuram normas especiais que, confrontadas à existência de um "vácuo legal" no MERCOSUL em matéria de têxteis, permanecem legitimadas para serem aplicadas no comércio intra-zona.

A Argentina finalmente conclui que a aplicação de salvaguardas intra-região é compatível com a existência de uma união aduaneira; até o momento a integração do setor têxtil no comércio intra-zona tem sido parcial, limitando-se à eliminação tarifária, com a manutenção de instrumentos de natureza não tarifária; quanto ao comércio com terceiros países, os Estados Partes não puderam nem sequer chegar a um acordo sobre as bases de uma política comercial comum para o setor têxtil; não havendo no MERCOSUL disposições sobre salvaguardas têxteis, são aplicáveis as regras do Artigo 6 do ATV; a especialidade da salvaguarda regulada pelo Artigo 6 do ATV cobre o vácuo legal derivado da inexistência de uma normativa MERCOSUL nesse sentido.

A Argentina solicitou ao Tribunal que declare improcedentes as pretensões brasileiras relativas a: i) a incompatibilidade com as normas MERCOSUL da aplicação por um Estado Parte de medidas de salvaguarda de qualquer natureza às importações provenientes de outro Estado Parte do MERCOSUL, e ii) a incompatibilidade com as normas MERCOSUL da aplicação por um Estado Parte de salvaguardas às importações provenientes de outros Estados Partes do MERCOSUL com base no ATV da OMC. A Argentina fundamenta esta parte de sua petisão no fato destas questões excederem o objeto da controvérsia. Finalmente, a Argentina solicita que o Tribunal rejeite a pretensão brasileira relativa à derrogação da Resolução 861/99 do MEeOSP.

II. QUESTÃO PRELIMINAR

A. Definição da controvérsia

Como questão preliminar, a Argentina manifesta perante o Tribunal que não existe disputa ou controvérsia a ser resolvida no presente caso. De acordo com a posição da Argentina, não há normas no sistema do MERCOSUL que regulem o objeto da presente controvérsia relativa à medida adotada pela Resolução 861/99 do Ministério de Economia e Obras e Serviços Públicos, por meio da qual são estabelecidas cotas anuais às importações de têxteis de algodão do Brasil. Em vez disso, esta medida foi adotada como uma salvaguarda transitória que está contemplada pelo Artigo 6 do ATV. Por conseguinte, a Argentina sustenta que a ausência de normas dentro do MERCOSUL que regulem esta matéria específica demonstra que também não há obrigação para os Estados Membros sobre o particular. Do ponto de vista da Argentina, se não há obrigação sob o MERCOSUL, não pode haver descumprimento sob a normativa MERCOSUL e, portanto, o Tribunal não tem jurisdição.

A fim de considerar a questão preliminar apresentada pela Argentina, o Tribunal entende que, em primeiro lugar, deverá definir o que é uma "controvérsia" dentro do ordenamento jurídico do MERCOSUL. Sobre o particular, o Tribunal avaliou tanto o conteúdo dos acordos primários, como o das decisões e resoluções do sistema MERCOSUL com o objetivo de encontrar uma definição adequada de "controvérsia". O Tribunal chegou à conclusão de que tal definição não existe no Tratado de Assunção, nem no direito derivado desse Tratado. O Tribunal então baseou-se no Artigo 19 do Protocolo de Brasília para obter uma definição apropriada de "controvérsia". Tal Artigo estabelece que:

"O Tribunal Arbitral decidirá a controvérsia com base nas disposições do Tratado de Assunção, nos acordos celebrados em seu âmbito, nas Decisões do Conselho do Mercado Comum e Resoluções do Grupo Mercado Comum, assim como nos princípios e disposições do direito internacional aplicáveis na matéria."

Dessa forma, o Tribunal vê-se obrigado a procurar uma definição de "controvérsia" fora do marco regulador expresso do MERCOSUL, porém dentro do contexto geral dos princípios e disposições aplicáveis do direito internacional que podem ser aplicados a toda controvérsia surgida no âmbito do MERCOSUL.

Nesse sentido, o Tribunal concluiu que a Corte Permanente de Justiça Internacional ("CPJI") no caso Mavrommatis sustentou que uma controvérsia é "um desacordo sobre um ponto de direito ou de fato, um conflito de opiniões legais ou de interesses entre as partes".¹ Esta noção de "controvérsia" foi reiterada pela Corte Internacional de Justiça (CIJ) nos casos Camerún Setentrional ², no caso sobre a Aplicabilidade da obrigação de arbitragem em virtude da Seção 21 do Acordo de 26 de junho de 1947 relativo à Sede da ONU,³ e no caso do Timor Oriental 4. Outrossim, a CIJ no caso da África - Sudoeste também sustentou que, para determinar a existência de uma controvérsia, deve-se demonstrar que a reclamação de uma das partes positivamente opõe-se a da outra.5 Por outro lado, o Relatório dos Diretores Executivos do Banco Internacional para a Reconstrução e Desenvolvimento ("Banco Mundial"), seguindo uma clara prática consuetudinária em matéria de arbitragens internacionais, ao referir-se ao que é uma controvérsia internacional, expressou que é aquela concernente à existência ou não de um direito ou de uma obrigação.6

1 Concessões Mavrommatis na Palestina, PCIJ, Série A, n.2,p.11; "a dispute is a disagreement on a point of law or fact, a conflict of legal views or interests between parties".

2 ICJ Reports 1963, p.27

3 ICJ Reports 1988, p.27, parág. 35

4 ICJ Reports 1995, p.99

5 ICJ Reports 1962, p.328. "In order to establish the existence of a dispute, "It must be shown that the claim of one party is positively opposed by the other"

6 Doc. ICSID/2, Março 18, 1965, p.9, parágr. 26. Report of the Executive Directors of the International Bank for Reconstruction and Development on the Convention on the Settlement of Investment Disputes between States and National of Other States.

Como conseqüência da aplicação dos princípios do direito internacional para determinar a existência de uma controvérsia, conforme expressos nos precedentes supracitados, o Tribunal entende que, no caso presente a reclamação do Brasil e a resposta da Argentina referem-se à existência ou não de um direito ou de uma obrigação; que a reclamação de uma das partes opõe-se positivamente a da outra e que existe um desacordo sobre um ponto de direito, ou seja, um conflito de opiniões legais ou interesses entre as partes, relativo à licitude ou não da Resolução 861/99 do Ministério de Economia da Argentina com relação à normativa MERCOSUL.

O Tribunal entende que a controvérsia em seu conjunto decorre la interpretação da normativa MERCOSUL com respeito ao tratamento dos produtos têxteis e se as salvaguardas estão permitidas sob a união aduaneira. Sendo assim, o Tribunal encontra-se diante de diferentes posições das partes quanto à interpretação, aplicação e observância de distintas disposições dentro do MERCOSUL, a saber:

1. Anexo IV do TA. O Brasil o interpreta como uma clara proibição da aplicação de salvaguardas depois de 1° de janeiro de 1995. A Argentina argumenta que podem haver salvaguardas dentro do MERCOSUL após essa data (1° de janeiro de 1995); 7

2. Tratamento do setor têxtil dentro do MERCOSUL. O Brasil sustenta que os produtos têxteis estão cobertos por três sistemas de proteção (Listas de Exceções, Regime de Salvaguardas e Programa de Adequação Final). A Argentina sustenta que os produtos têxteis abarcados pela Resolução 861/99 não estavam cobertos por um sistema de proteção;8

3. Outras diferenças de interpretação. Coexistência de salvaguardas com uma união aduaneira 9, a integração do setor têxtil à união aduaneira 10, a interpretação da Resolução 124/94.11

Considerando tudo o que foi expresso anteriormente, o Tribunal conclui que as diferentes posições assumidas pelas partes com respeito a salvaguardas aplicadas pela Argentina com relação à normativa MERCOSUL antes mencionada, são evidência suficiente para considerar que a presente controvérsia cai dentro do sistema de solução de controvérsias previsto pelo Protocolo de Brasília.

7 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg.11

8 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg.12

9 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 13

10 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 16

11 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 17.

 

 

 

B. Jurisdição do Tribunal com respeito às normas MERCOSUL sobre o comércio de têxteis.

Uma vez determinada pelo Tribunal a existência de uma controvérsia neste caso, conforme definida pela jurisprudência internacional, o Tribunal passa a examinar a questão preliminar apresentada pela Argentina sobre a ausência de normas MERCOSUL que regulam salvaguardas sobre produtos têxteis e a conseqüente ausência ou não de uma obrigação sobre esta matéria. O Tribunal entende que o consentimento expresso para a aplicação de medidas de salvaguarda pelo MERCOSUL sob o seu direito, e a existência ou não de uma obrigação que emane dessas disposições, são questões que devem ser consideradas e decididas como uma questão de fundo e não como uma questão preliminar.

C. Relevância dos relatórios dos Órgãos de Supervisão de Têxteis ("OST")

Como questão preliminar final, o Tribunal considera apropriado decidir sobre a relevância para o presente caso das intervenções perante o OST da OMC. O Brasil apresentou como Anexo III de seu escrito de reclamação, os relatórios produzidos pelo OST, elaborados como resultado da intervenção desse Órgão ao considerar se as medidas abarcadas pela Resolução 861/99 do Ministério de Economia da Argentina estavam de acordo com as condições estabelecidas pelo ATV da OMC. Segundo os relatórios do OST, foi requerido a esse Órgão o exame da informação fática e dos dados apresentados pela Argentina para determinar se esse país satisfazia ou não aos requerimentos para aplicar salvaguardas contra têxteis de algodão do Brasil, em conformidade com o ATV. A controvérsia trazida perante este Tribunal refere-se à compatibilidade ou não compatibilidade das medidas de salvaguarda aplicadas pela Argentina com referência ao Artigo 6 do ATV com as normas MERCOSUL. Portanto, após o exame dos Relatórios do OST com datas de 29 de outubro de 1999 e 17 de dezembro de 1999, o Tribunal chegou à conclusão de que o conteúdo dos Relatórios do OST não é relevante quanto à questão de tais salvaguardas sobre têxteis estarem ou não permitidas pela normativa MERCOSUL.

III. MÉRITO

A. Introdução

O Tribunal Arbitral foi constituído em conformidade com o Protocolo de Brasília, seu Regulamento e com o Protocolo de Ouro Preto; além disso, foram cumpridos todos os termos e condições estabelecidos nestes instrumentos para permitir o início la presente arbitragem. As etapas prévias à arbitragem, prescritas nas normas relativas à solução de controvérsias dos Protocolos de Brasília e Ouro Preto, foram devidamente cumpridas. A primeira etapa consistiu em negociações diretas que começaram com o requerimento do Brasil com data de 23 de julho de 1999 e com as negociações diretas que tiveram lugar em 5 de agosto de 1999. Nessa etapa, não foi possível alcançar nenhuma solução. A segunda etapa começou com o requerimento do Brasil perante o Grupo Mercado Comum, em 15 de setembro de 1999, solicitando que a questão fosse incluída para seu exame na Agenda da Reunião XXXV do Grupo Mercado Comum. A XXXV Reunião do Grupo Mercado Comum, que teve lugar nos dias 28 e 29 de setembro de 1999, estudou a questão sem chegar a nenhuma solução. Em 13 de novembro de 1999, o governo do Brasil solicitou a constituição do Tribunal Arbitral.

A atuação do Tribunal foi registrada pela Secretaria Administrativa do MERCOSUL e realizada em conformidade com o Protocolo de Brasília, seu Regulamento, com o Protocolo de Ouro Preto e suas próprias Regras de Procedimento. Ambas as Partes expuseram, em seu devido tempo, argumentos sumamente relevantes em suas respectivas apresentações e cumpriram os termos estabelecidos para a produção de provas e apresentação das respostas às perguntas formuladas pelo Tribunal. A atuação das Partes foi efetuada de acordo aos instrumentos legais MERCOSUL anteriormente mencionados. Como conseqüência, e levando em conta a disposição do Artigo 20 do Protocolo de Brasília, o Tribunal possui plena capacidade para adotar este Laudo no presente caso com a forma, os efeitos e disposições estabelecidos pelos Artigos 20 e 21 do Protocolo de Brasília e pelo Artigo 22 de seu Regulamento.

B. Objeto da controvérsia

O objeto da presente controvérsia é o desacordo entre as Partes com respeito à Resolução 861/99 do Ministério de Economia da República Argentina, aos atos administrativos que foram implementados como resultado dessa Resolução, e se os mesmos estão de acordo com a normativa MERCOSUL. 12 A Resolução 861/99 autoriza a aplicação de medidas de salvaguarda pela Argentina sobre a importação de determinados produtos têxteis. Em 13 de julho de 1999, o Ministério da Economia da Argentina publicou a Resolução 861/99 impondo medidas de salvaguarda sob a forma de cotas anuais de importação de têxteis de algodão provenientes da República Federativa do Brasil. A Resolução entrou em vigor em 31 de julho de 1999 e tem uma vigência de três anos.

As cotas estão detalhadas no anexo da Resolução e compreendem os produtos contidos nos Capítulos 52, 54, 55 e 58 da Nomenclatura

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12 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg. 3

Tarifária MERCOSUL. Na aplicação das medidas de salvaguarda, o governo Argentino dividiu os produtos em cinco categorias: i) categoria 218 ("tecidos de fiações de diferentes cores"); ii) categorias 219/220 ("duck/tecidos de ligamento especial"); iii) categoria 224 ("tecidos aveludados ou frisados"); iv) categorias 313/317 ("tecidos para lençóis/sarja"); v) categorias 613/617/627 ("tecidos de roupas de cama, sarja e cetim/tecidos de mescla de fibra descontínua e filamento"). Para a categoria 218, estabeleceu-se uma cota anual de 390.760 kg. Para as categorias 219/220, estabeleceu-se uma cota anual de 147.610 kg. Para a categoria 224, fixou-se uma cota anual de 769.175 kg. Para as categorias 313/317 estabeleceu-se uma cota anual de 4.626.136 kg. Para as categorias 613/617/627, estabeleceu-se uma cota anual de 513.947 kg.

Os consideranda da Resolução expressam que a medida foi tomada com base no ATV e que o Artigo 81 da Decisão 17/96 (Regulamento sobre Salvaguardas aplicáveis a Estados não membros do MERCOSUL) estabelece que as normas do ATV são aplicáveis com respeito a produtos têxteis.

No trabalho escrito de Reclamação do Brasil, o objeto da controvérsia é descrito da seguinte forma:

1. Que a medida é contrária ao livre comércio acordado entre os Estados Membros do MERCOSUL;

2. Que a medida é discriminatória porque não foi invocada contra outros Estados que exportam têxteis à Argentina e que não são membros do MERCOSUL; 13

3. Que a medida não é compatível com as condições estabelecidas no ATV e que o OST recomendou a Argentina que retire as medidas.

Em resposta, a Argentina considera que o objeto definido pelo Brasil é inconsistente com o objeto declarado nas etapas prévias do processo de solução de controvérsias. A Argentina sustenta que as questões apresentadas sob o título de "Objeto da Reclamação" no trabalho escrito de reclamação do Brasil são mais extensas do que o Brasil especificou nas primeiras etapas para a resolução desta controvérsia. Sobre o particular, o Tribunal recorda que o Artigo 28 do Regulamento do Protocolo de Brasília estabelece que:

"O objeto da controvérsia entre Estados e das reclamações iniciadas a pedido dos particulares será determinado pelos trabalhos escritos de apresentação e de resposta, não podendo ser ampliado posteriormente. "

O Tribunal interpreta este artigo no sentido de que o reclamante e/ou o reclamado podem definir o objeto da controvérsia até a apresentação dos

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13 As importações do Brasil e somente as importações do Paquistão e da China estão sujeitas à medida de salvaguarda da Argentina. Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg.5.

 

 

 

trabalhos escritos de reclamação e/ou de resposta, e não após a apresentação dos mesmos. Guiadas pelo Artigo 28, as Partes estabeleceram o objeto da disputa nos escritos de apresentação e de resposta. O Artigo 28 exige que o Tribunal examine o conteúdo completo das duas apresentações, inclusive do "Petitório". O objeto da presente controvérsia é o descrito na apresentação do Brasil e na resposta da Argentina. A objeção Argentina à definição do objeto da controvérsia feita pelo Brasil não é consistente com o Artigo 28 do Regulamento do Protocolo de Brasília em virtude de que o Brasil definiu o objeto da controvérsia em seu trabalho escrito de apresentação, portanto, o Tribunal não levará em consideração a objeção anteriormente apresentada.

C. Contexto para a interpretação da normativa MERCOSUL

O ponto de partida para a interpretação adotada pelo Tribunal está relacionado com a determinação das fontes relevantes do direito aplicável, conforme estabelecidas no Artigo 19, parágrafo 1 do Protocolo de Brasília supracitado.

O Artigo 19 se refere aos princípios de direito internacional aplicáveis à controvérsia. Portanto, o Tribunal, ao longo de sua decisão, levará em consideração os princípios estabelecidos na Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 ("a Convenção de Viena")14 que codificam princípios do direito consuetudinário internacional. O Tribunal concede relevância a outro aspecto que necessita ser considerado quando as normas MERCOSUL são interpretadas com relação ao contexto da liberação do comércio do TA. Como todo acordo que já alcançou o nível de área de livre comércio e está a caminho de completar uma união aduaneira, o sistema MERCOSUL tem como objetivo eliminar as barreiras ao comércio entre seus membros. Toda interpretação por parte do Tribunal estará em concordância com estes propósitos que representam o objeto e a finalidade dos acordos de base, razão pela qual, toda interpretação deverá promover, mais do que inibir, aqueles propósitos. A importância de considerar os propósitos e objetivos de um acordo regional de integração ao interpretar suas normas básicas em geral, e seu sentido específico dentro do MERCOSUL, foi expressamente reconhecida no Laudo Arbitral do MERCOSUL relativo à "Controvérsia sobre os Comunicados N° 37 de 17 de dezembro de 1997 e N° 7 de 20 de fevereiro de 1998 do Departamento de Operações de Comércio Exterior (DECEX) da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX): Aplicação de Medidas Restritivas ao Comércio Recíproco", ao expressar:

"...o Tribunal deverá procurar e identificar as regras jurídicas aplicáveis, guiado pelos fins e objetivos da ordem normativa criada pelas Partes e, sendo o próprio

14. Convenção de Viena, pg.21.

Tribunal um elemento do ordenamento que as Partes conformaram para regular suas relações recíprocas com vistas a alcançar o objetivo comum de sua integração, no âmbido dos fins e princípios do sistema do TA." 15

O Tribunal compartilha essa afirmação relativa ao critério interpretativo anteriormente expresso que, ao refletir os princípios consuetudinários internacionais em matéria de interpretação de tratados, será aplicada na análise e avaliação da normativa primária e secundária do MERCOSUL relevantes para a solução da presente controvérsia.

D. Contexto legal e objetivos do MERCOSUL

A questão neste caso refere-se à existência ou não do caráter transgressor, com relação às normas jurídicas do MERCOSUL, das medidas de salvaguarda impostas pela Argentina na forma de cotas anuais sobre a importação de têxteis de algodão provenientes da República Federativa do Brasil.

Em sua apresentação, o Brasil reclama que as medidas de salvaguarda são incompatíveis com as regras do livre comércio no MERCOSUL e que são discriminatórias em virtude de que não foram aplicadas contra outros Estados que exportam têxteis à Argentina e que não são membros do MERCOSUL. Mais especificamente, sob a perspectiva do Brasil, os produtos têxteis foram submetidos ao Programa de Liberação Comercial estabelecido sob o Artigo 1 do Anexo I do Tratado de Assunção, que prescreve a eliminação de todos os gravames, encargos e outras restrições aplicadas às relações do comércio recíproco dos Estados Partes do MERCOSUL a partir de 31 de dezembro de 1994. 16 Ainda, o Artigo V do Anexo IV do Tratado de Assunção proíbe o uso de medidas de salvaguarda desde 31 de dezembro de 1994". 17 O Brasil sustenta que após essa data, a manutenção de medidas de salvaguarda só foi possível com base base no Artigo 3(b) da Decisão 5/94 do Conselho do Mercado Comum, que estabeleceu o Regime de Adequação Final para a formação da União Aduaneira até 31 de dezembro de 1998. 18

Em resposta, a Argentina questiona o fato de que a imposição de medidas de salvaguarda sobre têxteis seja uma matéria regulada pela normativa MERCOSUL. Sobre este particular, a Argentina alega que o MERCOSUL carece de normas sobre o tema e que, por essa razão, as Partes devem manter e aplicar sua própria legislação.

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15 Laudo Arbitral com data de 28 de abril de 1999, parágrafo 51, pg. 22

16 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg.7

17 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg.8

18 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, Seção III.I, pg. 7-10.

 

 

 

doméstica até que os órgãos do MERCOSUL estabeleçam uma regra comum a fim de definir situações relativas ao comércio de têxteis. A Argentina sustenta que desde que o ATV, adotado pelos Estados Membros da OMC, foi introduzido na Argentina através de seu direito interno, pode aplicar aquelas normas que lhe permitam tomar medidas de salvaguarda como as implementadas pela Resolução 861/99. 19

Os argumentos apresentados pelas Partes motivaram o Tribunal a examinar as diferentes etapas de integração do comércio regional dentro do MERCOSUL desde a assinatura do Tratado de Assunção em março de 1991, com relação à possibilidade de usar medidas de salvaguarda durante esse processo. A fim de dar a devida consideração às normas mencionadas pelas Partes em seus escritos de apresentação e de resposta, e para obter uma visão a mais completa possível das regras primárias e secundárias do MERCOSUL sobre medidas de salvaguarda tomadas pelos órgãos do MERCOSUL nas etapas de integração, o Tribunal considera necessário fazer uma referência à evolução que o MERCOSUL teve até o presente.

1. O programa de liberação comercial para o período de transição.

O Artigo 1 do TA estabelece como objetivo prioritário o de chegar à constituição de um mercado comum entre as partes a partir de 31 de dezembro de 1994. Por outro lado, o Protocolo de Ouro Preto adaptou a estrutura originária do MERCOSUL a fim de introduzir uma união aduaneira como uma etapa prévia na implementação de um mercado comum. 20 O mecanismo para obter a integração comercial foi plasmado no Artigo 5(a) do TA, pelo qual se estabelece um Programa de Liberação Comercial consistente em "....reduções tarifárias progressivas, lineares e automáticas, acompanhadas pela eliminação de restrições não tarifárias ou medidas de efeitos equivalentes,.... para chegar a 31 de dezembro de 1994 com uma tarifa zero, sem restrições não tarifárias sobre a totalidade do universo tarifário". As regras detalhadas para a operação do programa estão contidas no Anexo I do TA que estipula a eliminação total de gravames e demais restrições no comércio recíproco das Partes. 21

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19 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 2

20 Protocolo Adicional ao Tratado de Assunção sobre a Estrutura Institucional do MERCOSUL (Ouro Preto, 17 de dezembro de 1991).

21 Artigos 1 e 3 do Anexo I ao Tratado de Assunção. Existem programas diferentes para a eliminação tarifária para o Paraguai e o Uruguai com data de 31 de dezembro de 1995. Por razões práticas, somente as datas relevantes para as partes serão mencionadas no laudo.

 

 

 

Durante o período de transição, e a fim de facilitar uma completa integração comercial, permite-se às Partes excetuar um número específico de produtos da redução automática de tarifas compreendidas em cronogramas de exceções com diferentes percentuais e prazos para as reduções tarifárias, mantendo porém o objetivo de chegar a uma tarifa zero em 31 de dezembro de 1994. 22 Ao mesmo tempo, os Estados Partes podem, sob o Artigo 1 do Anexo IV do TA sobre Salvaguardas, aplicar medidas de salvaguarda à importação de produtos incluídos dentro do Programa de Liberação Comercial sob as condições especificadas nos artigos do Anexo IV 23 O Artigo 5 do Anexo IV estabelece que o prazo limite para a aplicação dessas salvaguardas é 31 de dezembro de 1994.

Neste mesmo contexto, o Artigo 10 do Anexo I do TA expressa que "Em 31 de dezembro de 1994 e no âmbito do Mercado Comum, estarão eliminadas todas as restrições não tarifárias."

Em 23 de dezembro de 1992, os Estados Membros do MERCOSUL assinaram o ACE 18 dentro do marco regulador da ALADI que, em termos gerais, reproduz em seu Capítulo I os objetivos do Programa de Liberação Comercial do MERCOSUL e inicia o programa para permitir o acesso de outros Estados Partes da ALADI como membros do MERCOSUL. 24 Com relação à liberação comercial, os direitos e obrigações dos membros do MERCOSUL sob o ACE N° 18 são essencialmente os mesmos que sob o Tratado de Assunção e seus Anexos. As listas específicas de exceções por país e as listas de salvaguardas contidas no ACE N° 18 têm o mesmo conteúdo que as compreendidas pelo esquema MERCOSUL. 25

O Tribunal toma nota da discrepância que continua existindo entre as Partes sobre os produtos têxteis incluídos na Resolução 861/99 quanto à situação desses produtos, ou seja, se estavam sujeitos a medidas de salvaguarda sob o Programa de Liberação Comercial ou se foram protegidos posteriormente através do Programa de Adequação Final. A entende o Tribunal, que, esta questão não precisa ser resolvida no presente caso. A Resolução 861/99 foi introduzida na Argentina após a entrada em vigor da união aduaneira em 1° de janeiro de 1999. O fato de que os produtos têxteis em referência estavam cobertos por algum regime de proteção com anterioridade à entrada em vigor da união aduaneira é uma questão irrelevante para as conclusões que o Tribunal possa alcançar sobre o caso. Por outro lado, como tambem entende o Tribunal, a união aduaneira é o marco legal relevante para a solução da presente controvérsia.

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22 Artigos 4 - 8 do Anexo I do Tratado de Assunção

23 Artigos 2 - 4 do Anexo IV do Tratado de Assunção.

24 Artigo 14 do ACE N° 18

25 Artigo 19 do ACE N° 18

2. Regime de Adequação Final

Em sua apresentação, o Brasil afirma que desde 1° de janeiro de 1995 está proibida a aplicação de medidas de salvaguarda no MERCOSUL. Outrossim, assinala que as Partes consideraram que um certo número de produtos não estavam ainda preparados para serem incluídos no livre comércio dentro do MERCOSUL. 26

No ano de 1994, as Partes adotaram a Decisão 5/94 do Conselho do Mercado Comum que estabelecia uma lista de produtos sob medidas de proteção especial fora do Programa de Liberação Comercial chamado Regime de Adequação Final em direção à União Aduaneira. 27 A lista incluiu apenas aqueles produtos que já haviam sido considerados anteriormente nas listas de exceções ao Programa de Liberação Comercial ou que estavam sujeitos a medidas de salvaguarda sob o TA. A Decisão estabelecia que as tarifas e as medidas de salvaguarda deviam estar concluídas em 1° de janeiro de 1999. 28 Além disso, a Resolução 48/94 do Conselho do Mercado Comum especificou que o número de produtos sujeitos ao Regime de Adequação Final devia ser menor que o da lista específica de exceções por país sob o ACE N° 18 e que o das listas de salvaguardas, 29 determinando também que as barreiras de acesso ao mercado não podiam ser mais altas que as existentes no momento da adoção da Decisão 5/94. 30

Considerando que o Artigo 5 do Anexo IV do TA contém uma proibição sobre a aplicação de medidas de salvaguarda, lista de exceções e a permissão para manter medidas de salvaguarda tomadas durante o Regime de Adequação Final, pareceria ser incompatível com as normas básicas do Tratado e os prazos peremptórios para a implementação do Programa de Liberação Econômica. No entanto, o Protocolo de Ouro Preto estabelece uma regra específica sobre conflitos entre normas adotadas posteriormente pelos órgãos do MERCOSUL. O Artigo 53 do Protocolo estabelece que:

"Revogam-se todas as disposições do Tratado de Assunção de 26 de março de 1991 que estiverem em conflito com os termos do presente Protocolo e com o conteúdo das Decisões aprovadas pelo Conselho do Mercado Comum durante o período de transição."

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26 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg. 8

27 Artigo 1 da Decisão N° 5/94

28 Artigo 3 da Decisão N° 5/94

29 Artigo 1 da Resolução N° 48/94

30 Artigo 3 da Resolução N° 48/94

Como conseqüência, as normas posteriores ao TA podem revogar as normas do Tratado e de seus Anexos, sempre que houver um conflito entre o conteúdo da nova normativa e as regras preexistentes. Dessa forma, permitiu-se a adoção pelas Partes da normativa MERCOSUL que podia estabelecer novas regras e novos termos ou prazos para o efetivo estabelecimento do Programa de Liberação Econômica, mesmo que isso incluísse a manutenção de medidas de salvaguardas contrárias ao Artigo 5 do Anexo IV. Uma condição necessária para a aplicação do Artigo 53 é, logicamente, que a ação das Partes seja realizada em conjunto dentro do Conselho do Mercado Comum. Somente quando o órgão devidamente autorizado dentro do sistema do MERCOSUL adotar normas, estas poderão, em caso de conflito, prevalecer sobre as normas do Tratado de Assunção, mesmo sendo posteriores às disposições do TA. Portanto, o Artigo 53 não autoriza os Estados Membros do MERCOSUL a tomar medidas unilaterais que transgridam as obrigações impostas pelo TA.

Várias conclusões resultam da própria existência do Programa de Adequação Final à União Aduaneira. Em primeiro lugar, o período de transição para alcançar uma união aduaneira dentro do MERCOSUL foi prorrogado de 31 de dezembro de 1994 até 1° de janeiro de 1999. Por conseguinte, enquanto o Programa de Liberação Comercial continuava sendo implementado, coexistia com uma lista de exceções que permitiam tarifas e medidas de salvaguarda sobre um número limitado de produtos, em comparação com o período prévio até o final de 1994. Os Estados Membros do MERCOSUL podiam então manter medidas de salvaguarda, contudo, com maiores restrições. Esta autorização para manter medidas de salvaguarda podia, em teoria, incluir restrições quantitativas sobre importações à Argentina até 1° de janeiro de 1999.

3. Etapa atual de integração: A união aduaneira

A introdução ao esquema de união aduaneira entre os Estados Membros do MERCOSUL começou com a finalização do Regime de Adequação Final. No caso da Argentina e do Brasil, chegou-se a tal situação em 1° de janeiro de 1999, mas para o Paraguai e Uruguai fixou-se o prazo de 1° de janeiro de 2000, durante o qual lhes era permitido continuar tomando certas medidas de proteção ao comércio segundo um cronograma especial. Com respeito à liberalização do comércio intra-zona, as Partes atingiram seu objetivo relativo à implementação do Programa de Liberação Comercial com as exceções dos setores açucareiro e automotor. 31

O Tribunal considera que no momento em que a Argentina adotou a Resolução 861/99 existia uma proibição sobre a aplicação de medidas de

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31 Decisão CMC N° 19/94 (Setor Açucareiro) e Decisão CMC 29/94 (Setor Automotriz)

salvaguarda nas relações comerciais entre os Estados Membros do MERCOSUL conforme o Artigo 5 do Anexo IV. O Artigo I do TA e o Anexo I ao Tratado aspiravam à implementação de uma liberação do comércio após a implementação bem-sucedida do Programa de Liberação Comercial. As Partes tinham então o propósito de criar um território onde o livre movimento de mercadorias sem obstáculos seria a regra básica nas relações comerciais. Está claramente estabelecido que um dos possíveis obstáculos ao livre movimento de mercadorias entre Estados é o uso de medidas de salvaguarda. Neste contexto, o Tribunal entende que, a partir do conteúdo das provisões relativas ao Programa de Liberação Comercial, assim como da regra contida no Artigo V do Anexo IV, surge que, no momento em que a liberação comercial fosse alcançada, as partes explicitamente renunciariam à utilização de obstáculos ao livre comércio, neste caso, a aplicação de medidas de salvaguarda. Originalmente, na intenção daqueles que projetaram e acordaram o sistema MERCOSUL, este objetivo deveria ter sido alcançado em 31 de dezembro de 1994. No entanto, as partes decidiram adiar a implementação completa do Programa de Liberação Comercial até 1999. A data relevante no tempo para a introdução do livre comércio entre a Argentina e o Brasil foi, então, 1° de janeiro de 1999. Além disso, não existe evidência sobre o fato de que as Partes quiseram descontinuar a aplicação dos Anexos ao Tratado de Assunção ou do Anexo IV, especialmente após a introdução do Programa de Adequação Final ou depois de atingir a etapa da união aduaneira. As provisões referentes à liberação contidas no Artigo 1 do TA e no Programa de Liberação Comercial, Anexo I, formam a estrutura da liberação comercial. As provisões do Anexo IV não podem ser separadas deste contexto; ao contrário, devem ser interpretadas com a leitura do resto do Tratado. Portanto, o Tribunal considera que, como resultado da implementação do Programa de Liberação Comercial e do fato de haver sido alcançado o livre comércio intra-zona, o uso de medidas de salvaguardas já estava proibido desde o momento em que estas últimas foram alcançadas.

A proibição sobre a aplicação de medidas de salvaguardas contidas no Artigo 5 é explícita e não dá lugar a nenhuma confusão. Entretanto, isto não significa que, sob nenhuma circunstância, os Estados Membros do MERCOSUL não possam legalmente aplicar salvaguardas. As partes no Tratado tiveram a liberdade de estabelecer exceções ao Artigo 5 do Anexo IV, ou de buscar outros meios no âmbito multilateral ou dentro dos órgãos do MERCOSUL para a aplicação de medidas de salvaguarda acordadas entre eles. A questão fica então formulada sobre a existência ou não de normas dentro do sistema MERCOSUL ou em qualquer outro sistema que permita às Partes a aplicação de medidas de salvaguarda contra importações de produtos têxteis de outro Estado Membro do MERCOSUL depois de 1° de janeiro de 1999.

E. O argumento de vácuo legal: Ausência de uma política interna comum sobre têxteis.

A Argentina garante que, mesmo após a conclusão do Regime de Adequação Final, a integração dos produtos do setor têxtil é somente parcial e, portanto, não existe uma política interna comum sobre o comércio de têxteis entre as partes. 32 Sob o ponto de vista da Argentina, esta situação cria um vácuo jurídico com relação ao comércio de têxteis. A Argentina destaca que as restrições não tarifárias subsistem dentro do MERCOSUL com respeito ao comércio de produtos têxteis. 33 A Argentina sustenta que o Artigo 6 do ATV da OMC cria direitos específicos para os membros da Organização distinguíveis do Artigo XIX do GATT 1994 e do Acordo sobre Salvaguardas que podem ser invocados contra terceiros países ou dentro do MERCOSUL, tomando como base que não existe um acordo interno sobre este tipo de salvaguardas dentro do MERCOSUL. 34

A República Argentina alega que existe um vácuo normativo: não havendo uma norma, não existe obrigação que possa ser descumprida. Baseia seu argumento no fato de que o Anexo IV ao TA expressa claramente sua vigência até 31 de Dezembro de 1994. Portanto, a partir de 1995 não existe norma MERCOSUL sobre salvaguardas. O Artigo 1 do Anexo IV prescreve:

"Cada Estado Parte poderá aplicar, até 31 de dezembro de 1994, cláusulas de salvaguarda à importação dos produtos que se beneficiem do Programa de Liberação Comercial estabelecido no âmbito do Tratado"

Face à argumentação apresentada anteriormente pela Argentina, o Tribunal Arbitral passa a analisar o texto do Artigo 1 do Anexo IV, em conformidade com a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969 35 , entendendo que uma interpretação acorde com o método textual é suficiente para compreender o conteúdo e os alcances dessa norma.

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32 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 12 e 21

33 Idem

34 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 15

35 Conforme o Artigo 19 do Protocolo de Brasília, as fontes relevantes de direito sob o MERCOSUL são:

"O Tribunal Arbitral solucionará a controvérsia com base nas disposições do Tratado de Assunção, dos acordos celebrados em seu âmbito, das Decisões do Conselho do Mercado Comum, das Resoluções do Grupo Mercado Comum, assim como nos princípios e disposições do direito internacional aplicáveis na matéria".

O Artigo 19 refere-se aos princípios de direito internacional aplicáveis à controvérsia. O Tribunal utilizará, no exame da presente controvérsia, os princípios estabelecidos na Convenção de Viena de 1969 que reflitam princípios de costume de direito internacional.

 

 

 

Dessa forma, o Tribunal conclui que o Artigo 1 do Anexo IV possibilita aos Estados Partes, somente em casos excepcionais, a aplicação de cláusulas de salvaguardas ao comércio intra-zona até uma data certa e definitiva. Outrossim, surge do mesmo texto que os Estados Partes nãopoderão aplicar cláusulas de salvaguardas ao comércio intra-zona a partir de 1° de janeiro de 1995. Entende este que Tribunal, não existe vácuo normativo, há uma norma MERCOSUL que dispõe, com alcance geral, a proibição da aplicação de salvaguardas intra-zona a partir de 1° de janeiro de 1995. Uma vez que o texto do Artigo 1 do Anexo IV é claro e não dá lugar a ambigüidades ou contradições, este Tribunal Arbitral entende que não há necessidade de recorrer à aplicação de outros métodos alternativos para sua interpretação. No entanto, ao analisar a compatibilidade do conteúdo textual do Artigo 1 com o objeto e fim do Tratado de Assunção, conclui que a única interpretação adequada ao Programa de Liberação Comercial estabelecido no âmbito do próprio Tratado, é que este somente poderá ser cumprido através da eliminação de salvaguardas unilaterais. Neste sentido, o Artigo 5 do Anexo IV é contendente ao prescrever in fine que:

"Em caso algum, a aplicação de cláusulas de salvaguarda poderá prolongar-se após o dia 31 de dezembro de 1994".

Tomando como ponto de partida a existência de uma norma geral que proíbe as salvaguardas intra-zona, o Tribunal Arbitral se dedicará a precisar se existe ou não uma norma especial que gere uma exceção capaz de legitimar a imposição de salvaguardas aos produtos têxteis afetados pela Res. 861/99, objeto da presente controvérsia.

F. O argumento do uso de medidas de salvaguardas em outros processo de integração regional

O Brasil afirma que após a complementação da união aduaneira em 1999, há uma proibição genérica para a aplicação de salvaguardas dentro do MERCOSUL. O Brasil sustenta também que em termos gerais não é possível conceber a existência de medidas de salvaguardas em uma união aduaneira porque seria contraditório com a própria existência do sistema de livre comércio. 36 A Argentina alega que existem vários precedentes que evidenciam que a posição do Brasil é errônea. 37

1. A União Européia

A Argentina cita diversos artigos do Tratado de Roma pelo qual foi estabelecida a Comunidade Econômica Européia (CEE), para sustentar

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36 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg. 5

37 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 13.

que a aplicação de salvaguardas estava permitida dentro dessa Comunidade. Depois de examinar os artigos do Tratado de Roma mencionados pela Argentina, o Tribunal considera que a afirmação de que essas normas permitiriam a aplicação de salvaguardas é válida apenas parcialmente. 38

O Tribunal entende que o termo "salvaguarda" no contexto do presente caso implica uma medida que permite a inobservância pelos Estados do cumprimento de obrigações, procedimento que pode implicar danos sensíveis às indústrias locais que fabricam mercadorias similares ou diretamente competitivas com mercadorias cuja importação tenha sido incrementada. 39 No caso presente, esta seria a natureza da salvaguarda alegada pela Argentina contra a importação de mercadorias do Brasil.

As medidas que a Argentina considera como salvaguardas dentro do sistema da CEE têm, no entender deste Tribunal, natureza de recursos amplos relativos a diferentes tipos de situações críticas com respeito às diferentes áreas da normativa da CEE sobre concorrência. Muitas destas situações não se relacionam ao comércio de mercadorias. 40 Ao contrário, a função primária dessas medidas é a de referir-se a desigualdades entre os Estados Membros. As medidas que possam ser tomadas de acordo a essa normativa nunca podem ser decididas unilateralmente, mas sim devem ser autorizadas pela Comissão da CEE. Algumas dessas normas somente podiam ser aplicadas durante o período de transição e, por outro lado, não aparecem na nova versão do Tratado. Apenas dois exemplos relativos às únicas áreas que pareceriam ter certa relevância com relação à presente controvérsia referem-se à medidas de proteção concernentes ao setor agrícola e ao comércio de mercadorias.

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38 A Argentina menciona os seguintes artigos do Tratado de Roma com numeração anterior às modificações do Tratado de Maastricht e do Tratado de Amsterdã: Artigo 17, parágrafo 4, Artigo 37, parágrafo 3; Artigo 25 e protocolos; Artigo 26, Artigo 44 e 46; Artigo 89, parágrafo 2, Artigo 9.1, parágrafo I; Artigo 93, parágrafo 2; Artigo 70, parágrafo 2; Artigo 73, Artigo 107, parágrafo 2; Artigo 108, parágrafo 3 e Artigo 109; Artigo 105, Artigo 226, Artigo 103 e Artigo 235, no trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 14.

39 Ver por exemplo o Artigo XIX, parágrafo 1(a) do GATT 1994 ou os Artigos 1 e 3 do Anexo IV do Tratado de Assunção. Este último tratado não estabelece o requisito de "produto similar".

40 Como exemplo, o ex Artigo 73 parágrafo 1 do Tratado de Roma (agora Artigo 59) autoriza a aplicação de medidas protetoras se determinados movimentos de capital provocam alterações nos mercados de capitais de algum dos Estados Membros.

 

 

 

De fato, o Artigo 44 se referia à aplicação de um sistema de preços mínimos para certos produtos agrícolas durante o período de transição. 41

O antigo Artigo 115 (atualmente 134) aplicava-se ao comércio de mercadorias, mas se referia a desvios do comércio e somente contemplava medidas de proteção contra mercadorias importadas pela CEE de terceiros países.

O Tribunal constata que todas as medidas da CEE citadas pela Argentina estão expressamente contempladas no próprio texto do Tratado que estabelece o direito primário fundacional dessa comunidade. Este fato fundamenta a posição de que uma medida restritiva aplicada pelos membros de uma união aduaneira se baseia, no caso da CEE, em um norma expressa do tratado.

2. O capítulo III do anexo 300-B do Acordo de Livre Comércio para a América do Norte (NAFTA)

A Argentina se refere ao Capítulo III do Anexo 300-B do NAFTA como uma prova das particularidades que apresenta o setor têxtil e como um exemplo da autorização do uso de salvaguardas sobre produtos têxteis dentro de um acordo de livre comércio.

A seção 4 do Anexo 300-B se refere à imposição de salvaguardas sobre têxteis inter alia originados no território de um Estado Parte do NAFTA. Esta prerrogativa somente se aplica durante o período de transição. A Seção 5 do Anexo 300-B permite igualmente o uso de medidas de salvaguarda, porém exclusivamente a produtos têxteis não originários de outro Estado Parte. A partir da análise destas cláusulas, o Tribunal conclui que o uso de medidas de salvaguarda relativas a produtos têxteis originados no território de outro Estado Parte foi permitido somente durante algum tempo da existência do NAFTA e foi abolido para o comércio entre os Estados Partes, após cumprido um determinado prazo. Entende o Tribunal, que o Anexo 300-B do NAFTA é outro exemplo sobre o fato de que as medidas de salvaguarda somente podem ser invocadas com base em normas legais acordadas entre as Partes no tratado constitutivo, ou pelo direito secundário de um acordo regional de comércio.

3. O Artigo XXIV, parágrafos 8(a) e (b) do GATT 1994

A Argentina sustenta 42 que é possível dentro da OMC a aplicação ou manutenção de medidas de salvaguarda entre territórios constitutivos de

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41 Esta disposição já não existe na presente versão do Tratado.

42 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 13

 

 

 

uma união aduaneira ou de uma zona de livre comércio, segundo o Artigo XXIV parágrafo 8(a) e (b) do GATT 1994. 43 A Argentina cita a decisão do Painel da OMC sobre Argentina - Medidas de salvaguarda sobre a importação de calçado. 44 O Tribunal entende que o Relatório do Órgão de Apelação não prejulga sobre esta matéria. Em seu Relatório, o Painel afirmou que a prática das Partes Contratantes do GATT 1947 e a dos membros da OMC não eram concludentes sobre esta matéria. 45

Segundo o do Tribunal, não há necessidade, no presente caso, de manifestar-se sobre este assunto já que a questão que deve ser respondida neste caso é se a normativa MERCOSUL permite à Argentina a aplicação de medidas de salvaguarda como as prescritas na Resolução 861/99.

O Tribunal chega à conclusão de que é possível, em princípio, o uso intra-zona de salvaguardas no MERCOSUL, desde que tais medidas sejam tomadas de acordo com uma norma expressa desse sistema que assim o autorize.

G Argumento sobre as decisões dentro do sistema MERCOSUL concernentes ao uso de salvaguardas em situações específicas

1. Decisões do Conselho do Mercado Comum N° 7/94 e N° 8/94.

A Argentina assinala, corretamente, que certas normas MERCOSUL prevêm expressamente a aplicação de salvaguardas. 46 A Decisão 8/94 se refere à aplicação de medidas de salvaguarda a produtos provenientes de zonas francas, zonas de processamento de exportações e áreas aduaneiras especiais. O propósito da Decisão é o de regular as distorções dos fluxos comerciais, de investimentos e os ingressos aduaneiros que possam subsistir após o estabelecimento de uma união aduaneira como conseqüência das mercadorias provenientes das zonas anteriormente citadas. 47 O Artigo 3 da Decisão 8/94 prescreve o seguinte:

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43 Artigo XXIV: 8 do GATT 1994 prescreve o livre comércio com certas exceções explícitas (não menciona o Asrtigo XIX nem o ATV) mas somente com relação à essência dos intercâmbios comerciais entre os territórios constitutivos da união.

44 WT/DS121/R, adotada em 12 de janeiro de 2000. A Seção pertinente deste Relatório refere-se à interpretação e aplicação da nota 1 ao Artigo 2.1 do Acordo sobre Salvaguardas.

45 Relatório do Painel, parág. 8.96

46 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 13-15

47 Considerando da Decisão N° 8/94.

"Poderão ser aplicadas salvaguardas sob o regime jurídico do GATT quando as importações provenientes de zonas francas comerciais, de zonas francas industriais, de zonas de processamento de exportações e de áreas aduaneiras especiais, impliquem um aumento imprevisto de importações que cause dano ou ameaça de dano ao país importador."

O Artigo 3 estabelece que os Estados Membros do MERCOSUL podem aplicar medidas de salvaguarda previstas no GATT sob circunstâncias específicas. Assim sendo, o Tribunal considera que o Artigo 3 é claro com relação ao Artigo 53 do Protocolo de Ouro Preto, no sentido de que essa norma pode ter precedência sobre a proibição da aplicação de medidas de salvaguarda contida no Artigo 5 do Anexo IV do TA. A Argentina poderia então adotar uma medida como a compreendida na Resolução 861/99, com fundamento no Artigo 3 da Decisão 8/94. No entanto, as hipóteses para a aplicação da Decisão 8/94 estão expressamente restringidas à importação de mercadorias de áreas específicas do MERCOSUL, especialmente de zonas francas, zonas de processamento de exportações e de áreas aduaneiras especiais. Além disso, a Resolução 861/99 não prevê hipótese com restrições similares às da Decisão 8/94. Portanto, a Decisão 8/94 não pode ser aplicada à presente controvérsia. As Partes confirmaram, durante a audiência oral celebrada em 23 de fevereiro de 2000, que a maioria das mercadorias provenientes de zonas francas, e especialmente das duas zonas aduaneiras especiais (Manaus e Tierra del Fuego) não são consideradas como originadas no MERCOSUL. Por conseguinte, o Tribunal conclui que a Decisão 8/94 não implica em que medidas de salvaguarda possam ser aplicadas ao comércio intra-zona.

O Tribunal reconhece a importância do Artigo 3 da Decisão 8/94 para a argumentação elaborada pela Argentina no que se refere à possibilidade de aplicar salvaguardas dentro do MERCOSUL. O Tribunal assinala que se houvesse outra norma similar à Decisão 8/94 que fosse relativa à aplicação geral de salvaguardas para o setor têxtil, sua posição coincidiria com a da Argentina. Entretanto, não foi sequer alegada a existência de tal norma. Outrossim, o Tribunal considera que outras conclusões podem ser inferidas da Decisão 8/94. Em primeiro lugar, a Decisão 8/94 em seu conjunto demonstra que, se os Membros do MERCOSUL têm a intenção de criar ou gerar exceções às regras gerais aplicáveis ao livre comércio acordado nos tratados básicos, tornam efetiva tal intenção através de acordos expressos com fundamento nas regras de direito. Em segundo lugar, o Artigo 3 põe em evidência que, se os Estados Membros consideram necessário aplicar normas do GATT com o objeto de permitir salvaguardas dentro do MERCOSUL, possuem capacidade para fazê-lo, de qualquer maneira, de forma explícita. Entende o Tribunal, que a Decisão sob análise dá fundamento à posição de que a medida de salvaguarda adotada pela Argentina por meio da Resolução 861/99 não pode ser invocada licitamente sem encontrar legitimação em uma norma explícita do MERCOSUL que assim o permita.

A Argentina também se refere ao Artigo 4 da Decisão 7/94 do Conselho do Mercado Comum sobre a Tarifa Externa Comum como outra evidência de que a aplicação de salvaguardas entre os membros do MERCOSUL está permitida. 48 O cabeçalho da Decisão diz: "Tarifa Externa Comum" e esta é a matéria à qual a Decisão se refere de forma exclusiva. O Artigo 4 diz que:

"A Argentina, o Brasil e o Uruguai poderão manter até 1° de janeiro de 2000 um número máximo de 300 itens tarifários da Nomenclatura Comum do MERCOSUL como exceções à TEC, excluindo-se desse número as correspondentes a Bens de Capital, Informática e Telecomunicações.

O Paraguai poderá estabelecer até 399 exceções, estando excluídas desse número as correspondentes a Bens de Capital, Informática e Telecomunicações, as quais terão um regime de origem de 50% de integração regional até o ano 2001 e, a partir dessa data e até o ano 2006 aplicar-se-á o regime geral de origem MERCOSUL. No caso de que for detectado um incremento repentino das exportações destes produtos, implicando dano ou ameaça de dano grave, até o ano 2001 o país afetado poderá adotar salvaguardas devidamente justificadas".

Indo além do título explícito da Decisão 7/94, o conteúdo do Artigo 4 refere-se expressamente à exceções à Tarifa Externa Comum. Portanto, o Tribunal considera que esta norma não tem implicação alguma com relação às questões formuladas no presente caso que se limitam à aplicação de medidas de salvaguardas intra-zona. 49

2. A Decisão 17/96 sobre a aplicação de medidas de salvaguarda a terceiros Estados.

A Decisão 17/96 regula a aplicação de salvaguardas às importações provenientes de terceiros países. Respondendo por escrito às perguntas apresentadas pelo Tribunal às Partes, a República Argentina e o Brasil afirmaram 50 que essa Decisão nunca foi adotada e, portanto, nunca entrou em vigor no MERCOSUL, de acordo com o Artigo 41 do Protocolo de Ouro Preto.

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48 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg.11

49 Id. O Tribunal observa que no mesmo parágrafo da resposta da Argentina, a Argentina cita a um perito que, a critério deste Tribunal, parece sustentar a posição de que o uso interno de salvaguardas está proibido no âmbito do MERCOSUL, exceto quando estiver expressamente acordado. No entanto, o autor parece chegar a essa conclusão a partir de uma análise do considerando diferente da análise feita pelo Tribunal.

50 Resposta escrita da Argentina e do Brasil à pergunta número dois do Tribunal, 16 de fevereiro de 2000.

H O Argumento sobre o tratamento especial para o setor têxtil dentro do MERCOSUL

A Argentina sustenta que os produtos têxteis requerem um tratamento

específico com relação aos processos de liberação comercial em virtude de que este é um setor sensível para a economia da maioria dos Estados. A Argentina argumenta que existe um acordo entre as Partes na presente controvérsia com respeito a que as tarifas no setor têxtil foram completamente eliminadas. Como conseqüência, a Argentina expressa que as Partes podem manter medidas restritivas do comércio, como é o caso das salvaguardas. 51

Dentro da normativa secundária do MERCOSUL, existem normas que se referem ao comércio de têxteis como também outras normas que se referem à aplicação de salvaguardas. Em seus escritos, ambas as Partes fazem menção a essas normas, mas interpretam os alcances de sua aplicação e de sua importância com relação à imposição de salvaguardas de forma diferente.

1. Resolução do Grupo Mercado Comum N° 124/94 sobre o setor têxtil - comércio extra-zona

O Brasil argumenta que a Resolução 124/94 somente demonstra que os Estados do MERCOSUL podem aplicar medidas de salvaguardas apenas a terceiros Estados e que há um regime integrado para têxteis dentro do MERCOSUL. 52

O Tribunal concorda com o argumento da Argentina com relação ao conteúdo da Resolução 124/94, quanto ao fato de que este não se limita ao comércio de têxteis com terceiros Estados. A partir do título da Resolução pode-se inferir que somente se aplica ao comércio extra-zona. A mesma conclusão poderia surgir a partir dos Consideranda do preâmbulo que se referem ao comércio de têxteis com terceiros países e ao comércio internacional no setor têxtil. As partes relevantes do preâmbulo expressam que:

"A tarifa externa comum será o instrumento básico da política de importação do MERCOSUL no comércio com terceiros países;

Que as particularidades do comércio internacional do setor têxtil e de sua regulamentação nos foros internacionais recomendam o exame das possibilidades de uma política de importação específica para este setor, complementar à tarifa externa comum...."

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51 Trabalho escrito de resposta da Argentina, pg. 16

52 Trabalho escrito de apresentação do Brasil, pg. 13

O Artigo 1 estabelece a criação do CT-10 subordinado à Comissão de Comércio do MERCOSUL e determina seu mandato com relação ao estudo da possibilidade de uma política comum de importação de têxteis. O artigo seguinte refere-se também aos objetivos do Comitê relativos à regulação do comércio de têxteis com terceiros países.

O Artigo 2 expressa que:

"Enquanto não for definida uma política de importação para o setor têxtil, os países poderão aplicar medidas sobre importações de países extra-zona do setor têxtil; a aplicação destas medidas não implicará a inclusão de novas exceções à TEC (Tarifa Externa Comum)"

O Artigo 3 diz que:

"O Comitê Técnico deverá submeter à Comissão de Comércio do MERCOSUL, antes de 30 de junho de 1995, um relatório sobre a análise do comércio de produtos têxteis e de seus efeitos sobre a região e seus Estados Partes, assim como fazer recomendações que considere necessárias às medidas de política comercial que o MERCOSUL deveria adotar, levando em consideração a entrada em vigor dos acordos de Marrakesh".

O Artigo 4 dispõe que:

"O Comitê Técnico tomará em conta as regras e normas vigentes dos acordos multilaterais, o novo acordo emanado da rodada Uruguai do GATT (Ata de Marrakesh) e a entrada em vigor da Organização Mundial do Comércio."

O Artigo 6 establece que:

"Não serão cobrados direitos específicos no comércio intra-MERCOSUL para o intercâmbio de produtos do setor têxtil".

Cada um dos artigos citados refere-se à situações diferentes: Os artigos 2 e 4 da Resolução 124/94 enfatizam, respectivamente, relações comerciais externas e multilaterais. Por outro lado, o artigo 3 tem pelo menos algumas implicações com respeito ao comércio interno do MERCOSUL, enquanto o artigo 6 refere-se claramente ao comércio intra-zona de têxteis. O Tribunal considera que a única norma explícita que permitiria que os Estados adotassem certas medidas é a expressa pelo Artigo 3 que possibilita a cada Estado Membro a escolha de seu próprio regime de importações concernente a produtos têxteis provenientes de terceiros países.

O Tribunal assinala o fato de que, no Anexo ao trabalho escrito de resposta da Argentina incluiu-se a Diretriz 1/95 que estabelece Comitês Técnicos em diferentes áreas da política comercial, sendo um deles o CT-10 (Comitê Técnico Têxtil). As funções do Comitê são enunciadas brevemente e em termos similares aos usados na Resolução 124/94, identificando o objeto do Comitê com relação à análise dos efeitos do comércio de têxteis na região e sobre as Partes e com relação à devida consideração que deverá ser dada à entrada em vigor dos Acordos de Marrakesh.

Da mesma forma, o Tribunal toma nota do fato de que a Diretriz 1/95 também estabelece um Comitê Técnico N° 6 relativo a práticas desleais do comércio e salvaguardas contra terceiros países. Ambos os órgãos foram estabelecidos separadamente um do outro, um especializado em salvaguardas e o outro no comércio de têxteis. Não há superposição entre o trabalho destes comitês ou de suas funções. Esta situação fornece elementos relevantes para argumentar que a discussão sobre salvaguardas dentro dos Comitês Técnicos centralizou-se nas relações com terceiros países mais que sobre o comércio interno entre os Estados Membros do MERCOSUL.

Os demais artigos somente têm a função de estabelecer o mandato do CT-10 e correspondem a uma medida administrativa. Nesse sentido, também deverá considerar-se que a Resolução 124/94 foi adotada pelo Grupo Mercado Comum e a Diretriz 1/95 pela Comissão de Comércio do MERCOSUL, ambos os órgãos com funções executivas, 53 mais do que legislativas sobre questões fundamentais dentro do processo de integração e da consecução dos objetivos do TA. Esta última função está reservada ao Conselho do Mercado Comum. 54

2. Diretriz 14/96 da Comissão de Comércio do MERCOSUL

A Argentina também menciona a Diretriz 14/96 com relação ao mandato do Comitê sobre Têxteis N° 10. A Diretriz dispõe que o Comitê tem as seguintes funções:

" I - Informar sobre os instrumentos de política comercial aplicados extra-zona com a finalidade de harmonizá-los a longo prazo, assim como analisar suas repercussões intra-zona;

II - Acompanhar a evolução das correntes de comércio extra-zona e intra-zona, avaliando a eficácia dos instrumentos de política comercial que vêm sendo utilizados pelos Estados Partes;

III - Acompanhar e promover a remoção dos obstáculos aos fluxos de comércio intra-zona dos produtos têxteis e de vestimenta;

IV - Desenvolver regulamentações com base em normas técnicas relativas ao comércio de produtos têxteis e de vestimenta no MERCOSUL."

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53 Artigo 10 do Protocolo de Ouro Preto

54 Artigo 3 do Protocolo de Ouro Preto

 

 

 

A Diretriz 14/96 contém um mandato mais detalhado e extenso em comparação com os instrumentos anteriores.

O item I do Artigo 1 refere-se às políticas do comércio de têxteis com terceiros países, enquanto o item II trata das funções do Comitê relativas à observação dos fluxos do comércio dentro e fora do MERCOSUL. Ambos indicam que as partes consideram necessário acompanhar de perto os fluxos do comércio tanto internacional como no sistema MERCOSUL.

O item III do Artigo 1 reconhece expressamente que existem obstáculos internos ao livre fluxo do comércio de têxteis dentro do MERCOSUL, embora não se mencione a natureza de tais obstáculos. 55 O Tribunal considera que, para os fins da presente controvérsia, essa Diretriz pode ter utilidade para evidenciar, que no momento de sua adoção, existiam obstáculos ao comércio. Quando tal Diretriz foi adotada em 1996, o Regime de Adequação Final à União Aduaneira ainda estava em vigor. Por conseguinte, os membros do MERCOSUL estavam ainda sob um regime de transição e em vias de alcançar uma completa liberação comercial e, portanto, buscavam reduzir medidas restritivas do comércio tais como tarifas e salvaguardas. Considerando o contexto especial da liberação comercial, o Tribunal acha que o propósito do Comitê não é o de criar barreiras adicionais ao comércio de têxteis, mas sim o de contribuir ativamente à redução desses problemas.

Outrossim, o Tribunal considera que a normativa secundária relacionada ao comércio de têxteis e salvaguardas citada pelas Partes na presente controvérsia, demonstra que a integração neste setor em particular não se realizou da mesma forma que para outros produtos dentro do MERCOSUL. Por outro lado, a regulação de importações provenientes de terceiros países progrediu dentro dos prazos projetados pelas Partes. Portanto, pareceria que desde a introdução do Regime de Adequação Final, e durante sua existência, o setor têxtil era matéria de interesse para os membros do MERCOSUL. Outra evidência da contínua existência de obstáculos pode ser corroborada pelo fato da necessária ampliação e modificação das funções do CT-10.

No entanto, o Tribunal conclui que a normativa secundária MERCOSUL mencionada pelas Partes na presente controvérsia não prevê um tratamento especial para os produtos têxteis no MERCOSUL que permita sequer considerar a licitude da aplicação unilateral de medidas de salvaguarda na ausência de uma norma expressa acordada pelas Partes.

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55 Por exemplo, o Comitê recomendou regras comuns para a etiquetagem.

 

 

 

3. Argumento sobre a falta de uma política externa comum sobre têxteis.

O Tribunal concorda com a Argentina a respeito da falta de uma política comum sobre o comércio de têxteis com terceiros países. Como conseqüência, as Partes teriam liberdade para tomar medidas comerciais contra terceiros países não membros do MERCOSUL. Entretanto, confome a Argentina sustenta corretamente em seu trabalho escrito de resposta, 56 existe uma distinção entre comércio intra-zona e extra-zona com referência às regras que governam uma união aduaneira. A inexistência de regras sobre o comércio de determinados produtos com terceiros países não implica a inexistência de regras aplicáveis entre os Estados Membros concernentes ao mesmo produto.

Portanto, a existência ou não de uma política externa comum sobre têxteis carece de relevância com respeito à presente controvérsia.

Conforme anteriormente mencionado, o Tribunal parte do pressuposto de que, em uma união aduaneira como o MERCOSUL existe uma presunção a favor do livre comércio entre seus membros. O Tribunal também considera que as relações comerciais dentro de um sistema tão altamente integrado como o MERCOSUL deverão basear-se na regra de direito. Em um sistema baseado na regra de direito, as medidas sobre o comércio deverão fundamentar-se em acordos que criem vínculos jurídicos e não em medidas unilaterais tomadas por seus membros, sem fundamento jurídico algum. A regulação do uso de medidas que afetam o comércio reveste uma transcendência primária no estabelecimento de um padrão mínimo de certeza jurídica para todos os atores relacionados com o comércio dentro de uma união aduaneira. A necessidade de certeza jurídica e de previsão não se limita ao interesse dos Estados Membros do MERCOSUL, incluindo também toda a comunidade relacionada com negócios que têm uma expectativa legítima sobre a existência atual de um livre comércio.

Conseqüentemente, em virtude de que os membros do MERCOSUL não atuaram em conjunto para acordar de forma expressa a aceitação de medidas restritivas ao comércio, os Estados Membros estarão impedidos de aplicar tais medidas unilateralmente. A partir desta premissa, o Tribunal conclui que, enquanto não exista uma norma expressa em sentido contrário, prevalece o princípio da liberdade de comércio entre os membros do MERCOSUL.

Por tudo o que foi anteriormente expresso, o Tribunal entende que não

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56 Trabaho escrito de resposta da Argentina, pg. 17.

existe base jurídica para a imposição de salvaguardas sobre produtos têxteis dentro do MERCOSUL. Essa base jurídica é um requisito necessário inferido a partir da proibição genérica contida no Artigo 5 do Anexo IV do Tratado de Assunção.

I. Relação entre o ATV e o MERCOSUL no contexto do direito internacional

O Tribunal não considera necessário fazer referência à relação entre o ATV e as normas MERCOSUL e tampouco avaliar se o Artigo 6 do ATV tem precedência sobre o direito do MERCOSUL. 57

Da avaliação geral das questões formuladas, o Tribunal chegou à conclusão de que existe uma norma do MERCOSUL, precisamente o Artigo 5 do Anexo IV do TA, que dispõe sobre a aplicação de salvaguardas contra outros Estados Membros. Segundo o Tribunal, não há suficiente evidência que demonstre que a normativa MERCOSUL existente não deva ser aplicada às salvaguardas impostas pela Argentina. Por tal razão, o Tribunal entende que não existe um "vácuo legal" que torne necessário ou possível recorrer a outras normas do direito internacional, como a expressa no Artigo 6 do ATV. Ademais, não hà evidência alguma com respeito ao fato de que, durante a conclusão do Acordo que estabeleceu a OMC, as Partes do MERCOSUL tenham manifestado sua intenção de permitir a aplicação unilateral de medidas de salvaguarda previstas no Artigo 6 do ATV ao comércio de têxteis dentro do MERCOSUL. 58

IV. CONCLUSÃO

A Decisão do Tribunal está totalmente de acordo com os consideranda precedentes e em conformidade com as faculdades do Tribunal sob o

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57 O Tribunal destaca o fato de que se as Partes tivessem se mantido em completo silêncio sobre o tema das salvaguardas intra-zona, deveria apresentar-se o problema da precedência entre as obrigações emanadas da OMC e as obrigações emanadas do MERCOSUL.

58 Considerando o caso hipotético de que o MERCOSUL não houvesse proibido medidas de salvaguarda, pelo contrário, se houvesse permitido que seus membros recorressem às normas multilaterais da OMC, ainda assim estas regras constituiriam uma unidade, e deveriam ser tratadas como tal. As regras da OMC permitem, para casos excepcionais, um tratamento preferencial dentro das uniões aduaneiras. A aplicação dentro de uma união aduaneira das salvaguardas especiais do Artigo 6 do ATV seria uma exceção a mais (e uma exceção não expressamente permitida pelo Artigo XXIV: 8). Se os Estados Partes do MERCOSUL tivessem tentado aplicar esta exceção à exceção, deveriam haver acordado tal medida antecipadamente e de forma expressa. Logicamente, os Estados Membros do MERCOSUL ainda podem chegar a um acordo que permita a aplicação de medidas de salvaguarda dentro do MERCOSUL (Tal como o fizeram por meio da Decisão 8/94 para fluxos de comércio compreendidos nessa norma).

 

 

 

Protocolo de Brasília e as Regras de Procedimento do Tribunal. As conclusões que se relacionam a seguir fazem parte da decisão, a saber:

A Como questão preliminar, a controvérsia sob consideração enquadra se dentro das interpretações contraditórias das Partes sobre a normativa MERCOSUL relativa ao tratamento dos produtos têxteis dentro da união aduaneira. Em virtude das diferentes interpretações alegadas sobre o direito MERCOSUL, compete ao Tribunal o exame da presente controvérsia em conformidade com as normas do Protocolo de Brasília sobre solução de controvérsias;

B O conteúdo dos Relatórios do OST da OMC não se refere à questão de que as salvaguardas estejam ou não permitidas sob a normativa MERCOSUL e, por essa razão, não será considerado;

C Em conformidade com o Artigo 29 do Protocolo de Brasília, o objeto da controvérsia é o que formularam as Partes em seus trabalhos escritos de reclamação e de resposta;

D Os Artigos 1 e 5 do Anexo IV do Tratado de Assunção formulam uma proibição geral sobre a aplicação de salvaguardas ao comércio intra-zona, que somente poderá ser excetuada por meio de uma norma específica dentro do sistema MERCOSUL que legitime a imposição de salvaguardas aos produtos têxteis. Conseqüentemente, não existe "vácuo legal" sobre esta matéria;

E A interpretação das disposições sobre união aduaneira do MERCOSUL deverá ser realizada, salvo por norma expressa em contrário, em conformidade com o objeto e fim de toda a integração econômica;

F Como regra geral, é possível a aplicação de medidas de salvaguarda ao comércio intra-zona no MERCOSUL, desde que exista uma norma explícita que assim o autorize. O Tribunal não encontra normas do MERCOSUL que permitam explicitamente a aplicação de salvaguardas à importação intra-zona de produtos têxteis.

V. DECISÃO

De acordo às razões anteriormente expostas e com base na fundamentação jurídica desenvolvida nos considerandas precedentes, o Tribunal decide:

A. Por unanimidade; Que possui jurisdição para julgar e resolver o objeto da controvérsia apresentada;

B. Por unanimidade; Que a Resolução 861/99 do Ministério de Economia e Obras e Serviços Públicos da Argentina e os atos administrativos implementados como conseqüência de tal Resolução não são compatíveis com o Anexo IV do Tratado de Assunção, nem com a normativa MERCOSUL em vigor, devendo, portanto, ser revogados;

C. Por unanimidade, dispor que os custos e custas do processo sejam pagos da seguinte maneira: Cada Estado se responsabilizará pelas despesas e honorários ocasionados pela atuação do árbitro por ele nomeado. A compensação pecuniária do Presidente e das demais despesas do Tribunal serão pagas pelas Partes em quantias iguais. Os pagamentos correspondentes deverão ser efetuados pelas Partes através da Secretaria Administrativa do MERCOSUL dentro do prazo de trinta dias a partir da notificação do laudo;

D. Por unanimidade, dispor que os autos da presente instância sejam arquivados na Secretaria Administrativa do MERCOSUL;

E. Em conformidade com o Artigo 21(2) do Protocolo de Brasília e com o Artigo 18 das Regras de Procedimento do Tribunal, as Partes têm 15 dias para cumprir as decisões do Laudo.

Esta decisão deverá ser notificada às Partes por intermédio da Secretaria Administrativa do MERCOSUL e logo publicada.

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Dr. Gary N. Horlick

Árbitro Presidente

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Dr. Raúl E. Vinuesa

Árbitro

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Dr. José Carlos Magalhães

Árbitro