O pé da galinha

O pé da galinha

Dr. Rosinha*

Ao longo de minha vida pública tenho feito inúmeros debates políticos e quando se trata da questão ideológica, me coloco como socialista. Num desses debates, já quase sem argumento o meu interlocutor saiu mais ou menos com a seguinte frase: o senhor não quer que todo mundo coma mignon, pois a riqueza do mundo não dá para todos.

Não sei se dá para todos comerem mignon todos os dias, mas que dá perfeitamente para todos, no mundo, terem uma alimentação digna de qualidade e quantidade suficiente dá. E que dá para comer mignon (desculpe os vegetarianos) pelo menos uma vez por semana, também dá. Mas, na ocasião não foi esta a resposta que dei. Respondi, "mas não é justo que para a maioria dos trabalhadores só reste comer o pé da galinha".

Este debate longínquo me veio a memória na semana passada por ocasião do encerramento do Seminário Internacional Aqüífero Guarani que realizamos em Foz do Iguaçu, no Hotel Rafain, nos dias 14 e 15.

Para que a população interessada, independente de recursos financeiros pudesse participar do Seminário não cobramos nenhuma taxa de inscrição. Também, procuramos oferecer o maior conforto possível, pois ficar cerca de 8 horas sentado ouvindo palestras não é fácil.

Ao encerrar o Seminário solicitamos, para aqueles que quisessem, o favor de preencher uma ficha de avaliação. E muitos o fizeram, tanto é que alguns minutos antes do encerramento do Seminário 80 pessoas já tinham preenchido a ficha de avaliação e colocado as observações que entendiam necessárias. Destes 80, 38 consideraram que o Seminário ficou dentro da expectativa esperada; 36 que o mesmo superou as expectativas pessoais; cinco que a qualidade do Seminário ficou abaixo do esperado; e, um nada respondeu. Se estes dados mostram que o Seminário foi de boa qualidade, o que me deixou indignado foram duas observações feitas por aqueles que consideraram o seminário abaixo da expectativa esperada.

O público alvo do mesmo eram lideranças — das entidades de classes patronais e de trabalhadores — da sociedade civil e dos movimentos sociais, pois o conhecimento do Aqüífero é de suma importância para todos. Quanto mais gente conhecendo-o é mais gente defendendo essa importantíssima reserva de água subterrânea.

Justamente por essa característica do público, é que quero destacar duas respostas, pois, quem sabe, seus autores ao lerem esta coluna, poderão nos responder.

Uma das pessoas escreveu que o Seminário misturou pessoas de classes diferentes e que não cabe colocar a escória (é está mesma a palavra usada) do MST para fazer esse debate. Isto é ignorância e preconceito, portanto deve ser condenado.

A outra observação foi um tipo de protesto, verdade que confuso, mas que cabe o registro. Relata a pessoa que os participantes "me surpreenderam devido ao seu conhecimento e envolvimento" no que diz respeito ao tema. Portanto deve ter gostado. Porém, continua e escreve que "quando um seminário desta natureza é feito num local como este, da elite, nós que sempre fomos e somos dos movimentos sociais há muito tempo se espanta, para não dizer se decepciona". Questiona o local (Hotel Rafain) alegando que os promotores do evento também têm origem no movimento social e, pergunta: nada mudou?

Reclama que o seminário está distante dos que aqui vivem (pequenos agricultores e índios), pois estes não compareceram e, conclui dizendo que está decepcionado com os antigos companheiros, mas que não "quer perder totalmente a esperança de um mundo melhor".

Como socialista que sou, também não perco a esperança de um mundo melhor, onde todos possam compreender a realidade e terem oportunidade de participar (com conforto) de debates, seminários, estudarem e se organizarem. Um mundo melhor onde todos tenham comida — mignon — e não fiquem, apesar de ser saborosa, só na sopa com pé de galinha.

Tenho certeza que muitos dos leitores desta coluna, mesmo não sendo socialistas, hão de concordar comigo. O que você acha Sido (é assim, com S, que está escrito no cartão do taxista que confessou que me lê toda terça)?

 

 *Dr. Rosinha — médico, deputado federal (PT/PR) e presidente da Comissão do Mercosul.