Legislação Informatizada - Decreto nº 708, de 14 de Outubro de 1850 - Publicação Original

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Decreto nº 708, de 14 de Outubro de 1850

Regula a execução da Lei que estabelece medidas para a repressão do trafico de Africanos neste Imperio.

     Hei por bem, Usando da attribuição que Me confere o Artigo cento e dous paragrapho doze da Constituição do Imperio, Decretar o seguinte:

TITULO I

Dos apresamentos feitos em razão do trafico, e fórma de seu processo na 1ª Instancia

     Art. 1º As Autoridades, e os navios de guerra brasileiros devem apprehender as embarcações brasileiras encontradas em qualquer parte, e as estrangeiras nos portos, enseadas, ancoradouros, ou mares territoriaes do Brasil: 1º, quando tiverem a seu bordo escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831: 2º, quando se reconhecer que os desembarcárão no territorio do Imperio: 3º, quando se verificar a existencia de signaes marcados no Titulo 3º deste Regulamento.

     Art. 2º Se em virtude do que dispõe o Artigo antecedente for apresada em alto mar alguma embarcação, o apresador, depois de inventariar e guardar lacrados, sellados, e debaixo da rubrica do capitão do navio apresado, todos os papeis, e especialmente os mencionados no Art. 4º, e depois de fazer fechar as escotilhas, e mais lugares em que vierem mercadorias, deverá, apenas chegar ao porto, declarar por escripto ao Auditor de Marinha o motivo do apresamento; o dia e a hora, em que foi efectuado; em que paragem e altura; que bandeira trazia o navio; se fugio á visita, ou se defendeo com força; quaes os papeis mencionados no Art. 4º, que lhe forão apresentados; que explicações derão pela falta de alguns; e todas as mais circumstancias da presa e viagem.

     Art. 3º Quando entrar alguma embarcação apresada, a Visita o participará logo, e pelo telegrapho, se o houver, ao Auditor de Marinha, que immediatamente irá a bordo.

     O mesmo fará a Visita quando impedir a entrada, ou sahida de alguma embarcação por suspeita de destinar-se ao trafico de escravos, ou de se haver nelle empregado.

     Art. 4º O Auditor de Marinha, apenas chegar a bordo, deverá exigir, alêm da declaração, de que trata o Artigo 2º, os livros e papeis mencionados nos seis primeiros §§ do Artigo 466, e nos Artigos 501 até 504 do Codigo Commercial, que que vão abaixo transcriptos.

     Em seguida procederá á busca no navio e seu carregamento, arrecadando os papeis de bordo, que lhe não tiverem sido entregues, fazendo-os logo inventariar, ou guardar lacrados e sellados para serem inventariados depois, fazendo as perguntas que julgar convenientes, e lavrando de tudo processo verbal com as solemnidades e cautelas, que exige o Alvará de Regimento de 7 de Dezembro de 1796, nos Artigos 20, 21 e 22, que vão abaixo transcriptos.

     O processo verbal deverá declarar explicitamente se deixou de ser apresentado algum dos papeis, que conforme os Artigos supracitados do Codigo Commercial devem de existir a bordo, se de algum delles existe duplicata, e os motivos, que allegárão os interessados para explicar a falta ou a duplicata.

     Art. 5º Se a bordo forem encontrados alguns dos signaes marcados no Titulo 3º deste Regulamento, o processo verbal deverá fazer de cada hum delles especificada menção, assim como das explicações que a seu respeito e dos factos que determinárão o apresamento derem os interessados.

     As perguntas e respostas relativas ao apresamento deverão ser feitas de modo, que não oução huns o que os outros tiverem respondido; e se em vista das circumstancias parecer necessario conservar por algum tempo separados, e incommunicaveis os officiaes, tripolação e mais pessoas do navio apresado, o Auditor dará as ordens convenientes.

     Art. 6º Se a embarcação for apresada tendo a bordo escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831, o Auditor de Marinha, depois de verificar seu numero, e se coincide com a declaração do apresador, os fará relacionar por numeros seguidos de nomes, se os tiverem, e de todos os signaes, que os possão distinguir, fazendo-os examinar por peritos, a fim de verificar se são dos prohibidos. Concluida esta diligencia, de que se fará processo verbal especial, os fará depositar com a segurança e cautelas que o caso exigir, e sob sua responsabilidade.

     Se os Africanos não tiverem sido baptisados, ou havendo sobre isso duvida, o Auditor de Marinha deverá providenciar para que o sejão immediatamente.

     Art. 7º Se não existirem a bordo escravos dessa qualidade, e entretanto se encontrarem ainda os vestigios de sua estada a bordo, destes mesmos se fará expressa menção no processo, fazendo o Auditor testificar sua existencia por tres testemunhas fidedignas, e especialmente por Officiaes de Marinha e homens maritimos.

     Art. 8º Concluido e assignado o processo verbal, o Auditor fará affixar, e publicar pela Imprensa editaes de 30 dias até seis mezes, quando se tratar de embarcações nacionaes, vindas de portos nacionaes, e até hum anno quando a embarcação for estrangeira, ou vinda de porto estrangeiro, notificando os interessados no casco, ou no carregamento para virem defender seus direitos. Entretanto proseguirá nos termos do processo e mesmo nos da appellação.

     § 1º Achando-se presente o capitão será notificado para ver proseguir o processo por parte dos interessados. Na falta destes, do capitão, do Consul, ou quem suas vezes fizer, o Auditor nomeará Curador para defender os seus interesses.

     § 2º Os interessados que em virtude da citação edital comparecerem, tomarão a causa nos termos em que ella se achar. Se já estiverem conclusos os autos, o Auditor de Marinha, abrindo a conclusão, assignará hum termo, nunca maior de 8 dias, para arrazoarem, e ajuntarem documentos; igual prazo será concedido aos apresadores, se o requererem. Se já estiver publicada a sentença, nada poderão adegar, e requerer senão na segunda Instancia.

     § 3º Não poderão reclamar este favor aquelles que, embora reveis na causa, tiverem estado presentes no lugar ao tempo da apprehensão, ou julgamento.

     Art. 9º No dia immediato, quando não possa ser no mesmo dia do exame a bordo, o Auditor, em presença dos interessados que comparecerem, e especialmente do capitão, e officiaes do navio apresado, que estiverem detidos, e do navio apresador, que quizerem comparecer, para o que serão notificados na pessoa do Commandante, ou de quem suas vezes fizer, depois de verificar os sellos, abrir, e inventariar os papeis, se o não tiver feito á bordo, interrogará minuciosamente o capitão do navio apresado, e seus officiaes sobre o facto, ou factos que derão lugar ao apresamento, e sobre as principaes circumstancias do processo verbal; e inquirindo as testemunhas, e ouvindo as pessoas, que entender conveniente para esclarecimento da verdade, ou que lhe forem pelos interessados indicadas, formará de tudo processo summario em termo breve, e nunca excedendo de oito dias, sem causa justificada, que deverá especificar.

     Art. 10. Concluido este processo summario, se os interessados tiverem protestado por vista, a terão por tres dias dentro do cartorio para deduzir, e offerecer suas razões; sendo os primeiros tres dias para os apresadores, outros tres para o Curador dos Africanos, se os houver apprehendidos, e os tres ultimos para os apresados, e findos estes prazos, nas 24 horas seguintes serão os autos conclusos ao Auditor de Marinha, que dentro de 8 dias sentenciará sobre a liberdade dos escravos apprehendidos se os houver, declarando logo boa, ou má presa a embarcação, e seu carregamento, e appellando ex-officio para o Conselho d'Estado.

     Esta appellação produzirá effeito suspensivo, porêm quando declarar livres alguns Africanos, estes serão desde logo postos á disposição do Governo com as cartas de liberdade, as quaes não lhes poderão ser entregues antes de decidida a appellação.

     Art. 11. Se a Visita, o Capitão do Porto, ou qualquer Empregado apprehender alguma embarcação em virtude do que dispoem o Art. 1º, o procedimento deverá ser o mesmo prescripto para os apresamentos feitos por navios em alto mar. O apprehensor deve dirigir ao Auditor de Marinha a declaração dos motivos, e por si ou por seu procurador ser parte no processo. E como apresador lhe pertence o producto das vendas, que manda fazer o Art. 5º da Lei Nº 581 de 4 de Setembro de 1850, deduzindo-se apenas hum quarto para o denunciante, se o houver.

     Art. 12. Se forem apprehendidos escravos cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831 fóra da embarcação que os trouxe, mas ainda na costa antes do desembarque, ou no acto delle, ou immediatamente depois em armazens, ou depositos sitos nas costas, ou portos, serão lesados ao Auditor de Marinha, que procederá a respeito delles pela mesma fórma determinada para os apprehendidos a bordo; mas, concluido o exame feito pelos peritos, assignará 8 dias aos interessados para que alleguem, e provem o que julgarem conveniente. Igual prazo será concedido aos apprehensores, se o requererem, e ao Curador dos Africanos, ainda que o não requeira.

     Alêm dos 8 dias assignados fará affixar e publicar pela Imprensa cartas de edictos com os mesmos effeitos, e prazos, que no Art. 8º se estabelecerão para o processo do apresamento de navios nacionaes.

     Art. 13. Concluido o prazo dos oito dias para todos os interessados, o processo subirá concluso nas 24 horas seguintes ao Auditor de Marinha, que no prazo de tres dias proferirá sua sentença, appellando ex-officio para o Conselho d'Estado.

     Art. 14. Se com os escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831, forem apprehendidos como accessorios, barcos empregados em seu desembarque, occultação, ou extravio, a sentença, que os julgar livres, condemnará tambem os barcos e seu carregamento em beneficio dos apprehensores, com a deducção de hum quarto para o denunciante, se o houver.

     Art. 15. Haverá Auditores de Marinha (alêm do Geral que existe na Côrte) nas Cidades de Belém do Pará, S. Luiz do Maranhão, Recife, Bahia, e Porto Alegre. Este lugar será exercicio pelo Juiz de Direito, que for pelo Governo designado; em falta de designação especial, servirá o Juiz de Direito que for Chefe de Policia. Se o Chefe de Policia for Desembargador servirá o Juiz de Direito da 1ª Vara crime. Os Auditores não perceberão por este serviço mais, que os emolumentos que lhes competirem. Nas suas faltas ou impedimentos serão substituidos pelo Juiz Municipal, que for pelo Governo, ou pelos Presidentes designado; em falta de designação servirá o da 1ª vara.

     Se as circumstancias o exigirem poderão crear-se novas Auditorias em outros portos do Imperio.

     Art. 16. Quando o Commandante de huma presa não puder conduzi-la directamente a porto, em que haja Auditor de Marinha, deverá lavrar hum auto, em que declare os motivos que a isso o obrigão. Se houver necessidade de requerer alguma diligencia, deverá dirigir-se ao Chefe de Policia, Juiz de Direito, Juiz Municipal, Delegado, ou Subdelegado do lugar, preferindo-os pela ordem por que se achão aqui enumerados.

     Nada poderá desembarcar de bordo da presa sem se lavrar auto, assignado pelos Officiaes do navio apresador, e do apresado, que existirem a bordo, sem previa communicação á Autoridade acima referida.

     Art. 17. Se houver necessidade de desembarcar escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831, a Autoridade mencionada no Artigo antecedente procederá a respeito deles ás diligencias do Art. 6º, ainda quando tenhão de voltar para bordo.

     Se forem desembarcados objectos, que tenhão algum valor, a mesma Autoridade os fará depositar judicialmente, e sendo de tal natureza que não devão guardar-se, os fará vender em hasta publica a requerimento dos interessados, mandando depositar o seu preço nos Cofres Publicos.

     A venda deve ser precedida de avaliação por peritos, e annuncios pelo numero de dias que a qualidade dos objectos e as circunstancias aconselharem.

     Art. 18. Se alguma embarcação for apprehendida em porto em que não haja Auditor de Marinha, todas as diligencias, que a este incumbem, serão desempenhadas pela Autoridade de que trata o Art. 16.

     O mesmo acontecerá se forem apprehendidos escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831, em costas, ou portos, em que não haja Auditor.

     Art. 19. De todas as diligencias, declarações, inquirições, e interrogatorios, assim como dos navios, escravos, ou quaesquer outros objectos apprehendidos, deverá a mesma Autoridade fazer remessa o mais breve que for possivel, ao Auditor de Marinha mais proximo, ou ao daquelle porto para onde se julgar conveniente conduzir o navio apresado.

     Art. 20. O Auditor de Marinha, logo que receber o processo, continuará as diligencias, e termos, que forem necessarios para proferir sua sentença.

     Quando julgar conveniente encarregar a qualquer Autoridade essas diligencias, poderá faze-lo por meio de officios, ou precatorias.

     Art. 21. Proferida pelo Auditor de Marinha a sentença, e interposta a appellação ex-officio na fórma do Art. 16, o Escrivão dentro de 8 dias, deixando traslado no cartorio, entregará o processo original na Secretaria d'Estado dos Negocios da Justiça, e nas Provincias na respectiva Secretaria da Presidencia. Se a accumulação de processos ou outros embaraços impedirem a promptificação dos traslados, o Auditor de Marinha poderá conceder-lhe mais 8 dias improrogaveis.

     O recibo do processo original será junto pelo Escrivão ao traslado, que ficar no cartorio.

     Art. 22. Haverá hum Escrivão especial para estes processos, designado d'entre os que servem ante outros Juizes ou Tribunaes. Nos seus impedimentos, ou em quanto não for designado pelo Governo, servirá aquelle que o Auditor de Marinha escolher.

TITULO II

Do processo e julgamento dos reos em primeira Instancia

     Art. 23. Havendo apprehensão de escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831, e sendo essa apprehensão no alto mar, ou na costa antes do desembarque, no acto delle, ou immediatamente depois em armazens, ou depositos sitos nas costas ou portos, os Auditores de Marinha devem exigir dos apprehensores hum auto, ou parte circumstanciada da apprehensão, e lugar onde, e proceder immediatamente á hum auto de exame por meio de peritos juramentados, a fim de verificar se os escravos são ou não dos importados illicitamente.

     § 1º Se tiver havido apprehensão de embarcação ou barcos empregados no trafico, sem que existão á bordo os escravos, cuja importação he prohibida pela Lei de 7 de Novembro de 1831, mas existindo vestigios, que mostrem seu proximo desembarque, ou signaes, que indiquem o destino ao trafico, o Auditor de Marinha procederá com peritos juramentados a hum auto de exame desses vestigios, e signaes.

     § 2º Se para o processo de presa já estiverem feitos os autos, de que trata este Artigo, basta que no processo dos réos sejão elles juntos por traslado.

     Art. 24. Formado assim o corpo de delicto directo, o Auditor procederá á inquirição de testemunhas, interrogatorios, informações e mais diligencias, que entender convenientes para descobrir os criminosos, ou que pelos apprehensores, ou pelo Promotor Publico lhe forem requeridos.

     Art. 25. Concluidas estas diligencias, que não excederão de 8 dias, sem causas muito ponderosas, que o Auditor deverá especificar no processo, proferirá o seu despacho de pronuncia, ou não pronuncia contra os réos, que forem descobertos, e que se acharem comprehendidos em alguma das categorias do Art. 3º da Lei Nº 581 de 4 de Setembro de 1850.

     A respeito dos réos que forem descobertos, mas não se acharem comprehendidos no citado Artigo, deverá remetter ao Chefe de Policia todos os indicios, e provas, que contra elles houverem, a fim de que sejão processados, e julgados no foro commum.

     Art. 26. Do despacho, que não pronunciar, recorrerá o Auditor ex-officio para a Relação.

     Art. 27. Do despacho, que pronunciar, ou do que ordenar a remessa de algum réo para o Juizo commum, haverá recurso, se for intentado pelas partes ou pelo Promotor Publico, a quem taes despachos devem sempre ser intimados.

     Art. 28. O recurso não produz effeito suspensivo, e ainda sendo de pronuncia deve o Auditor proseguir nos termos do processo, até julgamento e appellação inclusive.

     Art. 29. Pronunciado o réo, o Auditor de Marinha mandará logo dar vista ao Promotor Publico para este formar o libello, que será offerecido na 1ª audiencia, e no caso de haver parte accusadora poderá ser admittida a addir ou declarar o libello, com tanto que o faça na audiencia seguinte.

     O Auditor, se não der duas audiencias semanaes, deverá faze-lo, desde que tenha processos desta natureza, annunciando pelos jornaes os dias e as horas.

     Art. 30. Offerecido o libello, se seguirão até a sentença final os termos estabelecidos no Decreto nº 707 de 9 de Outubro de 1850, nos Arts. 8º, 9º, 10, 11, 12 e 26.

     Art. 31. Nas appellações interpostas dos processos desta natureza pelo Promotor Publico, o Auditor marcará ao Escrivão hum prazo, nunca maior de 30 dias, para que seja o processo apresentado no Correio ou na Relação, sendo em Cidade que a tenha.

TITULO III

Dos signaes que constituem presumpção legal do destino das embarcações ao trafico

     Art. 32. Os signaes, que constituem presumpção legal, de que huma embarcação se emprega no trafico de escravos, são os seguintes:

     1º Escotilhas com grades abertas em vez das fechadas, que se usão nas embarcações mercantes.

     2º Divisões, ou anteparos no porão ou na coberta em maior quantidade que a necessaria em embarcações de commercio licito.

     3º Taboas de sobresalente preparadas para se collocarem como segunda coberta.

     4º Quantidade d'agua em tonneis, tanques, ou em qualquer outro vasilhame maior, que a necessaria para o consumo da tripolação, passageiros, e gado, em relação á viagem.

     5º Quantidade de grilhões, correntes, ou algemas, maior que a necessaria para a policia da embarcação.

     6º Quantidade de bandejas, gamellas, ou celhas de rancho, maior que a necessaria para a gente de bordo.

     7º Extraordinaria grandeza da caldeira, ou numero dellas, maior que o necessario nas embarcações de commercio licito.

     8º Quantidade extraordinaria de arroz, farinha, milho, feijão, ou carne, que exceda visivelmente ás necessidades da tripolação e passageiros, não vindo declarada no manifesto como parte de carga para commercio.

     9º Huma grande quantidade de esteiras ou esteirões superior ás necessidades da gente de bordo.

     Art. 33. Tambem constituem presumpção legal do emprego da embarcação no trafico:

     1º A existencia de vasilhame para liquidos alêm do empregado na aguada, que não tiver sido especialmente despachado debaixo de fiança de ter destino licito; ou quando se mostrar, que esse vasilhame não teve o destino que se indicou na occasião de o despachar.

     2º A duplicata dos Diarios de navegação.

     3º A falta dos papeis mencionados nos seis primeiros §§ do Art. 466, e nos Arts. 501 até 504 do Codigo Commercial depois que estiver em execução.

     4º A substituição do verdadeiro capitão por outro de bandeira, ou nominal.

     5º A fuga da tripolação, ou abandono do navio em presença de embarcação de guerra em tempo de paz, ou em presença de Autoridade, que se dirija á bordo; o incendio, ou damnificação voluntariamente feitos ao navio por sua tripolação.

     Art. 34. A existencia destes signaes estabelece a boa fé do apresador, e em quanto não apparecer prova irrecusavel do contrario, justifica a apprehensão.

     Art. 35. Quando alguma embarcação se destinar ao transporte de colonos, ou á outra negociação licita, que exija imperiosamente a existencia á bordo de algum ou alguns dos signaes mencionados no Art. 32, deverá anticipadamente justificar perante o Auditor de Marinha essa necessidade, especificando os signaes para que pede a permissão.

     Art. 36. O Auditor nunca admittirá estas justificações sem que a petição inicial declare o proprietario da embarcação, o afretador, e o capitão; e sem que os dous primeiros pelo menos sejão pessoas abonadas, bem conceituadas, e não suspeitas de interessadas no trafico, o que alêm das averiguações a que por si mesmo deverá proceder, fará objecto de inquirição de testemunhas conhecidas, e acreditadas.

     Art. 37. Antes de julgar a justificação, o Auditor de Marinha mandará publicar pela imprensa, por 8 dias, editaes que declarem os nomes do navio, do proprietario, e do afretador, e os signaes, cuja permissão se solicita, declarando, que assim se faz publico para que possão reclamar os que tiverem razões para suppor, que a embarcação se destina ao trafico de escravos.

     Art. 38. Somente os Auditores de Marinha creados pelo Art. 15 deste Regulamento, e não os que de novo se estabelecerem, são os competentes para julgar estas justificações, que deverão ser entregues em original aos justificantes, ficando no cartorio os respectivos traslados.

     Art. 39. O julgamento da justificação deverá ser publicado pela imprensa, e tanto essa publicação como a dos editaes, de que trata o Artigo 37, devem juntar-se ao processo original, e ao traslado que tem de ficar no cartorio.

     Art. 40. Com huma certidão authentica do julgado, requererá o justificante a permissão, de que trata o Artigo 35, á Secretaria d'Estado dos Negocios da Justiça, se a justificação tiver sido feita na Auditoria Geral da Côrte, aliás ao Presidente da Provincia, em que houver sido julgada.

     Art. 41. As licenças devem conter o nome do navio, do proprietario, e do afretador; a declaração da viagem, e seu fim, e dos signaes mencionados no Artigo 32 que ficão sendo permittidos; o tempo de duração da licença (nunca mais de dois annos) com a expressa condição de que esta se deverá considerar ipso facto sem effeito, se for mudado o nome do navio, ou se este mudar de proprietario ou de afretador, devendo em qualquer dessas hypotheses a renovação da licença ser precedida de nova justificação na Auditoria de Marinha.

     Eusebio de Queiroz Coitinho Mattoso Camara, do Meu Conselho, Ministro e Secretario d'Estado dos Negocios da Justiça, assim o tenha entendido, e faça executar.

Palacio do Rio de Janeiro em 14 de Outubro de mil oitocentos e cincoenta, vigesimo nono da Independencia e do Imperio.

Com a Rubrica de Sua Magestade o Imperador.

Eusebio de Queiroz Coitinho Mattoso Camara.

 

ARTIGOS DO CODIGO COMMERCIAL A QUE SE REFERE O ART. 4º DESTE REGULAMENTO

Art. 466. Toda a embarcação brasileira em viagem he obrigada a ter a bordo:

1º O seu registro (Art. 460):

2º O passaporte do navio:

3º O rol da equipagem, ou matricula:

4º A guia ou manifesto da Alfandega do porto brasileiro d'onde houver sahido, feito na conformidade das Leis, Regulamentos e Instrucções fiscaes:

5º A carta de fretamento nos casos em que este tiver lugar, e os conhecimentos da carga existente a bordo, se alguma existir:

6º Os recibos das despezas dos portos d'onde sahir, comprehendidas as de pilotagem, ancoragem e mais direitos ou impostos de navegação:

Art. 501. O capitão he obrigado a ter escripturação regular de tudo quanto diz respeito á administração do navio, e á sua navegação; tendo para este fim tres livros distinctos, encadernados, e rubricados pela Autoridade a cargo de quem estiver a matricula dos navios, pena de responder por perdas e damnos que resultarem da sua falta de escripturação regular.

Art. 502. No primeiro, que se denominará - livro da carga -, assentará diariamente as entradas e sahidas da carga, com declaração especifica das marcas e numeros dos volumes, nomes dos carregadores e consignatarios, portos da carga e descarga, fretes ajustados, e quaesquer outras circumstancias occorrentes que possão servir para futuros esclarecimentos. No mesmo livro se lançarão tambem os nomes dos passageiros, com declaração do lugar do seu destino, preço e condições da passagem, e a relação da sua bagagem.

Art. 503. O segundo livro será da - receita e despeza da embarcação -, e nelle, debaixo de competentes titulos, se lançará, em fórma de contas correntes, tudo quanto o capitão receber e despender respectivamente á embarcação; abrindo-se assento a cada hum dos individuos da tripolação, com declaração de seus vencimentos, e de qualquer onus, a que se achem obrigados, e a carga do que receberem por conta de suas soldadas.

Art. 504. No terceiro livro, que será denominado - diario da navegação -, se assentarão diariamente, em quanto o navio se achar em algum porto, os trabalhos que tiverem lugar a bordo, e os concertos ou reparos do navio.

No mesmo livro se assentará tambem toda a derrota da viagem, notando-se diariamente as observações que os capitães e os pilotos são obrigados a fazer, todas as occurrencias interessantes á navegação, acontecimentos extraordinarios que possão ter lugar a bordo, e com especialidade os temporaes, e os damnos ou avaria que o navio, ou a carga possão soffrer, as deliberações que tomarem por accordo dos officiaes da embarcação e os competentes protestos.

Art. 505. Todos os processos testemunhaveis e protestos formados a bordo, tendentes a comprovar sinistros, avarias, ou quaesquer perdas, devem ser ratificados com juramento do capitão perante a Autoridade competente do primeiro lugar onde chegar, a qual deverá interrogar o mesmo capitão, officiaes, gente da equipagem (Art. 545 nº 7) e passageiros sobre a veracidade dos factos e suas circumstancias, tendo presente o diario da navegação, se houver sido salvo.

ARTIGOS DO ALVARÁ DE REGIMENTO DE 7 DE DEZEMBRO DE 1796, A QUE SE REFERE O ART. 4º DESTE REGULAMENTO

Art. 20. Depois de feita a referida declaração, passará logo em continente o dito Governador, ou Justiça ao navio apresado, ou tenha dado fundo em alguma bahia, ou entrado no porto; e formarão o processo verbal da quantidade, e qualidade das mercadorias, e do estado, em que se acharem as camaras, camarotes, escotilhas, e mais paragens do navio, que logo farão fechar, e sellar com o sello que for estilo, e porão guardas para terem sentido, e empedir que se divirtão os effeitos.

Art. 21. O processo verbal do Governador, ou Justiça, se ha de fazer em presença do capitão, ou patrão do navio apresado, e na sua ausencia na dos officiaes principaes, ou marinheiros delle, juntamente com o capitão, ou outro official do navio apresador, e ainda tambem em presença dos que puzerem demanda á tal presa, em caso que se apresentem ou se acharem presentes; e o dito Governador, ou Justiça, ouvirá aos commandantes, e officiaes principaes de ambos os navios, e alguns marinheiros, se necessario for.

Art. 22. Se acaso se trouxer alguma presa sem prisioneiros, passaporte, conhecimentos, e mais papeis, os officiaes, soldados, e marinheiros do navio, que tiver feito a presa, serão examinados separadamente sobre as circumstancias da dita presa; e porque razão veio o navio sem prisioneiros, o qual com suas mercadorias será visitado por pessoas expertas, para conhecer, se for possivel contra quem se fez a presa.

ARTIGOS DO REGULAMENTO Nº 707 DE 9 DE OUTUBRO DE 1850, A QUE SE REFERE O ARTIGO 30 DESTE REGULAMENTO

Art. 8º Offerecido o libello deverá o Escrivão preparar huma copia delle com additamento, se o tiver, dos documentos, e do rol das testemunhas, que entregará ao réo, quando preso, pelo menos tres dias antes do seu julgamento, e ao afiançado se elle ou seu procurador apparecerem para recebe-lo, exigindo recibo da entrega, que juntará aos autos.

Art. 9º Se o réo quizer offerecer sua contrariedade escripta lhe será acceita, mas somente se dará vista do processo original a elle ou a seu procurador, dentro do cartorio do Escrivão, dando-se-lhe porêm os traslados, que quizer, independente de despacho. Na conclusão do libello, assim como do seu additamento, e da contrariedade, se indicarão as testemunhas, que as partes tiverem de apresentar.

Art. 10. Findo o prazo do Art. 8º na proxima audiencia, presentes o Promotor, a parte accusadora, o réo, seus procuradores e Advogados, o Juiz fazendo ler pelo Escrivão o libello, contrariedade e mais peças apresentadas, procederá ao interrogatorio do réo, e á inquirição das testemunhas, ás quaes poderão tambem o Promotor e as partes fazer as perguntas, que julgarem convenientes.

O interrogatorio e depoimentos serão escriptos pelo Escrivão, assignados pelo respondente, e rubricados pelo Juiz.

Art. 11. Alêm das testemunhas offerecidas no libello e contrariedade, as partes terão o direito de apresentar até se encerrarem os debates mais tres testemunhas.

Art. 26. O Regulamento numero cento e vinte de 31 de Janeiro de 1842 será observado em tudo quanto por este não estiver alterado.




 


Este texto não substitui o original publicado no Coleção de Leis do Império do Brasil de 1850


Publicação:
  • Coleção de Leis do Império do Brasil - 1850, Página 158 Vol. 1 pt. II (Publicação Original)