Instrumentos de Planejamento e Orçamento
Vander Gontijo(*)
Introdução O modelo orçamentário brasileiro é definido na Constituição Federal de 1988 do Brasil. Compõe-se de três instrumentos: o Plano Plurianual – PPA, a Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO e a Lei Orçamentária Anual - LOA. Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão: I - o plano plurianual; II - as diretrizes orçamentárias; III - os orçamentos anuais. O PPA, com vigência de quatro anos, tem como função estabelecer as diretrizes, objetivos e metas de médio prazo da administração pública. Cabe à LDO, anualmente, enunciar as políticas públicas e respectivas prioridades para o exercício seguinte. Já a LOA tem como principais objetivos estimar a receita e fixar a programação das despesas para o exercício financeiro. Assim, a LDO ao identificar no PPA as ações que receberão prioridade no exercício seguinte torna-se o elo entre o PPA, que funciona como um plano de médio-prazo do governo, e a LOA, que é o instrumento que viabiliza a execução do plano de trabalho do exercício a que se refere. De acordo com a Constituição Federal, o exercício da função do planejamento é um dever do Estado, tendo caráter determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. Assim, o planejamento expresso no Plano Plurianual assume a forma de grande moldura legal e institucional para a ação nacional, bem como para a formulação dos planos regionais e setoriais. O § 1º do inciso XI do art. 167 da Constituição Federal é um argumento forte em relação à importância que os constituintes deram ao planejamento no Brasil: § 1º Nenhum investimento cuja execução ultrapasse um exercício financeiro poderá ser iniciado sem prévia inclusão no plano plurianual, ou sem lei que autorize a inclusão, sob pena de crime de responsabilidade. Plano Plurianual - PPA Encontram-se, na literatura orçamentária e financeira, indicações de alguns problemas relacionados com o funcionamento do modelo orçamentário acima descrito. Decorrem, em sua maioria, da inexistência da lei complementar mencionada no § 9º do art. 165 da CF. Em relação ao PPA, a primeira questão que pode ser colocada neste contexto se refere ao entendimento da expressão "de forma regionalizada". Sua finalidade está ligada ao mandato constitucional de "redução das desigualdades regionais" (§ 7º do art. 165 da CF 88). Ou seja, sendo apresentado de forma regionalizada, o plano permitirá ser devidamente avaliado em relação àquele objetivo.
_________________ (*) Economista. Consultor de Orçamentos e Fiscalização Financeira da Câmara dos Deputados.
Mas que regiões seriam estas a que se refere a Constituição? Uma primeira indicação encontra-se no art. 35 do ADCT - CF 1988
O disposto no art. 165, § 7º, será cumprido de forma progressiva, no prazo de até dez anos, distribuindo-se os recursos entre as regiões macroeconômicas em razão proporcional à população, a partir da situação verificada no biênio 1986-87.
Resta, entretanto, que as regiões estão definidas como sendo as macrorregiões adotadas pelo IBGE. Mas, de qualquer forma, cerca de 80% das ações propostas nos projetos orçamentários estão “regionalizadas” na classificação “nacional” - o que em nada ajuda para o cumprimento do preceito constitucional.
Além disso, é mister lembrar que o mandado constitucional exige que estados, municípios e o Distrito Federal também pratiquem o sistema de planejamento esboçado na Carta Magna. Nesse caso, quais seriam os parâmetros da regionalização a ser adotada?
A terceira questão refere-se ao termo "programa de duração continuada". O que seria isso? Não existe ainda nenhum delineamento satisfatório para este conceito. Sua definição, apesar do destaque constitucional, não consta nem mesmo dos projetos orçamentários apresentados.
Um passo paralelo foi dado pela LRF:
Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixe para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.
Então, um programa que abrigue tal tipo de despesa corrente poderia ser caracterizado também como programa de duração continuada! Foi nesse sentido as interpretações dadas por ocasião do PPA 1991-96 e na apreciação dos Projetos de Lei Complementar nº 222, de 1990, e nº 135, de 1996. Todas focalizavam apenas no caráter finalístico das ações.
Felizmente, e por acaso, uma definição objetiva, mas esdrúxula, surge no Substitutivo do PPA 2004-07 do Senador Sibá Machado. A redação do art. 2º da Proposta do PPA era a seguinte:
Art. 2º Os Programas, no âmbito da Administração Pública federal, como instrumento de organização das ações de Governo, ficam restritos àqueles integrantes do Plano Plurianual.
Ou seja, dada a exigência da compatibilidade da Lei Orçamentária com o PPA, o programa nela proposto deveria constar necessariamente deste Plano. Mas, qual o problema com esse dispositivo? Vários programas que constam da Lei Orçamentária Anual não necessariamente constam do PPA (programas de suporte administrativo, por exemplo). Portanto, alguma alteração havia que ser feita para consertar o problema. Qual foi o substitutivo para esse dispositivo?
Art. 2º Os Programas, no âmbito da Administração Pública Federal, para efeito do art. 165, § 1º, da Constituição, são os integrantes desta Lei.
Assim, ao tentar resolver um problema, resolveu-se outro, o da definição do "programa de duração continuada". Agora são aqueles que integram a Lei que institui o PPA.
Lei de Diretrizes Orçamentárias - LDO
Uma das principais funções da LDO é estabelecer parâmetros necessários à alocação dos recursos no orçamento anual, de forma a garantir, dentro do possível, a realização das metas e objetivos contemplados no PPA. É papel da LDO ajustar as ações de governo, previstas no PPA, às reais possibilidades de caixa do Tesouro Nacional e selecionar dentre os programas incluídos no PPA aqueles que terão prioridade na execução do orçamento subsequente.
Art. 165. Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:
§ 2º - A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.
Observe-se que prioridade pode ser entendida como o grau de precedência ou de preferência de uma ação ou situação sobre as demais opções. Em geral, é definida em razão da gravidade da situação ou da importância de certa providência para a eliminação de pontos de estrangulamento. Também se considera a relevância do empreendimento para a realização de objetivos estratégicos de política econômica e social.
MOGNATI (2008) observa, entretanto, que a importância do Anexo de Metas e Prioridades da LDO para a lei orçamentária tem sido relativizada pelo governo federal nos últimos orçamentos, sendo inclusive motivo de crítica por parte do Tribunal de Contas da União.
Da SILVA (2007) questionou a existência de compatibilidade entre as metas constantes no PPA, na LDO e na LOA: “Se esses instrumentos de planejamento devem manter perfeita sintonia entre si, então, depreende-se que a inconsistência de um refletirá no resultado do outro.”
Ao observar os dados do seu estudo, constatou falta de consonância, compatibilidade e integração entre o PPA, a LDO e a LOA. Dentre as principais inconsistências encontradas cita:
a) falta de coerência entre o que foi planejado no PPA e as metas físicas estabelecidas nas LDOs;
b) b) execução orçamentária de programas do orçamento de investimento das estatais acima da dotação autorizada na LOA;
c) divergências entre as metas prioritárias estipuladas pelo Governo na LDO e as efetivamente registradas na LOA; e
d) programas prioritários que não foram executados.
Apesar da existência de vários problemas relacionados com este importante instrumento de planejamento, não há dúvidas que ele continua sendo útil em antecipar o debate dos grandes problemas orçamentários (como por exemplo, salário mínimo, compensações a estados e municípios, alterações tributárias, política de pessoal) no fórum adequado, no plenário do Poder Legislativo.
Lei Orçamentária Anual - LOA
A lei orçamentária da União estima receitas e fixa as despesas para um exercício financeiro. De um lado, permite avaliar as fontes de recursos públicos no universo dos contribuintes e, de outro, quem são os beneficiários desses recursos. Reza o § 5º do artigo 165 da Constituição de 1988:
§ 5º - A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público.
a) Orçamentos Fiscal e da Seguridade
O Orçamento Fiscal abrange os três poderes, seus fundos, órgãos, autarquias, inclusive as fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público. Compreende também as empresas públicas, sociedades de economia mista e demais controladas que recebam quaisquer recursos do Tesouro Nacional, exceto as que percebam unicamente sob a forma de participação acionária, pagamento de serviços prestados, ou fornecimento de bens, pagamento de empréstimo e financiamento concedidos e transferências para aplicação em programa de financiamento. Este último, refere-se aos 3% do IR e do IPI destinados aos FNO, FCO, FNE, e 40% das contribuições do PIS/PASEP, destinados ao BNDES.
b) O Orçamento da Seguridade Social
Particularmente, constitui o detalhamento dos montantes de receitas vinculados aos gastos da seguridade social - especialmente as contribuições sociais nominadas no art. 195 da Constituição. Compreende também outras contribuições que lhe sejam asseguradas ou transferidas pelo orçamento fiscal, bem como do detalhamento das programações relativas à saúde, à previdência e à assistência social que serão financiadas por tais receitas. Esse orçamento abrange todas as entidades e órgãos vinculados à seguridade social, da administração direta e indireta, bem como fundos e fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público.
c) Orçamento de Investimento das Estatais
As Estatais, operando nas condições e segundo as exigências do mercado, não teriam obrigatoriedade de ter suas despesas e receitas operacionais destas empresas integrem o orçamento público. As despesas de custeio das empresas estatais vinculadas ao Executivo (entendidas como empresas públicas e as sociedades de economia mista, subsidiárias, controladas) terão seus orçamentos organizados e acompanhados com a participação do MPO, mas não são apreciadas pelo Legislativo.
A inclusão de seus investimentos é justificada na medida em que tais aplicações constam com o apoio do orçamento fiscal e até mesmo da seguridade que fornecem os recursos ou com o apoio do Tesouro que concede aval para as operações de financiamento, ou com "lucros e excedentes" de aplicações de recursos públicos. Por uma questão de racionalidade, transparência e evitar a dupla contagem não se incluem neste orçamento as programações de estatais cujos trabalhos integrem os orçamentos fiscal e da seguridade social (CBTU, CODEVASF, CONAB, CPRM, EMBRAPA, RADIOBRÁS, SERPRO).
Ciclo de planejamento e orçamento
O PPA é peça de mais alta hierarquia dentre a tríade orçamentária, embora esta seja somente constituída de leis ordinárias. Esse é o modelo disposto em nossa Carta Magna, que determina em seu art. 165, § 7º, que os orçamentos devem ser compatibilizados com o plano plurianual. No § 2º desse artigo exige que a LOA deve ser elaborada conforme dispuser a LDO. E no art. 166 § 3º, I, prevê a admissão de emendas ao orçamento somente se compatíveis com o plano plurianual e com a LDO.
A técnica utilizada na elaboração dessas leis orçamentárias – a do Orçamento Programa, ao possibilitar uma linguagem unificada nas relações entre essas três leis, permite a desejada e preconizada integração entre o planejamento e o orçamento.
Todas as leis orçamentárias são de iniciativa do Poder Executivo que as envia, sob a forma de proposta, para apreciação e aprovação do Poder Legislativo. Cabe ao Chefe do Poder Executivo sancioná-las e executá-las. Compete ao Poder Legislativo acompanhar e fiscalizar sua execução. O ciclo integrado de planejamento e orçamento pode ser ilustrado da seguinte maneira:
Apreciação do Orçamento pelo Poder Legislativo MOGNATTI (2008) descreve, de forma sucinta, o processo de apreciação do orçamento no Congresso Nacional. Reconhece que é o Poder Executivo que determina a formação da agenda para o conjunto de políticas públicas a serem formalizadas no orçamento. No âmbito do Poder Legislativo federal a apreciação das peças orçamentárias cabe à Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização (CMO) (Art. 166, § 1º, I e II, CF), composta por trinta Deputados Federais e dez Senadores da República, com igual número de suplentes, regida pela Resolução nº 1 do Congresso Nacional, de 26 de dezembro de 2006 (Resolução nº 1/06-CN). A CMO emite parecer e delibera sobre os projetos de lei do plano plurianual, diretrizes orçamentárias, orçamentos anuais e suas alterações (créditos adicionais), além de outras matérias de cunho orçamentário. Em seu âmbito são apresentadas as emendas aos projetos para inclusão dos interesses dos parlamentares, respeitando os prazos, limites e condições determinados pela Resolução. Cada proposta de PPA, LDO ou LOA recebe proposições acessórias durante sua tramitação, que auxiliarão na análise das proposições principais e determinarão regras para atuação dos relatores e a apresentação de emendas. Dentre essas proposições acessórias destacam-se o parecer preliminar, os relatórios setoriais (somente no caso do projeto da LOA), as emendas e os destaques. As emendas podem ser apresentadas pelos parlamentares de forma individualizada ou coletiva. As emendas individuais são apresentadas por qualquer parlamentar detentor do mandato e também por relatores das propostas, sendo estas limitadas à correção de erros ou omissões contidas nos projetos em análise. As emendas coletivas derivam do consenso dos parlamentares reunidos em comissões permanentes de cada Casa do Congresso Nacional – Emendas de Comissão – ou dos parlamentares pertencentes à mesma unidade da federação – Emendas de Bancada. No caso das Emendas de Comissão, sua apresentação fica condicionada à aprovação pela maioria de seus membros, e as Emendas de Bancada devem constar de ata assinada por, no mínimo, 3/4 (três quartos) de deputados federais e 2/3 (dois terços) de senadores da respectiva unidade da federação para serem submetidas à apreciação da CMO. Um resumo desse procedimento pode ser visualizado no desenho criado por MOGNATTI (2008):
Fonte: MOGNATTI (2005, p.19).
RGF: Relatório de Gestão Fiscal
RREO: Relatório Resumido da Execução Orçamentária
Referências Bibliográficas:
Da SILVA, Luís Carlos – "Efetividade do Sistema de Planejamento no Brasil: Uma análise da efetividade do planejamento no sistema orçamentário (PPA, LDO e LOA)” - Monografia apresentada para aprovação no curso de Especialização em Orçamento Público da Câmara dos Deputados. Brasília, DF - 2007.
GREGGIANIN, Eugênio. Reforma Orçamentária: propostas de ajustes no sistema de planejamento e orçamento (Orçamento Plurianula). Cadernos ASLEGIS, Brasília, n. 25, p. 21, jan/abr. 2005.
MOGNATTI, Marcos César de Farias – “Transparência e Controle na Execução das Emendas Parlamentares ao Orçamento da União” - Monografia – Curso de Especialização em Orçamento Público – Tribunal de Contas da União, Câmara dos Deputados e Senado Federal – 2º Semestre 2008. Brasília, DF.
SANCHES, Osvaldo M. Dicionário de Orçamento, Planejamento e Áreas Afins, 2.ª Edição. Brasília: Prisma/OMS, 2004, 394p.
SANTA HELENA, Eber Z. O Processo de Alocação dos Recursos Federais pelo Congresso Nacional. In: Cadernos ASLEGIS. Brasília, v. 6, n. 21, p. 9-36, dez-2003.