Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 58, DE 1961 - Publicação Original

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RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 58, DE 1961

Constitui Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar os problemas e suas repercussões, conseqüentes do represamento dos Rios Grande e Sapucaí, com a construção de usina da Central Elétrica de Furnas S/A.

Exmo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados:

Nos têrmos do art. 53, da Constituição Federal, combinado com o parágrafo único, da Lei nº 1.579, de 18 de março de 1953, e do art. 31 do Regimento Interno , requeremos:

1º Seja constituída uma Comissão Parlamentar de Inquérito, composta de 9 (nove) membros, para estudar os problemas e suas repercussões, conseqüentes do represamento dos cursos dos Rios Grande e Sapucaí, com a construção da usina, em fase de desenvolvimento, da Central Elétrica de Fumas S.A.

A investigação abrangerá, inclusive, tudo quanto diga respeito à desapropriação amigável ou judicial das áreas destinadas a inundação, construção e restabelecimento de sistemas locais e regionais de vias de comunicação, seja de natureza rodoviária ou ferroviária, elaboração e execução de planos de aproveitamento econômico daquela bacia hidrográfica, reparação de danos causados às Municipalidades e entidades de direito público e privado, e, bem assim, as obras da usina e do plano de distribuição de energia elétrica a ser ali produzida, para o que disporá a referida Comissão Parlamentar de Inquérito, do prazo de cento e vinte (120) dias.

2º Fica aberto à mesma Comissão, um crédito de um milhão de cruzeiros (Cr$ 1.000.000,00), destinado a ocorrer às suas despesas.

Sala das Sessões, 23 de agôsto de 1961.

Uriel Alvim - Manoel de Almeida - Geraldo Freire - Ovídio de Abreu - Guilhermino de Oliveira - Miguel Bahury - Badaró Júnior - Willy Fröhlich - Benedito Vaz - Bias Fortes - Monteiro de Castro- Carlos Gomes - Carvalho Sobrinho - Regis Pacheco - Milton Brandão - Moacyr Azevedo - Bento Gonçalves - Armando Rollemberg - Armando Monteiro - Aloysio de Castro - Geraldo Vasconcelos - Maia Neto - Munhoz da Rocha - Mário Gomes - Padre Vidigal - Armando Stormi - Jacob Frantz - José Lopes - Petronilo Santa Cruz - Milvernes Lima - Hélio Ramos - Osmar Cunha - José Guiomard - José Alkimim - Coelho Mascarenhas - Benjamim Farah - José Silveira - Saldanha Derzi - Medeiros Neto - Oswaldo Zanelo - Maurício Jopert - Arno Arnt - Hélio Machado - Epílogo de Campos - Adilio Viana - Floriceno Paixão - Rubem Nogueira - Celso Branco - Gabriel Gonçalves - Afrânio Rodrigues - José Humberto - Lustosa Sobrinho - Padre Nobre - Arnaldo Cerdeira - Oswaldo Lima Filho - Dirceu Cardoso - Alvaro Castelo - Nelson Carneiro - Breno da Silveira - Ivan Bichara - Mário Palmério - Aurélio Viana - Ozires Pontes - Geraldo Guedes - Jorge de Lima - Fernando Ribeiro - Aniz Badra - Hamilton Prado - Paulo Freire - Lauro Cruz - Joaquim Duval - João Abdala - Gabriel Passos - Eloy Dutra - Bagueira Leal - Arruda Câmara - Paulo Lauro - Mário Bent - Broca Filho - Leopoldo Maciel - Waldir Calmon - Túlio Fernandes - Plínio Salgado - Djalma Marinho - Ernani Sátiro - Raymundo Brito - Aguinaldo Costa - Henrique Turner - Luiz Francisco - Anisio Rocha - Leão Sampaio - Estefano Mikilita - Cardoso de Menezes - Unirio Machado - Arnaldo Garcez - Alvaro Lins - Hamilton Nogueira - Menotti del Picchia - Silvio Braga - Ferro Costa - Nicolau Tuma - Waldemar Pessoa - Carlos Murilo - Aderbal Jurema - Dario Cardoso - Dagoberto Sales - Temperani Pereira - José Bonifácio - Gustavo Capanema - Elias Adaime - Ary Pitombo - Afrânio de Oliveira.

Justificativa

Todo o País acompanha, com o mais vivo interêsse e os melhores augúrios, o desenvolvimento das obras de construção da usina hidrelétrica de Fumas que, com o seu grande potencial energético, previsto para 1.200.000 HP, contribuirá decididamente para o solucionamento do angustiante problema de carência de fôrça e luz dos nossos grandes centros populacionais - São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte.
Daí não se infere, entretanto, que venhamos a admitir e, sobretudo, a tolerar, que a Central Elétrica de Fumas S.A., continue a dar um tratamento dràsticamente injusto aos proprietários da região a ser atingida pelo represamento dos cursos dos rios Grande e Sapucaí, impondo-lhes, como o vem fazendo, em benefício daquelas importantes e prósperas Capitais, um regime arbitrário de verdadeira expropriação.
O fenômeno é tanto mais clamoroso, sob o seu aspecto jurídico e social, como injustificável, sob o prisma da legitimidade política, sobretudo quando se pode afirmar, como uma dolorosa realidade, que aquêle mesmo povo, em passado recente, sofreu impacto idêntico, em profundidade e extensão, quando da construção da reprêsa e da usina de Peixotos, destinadas ao suprimento de energia elétrica aos municípios paulistas da região fronteiriça do sudoeste mineiro.
Com essa obra, milhares de famílias ruralistas perderam a sua propriedade agrícola, vendo-as desaparecerem por sob a voragem da água contida com o fechamento das colossais comportas, sem a correspondente e justa indenização das mesmas propriedades, que tiveram avaliações invariàvelmente postas em têrmos excessivamente baixistas, com grande número de processos de desapropriação ainda rolando morosamente pelos nossos Tribunais de Justiça, enquanto a região presenciava um clamoroso êxodo de homens capazes e prestantes, afeitos ao amanho da terra, na pungente retirada que empreendiam, sem ao menos haver recebido, em espécie, o valor da propriedade legitimamente sua.
Êsses partiram, para não mais voltar, indo em busca do El-Dourado paranaense, ou das terras agricultáveis de São Paulo ou de Goiás, onde recomeçariam, como efetivamente o fizeram, o seu labor diário, como simples trabalhadores ou agregados rurais, eis que os seus haveres foram pràticamente expropriados pela Cia. Paulista de Fôrça e Luz, com a complacência ou até mesmo a conivência do Poder Público Federal, que concedeu àquela emprêsa o coercitivo instrumento expropriante, no decreto de concessão do privilégio para a exploração do serviço.
E, os que ficaram, apegados ao seu torrão natal, com suas terras apenas parcialmente transformadas no majestoso lago, de tão grandes proporções, continuaram submetidos a um regime aviltante de vida infra-humana, característico das regiões mais primitivas do nosso período colonial, eis que é comum, ali, o aglomerado de ilhas, sem comunicações entre si, com o nosso material humano improvisado em barranqueiro lacustre, sem outro ideal a perseguir, senão o de tornar-se, um dia, o pachorrento timoneiro de uma das balsas "oficiais" utilizadas na travessia da grande reprêsa. Nem ao menos pode competir com o bravo homem do mar, que, na largueza do horizonte, adquire arrôjo para transpor continentes, muitas vêzes tripulando uma desprezível jangada.
O drama do mineiro do sudoeste pode ser cantado em versos pelo Município de Delfinópolis que, transformado em uma grande ilha, com acesso por todos os lados através de pachorrentas e primitivas balsas, de pouquíssimos horários durante o dia, mantém a sua população completamente insulada no período da noite, doze horas consecutivas, durante as quais nem os socorros médicos de emergência conseguem restituí-la ao convívio da civilização.
Por outro lado, as terras desapropriadas foram vedadas com expessas cêrcas de arame farpado, com suas poucas porteiras dotadas de placas, com inscrições indicativas de proibição de acesso, medida invariàvelmente respeitada, por fôrça da presença de guardas armados, zelando pelo domínio, todo poderoso, daquela Companhia.
Isso concorre para dificultar, senão até mesmo para impedir, na vasta extensão de uma dezena de municípios, que as suas populações, por falta de outros, venham a se utilizar dos seus antigos e tradicionais meios de intercomunicação regional.
Os anos se sucedem, a Cia. Paulista se agiganta cada vez mais, e o sudoeste mineiro se depaupera, morrendo o seu povo de sêde, na Terra de Canaan!
Pelo que se vê, através dêsse breve relato, há, na região de Furnas, não apenas os problemas de Furnas, pròpriamente ditos, mas, também, o precedente danoso e lamentável, da usina de Peixotos, a exigir a presença protetora da União Federal.
O represamento dos cursos dos rios Grande e Supucaí, que cobrirá, parcialmente, áreas territoriais de trinta e um (31) municípios de Minas Gerais, inclusive fazendo desaparecer, totalmente, duas (2) cidades e duas (2) vilas, além de provocar a submersão parcial de várias outras sedes distritais e municipais, acarretará o desaparecimento de milhares de propriedades rurais, com o deslocamento de trinta mil (30.000) famílias, em região, como aquela, que ostentava as melhores condições geo-econômicas para ter assegurada a sua emancipação.
O referido represamento que se desenvolverá por duzentos (200) quilômetros, ao longo dos rios, mutilará por completo, a unidade territorial da região, que se transformará em verdadeiro arquipélago, de certo a ser constituído de ilhas desérticas, sem comunicações entre si, eis que até hoje nenhuma providência objetiva da Central Elétrica de Fumas foi dada a conhecer, capaz de afastar a desesperança dominante na região, no tocante ao restabelecimento de seus sistemas locais e regionais de comunicações que, desmantelados, jamais serão recompostos. É sabido, inclusive, que desaparecerão cem (100) quilômetros de trilhos da Rêde Mineira de Viação, perdendo o Estado montanhês um importante ramal ferroviário, exatamente no oportuno momento em que a região, dotada de energia, poderia ampliar o seu parque industrial, necessitando daquele utilíssimo sistema de transporte, para o carreamento da riqueza ali produzida.
Mas, não deve passar sem o nosso reparo e a nossa estranheza, o descaso com que aquela concessionária conduz o problema relacionado com a programação das obras de reconstrução das cidades e células populacionais fadadas ao desaparecimento, total ou parcialmente, compreendido a reconstituição de templos religiosos, estabelecimentos educacionais públicos e particulares, hospitais, asilos, praças de esportes, serviços de abastecimento d'água e de esgotos sanitários e pluviais, pavimentação de vias e logradouros públicos, campos de pouso, etc., inclusive prédios residenciais, comerciais e industriais, urbanos e suburbanos.
No caso específico de Carmo do Rio Claro, que é o município fadado a sofrer o desfalque mais substancial em sua área territorial (cêrca de 1/3 parte), e que a área restante, dentro das cotas registradas nos levantamentos topográficos ali conhecidos, será transformada em três (3) agrupamentos distintos, separados por extensa e compacta massa líquida. Carmo do Rio Claro está a reclamar um planejamento de grande envergadura e seriedade para os seus angustiantes problemas, entre os quais se situam, com justa propriedade, o aproveitamento industrial de suas ricas jazidas calcáreas; a elaboração e início de execução, em seu território, do plano de construção de uma cidade industrial pilôto, de interêsse regional; o restabelecimento, por obras de engenharia fàcilmente exeqüíveis, de sua unidade territorial; o início das obras de construção da prometida rodovia, pavimentada, que ligará a usina, via Alpinópolis e Carmo do Rio Claro, à região de Alfenas e Varginha, com que a Central Elétrica de Fumas pretende, a um só tempo, dar acesso à região do represamento e substituir o ramal ferroviário que desaparecerá. Além dêsses problemas, outros, de menor alcance, como ocorre com o serviço de telefone, cuja execução é ardentemente reclamada, pode ser solucionado com o comprometimento de reduzido investimento de capital, o que virá beneficiar, inclusive, os Municípios de Conceição Aparecida, Alterosa e Areado, onde deverá dar-se a junção daquela linha, com a rêde da Companhia Telefônica de Minas Gerais, numa extensão inferior a cinqüenta (50) quilômetros.
Muitos dêsses problemas, de solução por mim preconizada em praças públicas daquela região, e objetos de aprovação em congressos regionais de municípios, tiveram os seus estudos iniciados no Govêrno Kubitschek, achando-se pendentes de conclusão, sem a menor colaboração da Central Elétrica de Fumas, como ocorreu com o campo de pouso daquela cidade; a prospecção de suas jazidas calcáreas; o estudo para a construção de casas populares nos municípios da região e o planejamento de obras de natureza assistencial, compreendendo hospitais, maternidades e postos de puericultura, planejamento êsse levado a efeito pela Legião Brasileira de Assistência, então sob a presidência do eminente cientista patrício, Ministro Mário Pinotti.
O País reclama energia elétrica para o propulsionamento de seu progresso e o atendimento de sua política desenvolvimentista, e Minas Gerais, que, no dizer eloqüente do Governador Bias Fortes, "é a caixa d'água do Brasil", nunca se negou a fornecê-la.
Mas, convenhamos, a Nação Brasileira, que se enriquece e se emancipa com o minério extraído das entranhas da terra montanhesa, para alimentar os altos fomos de Volta Redonda, o gigantesco parque industrial de São Paulo e a siderurgia nascente de Vitória, no Espírito Santo; que avança no campo das conquistas nucleares, com o aproveitamento de minerais atômicos de Caldas, Araxá e São João d'el-Rey; que se beneficiará da reprêsa de Três Marias, como soberbo instrumento de regularização e navegabilidade do curso do caudaloso rio da Unidade Nacional, que é o São Francisco que promove o aproveitamento do rio Grande, para satisfazer à crescente demanda de fôrça energética, reclamada por seus principais centros industriais e demográficos, a Nação Brasileira, eu disse, não pode ir ao exagero extremo de permitir que, além disso, seja o povo mineiro imolado como filho réprobo, e expropriado naquilo que ele tem de mais legítimo e respeitável que é a liberdade e o direito de propriedade. Mesmo porque, aquêles que se beneficiarão da energia gerada em Fumas, pagarão a taxa correspondente, contribuição essa que será manipulada tendo em vista, inclusive, o montante das desapropriações e das reparações conseqüentes das obras de represamento. Não há porque se prejudicar a uns, legitimamente detentores de direitos, em proveito de outros, já por si beneficiados por aquêles, e que não se negam, e nem o poderiam fazer, a dar atendimento a respeito àqueles direitos.
Entendendo que é chegado o momento de se pôr côbro a êsse regime de abusos e de desmandos, venho encaminhar a V. Exa., Senhor Presidente, devidamente formalizado, um requerimento pedindo a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, através da qual, espero, possa esta Casa do Congresso Nacional contribuir para o necessário e definitivo esclarecimento de tão angustiantes e dramáticos problemas do povo sul-mineiro.

Em virtude desta Resolução, o Senhor Presidente da Câmara dos Deputados designou para constituir a Comissão Parlamentar de Inquérito, os Srs. Deputados Uriel Alvim, Manoel Almeida, Campos Vergal, Geraldo Freire, Fernando Ribeiro, Milton Reis, José Silveira, Carvalho Sobrinho e Souza Carmo.


Este texto não substitui o original publicado no Diário do Congresso Nacional - Seção 1 de 27/09/1961


Publicação:
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 27/9/1961, Página 6940 (Publicação Original)
  • Diário do Congresso Nacional - Seção 1 - 30/9/1961, Página 7047 (Publicação Original)