Legislação Informatizada - RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 87, DE 1957 - Publicação Original
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RESOLUÇÃO DA CÂMARA DOS DEPUTADOS Nº 87, DE 1957
Constitui Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar a política exterior do Brasil, e investigar, em particular, o "Acôrdo de Assistência Militar" entre o Brasil e os Estados Unidos.
Exmo. Sr. Presidente:
De acôrdo com o art. 53 da Constituição Federal, e na forma do Regimento Interno desta Câmara, requeremos a V. Ex.ª a constituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para estudar, em geral, a política exterior do Brasil, e investigar, em particular, sôbre os resultados obtidos pelo "Acôrdo de Assistência Militar" celebrado a 15 de março de 1952, entre o Brasil e os Estados Unidos, bem como examinar, do ponto de vista jurídico, se o "ajuste" ùltimamente firmado entre os dois referidos países é uma decorrência do mesmo acôrdo e se independe, outrossim, da aprovação do Congresso Nacional, e ainda, do ponto de vista do interêsse nacional, se o acôrdo deverá ser mantido ou denunciado.
A referida Comissão será composta de 11 (onze) membros, funcionando pelo espaço improrrogável de 180 dias, contados da data de sua instalação, dispondo da verba de Cr$ 100.000,00 (cem mil cruzeiros) para as despesas que se fizerem necessárias.
Justificação
Pelo acôrdo militar firmado entre o Brasil e os Estados Unidos as responsabilidades atinentes a ambas as nações circunscriviam-se, é lógico e insofismável, ao tipo de armamento que era usado na época, não havendo dispositivo que permitisse a introdução de novos padrões. Agora, através de notas diplomáticas sem a necessária audiência do Congresso, o Poder Executivo permite que em território nacional (Fernando Noronha) se instale uma base para foguetes. Parece juridicamente errado que um simples ajuste à guisa de desdobramento de um acôrdo possa, em verdade, concordar com a instalação de uma base de guerra para armas desconhecidas no Brasil em 1952. A característica principal do citado acôrdo era o seu caráter defensivo. Ora, do ponto de vista militar, as armas que serão lançadas da futura base de Fernando de Noronha são tipicamente agressivas. Não serão ali instalados exclusivamente foguetes interceptadores, mas projéteis balísticos cuja finalidade precípua é o bombardeio de alvos fixos. Sendo vagos os têrmos conhecidos dêsse "ajuste", e secretos os detalhes objetivos do mesmo, não se sabe a extensão que foi dada ao sopracitado "ajuste", desconfiando-se da sua amplitude pelo que transparece na névoa da confusa redação da nota de nossa Chancelaria. Esta Comissão de Inquérito verificará a "juridicidade" do "ajuste" em face da Constituição, por parecer que a mesma é taxativa quanto ao consentimento que dependerá obrigatòriamente do Congresso para a permanência de tropas, (em grande ou pequena quantidade, pois não é o número que altera o problema), no solo brasileiro. Senão vejamos o texto, que a nosso ver é claro, preciso e expresso, do art. 66, item III, da prefalada Carta Constitucional Brasileira:
III - "autorizar o Presidente da República a permitir que fôrças estrangeiras transitem pelo território nacional ou, por motivo de guerra, nêle permaneçam temporariamente".
Não atinamos como possa um hermeneuta, por mais sutil que seja, dar uma interpretação tão elástica como certos internacionalistas a serviço do Itamarati. Verificará, também, a Comissão, se o que foi concedido no "ajuste" é mera decorrência do que estava estipulado no acôrdo ou se a concessão é de natureza a exigir um novo acôrdo. Nesta última hipótese, os têrmos do novo acôrdo devem se bitolar no interêsse da defesa continental, mas sem ferir, em nenhuma hipótese, a soberania brasileira, e evitando, cautelosa e patriòticamente, que haja qualquer desvantagem para a nossa terra e o nosso povo. Não nos parece conveniente acôrdo desta natureza que transforma o Brasil no escudo dos Estados Unidos. Evidentemente a rota mais curta para o ataque direto e recíproco Estados Unidos versus Rússia é a Polar do Norte. Por que então os Estados Unidos querem instalar bases militares de caráter agressivo através do leste das Américas Central e do Sul? Preliminarmente, é óbvio, para desviar o alvo inicial do ataque que seria feito contra o seu território. Ficamos, pois, sem defesa alguma, expostos a êste ataque. O argumento de que os melhores postos de guerra ficam nesta nota não procede pois a partir da Base da Flórida para o Norte, os Estados Unidos têm suficientes terras contínuas, algumas desertas. Fica pois evidente o caráter ofensivo, no caso em tela, dos nossos aliados do norte. Primeiramente se houver o desencadeamento de uma guerra, (probabilidade que dia a dia se afasta, em virtude mesmo do terrível e tremendo poder destruidor das novas armas), será o Brasil o primeiro a ser atacado, podendo a América revidar com um golpe preventivo para o seu território, que além do mais, possui uma sólida e eficiente defesa. Mas enquanto a guerra não vem teremos alastrando-se pelo nordeste na direção da Bahia e do Amazonas, como pontas de tenazes, as bases americanas que terão ao alcance de sua mão dois centros de petróleo do Brasil, um dêles, o da Bahia, em plena fase de produção, e com capacidade de ampliação cada vez maior, e o outro, o do Amazonas, cuja bacia sedimentar petrolífera já não pode ser posta em dúvida graças ao jôrro do NO 2 AZ, que entrará a produzir dentro em muito breve. Aliás, os americanos há muito sabiam da existência de petróleo no Amazonas. Os seus técnicos, há três decênios passados, já haviam mergulhado na misteriosa selva amazônica, elaborando perfis geológicos e levantando os primeiros esboços cartográficos daquela imensa região sedimentar, talvez a maior do mundo. Como já tive oportunidade de ressaltar noutra oportunidade, tudo indicava, embora por simples analogia, que a Amazônia encerrava nas suas entranhas grande quantidade de rochas petrolíferas. Os trabalhos que se desenvolveram no altiplano andino, e a descoberta em larga escala do petróleo na Venezuela, levaram os poderosos "trusts" americanos à quase certeza de que a Amazônia, possuindo formação geológica semelhante, e sendo, inclusive, um como desdobramento dos terrenos petrolíferos venezuelanos, formado na mesma era e até no mesmo período da geologia - não poderia deixar de possuir grandes campos petrolíferos. É pois profundamente suspeito que o pretendido pelos Estados Unidos seja o contrôle cada vez maior da nossa economia e desta a nascente e já florescente indústria petrolífera. E depois, como coroamento dessa política, pouco amistosa, mas enormemente realista, as tenazes se fecharão sôbre o Govêrno no sentido de fazê-lo recuar da política atômica que corajosamente traçara ùltimamente. A Comissão investigará também a veracidade da afirmação do Sr. Ministro das Relações Exteriores, Embaixador Macedo Soares, quando propalou em tom alarmista que estávamos no limiar da terceira guerra mundial. Fatos da política internacional como a votação comum da Rússia e dos Estados Unidos na ONU na questão da retirada de tropas de Israel do solo egípcio, e o prosseguimento, em tom amistoso, das conversações daqueles dois países na Comissão de Desarmamento do referido organismo internacional, a cautela militar dos Estados Unidos diante da dolorosa e patética tragédia húngara, etc., leva-nos a crer que a guerra está mais distante do que supunha ou supõe o Ministro. A Comissão investigará, outrossim, por que foi o leste e não o oeste da América do Sul o caminho preferido pelos Estados Unidos. Tudo indica que a referida nação preservou o Canal do Panamá e os seus altos interêses no petróleo da Venezuela, Colômbia e Peru. A Comissão ainda examinará da veracidade dos rumores da imprensa, - inclusive a mundialmente conceituada revista "Time", em seu número de 31 de Dezembro do ano próximo passado, - que dão como certa a entrega, de outros pontos do território nacional, - a mencionada revista afirma até que serão construídas, além de Fernando de Noronha, outras cinco bases, - em condições semelhantes. Com que objetivo? Onde êsses pontos da costa nordestina? As novas bases serão também para postos de radar e de lançamento de balísticos? Mas isto não pode ser feito através de plataformas flutuantes, como navios, submarinos, etc.? Outro aspecto que precisa ser sèriamente examinado é que o foguete balístico do tipo V2, por exemplo, aperfeiçoado e desenvolvido, prescinde inteiramente do contrôle de radar. O seu lançamento é baseado no impulso inicial e na sua auto propulsão. Libertados da base não voltarão à mesma, pois sua finalidade é agredir e não defender. Não são pois teleguiados e não podem ser utilizados como interceptadores ou perseguidores de outros foguetes. A Comissão investigará, afinal, se há alguma honesta contrapartida, isto é, se os nossos técnicos vão ser instruídos no manejo de tão super-modernas armas, ficando a par dos seus segredos e se os nossos soldados serão adestrados para uma guerra moderna, se serão convenientemente armados e se a êles caberá, como é lógico, intuitivo, sensato e necessário à própria dignidade nacional, o direito - que é um dever, - de defenderem o solo pátrio. E mais: quais as medidas concretas tomadas no sentido de nos serem concedidos auxílios ponderáveis para um desenvolvimento rápido da nossa economia ainda incipiente, pois, embora discordemos frontal e fundamentalmente da velha e rígida tese marxista, de que as condições morais e políticas nada têm a ver com o curso da história pois são efeitos e não causas aceitamos o princípio mitigado e ponderado de que a economia tem função preponderante e importância decisiva nos fatos sociais e nos acontecimentos históricos, e assim, conseqüentemente, chegamos à conclusão de que um povo econômicamente fraco, em estado de quase pauperismo, vivendo num país subdesenvolvido, dificilmente pode ter uma grande capacidade de resistência e de luta. É óbvio que a recíproca é verdadeira, isto é, um povo rico, econômica e financeiramente, não será suficientemente forte e invulnerável se não contar com a armadura de uma moral sadia.
A presente propositura visa, acima de tudo, o debate de tão palpitante e momntoso problema, vez que não é concebível que os destinos do Brasil sejam decididos em ambientes fechados e secretos. É preciso falar claro à Nação. O povo brasileiro tem fibra e consciência e por isso não deve e não pode marchar como autômato, sem rumo, sem bússola, sem destino. Exigimos que os grandes temas e os grandes problemas sejam amplamente discutidos, com sinceridade e equilíbrio, para que a opinião pública dê cobertura ao Govêrno e possa marchar com segurança, decisão e firmeza para a realização dos grandes ideais do povo brasileiro, que se resumem em liberdade, trabalho, dignidade e justiça. Aliás, a Comissão terá uma amplitude maior, vez que poderá examinar, nos seus diversos ângulos, nos seus múltiplos aspectos, tôda a política externa do País. Não resta a mais leve sombra de dúvida de que a maioria maciça do Poder Legislativo brasileiro deseja que perdure e mesmo se solidifique a aliança do Brasil e Estados Unidos, mas em moldes diferentes dos que vêm sendo usados. Devemos exigir tratamento diferente, em pé de igualdade, como aliados, e não e nunca como vassalos.
Sala das Sessões, em 19 de março de 1957.
Seixas Dória - Aarão Steinbruch - Adahil Barreto - Frota Moreira - Sylvio Sanson - Danton Coelho - José Bonifácio - Mário Guimarães - Riga Júnior - Nelson Omegna - Plínio Lemos - Miguel Leuzzi - Aurélio Vianna - Ermerino Arruda - Moury Fernandes - Francisco Macedo - Divonsir Côrtes - Chagas Rodrigues - José Cândido Ferraz - Pio Guerra - Leonardo Barbieri - Herbert Levy - Fausto Oliveira - José Arnaud - Gabriel Hermes - Aureo Mello - Aziz Maron - Frota Aguiar - Wanderley Júnior -Corrêa da Costa - Dias Lins - Alfredo Barreira - Guilherme Machado - Oscar Corrêa - Mário Martins - Rafael Corrêa - Oceano Carleial - Bilac Pinto - Odilon Braga - Leão Sampaio - Vasco Filho - Aliomar Baleeiro - Luiz Garcia - Raimundo Padilha - Ernani Sátiro - Praxedes Pitanga - Carlos Lacerda - Afonso Arinos - Campos Vergal - Elias Adaime - Armando Lages - Celso Peçanha - Emival Caiado - Georges Galvão - José Talarico - Paulo Freire - Abguar Bastos - Castilho Cabral - Lopo Coelho - José Guimarães - Nicanor Silva - Neiva Moreira - Leônidas Cardoso - Joaquim Durval - Sérgio Magalhães - Armando Monteiro - Cunha Machado - Dagoberto Salles - Carneiro Loyola - Hermógenes Príncipe - Galvão de Medeiros - Milton Brandão - Afonso Matos - Lourival de Almeida - Walter Sá - Eider Varela - Barros de Carvalho - Portugal Tavares - Bruzzi de Mendonça - Alberto Torres - Júlio de Castro Pinto - Ruy Santos - Newton Carneiro - Saldanha Derzi - Magalhães Pinto - Alencar Araripe - Celso Branco - Lycurgo Leite - Milton Campos - Nogueira de Rezende - Colombo de Souza - Oswaldo Lima Filho - João Machado - Ari Pitombo - Rocha Loures - César Prieto - Drault Ernany - Gurgel do Amaral - Antônio Baby - Antunes de Oliveira - Souto Maior - Ney Maranhão - Wilson Fadul - José Guiomard - Paulo Germano - Coaracy Nunes - Walter Franco - Rondon Pacheco - João Agripino - Aluízio Alves - Cunha Bastos - Jonas Baiense - Nita Costa - Oliveira Franco - Esteves Rodrigues - Segadas Viana - Croacy Oliveira - Djalma Marinho - Pereira Lima - Prado Kelly - José Alves - José Miraglia - José Afonso - Wagner Estelita - Broca Filho - João Ursulo - Arino de Mattos - Marcos Parente - Segismundo Andrade - Fernando Ferrari - Augusto Viana - Tenório Cavalcanti - Antônio Dino - Raul Pilla.
Em virtude desta Resolução o Sr. Presidente da Câmara dos Deputados designou para constituir esta Comissão de Inquérito os Srs. Horácio Laffer - Guilhermino de Oliveira - Jefferson de Aguiar - Vieira de Melo - Seixas Dória - Rafael Cincurá - Newton Carniro - Chagas Rodrigues - Nogueira da Gama - Leonardo Barbieri e Augusto Viana